Castelobruxo escrita por Vilela


Capítulo 7
Capítulo seis - Preguiça desmalte




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A-garota-que-se-jogara-da-escada se tornou instantaneamente famosa em Castelobruxo. Todos pareciam ter tido aula uma vez ou outra com a pajuante, ou conheciam o namorado, ou já os tinham visto juntos pelos corredores. Uns contavam que ela tentara suicídio, outros insistiam que ela começara a agir estranho somente momentos antes do acidente. O fato era que na semana seguinte não se falou de outra coisa, principalmente porque ela ficara internada na enfermaria por quatro dias seguidos. Mateus ouvira uma história curiosa no dormitório enquanto escovava dentes, e estava reproduzindo enquanto eles tomavam café da manhã.

            — Ela estava aqui no refeitório quando simplesmente disse que ia se jogar das escadas — ele contou. — Ignorou os amigos, o namorado e subiu até jardins suspensos. Ninguém acreditou que ela fosse fazer de verdade, até que ela fez.

            — Y su novio tentou impedir — disse Nicolás, mastigando uma torrada com geleia.

            — Sim, dizem que se ele não tivesse feito um feitiço de corda, que acertou a perna dela, ela teria morrido.

            — Eu não acredito nisso — disse Alex. — Essa história está muito mal contada. Todos os amigos dela estão em choque, a impressão que dá é que eles têm alguma culpa nessa história toda.

            — Seja como for, — continuou Mateus — ela recebeu alta hoje. Parece normal, talvez agora a gente saiba o que realmente aconteceu.

            — Impossível — disse Tuany, a garota de olhos verdes que era parte do quinteto deles na aula de poções. Ela se sentou ao lado de Nicolás, pegou uma de suas torradas e continuou: — Ela não se lembra de nada.

            Tuany apontou para a mesa no outro extremo do refeitório, onde a garota e seu namorado tomavam café. Ninguém parecia ter reparado que eles estiveram ali aquele tempo todo.

            — Eu ia morrer de vergonha se fosse ela. Todo mundo comentou essa história.

            Era quinta-feira e eles tinham o primeiro horário de poções juntos. Os quatro subiram juntos para a parte nobre do castelo. A aula começou minutos mais tarde e Sofia chegou junto do professor. Quando chegou perto de Alex, ela disse:

            — Hoy será la poción de crecimiento. Vocês não vão gostar.

            E ela estava certa. Iam aprender uma poção que era usada na herbologia para adubar plantas. Algumas espécies, como Alex ficara feliz em informar, cresciam até cinco vezes mais rápido com a ajuda daquela poção. No entanto, isso de nada servia para suas aulas de herbologia simples, muito menos para o restante do curso. Viu os veracostas revirarem os olhos quando o professor disse qual era a poção do dia. O único feliz com aquilo era Nicolás.

            — Más um frasco para mi — ele disse. Estava acumulando frascos, segundo ele para um momento em que a poção do dia seria tão boa que ele ia ter de encher vários deles. Alex resolveu dar o seu frasco para o amigo também.

            Sofia ficou encantada em poder trabalhar sem interrupções mais uma vez. Segundo ela, tinham uma tarefa naquela semana em Herbologia Aplicada que era sobre cultivo de um tipo de musgo. Ela ia deixar o musgo mais vistoso com aquela poção. No fim dos dois tempos eles deram tchau para a pajuante e correram para deixar as mochilas no dormitório antes de irem ao encontro de Leonino na porta sul do castelo.

            O professor estava com o cabelo solto como de costume e girava a varinha entre os dedos habilidosamente. Quando todos os alunos chegaram ele fez a contagem, depois disse:

            — Estão todos de botas? Se não estiverem podem voltar pro castelo porque não vão fazer aula hoje. — Apontou para a floresta. — Hoje vamos adentrar a mata de verdade pela primeira vez.

            Mateus levantou a mão.

            — Sim?

            — Mas você não disse que íamos ficar pelo menos um mês nas bordas? — ele perguntou.

            — Disse. Não sei vocês, mas para mim está chato. Vamos ver onde os verdadeiros bichos da Amazônia vivem.

            Alguns sorriram, mas Alex não ficou nem um pouco animado. Já ouvira os alunos mais velhos reclamarem de longas caminhadas na floresta. Por algum motivo ele sentia que seria esse o caso naquele dia. E foi exatamente isso que aconteceu: meia hora de caminhada floresta adentro, passando por barrancos, árvores caídas e um chão escorregadio e traiçoeiro. Quanto mais andavam mais achavam que seria impossível acharem o caminho de volta. Leonino não parecia se importar com o caminho, entretanto. Ia andando a esmo, olhando para cima ou conversando com os alunos.

            Alex quase tropeçou várias vezes, o bico da bota agarrava com facilidade em raízes levantadas. Na última vez ele prendeu o pé num galho escondido entre as folhas mortas. Caiu de quatro do chão, arrancando o galho e tirando a camada de sujeira de cima dele. Ao tirar o pé do galho, ele viu uma plantinha crescendo por entre o chão de terra escura.

            — Uma morfidantea! — disse, surpreso de verdade. Tirou um pouco de terra das duas folhinhas que pareciam que tinham acabado de brotar.

            — Uma o quê? — Mateus agachou ao seu lado.

            — Uma planta milenar — ele respondeu. — Apesar de parecer nova, essa planta é provavelmente mais velha que todas essas árvores ao redor dela. Muitas poções rejuvenescedoras são feitas com essas folhinhas.

            — E por que você não as colhe?

            Alex sorriu. Pegou a planta pelo cabo e puxou o mais forte que pôde. Ela nem se mexeu.

            — Por isso.

            — Vocês aí atrás! — gritou o professor. — Eu não aconselho parar...

            Continuaram a caminhada e quando já achavam que não era possível continuar mais, chegaram no que parecia ser o local da aula: uma árvore de tronco largo com galhos despontando desde a base.

            — Pronto — disse Leonino. — Chegamos. Vou dar total na próxima prova e a primeira insígnia de mantedor para quem achar a criatura que vive nessa árvore.

            Todos pularam de alegria. Era óbvio que aquele era a melhor recompensa que Leonino podia dar. Ter três insígnias de mantedor significava que você ganharia a licença para poder ter qualquer tipo de animal fantástico. Não esperavam que fossem ganhar a insígnia terrestre tão facilmente. Por causa disso, quando Leonino disse “já!”, os alunos se empurraram para chegar aos galhos baixos primeiro. Começaram a subir como macacos, como se a competição fosse quem chegasse ao topo primeiro.

            Alex, Mateus e Nicolás eram os últimos da fila. Mesmo que quisessem subir primeiro, era impossível. A árvore, no entanto, era grande o bastante para aqueles trinta adolescentes subirem à procura. Alex sabia que tinha uma grande chance de não ser um animal que fizesse um ninho, pois como Leonino repetira diversas vezes, o foco do seu curso eram os animais terrestres. Procurou nos galhos mais baixos e ao redor do tronco primeiro, mas podia ser qualquer coisa. No seu pouco conhecimento sobre animais fantásticos, o garoto sabia que a criatura que o professor queria que eles achassem podia ser qualquer coisa, ou estar disfarçada de qualquer coisa. Ou mesmo invisível. Tocou os galhos, as folhas, mas mesmo que que o bicho soltasse um guincho, não seria capaz de escutar por causa dos alunos nos galhos mais altos. Eles gritavam, riam e xingavam uns aos outros.

            Mateus não estava tendo muita sorte também. Ficou pendurado de cabeça para baixo quando uma garota no galho de baixo disse ter visto alguma coisa se mexer nas folhas à frente. Como um morcego, ele alcançou o galho antes da garota, mas descobriu que na verdade era a mão de Nicolás agitando as folhas. Os dois quase caíram nessa situação. Alex riu até ficar sem ar, ele também experimentando uma quase queda.

            Todos tiveram a oportunidade de subir até os galhos do topo, os mais finos e verdes. Passaram-se dez, vinte, e então trinta minutos. Ninguém parecia ter encontrado nada de muito relevante. Alex subiu até o último galho que podia sustentá-lo, projetou-se para cima e sua cabeça emergiu pela copa. Olhou as outras árvores, o céu azul, e então desceu para o solo lá embaixo. Sentou em uma das raízes, cansado, e viu que Mateus estava deitado nas folhas mais à frente. Leonino mesmo estava dormindo de costas para a turma, a cabeça apoiada numa pedra e uma folha gigante sobre o rosto.

            Um a um todos os alunos desistiram de procurar e já estava quase acabando a aula, tinham que voltar para o castelo. Se não almoçassem no tempo certo provavelmente se atrasariam para a aula de espanhol à tarde. Alex considerou a possibilidade de tirar um cochilo, a floresta era tão calma e a sombra era tão convidativa. Tuany pulou uma das raízes da árvore e pisando duro foi até Leonino.

            — Professor? — ela chamou. — Professor!

            Leonino levantou-se com um salto, limpando a roupa suja de terra. Pigarreou, olhou em volta, viu a garota na sua frente e então falou:

            — Muito bom. Qual de vocês achou o animal que mandei?

            — Eu achei! — um menino gordinho disse. Caminhou até o professor e os outros alunos se amontoaram para ver o que ele tinha achado.

            — Fascinante! — disse Leonino. Ele pegou da mão dele e deu uma olhada de perto. Depois atirou longe o que quer que fosse, dizendo: — É só uma pedra. Alguém mais achou uma pedra?

            Um outro garoto jogou fora o que parecia ser um graveto antes que pudesse mostrar para o professor.

            — Ninguém?! Mas o que é isso aí?

            Ele se aproximou de Nicolás. Tirou seus óculos do bolso da calça, concertou as pernas tornas e colocou no rosto. Olhou com atenção para uma das mangas da blusa de Nicolás e fez uma cara de surpreso e desconforto com a aproximação.

            — Mas... meus parabéns, rapaz. Você achou uma preguiça desmalte.  Aplausos!

            Os alunos bateram palmas desinteressados, ninguém muito confiante do que tinha acabado de acontecer. Nem Nicolás estava certo.

            — Se vocês olharem com atenção — continuou Leonino. — Aqui está.

            Ele estendeu o dedo para a manga de Nicolás. Alex estava perto o suficiente para ver bem: agarrado na barra da manga estava um pequeno animal, como uma preguiça, menor que a unha do professor. O bicho agarrou no dedo de Leonino e ele o mostrou para o restante da turma, enquanto dizia:

            — Esse é um dos menores animais da floresta, pelo menos em estado latente. A preguiça desmalte é ainda mais preguiçosa que a preguiça comum, chegando a passar dois anos inteiros dormindo. Nesse período de hibernação, ela chega a murchar seu corpo para salvar energia ficando desse tamanho. — Chegou a vez de Alex e ele viu a pequena preguiça de olhos fechados e garras fincadas na pele do professor. — Quando acordam, porém, podem chegar a medir mais de dois metros de altura.

            Ele devolveu a preguiça para Nicolás, que sorria.

            — Bom, eu não tenho permissão para dar insígnias para alunos do primeiro ano. Mas como promessa e dívida, aqui está.

            Ele tirou a varinha e tocou o brasão na camisa de Nicolás. Um ponto surgiu do lado esquerdo, tornando-se vermelho circulado de preto. Se olhassem bem no meio veriam o símbolo em forma de pegada da magizoologia terrestre.

            — Você é o aluno mais sortudo que já tive a honra de dar aula — disse para Nicolás. Agora devolve ele para uma folha qualquer da árvore.

            Os alunos observaram Nicolás tornar a subir os galhos. Quando ele retornou era hora de retornar para o castelo, não sem antes de Leonino dizer que queria para a quinta-feira que vem uma redação sobre as diferenças entre uma preguiça desmalte e uma comum. O caminho de volta não parecera tão longo quanto o de ida e, guiados pelo professor, em pouco tempo chegaram na clareira. Contornaram o castelo e entraram pela porta leste. Queriam tomar um banho antes de almoçarem, mas Mateus disse que eles iam chegar atrasados para a aula de espanhol. O estado deles não foi passado por despercebido.

            — Mas que sujeira é essa? — disse Amadeus, sorrindo; ele sentou-se ao lado de Alex e de frente para Mateus. Tirou a varinha e limpou as pegadas de terra dos garotos pelo refeitório. — Não te ensinaram a limpar o pé antes de entrar?

            — Não adianta, essa terra da floresta não sai da bota — disse Alex.

            — Isso é ser veracosta!

            Ele almoçou com os garotos. Ficou espantado quando descobriu que Nicolás tinha ganhado uma insígnia, pois ele mesmo no sexto ano não tinha nenhuma. Amadeus disse que aquilo não era possível, ele já tinha passado por todas aquelas aulas e nenhum professor tinha sido tão burro a ponto de dá-lo uma insígnia por achar um animal.

            — A última vez que vi alguém ganhar uma insígnia por achar alguma coisa — disse ele —foi por ser devorado pela Fera, a antiga mascote de veracosta que estava perdido. Bom, não adiantou muito, não é mesmo?

            Alex aproveitou o momento para perguntar como eram as aulas no sexto ano. Amadeus fora sincero, a partir do quarto ano eles podiam escolher quais matérias queriam fazer, e a maioria envolvia quase ser comido pelas bestas mais terríveis. Ele disse que haviam calabouços e jaulas subterrâneas em Castelobruxo com pelo menos três espécies latinas de dragão. Um deles tão venenoso quanto era bonito.

            — Acreditem em mim, essa fase de magizoologia que vocês estão agora é a melhor. Mas não é nada que mereça insígnias.

            Nesse momento um garoto alto e loiro passou por eles e esbarrou na cadeira de Amadeus, fazendo-o engasgar com o pedaço de carne de porco que ele acabara de colocar na boca. Depois de tossir duas vezes, ele pulou da cadeira, tirou a varinha do bolso e apontou para o peito do garoto.

            — Desculpa-me — disse o loiro, num sotaque português europeu. Tinha os olhos azuis, e apesar do que dissera, não parecia arrependido. Vestia o uniforme masculino de Beauxbatons.

            — Varinha. Agora — Amadeus disse. O loiro riu.

            — Não me conheces, gajo. Não quero te fazer mal.

            — Varinha — Amadeus insistiu. Faíscas amarelas saltaram da sua varinha, ele a empunhava com força demais. Tanto Mateus quanto Alex tinham se levantando da mesa.

            — Ei, ei, ei! — disse outro garoto, chegando em seguida. — Tá maluco, Amadeus? Se te pegam desafiando alguém no refeitório...

            — Você viu o que esse babaca fez? Ele chutou o pé da minha cadeira!

            — O melhor é registrar um duelo, cara, vai por mim.

            Amadeus continuou com a varinha em punho por mais alguns segundos antes de abaixá-la. Guardou-a no bolso e seu amigo arranjou um papel e uma caneta de pena.

            — Nome — pediu ao português.

            — Como? — o loiro ainda sorria.

            — Seu nome, vamos registrar um duelo.

            — E quem disse que quero ter um duelo contigo?

            — Está com medo? — Amadeus estava a um passo de tirar a varinha do bolso novamente. — Fala logo seu nome.

            — João Leite — o aluno de Beauxbatons finalmente disse.

            — Te vejo na lua cheia, babaca — disse Amadeus, voltando a sentar-se à mesa.

            João Leite retirou-se e Alex tinha a mesma expressão de seus amigos, espanto.

            — Cara, esse é seu segundo duelo registrado — disse o garoto. — Se você continuar arrumando briga vai lotar todas as vagas...

            — Só yo no entendi? — perguntou Nicolás. — Qué es um duelo?

            — Um duelo bruxo — disse Amadeus, a sua voz ainda alterada. — Aqui os duelos são regularizados.

            — Um esporte — completou Mateus. — Só permitido na primeira noite da lua cheia, e somente os alunos devidamente inscritos até a lua nova.

            — Sinistro — disse Alex.

            Deixaram o refeitório, passaram no dormitório e seguiram para a aula de espanhol. Nicolás virou num corredor diferente a caminho da sua aula de português. Quando retornaram para o quarto naquela noite, devidamente preparados para dormir, Mateus não falava de outra coisa a não der do duelo do irmão mais velho.

            — Eu espero que aquele português desça uns feitiços europeus que ele não conheça. Eu ia gostar de ver meu irmão passando vergonha. Mas ele nunca perdeu um duelo aqui... pelo menos não que eu saiba.

            — Apaguem as luzes, eu quero dormir — pediu Alex.

            — Esperem — disse Nicolás. Ele saltou da cama e pegou sua calça que tinha usado naquela manhã. Enfiou a mão em um dos bolsos e tirou algo. Os amigos aproximaram para ver o que ele tinha. — La preguiça desmalte!


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