Castelobruxo escrita por Vilela


Capítulo 3
Capítulo dois - Varinha empoeirada




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Janeiro se arrastara longo e desnecessário. Alex arrumara suas malas no dia seguinte à decisão do pai, temeroso que ele mudasse de ideia. Sentia-se animado pela primeira vez em muito tempo, mas não demorou muito para o tédio voltar, uma vez que as aulas só começariam em fevereiro. Seu pai conseguira um acordo com o Conselho Errante. Alex seria o primeiro bruxo a se formar em Castelobruxo e a continuar sendo da tradição, mas em troca ele usaria seus conhecimentos em prol da comunidade. Havia espaço para um herbologista entre eles, não tinham dúvidas. Alex estava satisfeito com essa decisão. Os sete anos que passaria na escola poderiam fazer muita coisa mudar, apesar de sentir-se preso a esse compromisso.

            Com a morte do noiteado, ele não ficara sabendo ao certo do que precisaria para começar as aulas. Dessa forma, tentara fazer algumas pesquisas. Não conhecia bruxo algum fora da tradição, por isso era pouco provável que alguém soubesse da lista de materiais. Mandar uma carta para a escola era impossível, nenhum pássaro de fora conseguia sobrevoar a floresta, todos acabavam mortos. Além disso, ele ainda tinha dúvidas se de fato poderia ir, pois não confirmara o chamado. Depois de alguns dias essa preocupação se tornou seu maior medo.

            — Não tem por que ter medo, confirmar o noiteado é só um costume, não regra — disse sua mãe, mas ela mesma não sabia ao certo como essas coisas funcionavam. Seu pai fora um bruxo comum, mas ele abandonara tudo pela esposa que era errante e o resultado foi uma filha completamente alienada. Nada do que ela dizia servia de consolo. Ele odiava estar completamente isolado daquela forma. Quando o dia chegasse, Alex ia ser o aluno mais despreparado que Castelobruxo jamais recebera.

            Mesmo sob esse estresse, quando o dia chegou ele fora o primeiro a acordar naquela manhã. Desceu com as malas e ficou esperando seus pais na sala. Maciel estava mais calado ultimamente, não estava muito contente com a partida do filho. Mas isso não importava, afinal de contas ele concordara. Para a ocasião ele tirara o carro trouxa da garagem, mesmo sem saber dirigi-lo. Enfeitiçou os pedais e o volante, e sentou-se no banco do motorista enquanto Alex e sua mãe arrumavam as malas no porta-malas.

            A vizinha trouxa da frente tinha colocando a cabeça para fora da janela e observava atentamente o que eles estavam fazendo. Por causa disso Alex teve de carregar as três malas para o carro, o que o deixou com uma dor no braço por vários minutos. Sentou no banco de trás e, assim que sua mãe fechou a porta dela, o carro pôs-se em movimento. Seu pai mantinha os braços cruzados na frente do peito enquanto o automóvel se dirigia sozinho.

            A viagem até o Reduto demorou cerca de uma hora. Apesar da incrível habilidade do carro, o trânsito manteve impossível o deslocamento rápido. Chegaram ao antigo prédio, cada um carregando uma das malas. Era a primeira vez que Alex entrara no Reduto de Belo Horizonte e não se sentiu nada confortável. Ele odiava viajar por portais, mas era o jeito mais rápido e fácil de chegar em Manaus. Uma moça estava sentada atrás de um pequeno balcão bem no centro do saguão, e um casal de trouxas estava conversando com ela.

            — Naquela porta, por gentileza — disse a recepcionista, indicando a porta à esquerda da sala.

            O casal saiu e o três se aproximaram.

            — O Reduto, por favor — disse Maciel.

            — Varinhas — pediu a moça.

            — Anéis — respondeu o pai.

            Os três tiraram seus anéis principais, no caso de Alex o único que tinha, e os colocaram em cima do balcão. Ela tocou cada um deles com a ponta da sua varinha curta e depois tocou um caderno. Os nomes deles foram imediatamente escritos em tinta preta.

            — Local?

            — Manaus.

            — Ah, o próximo portal sai em duas horas.

            — Isso tudo? — A mãe perguntou. — E será que dá tempo de pegar um dos barcos?

            — Castelobruxo? — a recepcionista perguntou para Alex. — Muitos jovens passaram por aqui a caminho, mas bem mais cedo.

            — A gente vai pegar — disse o pai. — Só por curiosidade, para onde vão os trouxas?

            Ele apontou para a porta da esquerda.

            — Ah, aquela porta dá na rua e eles se esquecem que entraram aqui atrás de advogados — a recepcionista soltou um sorrisinho.

            Com as passagens compradas eles foram instruídos a entrar na porta à direita. Entraram num salão bem maior do que o saguão com inúmeros bruxas e bruxos sentados em cadeiras de espera confortáveis. Dezenas de mesas estavam espalhadas pela enorme sala, todas com objetos corriqueiros em cima delas. Em cima de cada mesa flutuavam palavras coloridas. Eles acharam a com “Manaus 13:15” flutuante e se sentaram nas cadeiras ao lado.

            As duas horas passaram rápidas comparadas à demora que fora dentro do carro. Ali pelo menos eles ficaram entretidos com a chegada e saída de muitos bruxos que faziam suas viagens. Por vezes apareciam em pé, ou metros acima do solo. Quando isso acontecia, alguns caíam de cara e outros conseguiam aterrissar com facilidade. Em um momento uma bruxa idosa aproximou-se da mesa em que a família aguardava e pegou uma garrafa plástica que estava em um canto. Alex leu na etiqueta da chave de portal: Antuérpia.

            — Visitar meu filho — ela disse, com um sotaque estranho. — Sou da época em que cada um podia criar sua própria... — ela não pôde terminar. Instantaneamente ela foi puxada do avesso e desapareceu na frente dos olhos de Alex.

            — Quase lá — disse a mãe quando faltava cinco minutos.

            Por precaução os três pegaram a caneca com a alça quebrada. A etiqueta dizia Manaus. O pai a apoiou na mão e os dois seguraram as bordas. Dois minutos. A mão de Alex ficou suada e escorregadia, ele temia que quando chegasse a hora ele acidentalmente tirasse o toque. Um minuto. Um bruxo entrou pela porta e aos berros queria saber onde estava a chave de portal para Manaus.

            — Aqui! — gritou a mãe. — Bem aqui!

            O homem suspirou aliviado e veio apressado para o lado deles. Antes que pudesse tocar a caneca, porém, a hora do portal chegara. Alex sentiu o puxão no umbigo e o som de sucção encheu seus ouvidos. Sentiu-se solto no vazio e um segundo mais tarde o chão tocou seu pé e gravidade empurrou seu corpo contra o chão. Não fora uma boa chegada, ele quase caíra. Endireitou-se e seu pais já estavam pegando as malas, prontos para continuar. Não tinham tempo a perder.

            Saíram do Reduto de Manaus, que para os trouxas parecia uma floricultura, para um dia mais quente do que fazia em BH. Alex se perguntou se em Castelobruxo aquele seria um clima constante. Atravessaram o centro da cidade e Maciel teve de pedir informação diversas vezes, era a primeira vez dos três tão ao norte do país. Conseguiram chegar ao porto, mas não sabiam ao certo qual dos barcos levava ao castelo. Percorreram todo o porto diversas vezes, mas todos eles ou estavam carregados de coisas ou de trouxas. Alex se perguntou se deviam fazer alguma coisa, não havia nada mais frustrante do que bruxos perdidos. Enquanto seus pais continuavam indo e voltando, Alex chegou perto do limite do porto e encarou lá em baixo as águas do Rio Negro. Estava quase desistindo.

            — Psiu. — Ele escutou alguém chamando. E novamente: — Psiu! Aqui, no casco!

            Alex olhou para o casco do barco à esquerda e nada viu. Alguns trouxas estavam debruçados no primeiro pavimento, olhando as águas e muitas boias pintadas de azul estavam penduradas nas grades.

            — Aqui!

            Então Alex a viu: uma sereia pintada no casco bem embaixo do nome da embarcação “Maria”. Ela tinha duas caudas idênticas e sorria estática. Porém, seus olhos mexiam e ela parecia estar segurando o ar.

            — Não consegui deixar de perceber. Castelobruxo? — ela perguntou. Alex apenas fez que sim com a cabeça. — Pode subir, eu sou o último barco para lá hoje.

            — Ah, que maravilha! — disse sua mãe, se aproximando por trás. — Sobe, Alex.

            A sereia voltou a ficar imóvel. Seu pai chegou também, aparentava estar cansado.

            — Acharam? Pois bem, suba!

            Eles ajudaram Alex a subir com as malas, depois voltaram para o porto. Pelo o que parecia, ainda tinham alguns minutos antes da partida.

            — Não se esqueça do combinado — disse o pai.

            — Shhh — fez a mãe. Apontou com o queixo os inúmeros trouxas no barco.

            — Pode deixar, pai.

            — Você vai ficar incomunicável por um ano... É muito tempo — lembrou a mãe, quase arrependida.

            Ouviram o motor ser ligado e Alex afastou da beirada do barco. Tinha tanta gente ali que era quase impossível sentir-se confortável. Depois de dar tchau para os pais, Alex achou um lugar no segundo andar para encostar suas malas e sentar. A maior parte das pessoas parecia ser turistas e elas conversavam e apontavam para os lugares. Uma mulher se sentou ao lado de Alex, com um bebê no colo, e ela parecia incrivelmente estranha, quando olhada de perto. Alex não sabia dizer o motivo.

            Começaram a subir o rio e rapidamente Manaus ficara para trás. No momento em que Alex não conseguia mais ver a cidade, o barco ficou completamente vazio. Ouviu a risada de alguém no andar de cima, mas fora isso era como se todos os trouxas tivessem instantaneamente evaporado. Ficou se perguntando se eles eram apenas um feitiço ilusório, e foi por isso que subiu para o andar de cima, o último. Um homem estava conversando com dois adolescentes na grade da frente, a brisa era fresca e a paisagem exuberante. Alex se aproximou deles.

            — Hã... com licença? — chamou.

            O homem se virou.

            — Ah, aluno novo?

            — Sim.

            — Meu nome é Rômulo, seu capitão. Recoste, deite e durma, fique sentado ou em pé conosco. A viagem é longa.

            Voltou sua atenção para os outros dois ao seu lado e Alex não encontrou outro meio a não ser descer. Tirou o anel do bolso e colocou no dedo. Se não havia trouxas ali, pelo menos ele poderia fazer magia em paz. Quando virou a esquina para o local onde estivera sentado mais cedo, encontrou suas malas abertas no chão do barco e dois garotos mexendo em suas roupas.

            — Ei! O que vocês estão fazendo?!

            Por pouco não usara um dos gestos que seu pai lhe ensinara. Teria arremessado pelo menos um deles para fora do barco. Só não o fez porque o garoto mais novo largou uma de suas meias e levantou as mãos.

            — Só estávamos olhando. Achamos que alguém tinha esquecido aqui — ele disse.

            — São minhas. Podem ir tirando a mão. — Alex estava realmente nervoso. Colocou suas roupas de volta nas malas e as fechou.

            — Eu não achei que tivessem esquecidas — disse o garoto mais velho. — Afinal, quem esquece para trás a própria varinha?

            Alex olhou para ele e o viu segurando uma varinha longa e preta, do cabo de metal. 

            — Você pegou? Devolve, Amadeus! — O mais novo arrancou a varinha das mãos do mais velho. Ofereceu-a para Alex. — Desculpa.

            — Ah, tanto faz...

            O mais velho deixou os dois e saiu para a parte de trás do barco.

            — Não é minha — disse Alex.

            — E de quem mais seria? Estava na sua mala.

            Alex pegou da mão do garoto. Era mais pesada do que aparentava, e mais longa do que era confortável. O cabo serviu direito na sua mão, e uma fina camada de poeira cobria as partes em que ela ainda não tinha sido tocada. Era a primeira vez que segurava uma varinha mágica em toda a sua vida.

            — Em qual das malas estava? — perguntou.

            — Nessa — o garoto apontou. Alex abriu-a e revirou o conteúdo. — Estava enrolada em um pano, um lenço eu acho.

            Alex achou o lenço. Era completamente preto. Ao desdobrá-lo, no entanto, um quadradinho de papel caiu no chão do barco. Leu em voz alta:

            — Era do seu avô.

            Só podia ter sido sua mãe que colocara a varinha na mala, ela estivera carregando aquela porque era a menor. Longe dos olhos do marido, talvez ela tivesse dado um jeito de colocar a varinhas ali dentro. Alex nunca soubera que ela tinha aquilo guardado, nem que ela ia acabar a dando para ele. Usou o lenço para limpá-la e então aproximou o cabo do rosto para ver as iniciais gravadas: V.A.

            — Você não roubou, né? — O garoto quis saber.

            — Não. É um presente, pelo que parece.

            — Ok. Bom, meu nome é Mateus. Aquele idiota que estava aqui é meu irmão Amadeus. E o seu?

            — Alexandre — ele se levantou e apertou a mão estendida de Mateus.

            — Por que você não está de uniforme?

            Alex então fora colocado à par de todas as exigências para os alunos do primeiro ano em Castelobruxo. Pelo que parecia, um noiteado podia escrever caso alguém desse a ele papel e pena, e ele tinha escrito para Mateus a lista de materiais obrigatórios: uma varinha e uma série de livros para as aulas teóricas. A maior parte delas, no entanto, eram práticas. As vestes exigidas precisavam ser de cor verde-vivo: camisa de botões e robe. Calça e botas podiam ser marrons ou bege. Por bondade Mateus emprestara para Alex roupas, o que salvou sua pele.

            Mateus em suma era um garoto legal. Também fizera quatorze anos recentemente, tinhas os cabelos castanhos cortados bem rentes à cabeça nas laterais e os músculos muito desenvolvidos para a idade. Segundo ele, isso era justificado pela sua paixão por esportes mágicos e trouxas.

            — Você conhece futebol? Provavelmente não, mas é bem popular entre os garotos lá onde eu moro em São Paulo — ele ia dizendo. — Mas meu preferido mesmo é Dorteaqua.

            Desse Alex com certeza ouvira falar. Sabia que era o esporte mais jogado nessa parte do Brasil, com botas que faziam os jogadores flutuarem sobre as águas. Mateus contou como ele começara a treinar em um time improvisado e como ele pretendia entrar para o time oficial da escola, e quem sabe tentar uma carreira internacional.

            — Eu sei que o Brasil não tem um time de Dorteaqua significante há anos, mas quem sabe na Venezuela eu não consiga um time de renome? Qualquer coisa, ainda temos o Quadribol.

            — Esse eu sei jogar — admitiu Alex. Não que fosse bom, voar em vassouras atrás de bolas era algo que ele não achava que tinha coordenação. — Quando eu era pequeno meu pai passava horas me ensinando.

            — Bom. Você tem cara de goleiro.

            Eles continuaram conversando pelas horas que se seguiram, enquanto o barco avançava rio acima. Eram os retardatários, a maior parte dos alunos já tinham embarcado nos barcos da manhã. Somente os irmãos, Alex e mais cinco alunos estavam no barco além do capitão Rômulo. Alex estava agradecido por isso, nem imaginou como seria se uma multidão percebesse que ele tinha chegado ali completamente despreparado. Provavelmente alguém ia rir dele ou caçoar das roupas de trouxa com que entrara no barco. A camisa que Mateus emprestara era boa, mas ainda assim não era do seu tamanho. As botas, por outro lado, serviram perfeitamente.

            Estavam no primeiro andar do térreo quando ouviram a voz do capitão lá de cima:

            — Ei, garotos! Subam aqui!

            Assim eles fizeram, Alex agora devidamente vestido e com a varinha do seu avô dentro do bolso do robe.

            — São todos?

            Amadeus estava escorado em um canto, os outros adolescentes perto do capitão. Alex e Mateus se juntaram a eles.

            — Ótimo.

            O capitão tirou a varinha das vestes e acenou uma vez. O barco desligou de imediato e parou onde estava no rio. Outros tantos acenos da varinha e o barco começou a tremer levemente. Então todos sentiram um solavanco enquanto a embarcação soltava-se completamente da água. Agora flutuando a muitos metros no ar, a água escorria pelo casco.

            — Segurem-se! — gritou o capitão.

            Ele apontou a varinha para a floresta a sua esquerda e o barco lentamente se deslocou para ela, indo pousar em cima das copas. Por um momento Alex achou que ele fosse afastar os galhos e descer por entre as árvores, mas o barco passou a deslizar por cima das folhas. Alex olhou para Mateus para se certificar de que não era o único sorrindo. Muitos quilômetros à frente eles viram uma construção dourada erguer-se por entre o verde das árvores como uma pirâmide.


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Notas finais do capítulo

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