Castelobruxo escrita por Vilela


Capítulo 23
Capítulo vinte e dois - Pira




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            — Alex, cuidado! — gritou Sofia quando el Tunchi levantou seu enorme pé esquerdo. O chão se partiu e a rachadura percorreu todo o caminho até Alex, fazendo-o pular para o lado antes que o buraco o engolisse. Ele apanhou sua varinha já quase caindo na fenda, segurando-a pelo cabo de metal. Quando conseguiu se levantar, aos tropeços, o monstro já caminhava com seus passos lentos e pesados em direção a Nicolás, o que estava mais perto.

            — Estupefaça! — disse Alex, brandindo a varinha. Era a primeira vez que ele tentava usar o feitiço estuporante, e ele pode não ter sido bem executado. Contudo, o motivo de não ter funcionado foi outro: o raio vermelho que irrompeu da sua varinha bateu na lateral do braço del Tunchi e ricocheteou em direção do teto, surtindo efeito nenhum.

            Ele já estava com o braço estendido, os dedos tortos das pontas dos galhos bem abertos para agarrar um Nicolás já livre do domínio, porém em pânico, quando ouviram um barulho ensurdecedor de sinos vindo do refeitório. Quando Alex olhou para trás, o vidro não revelava o que estava acontecendo no interior porque uma fumaça densa e violeta tinha enchido todo o ambiente. Lá dentro, todos tinham sido colocados no mais profundo dos sonos que podem ser produzidos por uma varinha. A porta abriu-se em seguida e Raira saiu, a varinha em punho. Girou-a no ar e uma série de feitiços verdes-esmeralda atingiram el Tunchi nas costas. Esses, contudo, ele sentiu, apesar de também não terem feito diferença alguma.

            — Enfim revelou-se — disse Raira, ainda descendo incríveis feitiços nas costas no monstro. Ele virou-se e sua cara assustadora encarou a diretora. Alex jurou que a boca se torcera num sorriso quase satisfeito. Um feitiço especialmente forte atingiu el Tunchi em cheio entre os olhos, mas ele nem os piscou.

            — Raira — ele disse, a voz lenta e grave. — Morra.

            Ele aspirou o ar, muito mais rápido do que da primeira vez, e quando expirou o redemoinho foi em direção da diretora. Ela deu um salto para o lado e um segundo mais tarde o chão explodiu no exato local onde ela estivera. Outros feitiços atingiram el Tunchi em vários locais de seu corpo, mas ele continuava no mesmo lugar.

            — Destructo! — O teto em cima da criatura quebrou e pedras de toneladas caíram em sua cabeça. Nicolás teve tempo apenas para correr antes de uma imensa rocha quase atingi-lo.

            El Tunchi uma vez distraído com Raira, Alex pensou rápido: pegou Sofia pelo braço, gritou para que Mateus ajudasse Nicolás e enfiaram-se na passagem que descia para a parte subterrânea do castelo. Os quatro correram pelas galerias rapidamente, o barulho lá em cima ficando cada vez mais longe. Quando chegaram na fonte seca da entrada da biblioteca, passaram pelas portas escancaradas e entraram no local completamente vazio. Ali dentro a calmaria era reconfortante.

            — Vocês viram? — perguntou Mateus. — Viram a preguiça?

            Alex não quis responder. Nicolás estava ofegante, encarando o chão. Parecia que ele realmente não estava mais sob controle, mas ainda assim Alex ia vigiá-lo. Fora o argentino o responsável por trazer el Tunchi para o castelo, mesmo que indiretamente. Nunca tinham considerado essa possibilidade, entretanto, de que o monstro poderia assumir outras formas além da humana. Nem mesmo Sofia, que tinha um poder de dedução elevado para a idade, pôde prever o que aconteceu lá em cima. Contudo não tinham tempo a perder pensando no que fizeram de errado. Alex chamou-se para adentrar a biblioteca à procura de Ruben.

            Percorreram toda a sessão básica, depois subiram uma escadinha para onde outras estantes baixas ficavam. Ninguém precisava subir ali a não ser os bibliotecários, uma vez que os livros tinham a boa vontade de procurar quem os queria ler. Estava vazia também, então eles foram mais a fundo, aos túneis que eles tinham visitado na noite em que Amélia desaparecera. Apesar do calor que sentiram lá em cima, o clima era outro ali sob o teto baixo de pedra crua. Sentiram frio e Alex reparou na fumaça que fazia sempre que ele respirava pela boca. Ele ia na frente, a varinha em punho e seu anel iluminando a passagem. Mateus vinha logo atrás, depois Sofia segurando o braço de Nicolás. Mesmo ali, naquela situação, Alex não conseguia deixar de sentir ciúmes.

            O túnel não era infinito, como algumas pessoas gostavam de falar. Na verdade, todos eles davam voltas e faziam curvas para chegar no mesmo local: a galeria das estantes. Ao sair do túnel, Alex se viu na escuridão. Os outros acenderam a ponta de suas varinhas com o Lumos, a luz de Sofia era fraca e opaca. Eles entraram no chão liso da galeria e tudo o que perceberam era que ela era circular e as paredes eram cobertas por estantes compridas.

            — Ele não está aqui — sussurrou Mateus. — Não tem ninguém aqui.

            Um livro caiu da estante à esquerda deles nesse momento, fazendo um estrondo que ecoou por toda a galeria. Alex levantou sua mão direita e a luz avermelhada do seu anel percorreu toda estante, de baixo a cima. Muitos metros lá no alto, o que não era nem de perto o fim da estante, estava uma garota segurando na prateleira. Ela ficou imóvel, mesmo percebendo a luz.

            — Ei! — gritou Mateus. — Ei, você!

            Ela virou a cabeça para olhá-los lá embaixo, depois voltou a esconder o rosto.

            — Tem mais alguém com você?!

            A garota não respondeu. Continuou fingindo que não tinha sido vista. Alex apontou o dedo do anel para as estantes ao redor da galeria e muitos outros alunos estavam fazendo o mesmo, segurando-se nas prateleiras mais altas. Quando a luz atingiu a lateral da sua cabeça de um deles, ele ficou tão assustado que acabou largando a prateleira, caindo de bunda no chão. Soltou um grito e os quatro foram até ele.

            — Meu braço! — disse o pajuante do segundo ano. — Eu quebrei meu braço!

            Ele tinha caído sentado do braço, e agora o osso que deveria ser reto fazia um ângulo sinistro para a esquerda. Ninguém ali conhecia feitiço algum para dar um jeito naquela fratura, por isso Mateus tentou voltar o braço dele para o lugar manualmente.

            — O que vocês estão fazendo? — um garoto desceu da estante. Tinha sua varinha na mão e uma cara de furioso. — Tire as mãos dele agora!

            Mateus largou o pajuante e encarou o outro do quinto ano. Aos poucos os outros alunos foram descendo das estantes e circulando o pequeno grupo, todos apontando as varinhas ameaçadoramente. Alex não abaixou a sua nem por um instante, sabia que podia precisar.

            — Alex? — uma garota perguntou. Mesmo com todas as luzes das varinhas, era difícil reconhecer Tuany entre eles. Mas lá estava a garota, com seu rosto redondo e olhos grandes. — Espera, vocês também estavam se escondendo?

            — E isso lá interessa? — perguntou o aluno mais velho. Alex já o tinha visto ocasionalmente no dormitório dos veracostas, mas não sabia seu nome. Ele parecia ser o líder, e pela altura também parecia ser o mais velho daquele grupo. — Vocês arruinaram nosso esconderijo. Agora um dos zumbis vai entrar aqui e...

            — Zumbi? — Sofia perguntou. — Não se preocupe com isso. Precisamos saber onde está o professor Ruben? Vocês estavam com ele?

            — Não — respondeu o garoto do quinto ano.

            — Estávamos sim — disse Tuany. — Foi ele quem nos disse para nos escondermos aqui.

            — Tuany!

            — Eles são meus amigos, Bruno, pelo amor de Circe! — depois virou-se para Alex. — Ele nos trouxe aqui, depois voltou lá para cima.

            — Ele não estava lá — Alex informou.

            — Então vocês estavam lá em cima? Acabou? — perguntou outro garoto à direita.

            — Não, nem perto disso. Nós não temos tempo, por favor, se vocês sabem onde o professor está...

            — Já disse que não sabemos — o garoto do quinto ano deu um passo, intimidando. — Ou vocês se escondem com a gente nas estantes ou podem ir embora nesse instante.

            — Meu braço... — gemeu o outro. — Eu preciso ir para a enfermaria.

            — Rosita está sob controle nesse exato instante — disse Mateus. — Então segura aí um pouco.

            — Eu já disse para não tocar nele! — gritou Bruno. Houve um estampido e Mateus foi empurrado para trás. Por pouco não começaram um duelo ali mesmo. Alex teve de segurar Mateus para que ele não contra-atacasse.

            — Vem — chamou Tuany.

            A garota pegou Alex pelo pulso e puxou-o para sair da rodinha que tinha se formado. Mateus, Sofia e Nicolás os seguiram. Eles entraram num túnel diferente daquele que tinham vindo.

            — Não precisa voltar, viu, Tuany?! — gritou bruxo lá da galeria.

            — Eu não estava aguentando mais ficar lá — admitiu a garota.

            Eles voltaram para as áreas comuns da biblioteca. Alex se livrou da mão da garota o mais educadamente possível, não queria que Sofia visse aquilo. Então eles pararam e ele disse:

            — A gente pode tentar um dos feitiços de Raira, para revelar pessoas escondidas.

            — Você se lembra do feitiço? — perguntou Mateus.

            — Não.

            — Nem adiantaria — respondeu Sofia. — Não acho que algun de nós conseguiria.

            — O que vamos fazer então? Precisamos da poção!

            — É isso! — Alex percebeu. — Precisamos achar a poção, e não o professor.

            Ouviram um barulho abafado lá em cima. Tuany olhou para o teto. Alex só esperava que a diretora estivesse bem. Ele então contou o que tinha pensado: ao invés de procurarem pelo professor, podiam usar o olfato para procurar pela poção. Sofia não conhecia o feitiço que ele mencionou, pois era uma particularidade das aulas dos veracostas. Mas o fato era que o feitiço-focinho aumentava muitas vezes o sentido olfativo de quem o usasse. Essa tinha sido uma das aulas mais chatas, mas enfim viera a calhar.

            — Muse! — disse Alex, apontando a varinha para Mateus. O garoto tinha concordado em ser a cobaia, como fizeram na sala. Eles tinham recebido uma nota bem baixa naquele dia, pois o feitiço não funcionara corretamente. Era de se esperar que Alex ainda não o soubesse executar, pois ele não andara treinando. — Me diz, está sentindo mais cheiros do que o normal?

            — Sim — respondeu o garoto, coçando o nariz e olhando torto para eles. — Mais do que o necessário.

            — Tenta sentir o cheiro da poção — Sofia pediu.

            Mateus levantou o queixo e farejou o ar, como um cachorro. Seu nariz estava bem menor do que o comum, tinha assumido uma coloração escura e ele abria as narinas quando o ar entrava. Virou a cabeça para a direta, para a esquerda, e então para baixo.

            — Com certeza tem cheiro da poção nessa biblioteca — ele disse. — Mas parece que o que eu estou sentido é a nossa poção, aquela que fizemos João usar.

            — Então Ruben não está aqui...

            — Não! Espera! — ele deu dois passos para trás e farejou novamente, os olhos fechados. — Vem!

            Ele se virou e saiu correndo.

            — Fiquem aqui — pediu Alex. Ele pôs-se a correr atrás do amigo, mais uma vez se embrenhando na biblioteca vazia. Dessa vez passaram pelas salas privativas e foram até o fundo, onde os bibliotecários tinham suas mesas. Foi lá em frente a uma delas que Mateus parou, o pescoço esticado para frente indicando que tinha chegado no local certo.

            Alex contornou a mesa e pegou o que estava caído atrás: um frasco abaulado de cristal. Devido ao seu formato, mesmo estando virado, o líquido não tinha derramado todo. Alex apanhou-o, mas não conseguiu achar a tampa.

            — Cara, tampa com o dedo então — pediu Mateus. — Com esse focinho eu não estou aguentando o cheiro. Já era difícil antes...

            Quando Alex olhou para o amigo parado do outro lado da mesa, quase caiu para trás tamanho o susto: Ruben estava parado bem atrás dele. Seus olhos passavam pelo todo da cabeça de Mateus sem focalizar nada. Num ato de reflexo, Alex jogou o restante do líquido do frasco na cara do professor antes que ele pudesse fazer qualquer coisa. Ruben botou as mãos no rosto e desequilibrou. Alex apontou sua varinha para o bruxo mais velho, mas estava certo de que de nada adiantaria caso ele atacasse. Ruben destampou o rosto e dessa vez ele olhou de verdade para os alunos.

            — Eu não mandei esperar lá na... — ele começou. Depois pareceu ter reconhecido os dois. — Por que vocês subiram? Onde está a diretora?

            — Ela está lá em cima enfrentando a criatura sozinha. Professor, nós precisamos da poção!

            Ruben pareceu confuso por um segundo, então levou a mão à cintura. Entre o corpo e o cós da calça ele tinha colocado um frasco fino. Tirou-o de lá e segurou com suas mãos grandes.

            — Foi tudo o que restou — ele disse.

            — Não importa — disse Alex. Ele pousou o seu frasco na mesa, agora vazio, e os três foram às pressas para a parte da frente da biblioteca.

            Encontraram os outros sentados, apreensivos. Sofia estava sentada no chão, com Nicolás deitado com a cabeça no colo dela. Alex tentou ignorar isso. Pediu emprestado a poção para o professor, pingou uma gota no pescoço de Nicolás e disse para ele esfregar, talvez ele se sentisse melhor.

            — Eu vou subir e vocês...

            — Nós vamos também — disse Alex. Ele não ficaria esperando sentado enquanto Raira precisava de ajuda. Ele faria o que fosse necessário.

            Ruben não o contrariou. Dessa forma, Sofia ficou para trás com Nicolás e Tuany, e os três subiram correndo. Quando chegaram na parte de cima, a destruição era geral. Outras duas colunas tinham caído e havia pedras soltas das paredes por todos os lugares. Se olhassem em direção do refeitório, agora era possível ver várias pessoas caídas lá dentro, o vidro tinha se partido em vários locais e um pó fino pairava no ar. A arquibancada no jardim principal tinha sido danificada em vários pontos, mas a grama lá em baixo estava intacta.

            — Onde ela está?! — gritou Ruben.

            O rastro dos escombros ia direto para o corredor de entrada do castelo, e foi para lá que Alex apontou. Ruben correu em direção da saída, os dois adolescentes o seguindo. Alex teve de pular pedras e saltar buracos para conseguir chegar no corredor. Dava para ver uma linha de destruição no teto e Alex imaginou el Tunchi passando por aquela passagem muito menor que ele, suas costas duras raspando na pedra lá em cima. Chegaram no pequeno átrio e então saíram para a noite lá fora. Ruben parou de imediato ao perceber a enorme coisa, tão grande quanto as árvores da clareira.

            Raira também estava lá. Não sabiam dizer se ela passara aquele tempo todo duelando, pois ela não parecia nem um pouco cansada. Ainda lançava feitiços como no início, e eles brilhavam iluminando a noite e o corpo de madeira do monstro. Mais uma vez ele soprou um redemoinho em direção da diretora. Dessa vez ela se distraiu com a chegada deles, tempo o suficiente para o chão explodir perto demais dela, jogando-a muitos metros para trás.

            — Raira! — gritou Ruben, aproximando-se. El Tunchi olhou para o professor de venenologia, seus olhos brilharam verdes.

            — Renda-se, professor... — disse el Tunchi. — Rendam-se todos...

            Alex sentiu pela primeira vez. Era como se um uma sensação dormente percorresse seu corpo lentamente, quase imperceptível, se espalhando feito líquido no seu sangue, dominando-o aos poucos à cada batida do coração. Precisava agir rápido, ou ficaria preso no domínio da criatura.

            — Ruben... a... poção...

            Sua boca estava lenta, os músculos rígidos, mas foi o suficiente. Ruben levantou o frasco da poção e cheirou-o. Alex viu o corpo do professor recobrar os sentidos completamente. Raira tinha se colocado de pé e Alex sentiu suas forças se esvaírem lentamente. Caiu de joelhos, suas pernas não respondiam mais ao seu comando. A varinha caiu no chão, os dedos se fecharam, e seu pescoço só se virou para ver Mateus já caído de cara no chão. Fez um último esforço para mover os olhos em direção da diretora. Alex caiu para frente, mas quase não sentiu o impactou ou o gosto da terra que entrou na sua boca.

            Lá na frente Ruben alcançou Raira. Os dois começaram a enfrentar o monstro, seu corpo ainda repelindo todos os feitiços.

            — A... poção... — repetiu Alex, mas sua voz sumiu antes da última palavra terminar. Sua visão tornou-se embaçada, um zumbido encheu seus ouvidos, como se estivesse prestes a desmaiar.

            Não soube dizer mais tarde se o que viu foi um sonho ou a realidade, mas o fato era que pouco importava. Ruben usou a varinha para colocar fogo na poção, que brilhou na noite como a chama de um dragão. El Tunchi se aproximou, seus passos o chão vibrar a cabeça do garoto. Depois o professor atirou a poção em direção da criatura, com um movimento largo, porém certeiro, do braço. A poção flamejante atingiu el Tunchi em cheio no peito, o fogo espalhando pelo seu corpo rapidamente. Ele brilhou intensamente, como se tivessem acendido uma pira. Raira não perdeu tempo. Alex ouviu-a gritar:

            — Avada Kedavra!

            Houve um clarão verde e então Alex perdeu os sentidos.


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