Castelobruxo escrita por Vilela


Capítulo 11
Capítulo dez - Lua cheia




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            João Leite acabou se mostrando um ótimo rapaz. Não somente aparecera com o livro no local e horário combinado com Alex, como também indicara algumas outras leituras que poderiam ser bastante úteis caso o garoto quisesse estudar mitos. Ele não disse muito, mas dava a entender que esse era seu campo de estudo ali em Castelobruxo. Com o livro de capa marrom sem título, Alex foi ao encontro de Sofia.

            — Gracias — ela disse, pegando o livro e prometendo que o leria o mais rápido possível. Alex ainda não tinha certeza no quanto isso ia ajudá-lo com seus pesadelos.

            Na noite que se seguiu, tivera o mesmo pesadelo. Era como se seu subconsciente quisesse que ele não se esquecesse da sensação de andar a esmo, perdido num cenário macabro sem qualquer esperança. Nem todos os sonhos continham o copo-de-leite, mas eles passaram a terminar todos da mesma forma: a respiração na nuca, como se a criatura de quem que ele estava fugindo estivesse bem atrás dele.

            Naquela semana Sebastian finalmente tivera alta da enfermaria. Uma horda de amigos e torcedores foram recebê-lo nas portas da ala com muitos incentivos. Apesar de estar completamente normal e saudável, fora pedido que ele não chegasse perto de uma vassoura pelos próximos meses, assim como a outra garota não devia ir aos terraços superiores. Assim como ela, Sebastian também não tinha memória alguma do incidente. Mateus achava aquilo tudo muito conveniente, pois antes daquilo Sebastian tinha perdido a captura do pomo. Mas não era só isso, agora com um jogador a menos, seu time preferido estava longe de ser cotado para entrar na temporada, que começava em agosto. Somente mais tarde, quando um panfleto começou a rodar o castelo, que Mateus esqueceu completamente a sua raiva pelo time: estavam abrindo testes para um novo apanhador, e Mateus ia definitivamente fazê-lo.

            — Mas você não está tentando entrar para um de Dorteaqua? — perguntou Alex. — Não tem como jogar as duas competições.

            — Entrar para um time de Dorteaqua treinando com você e o Nico? Impossível. Mas ainda tenho uma esperança com o Quadribol.

            Por causa disso ele passou a ficar os tempos de ócio treinando sozinho para o teste. Pegou uma das vassouras emprestadas do castelo, as que haviam sido enfeitiçadas para voarem num raio de um quilômetro ao redor do prédio; ficava horas lá fora, treinando suas habilidades como apanhador. Ele mesmo gostava de dizer que se fosse um jogador profissional de Quadribol, provavelmente seria um batedor ou um artilheiro. Mas infelizmente ninguém nessas posições sofrera um acidente grave nos últimos dias.

            — Qual foi? Eu não estou mentindo — ele dizia em resposta aos olhares incrédulos.

            Nicolás também se tornara muito ocupado desde o início das vendas dos chicletes. Ele tinha fechado um acordo com um dos alunos que ia regularmente à Coromândia, e seus açúcares nunca acabavam; por isso ele saía escondido de madruga. Alex viu uma ou duas vezes a porta sendo aberta, mas depois acostumou e nunca mais percebeu quando Nicolás saía à noite. Mas o mais interessante nisso eram as adaptações que ele tinha feito no quarto dos garotos. Primeiro, suas roupas ficaram espremidas num canto do guarda-roupa, porque ele colocou ali uma enorme caixa que servia de estoque para o chiclete. Depois ele deu um jeito de trazer o laboratório todo ali para dentro. Se abrissem a primeira gaveta do seu criado mudo, as outras duas viram juntas e revelaria um caldeirão sempre borbulhante, onde ele fazia os chicletes. Alex continuava sem experimentar o produto popular.

            Sofia também estava meio distante, agora que se aproximavam de uma prova em herbologia aplicada que ela precisava estudar. Não fosse por João Leite, Alex teria ficado completamente sozinho durante aquele tempo. O português passara a sentar-se com ele na mesa, a andar pelos corredores e até a jogar papo fora sentados no jardim principal. Agora era para lá que Alex ia depois das aulas, uma vez que não encontraria seus amigos no dormitório de veracosta.

            Nessas conversas ele ficou sabendo que João não tinha experiência alguma com duelos bruxos, o que poderia ser bastante ruim para ele. Corria um boato de que Amadeus já duelara tantas vezes em Castelobruxo que se tivesse algum prêmio para isso, ele com certeza receberia um. João, por outro lado, disse que só conhecia feitiços simples, não tinha treinamento algum em desarmar, imobilizar ou atacar (os pilares do duelo). Alex imaginou que ele deveria estar pelo menos um pouco preocupado com aquilo, mas não era esse o caso. Não querendo ver o novo amigo ser aniquilado dali poucos dias, Alex pegou um livro na biblioteca que poderia ajudá-lo.

            — A Arte do Duelo Brasileiro? — João perguntou. — No que isso me ajudaria?

            — Além da história dos maiores duelos — Alex disse, virando as páginas, — a última parte tem cinco feitiços que podem ser úteis durante um duelo.

            — Por que estás a me ajudar?

            — Você quer voltar para a França dentro de um envelope? Então começa a treinar.

            Nem assim João tomou interesse pelos duelos. Quando o dia chegasse, Alex já estava convencido de que João ia ser arremessado longe com o primeiro feitiço. Isso se ele se lembrasse de aparecer nos terraços na hora marcada para o seu duelo. Alex teve de levá-lo até o pedestal do livro de registros, onde todos os nomes dos desafiantes haviam sido escritos, tamanho o seu desinteresse.

            — O que você e o português tanto conversam? — quis saber Amadeus uma noite, parado no primeiro degrau da escada do dormitório.

            — Nada — respondeu Alex. — Ele me emprestou um livro.

            — Hum. — Amadeus deu passagem. 

            Quando finalmente a primeira noite de lua cheia chegou, o castelo mais uma vez ficou agitado com a excitação. As aulas da tarde foram canceladas e os alunos subiram para os terraços da área nobre do castelo. Alex, Mateus e Nicolás foram juntos, dando graças por não terem as aulas de línguas naquela tarde. Amadeus já estava lá em cima, estava registrado para três duelos. Estava cercado de amigos veracostas, a maioria tão truculenta quanto ele.

            O primeiro terraço era incrível. Dali de cima dava para ver a floresta e até mesmo uma parte da curva do Rio Negro. Heras desciam dos jardins suspensos pelas paredes, e ali a sensação era de calmaria, apesar da quantidade de gente que ia chegando. Naquele terraço também começava a escadaria norte que descia toda a pirâmide, de onde a garota se jogara. Por isso uma pesada corrente de aço fora fixada nos pilares que a flanqueavam, dando a entender que ninguém deveria nem ao menos chegar perto daqueles degraus. Mesmo assim Alex deu uma olhadinha: era uma queda e tanto.

            Os primeiros duelos começaram logo, e eles tinham tempos variados para terminar. Alex viu vários tipos de feitiços serem usados, mas os mais comuns eram o escudo e o famoso golpe cadente. Esse último fazia com que a pessoa recebesse um soco muitas vezes mais forte onde quer que fosse atingido pelo feitiço. Uma garota fora jogada longe pela outra no momento em que um desses golpes a atingiu, voando por cima das cabeças dos espectadores. Esse era um dos feitiços que Alex mostrara para João e ele esperava que o português o usasse.

            Anoiteceu rápido, e à luz da lua cheia os duelos de verdade começavam. Alguns professores davam demonstrações para os alunos, e Ruben de venenologia era um deles. Ele enfrentou um enfraquecido professor, que para surpresa de todos conseguia conjurar os mais temíveis dos bichos sem dizer uma só palavra. Ruben o venceu por pouco, apenas quando percebeu que o outro professor não ofereceu defesa alguma, somente ataque. Outros duelos interessantes ocorreram, principalmente entre os alunos do último ano. A tendência parecia ser usar feitiços que remetessem aos bichos e as plantas, como um escudo de casca de árvore que uma das garotas conjurou para se defender.

            Apesar de todo o embate e principalmente tensão, os duelos eram bastante amistosos. Normalmente eram amigos que se inscreviam juntos para testarem seus poderes, e era mais uma forma de serem instruídos pelos professores presentes. O único ali que queria resolver suas diferenças usando a varinha era Amadeus. Seu primeiro duelo, como ficaram sabendo mais tarde, era com o garoto do segundo ano que ocupara seu quarto no primeiro dia de aula. Alex o viu transformar as calças do garoto em borboletas, enquanto todos riam de sua cueca vermelha.

            O segundo duelo foi um pouco mais difícil. Ele enfrentou um cara da idade dele, esse porque não se gostavam há anos. O garoto arrancou a varinha da mão de Amadeus, mas não sem antes receber um golpe cadente na lateral da cabeça. Amadeus apanhou sua varinha e então foi declarado vencedor, já que o adversário não foi capaz de continuar o duelo. Ali a regra era clara: termina quando um deles não conseguir mais ou dizer que não pretende continuar. Amadeus seguia invicto.

            Os duelos também estavam acontecendo em dois outros terraços. Um bem ao lado daquele primeiro, e um outro elevado, do lado esquerdo do castelo. Foi para esse terceiro que Alex e seus amigos seguiram, porque era lá que estava marcado o duelo contra João Leite. Não havia nem sinal do português, e Amadeus já estava dizendo que talvez ele ganhasse porque ele não apareceria. Mas isso não foi o caso naquela noite. Quando um professor chamou os dois nomes a seguir, Amadeus se posicionou e João surgiu dentre os alunos do lado oposto. Tirou sua varinha e caminhou até o centro do círculo que se fez. Ficaram cara a cara. João jogou uma piscadela para uma garota que estava bem perto, arrancando sorrisinhos.

            — Vocês conhecem as regras — disse o professor que Alex não sabia o nome. Ele duvidou que João as conhecesse. — Bom duelo.

            Eles ficaram cara a cara, depois viraram-se de costas. Deram três passos e então se viraram novamente. Imediatamente um feixe de luz soltou da varinha de Amadeus, passando por um triz da orelha direita de João. O português sorriu. Amadeus lançou mais dois feitiços, e o adversário apenas desviou dos raios, como se não fossem nada. Nesse momento a torcida foi toda para João, ele estava fazendo algo que nenhum deles parecia achar possível. Cada feitiço que Amadeus lançava ou batia na parede bem atrás ou por pouco não acertava alguém que assistia, mas nunca chegava perto de acertar João.

            João continuou desviando. Um dos feitiços passou zunindo por cima da cabeça de Alex, e por precaução ele tirou o anel do bolso e o colocou no dedo. Estaria preparado caso tivesse de se defender. Amadeus parecia estar ficando desesperado. Em dado momento ele conjurou uma poça de lama bem ao centro de onde eles estavam, respingando água suja em todos. Nada parecia atingir o português, entretanto. Ele dava um pulinho aqui, deslizava para a esquerda ou direta, às vezes dava tempo até de olhar para as pessoas que o assistiam. Era incrível que ele estivesse no controle do duelo mesmo sem ter feito um feitiço. Sua varinha, inclusive, permanecera abaixada durante todo esse tempo.

            — Faça alguma coisa! — gritou Amadeus.

            E João o fez: duas cordas saíram da ponta de sua varinha feito serpentes e procuraram os tornozelos de Amadeus. Alex não sabia que feitiço era aquele, mas não ligou, estava muito impressionado. Amadeus deu um salto para o lado, mas as cordas fizeram a curva, seguindo-o. Amadeus correu em círculos, as cordas fazendo o mesmo trajeto que seus tornozelos, enquanto todos riam. Mateus soltava gargalhadas e Alex também não conseguiu se conter.

            As cordas seguiram-no quando ele quebrou o círculo e deu a volta nas pessoas, e até mesmo quando ele pulou um vaso de plantas. Uma delas alcançou sua perna e subiu em espiral, se enrolando. Com um aceno da varinha a corda se partiu, mas o aperto não cessou. Ele voltou para o círculo e a corda se tornara não grande que algumas pessoas já até pisavam nela; o professor franziu o cenho, provavelmente também não sabia que feitiço era aquele. Havia essa possibilidade, uma vez que na Europa os encantamentos populares eram diferentes dos das Américas. Amadeus ia cortando a corda sempre que possível, mas ela passou a se enrolar em todo o seu corpo, mesmo aos pedaços. Sua mão esquerda, a da varinha, tinha o pulso preso e acorda tentava abaixar seu braço sempre que ele tentava usar um feitiço. Até que o garoto cansou de vez da situação.

            — Acuero! — Amadeus disse, apontando a varinha. O feitiço saiu como uma lâmina, visível apenas pelas linhas que fez no ar ao deslocar-se em alta velocidade.

            Cortou as cordas em várias partes e atingiu João em cheio no peito, que caiu. Aquele com certeza não era um feitiço para se usar num duelo. Mesmo sem estarem conectadas, as cordas continuaram seu trajeto e pegaram Amadeus, enrolando-se nele e o derrubando também. O professor correu para João, ajoelhando ao lado dele. Não precisavam de muito para saber que aquele feitiço deveria ter aberto uma ferida, se não tivesse atravessado seu corpo. Para a incrível surpresa de todos, nada demais tinha acontecido, apenas seu uniforme azul se rasgara.

            — Empate! — disse o professor. As pessoas aplaudiram, mas não para Amadeus.

            A plateia se dispersou, mas Mateus, Alex e Nicolás continuaram onde estavam, assim como o professor. Os quatro tiveram um trabalho danado para tirar as cordas de Amadeus. Sempre que cortavam com feitiço, os pedaços davam um jeito de voltar para o lugar, ou procuravam outro para enrolar.

            — Esse é o feitiço de amarrar mais bem feito que eu já vi — disse Alex.

            — Isso não é um feitiço de amarrar — disse o professor. — Não sei o que é, mas não é de amarrar.

            Amadeus estava furioso. Tanto que nem deixou que eles se livrassem da última corda, que insistia em ficar presa no seu tornozelo. Saiu de lá sem olhar para trás, ignorando até mesmo seus amigos. Também já não havia sinal do português. O professor pegou as cordas que sobraram, que se debatiam em busca de Amadeus, e as colocou numa sacola que ele conjurou. Levou aquilo dali antes que elas decidissem ir atrás de outro alvo.

            — A gente não devia ter ajudado ele com as cordas — disse Mateus. Apesar dos duelos ainda estarem acontecendo, eles estavam voltando para o dormitório. — Eu ia gostar de ver a cara que nossa mãe faria ao ver ele todo enrolado no final do ano.

            — Por que no te gusta tu hermano? — Nicolás perguntou.

            — Você não sabe nem da me... O que está acontecendo ali?

            Mateus apontou para o fim do corredor onde uma grande estátua de bronze de uma bruxa ficava. Uma garota estava andando em volta dela, repetidas vezes, enquanto um garoto tentava fazê-la parar. Os garotos se aproximaram, mas ela continuou o movimento incansável.

            — Me ajudem! — pediu o garoto. Ele tentava segurá-la, mas ela se livrava das mãos dele. — Eu disse que não era uma boa ideia subir aqui novamente. Amélia, vamos embora!

            Então Alex percebeu que aquela garota era a que se jogara da escada, e o garoto, o namorado dela. Eles tentaram pará-la, também sem sucesso. Alex trocou olhares com seus amigos, um tanto desconfiados, até que uma pessoa começou a vir pelo mesmo corredor que eles.

            — Professora Margarida! — o namorado gritou. — Professora!

            Ela apertou o passo e foi com uma cara de espanto que parou para ver aquela cena.

            — Ela não para de girar! Eu já tentei de tudo.

            — Amélia... Amélia! — chamou a professora. Então ela tirou a varinha.

            A menina parou na metade de uma das voltas, bem atrás da estátua. Ficou por um momento assim, completamente imóvel, e Alex só conseguia ouvir o barulho da própria respiração. Foi quando Amélia também sacou sua varinha e atacou.

            Aquele duelo fora muito diferente de todos os outros que Alex assistira nos terraços lá em cima. Naquela hora, o clima era de confronto real. Os feixes de luz encheram o corredor e Alex tomou distância no momento em que um deles explodiu uma das pedras da parede. Ele, Nicolás e Mateus se afastaram, mas o namorado de Amélia não conseguiu fazer o mesmo. Acabou sendo acertado e tombou, desacordado. Professora Margarida, apesar de ter tido seu coque desfeito, não perdeu o controle hora alguma. Rebateu as maldições todas, e então imobilizou a garota, que caiu dura feito pedra contra a parede.

            — Vocês três — ela disse, se virando para os garotos. — Me ajudem a levá-los para a enfermaria antes que alguém apareça nesse corredor.

            Eles prontamente começaram a ajudar.

            — E espero que não contem a ninguém o que se passou aqui. A última coisa que queremos é um escândalo...

            Mas não tiveram tempo. Do mesmo lugar onde eles haviam vindo, muitos outros alunos começaram a chegar. Os duelos enfim acabaram, e quase a escola inteira pôde testemunhar o terceiro ataque daquele ano.


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