Miiko andava de um lado para o outro, tensa com a descoberta, e ainda mais preocupada por ter tratado tão mal a sua futura superior. Numa situação assim até eu estaria me borrando todo.

—Nevra... Ela lhe contou claramente os motivos dela? -Ouvi Valkyon me questionando. Dei um suspiro e olhei para ele.

—Foi exatamente o que ouvimos anos atrás... Eles vivem muito longe da área mágica do Cristal... Lorelay disse com toda a convicção que os moradores de lá eram fracos e doentes antes de roubarem um pedaço do nosso Cristal... Disse que eles até melhoraram um pouco com a magia... Eles dependem dos nossos restos por serem tão rejeitados por toda Eldarya... Por isso roubam o Cristal... A nossa comida...

—E se estiverem enganando ela com isso também?! -Miiko me interrompeu, aflita.

—Como eles a enganariam com isso, Miiko, ela viu a situação...

—Eu não sei! Mágica, talvez? Fazendo ilusões para engana-la?

— ... Por que você acredita tanto que eles são maus e estão a enganando, Miiko? -Foi a vez de Leiftan interromper.

—Porque, se eles são rejeitados, é por um bom motivo! Ou você não sabe que eles são rejeitados por apoiarem aquele demônio?? A culpa de toda essa dificuldade é deles também e--

—Quer dizer que, só por terem apoiado o Vartdan, eles merecem sofrer? -Leiftan a interrompeu de novo.

—Eu não quis dizer isso!

—Mas foi o que disse. Talvez seja por isso que Lorelay a xingou? Porque você aparentemente não se importa com o sofrimento deles?

—Leiftan, de que lado você está?!

—Do lado de vocês, obvio, só estou tentando ajudar você a compreender o que Lorelay está passando. 

—Faz sentido.. -Disse Kero. -Quer dizer, ela chegou recentemente, ela não tem os preconceitos que nós temos por termos nascido aqui, ela tem a mente limpa para entender ambos os lados...

—Ou a mente limpa para ser preenchida por ideias erradas! E ser virada contra nós! Você viu como ela tratou a gente! -Miiko brandou.

—Correção: Como ela tratou você. Ela não foi agressiva daquele jeito comigo. -Disse, já cansando daquela discussão. -Você disse que não queria falhar com ela de novo, mas não parece se esforçar para isso...

Miiko voltou a se calar e a andar pelo recinto, me direcionei até a janela, pensativo, e com minha visão periférica vi Leiftan se retirar. Ele sempre foi tão reservado e quieto, e de repente ele confrontou Miiko daquela forma... Será que ele tinha a mesma opinião que Lorelay sobre todo esse conflito e nunca chegou a expor seus pensamentos por causa do temperamento de Miiko?

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Troquei meus treinamentos do dia para ler aquele enorme e antigo livro. Me sentei no lado de fora do castelo, pois quanto mais perto da natureza eu ficava, melhor eu me sentia. Meu mascote estava me fazendo companhia, dormindo todo preguiçoso ao meu lado, aproveitando a sombra das árvores.

Os primeiros capítulos dos livros eram sobre a história que já conhecia sobre minha bisa Dione e sobre Vartdan, eu procurava por respostas, sobre a maldição, sobre o meu destino.

Depois de horas lendo aquelas páginas, li algo que me interessava.

A maldição do Rei Vartdan foi a mais poderosa já invocada, com um raio de destruição que cobriu todo o reino mágico de Eldarya. Apenas alguém com o mesmo ou maior nível de poder que ele poderia reverter e até quebrar a maldição, tal como a Rainha Dione. Os poderes das ninfas poderosas podem fazer o solo ficar fértil novamente, purificar o ar e até mesmo nutrir frutos e vegetais, nas quais são os mais afetados com a maldição.

Então era isso! Eu tinha que quebrar a maldição usando meus poderes para, aos poucos, tudo ficar bem novamente! E assim todos ficariam felizes! 

Eu estava tentada a parar de ler para logo ir treinar pesado os meus poderes, mas na hora ouvi um movimento na floresta e vi alguém... Familiar saindo tranquilamente da mata.

—Leiftan?! -Exclamei, me levantando alarmada. Meu mascote acordou e hissou alto, tentando me proteger.

O choque inicial ao vê-lo ali se intensificou ao absorver sua nova aparência... Ele tinha chifres, asas e olhos negros, com suas íris de cor verde brilhante. Um... Demônio?

—Calma... Eu sei que isso é meio confuso... -Ele começou.

—Meio confuso?!—Indaguei.

—Ok, bem confuso... -Ele se aproximou cautelosamente. -Digamos que eu sou um espião bem melhor e mais discreto que o Shade.

—Você... Está espionando eles a quanto tempo...?

—Anos. Eles nem desconfiam. -Ele suspirou. -Eu raramente costumo vir até aqui, geralmente eu forneço informações falando com os espiões que vão até lá ou até mesmo mandando meu mascote.

—Por isso nunca te vi aqui durante esses meses...

—Exato. -Ele sorriu. -Eu vim avisar urgentemente que a Miiko e os outros descobriram sobre sua descendência.

—O que?! Como?!

—Kero conseguiu deduzir isso ao ver a imagem da rainha Dione no livro que você pegou. Miiko está convicta de que todos aqui estão enganando você para usa-la contra ela e a guarda. -Ele falava com um tom de tédio a parte sobre Miiko.

—Ugh! Ela nunca entende!

—Exato. Eu até tentei argumentar, mas não fui muito longe, senão poderiam desconfiar... -Ele olhou para o livro. -Descobriu algo interessante?

—Ah! -Sorri, animada e até mais relaxada com a presença dele. Tanto tempo com Elalren me fez acostumar com pessoas com chifres. -Eu descobri que minha missão é quebrar a maldição do Vartdan!

—É mesmo? -Ele sorriu.

—Sim! E assim todo mundo vai ficar feliz e saudável! 

—Você sabe que, mesmo assim, o conflito entre eles continuaria, não é?

—Mas por que...?

—O preconceito contra as pessoas daqui vem de anos, Lorelay, mesmo que você consiga quebrar a maldição, o mérito será só seu e nós aqui continuaremos sendo abominados...

Eu fiquei parada por uns instantes, pensando sobre o que havia ouvido, e apenas consegui sussurrar.

—Eu vou pensar em como resolver isso...

Antes de Leiftan se afastar e entrar no castelo, ouvi ele dizer:

—Se preocupando com todo seu povo, como uma verdadeira rainha.

Não consegui conter o sorriso ao ouvir aquilo.