Jamon e os guardas prenderam na mesma cela que fiquei presa quando havia aparecido nesse lugar, mas agora eu já não sentia medo daquele lugar. Também confiscaram o livro que estava comigo e devolveram a Kero. Antes de ser arrastada para as escadas, pude ver pela janela que ainda faltava algumas horas para o amanhecer.

Fui deixada sozinha, o que me deu tempo para pensar e olhar ao redor, pensando em qualquer coisa que pudesse me ajudar a fugir dali, minha mente trabalhava rápido em um plano de fuga em que eu conseguisse executar e levar o livro comigo.

Foi após algum tempo que ouvi passos ecoarem pelo corredor da entrada do calabouço, parei de examinar os arredores e foquei na entrada, avistando Nevra, quase se misturando na escuridão do lugar, se aproximando.

—Nevra... -Sussurrei.

—Sabia que era você naquele dia, ainda conheço seu cheiro. -Ele disse, dando aquele leve sorriso que sempre costumava fazer.

—Sinto muito pelo golpe, não foi minha intenção, você tinha me assustado...

—Eu sei, eu sei, ninguém em sã consciência machucaria esse rostinho lindo de propósito. -Ele continuou com aquele sorriso.

—... Acho que retiro minhas desculpas.

—Foi mal. -Ele ri brevemente antes de ficar com um semblante sério. -Miiko quer falar com você...

—Eu já imaginava.

—Mas antes... Eu queria que você falasse comigo... Sabe, sobre o que aconteceu... Eles estão te forçando a fazer isso?

—O que? Não! -Ri levemente, incrédula com a pergunta. -Por que eles me forçariam?

—Eu não sei? Eu quero que você me explique.

—E quem garante que você vai acreditar no que eu vou contar?

—Porque eu estou aqui como o Nevra... Não como alguém da guarda lhe questionando... Nós temos um tempo sozinhos antes que os outros cheguem... 

Fiquei em silêncio, ponderando sobre suas perguntas... Meu objetivo era fazer com que entendessem o outro lado, então talvez fosse esse o momento em que eu conseguisse abrir os olhos dele.

—Bem... -Comecei. -Quando eu cheguei aqui em Eldarya e estava presa nesse mesmo lugar... O Sha-- O mascarado me salvou... Eu não o conhecia, foi a primeira vez que o vi... E... Bem.. Depois que eu ouvi o que estavam falando de mim na despensa naquele dia... Eu vi que não era bem vinda nesse lugar... Eu simplesmente não aguentei e fugi... Na fuga eu acabei me machucando e desmaiando... E quando acordei, estava no esconderijo deles...

—Você sabe o nome do mascarado? -Ele me interrompeu.

—Não me interrompe, eu estou falando. -Cruzei os braços.

—Desculpe, desculpe! -Ele ergueu as mãos em defesa, dando um leve sorriso. -Prossiga...

—Bem... Eu passei um bom tempo lá sob o cuidado deles... E eles não são pessoas ruins, Nevra... Eles me explicaram o porquê do roubo dos pedaços do cristal... E não foi uma explicação as cegas... Eu vi o motivo! -Suspirou profundamente. -Nevra, as pessoas que moram naquele lugar... Elas vivem fracas e doentes! É uma vida muito difícil pra quem mora tão longe do cristal mágico... Eles apenas queriam um pouco para ajudar os outros... Atualmente eles estão mais saudáveis só com o pouco do cristal que conseguiram...

Parei por um momento, avaliando a expressão de Nevra, ele parecia um pouco surpreso com a certeza no meu tom de voz, não retrucou nada do que eu disse, apenas ficou quieto, esperando que eu continuasse.

—E... Por ter visto toda a situação difícil deles, eu decidi ajudar... Roubando comida com eles... Eu sei que é errado, mas é um mal necessário.

—Entendi... -Ele comentou depois de um longo tempo em silêncio. -Mas e sobre aquele livro que voc--?

Ele foi interrompido pela entrada de Miiko, Ezarel e Valkyon, e a presença deles me fez ficar mais apreensiva.

—Lorelay. -Miiko começou, todos pareciam estar se recuperando da acordada brusca no meio da noite.

—Miiko. -Respondi, ainda de braços cruzados.

—Não me alegra ter que te colocar numa cela de novo...

—Tampouco me agrada ficar presa. Que tal resolvermos isso? Me solta. -Eu estava direta e um tanto seca, ainda não havia perdoado Miiko de tudo que ela havia me feito passar.

—Não precisa ser tão agressiva... Só queremos conversar. -Ela tentou me tranquilizar.

—Não gosto de conversar enquanto estou presa.

—Ela não vai falar nada desse jeito, Miiko! -Ezarel se intrometeu, dando alguns passos na frente. -Já está claro como água que ela traiu a gente.

—Ezarel, fique quieto. -Nevra brandiu. O clima entre eles estava tão pesado que me parecia que os dois haviam discutido muito após minha fuga.

—Não me mande ficar quieto!

—Parem, vocês dois parecem crianças. -Miiko encerrou a discussão. -Lorelay, eu só quero saber o que está acontecendo... O porquê de você estar ajudando aquelas pessoas...

—Você quer saber? Ora, mas você já sabe! Já sabe o meu motivo! Já sabe o motivo deles! Mas você se nega a levar a sério! Droga, eles já vieram lhe pedir ajuda e você distorceu completamente a história deles e os atacou! E agora eles foram fadados a roubar as migalhas de vocês! -Respirei fundo, recuperando meu fôlego. -Se você parasse de ser tão egoísta, nada disso estaria acontecendo!

O rosto de Miiko mudou de cor, estava claro que eu a havia ofendido e, pior ainda, a irritado, porém não me desculpei, pois o que eu disse era verdade.

—Você vai ficar presa aí até decidirmos o que fazer com você. -Ela disse por fim, saindo junto com os outros. Nevra olhou para mim por alguns segundos, preocupado, antes de os seguir.

Eu não ficaria ali por muito tempo para saber qual seria o meu fim.

Voltei a olhar ao redor e vi algumas plantas escuras crescendo entre algumas pedras, estiquei meus braços para fora da cela, por entre as barras de metal, e comecei a me concentrar naquelas pequenas plantas. Aos poucos elas iam crescendo conforme o meu comando, direcionei elas com minhas mãos até a fechadura da cela e as folhas obedeceram, entrando no buraquinho do cadeado. Fechei meus olhos para sentir melhor as plantas ali dentro e continuei a comanda-las, durou alguns segundos até que finalmente ouvi um Click baixo e o cadeado se abriu.

Fiz as plantas voltarem ao seu tamanho original e abri lentamente a ponta daquela jaula, saindo com cautela, agradecendo as botas de espião que não faziam som algum para me denunciar.

Saí dos calabouços e vi que não havia guardas ao redor, pelo visto não contavam com minhas habilidades novas, mesmo depois de meses longe. Subi as escadas depressa e silenciosamente, atenta a qualquer passo por perto. Ao chegar na sala das portas, decidi usar mais um pouco dos meus poderes, comandando os ventos para que me fizessem flutuar até o enorme lustre do lugar, me apoiei na parte central do lustre e fiquei de cócoras, apoiando minhas mãos numa das cordas. Estava bem alto e todos os enfeites daquele candelabro serviam para me ocultar.

Ali de cima vi uma movimentação na entrada da biblioteca, talvez estivessem verificando o livro e ao mesmo tempo discutindo sobre meu destino. Fiquei aguardando pacientemente enquanto observava pela janela a lua sumindo e o sol ameaçando nascer no horizonte.

Demorou muito tempo até que todos saíram da sala e foram em direção ao calabouço. Quando Miiko e seus guardas sumiram de vista, fiz com que o vento me descesse daquele lampadário e me fizesse pousar ao lado da porta da biblioteca.

Respirei fundo e entrei na biblioteca, mas fui surpreendida por Kero, que estava com o livro aberto sobre uma mesa. Instintivamente eu puxei a adaga que carregava comigo e apontei para ele, que ficou ainda mais assustado.

—Olha... Kero... Eu não quero te machucar... Eu só quero o livro... -Falei, me aproximando com cautela. -É isso... Não precisa gritar... -Consegui fechar o livro e coloca-lo seguro contra mim.

—Lorelay... -Ele falou baixinho. Ele poderia me atacar a qualquer momento com o chifre mágico dele, mas por algum motivo ele não me atacou. -Não precisa ser assim...

—Precisa sim, Kero... Eu sinto muito... -Me afastei dele e guardei a adaga. Já ouvia a movimentação no lado de fora, sabendo que notaram minha fuga. Olhei para a janela aberta e, sem pensar suas vezes, corri e me joguei dela.

—LORELAY!! -Ouvi Kero gritar logo atrás de mim.

Fiz com que os ventos me segurassem e me fizessem flutuar até o muro mais próximo, me poupando do trabalho de correr escondida pelas árvores e de escalar muros. Cheguei sã e salva ao outro lado e, com a luz do sol nascente, cheguei até a orla da floresta, peguei um graveto qualquer e desenhei o símbolo do teleporte que havia aprendido com Shamelf. Entrei no círculo desenhado, fechei os olhos e voltei para a ilha.

Respirei aliviada apenas quando abri os olhos e vi o conhecido castelo sombrio, relaxei um pouco antes de entrar no castelo e ir direto tomar café. Lá, me deparei com Matt contando a todos sobre minha ida ao refúgio, mas ao ouvirem a porta abrindo, todos os olhares se voltaram para mim, e a tensão do ambiente se transformou em alívio, com meus amigos vindo correndo me abraçar.

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Todos nós entramos correndo na biblioteca, era o único lugar onde Lorelay poderia ter ido por causa do misterioso livro na qual Kero estava estudando para procurar o motivo do outro lado querer tomar posse daquele exemplar. No meio do caminho ouvimos Kero gritando o nome de Lorelay, e quando entramos na sala, vimos Kero olhando pela janela. Ele disse que ela havia se jogado pela janela, levando o livro, mas por algum motivo, ela conseguiu voar, o que espantou a todos.

—Então você não conseguiu descobrir o motivo pelo qual queriam o livro? -Miiko questionou, enquanto os demais guardas corriam para tentar capturar a fugitiva.

—Mais ou menos... -Kero estava visivelmente aflito. -É um livro muito antigo... Do tempo das ninfas e dos demônios... Eu não cheguei a ler tudo, mas o começo já me ajudou...

—Fala logo, Keroshane! -Brandei, ainda com as palavras que Lorelay havia me dito na cabeça, toda aquela explicação, minha mente tentava encaixar aquela explicação que tivemos a sós com o conteúdo do livro.

—No começo do livro... Tem uma imagem da rainha Dione e do rei Vartdan... E Dione... É exatamente igual a Lorelay fisicamente... E depois do que acabei de ver pela janela... -Kero hesitou um pouco. -Acho que Lorelay é descendente da rainha Dione... Metade ninfa.

Miiko, Ezarel, Valkyon e eu ficamos perplexos, isso ia muito além do que imaginávamos sobre a humana misteriosa. Miiko estava pálida, com um semblante preocupado, estava estampado em seu rosto sua preocupação.

"E se aquelas pessoas soubessem disso desde o começo e estivessem a enganando para que Lorelay, a futura rainha de Eldarya, os protegessem?"