Shamelf levou-me para a praia da ilha para que pudessemos ter privacidade. Já havia anoitecido, o que me deixou surpresa, pois notei que passei praticamente o dia inteiro lendo.

Nos sentamos na areia fina da praia, sob o céu escuro e estrelado, a lua brilhante nos observando, as águas calmas do oceano a nossa volta, tudo estava na mais perfeita paz, apesar de eu saber que era algo momentâneo.

Foi nesse lugar calmo que Shamelf começou a contar a história.

"Dione não era apenas a rainha das ninfas, também era a rainha de todos os faelianos, a autoridade suprema. Ela governava junto com o rei Vartdan, que não era um ninfa, e sim um demônio, como Elalren e Fioras. Eles não eram casados, eram apenas bons amigos que governavam juntos, ela representando a luz e ele, as trevas.

Quando os humanos começaram a expandir seus dominios por toda a Terra e começaram a ficar mais ambiciosos, o mundo humano se tornava uma ameaça para os faelianos, então Vartdan teve a ideia de os faelianos terem um mundo só deles. Dione hesitou no começo, pois ela e suas ninfas eram muito apegadas ao mundo humano e sua diversidade, mas acabou acatando a ideia e o ajudando a trazer todos para Eldarya.

Assim como ela, várias ninfas queriam ficar no mundo humano, para protegerem a fauna e a flora do cobiça humana e, para não deixa-las desamparadas, Dione decidiu ficar com elas, e pedindo para seu amigo Vartdan cuidar de todos enquanto ela estivesse ausente.

Vartdan, apesar de ser um demônio, era um homem bom e gentil, e cumpriu o pedido da amiga ninfa. Porém, os reis e rainhas das outras espécies não aprovavam aquilo, pois apesar de tudo o que ele havia feito por eles, continuavam a julga-lo mal por ser um demônio, espalhando mil boatos sobre ele ter prendido Dione para que fosse o unico soberano.

Quando Dione voltou, após um ano, como havia prometido, esclareceu novamente a todos seu ponto de vista, que ficaria um ano em Eldarya e outro ano no mundo humano, que parassem de acusar Vartdan apenas por ele ser um demônio.

As discussões sobre o assunto pararam. Mas os boatos espalhados continuavam a circular pelo povo. Viam o rei demônio como alguém ruim.

Então, após muitos anos, Dione não voltou.

Sua ausência começou a borbulhar novamente as discussões sobre Vartdan. Mais de oito anos se passaram, e foi depois desses oito anos que os reis e seus soldados resolveram agir.

Atacaram o castelo de Vartdan, o acusando de ter assassinado a rainha ninfa, o acusando novamente de querer o poder apenas para ele, acusações sem provas.

A cada ataque, a cada acusação, a cada flecha e feitiço lançado contra o castelo, Vartdan ficava com mais raiva, pois não acreditavam em sua palavra, pois os faelianos continuavam preconceituosos e ingratos por tudo que ele havia feito por aquele povo.

E no ápice de sua fúria, Vartdan lançou uma maldição.

Sua maldição demoníaca fez com que toda a comida de Eldarya não sustentasse seus novos habitantes, fez o solo ficar infertil, o ar ficasse pesado. Todos os males que você conhece ou ainda vai conhecer foram frutos da fúria do rei.

Depois de lançar a maldição, o rei voltou para o mundo humano, para procurar Dione, e ele também nunca mais retornou.

A fim de ajudar os habitante com o ar pesado, as descendentes de Dione que aqui viviam criaram o Grande Cristal, na qual seus efeitos você já conhece.

Depois de anos, nem Vartdan e nem Dione retornaram, Eldarya ficara dividida, a maioria contra a minoria esmagadora que defendia Vartdan ou que eram demônios também. Nos expulsaram de suas terras e tivemos que procurar um lugar para morarmos, e foi aí que encontramos e nos alojamos nessa ilha."

Shamelf suspirou ao terminar a história e olhou para mim, um pouco sério.

—As descendentes de Dione sacrificaram suas vidas, usando o máximo dos poderes para criarem o Cristal para ajudar a todos... E agora eles ficam negando a luz do Cristal para quem precisa... Tsk... -Shamelf comentou, um pouco aborrecido. -Mas esse não é o ponto.

—E qual é o ponto?

—O ponto é que, por anos, não tivemos mais nenhuma autoridade superior... Bem, a Guarda de Eel se considera uma autoridade superior, mas não é a mesma coisa de ter um Rei e Rainha para cuidar de tudo, sabe? E... Não tivemos mais nenhuma autoridade porque não tinha mais descendentes da rainha... Mas agora...

—Opa! Espera! Eu acabei de descobrir isso! Não inventa de me botar para governar Eldarya toda não! -Me levantei num movimento brusco, na defensiva com a ideia.

Shamelf riu enquanto também se levantava.

—Você tem muita coisa que aprender ainda, e isso inclui seus poderes de ninfa, que podem vir a tona a qualquer momento, então fique atenta. -Ele sorriu gentilmente para mim, o que me fez relaxar. -Agora, que tal irmos jantar? Você não comeu o dia inteiro.

Após lembrar-me do fato de eu não ter me alimentado, minha barriga roncou de fome, o que me fez abraçar a mesma, rindo e concordando em ir jantar com ele.

Apesar de estarmos rindo no caminho de volta pro castelo, não conseguia parar de pensar em todas aquelas informaçõs. De uma humana inútil fui para descendente da Rainha Autoridade Maxima. Além de também pensar sobre Dione. Minha bisavó sempre esteve presente, lembro de ela contando histórias sobre fadas para nós e agora imaginava se aquelas histórias haviam acontecido na presença dela...

Eu era muito pequena quando ela morreu, lembro-me vagamente que foi um problema nos pulmões e na pele que a levaram a falecer, teria sido a poluição crescente no mundo humano? Bem, agora não havia mais como saber detalhes, já que eu estava tão longe de casa, da minha fonte de possiveis informações.

Outros pensamentos também chegavam na minha cabeça. E se o Oraculo do Cristal apareceu por minha causa por saber que eu sou descendente de Dione? Pensei que havia respondido todas as minhas dúvidas, mas notei que havia conseguido novas perguntas.