- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 24
Vinte e quatro


Notas iniciais do capítulo

Eu imagino que vocês já sabem que precisam ignorar os erros. hehe
Quase 9,000 palavras. Aproveitem esse, foi produtivo (embora vocês talvez queiram nomeá-lo de outra forma.)



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Maura. A voz de Jane soou distante. Ela franziu o cenho, esperou. Nada. Ouvindo nada mais do que o silêncio, ela suspirou e deixou para lá. Maura, dessa vez a voz veio mais alta e quando a loira abriu os olhos, completamente desorientada, ela viu o rosto de Jane pairando bem perto do seu. Ela levou uma mão para afastá-la de lá, porque é claro que ela ainda estava dormindo - sonhando. O quarto estava mal iluminado, o que significava que ainda era madrugada, logo Jane não teria razão nenhuma para acordá-la. Mas então sua mão tocou o peito da outra, e com completa confusão Maura se sobressaltou, seus músculos reagindo rapidamente como se em choque.

'Ei, tá tudo bem.' A morena disse para ela, e embora ela continuasse deitada, de repente se sentiu zonza. 'Você precisa tomar Tylenol, Maur. Você tá com febre de novo.'

'Não.' Ela balançou a cabeça. 'Eu estou bem.' Ela empurrou Jane levemente com a mão. Droga, ela só queria dormir. Quando se virou para o lado, seu corpo parecia pesar uma tonelada a mais do que ela se lembrava, e a morena estava chamando-a de novo.

'Não, você não está. Eu sei que é bem cedo e que você quer dormir, mas você precisa mesmo tomar isso.' Ela insistiu.

'E você me deixa em paz?' Maura negociou.

'Prometo.'

Ela conseguiu ouvir a risada de Jane, mesmo sendo baixa. Irritada, ela se sentou na cama e com os olhos entreabertos estudou o ambiente. Apenas segundos depois ela reconheceu o lugar. O quarto que antes era da morena estava banhado levemente por uma luz amarela, vinda de fora, invadindo o ambiente por uma abertura na cortina.

'Aqui.' A mulher entregou um pequeno copo em sua mão e ela ingeriu o líquido rosa sem nem mesmo pensar.

'Está frio.' Ela reclamou e puxou a coberta para cima de si assim que deitou.

'É apenas sua febre.' A outra disse, resignada.

Maura assistiu enquanto Jane colocou o vidro de remédio em cima da cômoda e depois se sentou na cama de novo. Os dedos da outra afastaram uma mecha de seu cabelo e Maura não resistiu à vontade de pousar sua mão na coxa dela. 'Que horas são?' Ela murmurou.

'Cinco e meia, agora.' Jane disse e sorriu para ela. Pelo menos ela achou, era difícil dizer sem luz.

'Ainda é tão cedo, volta para cama.' Maura levantou a coberta e esperou pacientemente enquanto Jane decidia se faria isso ou não. Ela fez, só que dessa vez Maura não teve a energia para se mover para mais perto dela.

'Minha mãe tá na cozinha, colocando o peru no forno. Você acredita nisso? Ela disse que leva 10 horas para assar. Deus, eu me pergunto por que ela não comprou um pronto.' Jane riu baixinho e a voz rouca arrepiou cada pelo do corpo da loira.

Ela suspirou e disse depois de pensar, 'receitas caseiras são mais saborosas, por isso levam mais tempo no preparo. Eu acho.' Ela franziu o cenho, de olhos fechados.

'Você acha?' Jane riu mais uma vez e acariciou seu rosto. 'Você geralmente tem certeza. Considerando que são cinco da manhã e que você não se sente bem, vou te dar um desconto.'

'Jane.' Ela franziu o cenho.

'Sim?'

'A gente não deveria ajudar sua mãe?' Jane estava rindo. Ela estava rindo dela, e Maura não achou nada engraçado. Ela abriu os olhos irritada e disparou, 'seria educado, por que você tá rindo?'

'Maura, minha mãe já fez comida para o bairro todo, para durar um mês. Eu tenho certeza de que ela não vai cozinhar mais nada hoje. Além disso, são cinco da manhã e você tá com febre. Acho que seria melhor se você só descansasse.'

Jane, sempre pensando nela. Ela se lembrou do dia anterior e em como a morena tinha se disponibilizado a se certificar de que ela estava melhor, de passar o dia com ela e, mesmo depois de terem se desentendido por conta de Kitty, ela se desculpou e bastou apenas um pedido para que ela ficasse ali na cama com ela. Maura se sentia tão insegura agora que lembrara disso tudo. Elas tinham dirigido até ali porque hoje iriam se encontrar com a família de Jane, e só o pensamento causava tremores no seu corpo. Ela não sabia se conseguiria lidar com a situação, com tanta gente no mesmo lugar de uma vez. Ela suspirou e Jane soube que algo estava errado. Era engraçado como ela sempre sabia.

'Qual o problema?' A morena perguntou.

'Nada.' Ela devolveu rápido demais.

'Tem certeza? Por que você parece bem entretida com a gola da minha camiseta.'

E apenas quando Jane mencionou foi que ela se deu conta de que estava brincando com os dedos ali. Em vez de soltar, entretanto, ela apenas segurou firme. 'Oh.' Ela disse e piscou os olhos.

'É ainda sobre ontem? Maura...' Jane se aproximou dela e passou um braço por sua cintura. Maura não sabia se era a febre ou o calor do corpo dela, mas naõ seria coincidência demais ela se arrepiar toda vez que Jane pretendia tocá-la?

'Não.' Ela disse rapidamente, inclinando-se para a outra. Ela não queria contar, a princípio, porque ela sabia que Jane ficaria pairando sobre ela o resto do dia, perdendo a chance de aproveitar a presença dos irmãos. Só que se ela mentisse... Bem, ela nem sabia mentir. A única opção era dizer a verdade. 'É só que eu estou um pouco ansiosa por causa de hoje à noite.'

'Você não tem com o que se preocupar, Maur. São só meus irmãos, e se você não se sentir bem nós simplesmente vamos embora. Certo?'

Maura não respondeu de imediato. Jane estava tão próxima dela, tão ao seu alcance. Ela tinha se viciado com a presença da outra ali, o seu calor. Seu cheiro. Era forte como a personalidade dela, um tanto quanto doce, misturado com algo mais, algo que Maura não sabia o que era. Ela correu a mão por sua cintura, suas costas. Se na primeira vez ela fez aquilo com receio, agora ela já era imprudente. Jane não mostrara nenhuma resistência à vontade, e ela tão pouco iria se furtar de ter o que queria, não depois de ter passado semanas sem o mínimo para se viver. Depois de se perder em pensamentos, ela já nem lembrara qual tinha sido a pergunta. 'Sim.' Ela respondeu, e então como num flash o assunto correu na sua mente. 'Quer dizer, não. Eu não quero que você faça isso. Eu quero que vocês desfrutem desse tempo juntos, Jane.'

'Maura, lembra como você ficou ansiosa com Melvin também e no final deu tudo certo? Aqui vai ser a mesma coisa, eu sei que vai.' A voz rouca arrepiou mais uma vez a pele da loira, e dessa vez ela enroscou seus pés com os de Jane.

'Se você diz.' Ela murmurou. Ela já não conseguiria ficar acordada por mais muito tempo. Era a respiração lenta de Jane, os dedos da morena brincando em suas costas. Num último movimento, Jane deitou-se de costas na cama e puxou Maura gentilmente para ela. A loira passou uma perna por cima da perna da detetive, a cabeça apoiada em seu ombro enquanto a mão esquerda descansava na barriga firme e quente da outra.

'Eu não estou te sufocando?' Ela acariciou a barriga de Jane.

'Não. Você deve ser o melhor aquecedor que já tive nesse inverno. E eu nem precisei pagar por isso.' Ela brincou.

Maura riu levemente, sentindo os pés de Jane vestidos de meia roçarem nos seus. Depois disso a morena plantou um beijo em sua cabeça, e minutos depois ela foi vencida pelo sono.

...

'Maura! Como você se sente hoje?' Angela perguntou assim que a viu.

Ela mal tinha acabado de entrar na sala, se sentindo ainda sonolenta apesar de ser quase meio-dia. Por que Jane tinha deixado que ela dormisse tanto assim? Agora ela só estava envergonhada. 'Melhor, eu acho.'

'Você fica melhor do que eu nas minhas roupas.' Jane observou do sofá da sala. 'Fome?'

Maura revirou os olhos e se sentou do lado dela. 'Não.'

'Ora, você precisa comer algo, Maura. Eu vou preparar um chá para você, e você vai comer um bolo de laranja, você vai gostar, eu aposto.' Angela disse do outro lado da cozinha, um tanto quanto empolgada.

'Obrigada, Angela, mas você não precisa se preocupar.' Ela disse, educada.

Ela notou muito bem o olhar que mãe e filha trocaram, então Jane espremeu os olhos e disse para a mãe, 'Oh sim, ela vai comer esse bolo.' A loira desconfiou de que se ela ficasse ali por uma semana, engordaria dois quilos, no mínimo.

Ela mal tinha acabado de tomar o chá quando a porta da frente se abriu com força. Ela olhou impressionada para Jane - para seu crédito, não assustada - e riu delicadamente quando os dois irmãos mais novos de Jane entraram, Frankie usando um chapéu de peru (se é que aquilo poderia ser chamado de chapéu) e Tommy, um penache na cabeça.

'Quem está pronto para comer o peru?' Mais novo perguntou, esticando a última vogal e apontando para Frankie.

'Não eu, idiota. O peru que -' Ele parou de falar assim que notou a presença de Jane e Maura no sofá.

'Eu fico feliz que vocês possam se envergonhar por conta própria. Me poupa o esforço.' Ela disse entre risadas, os dois tirando o chapéu imediatamente.

Foi então que Maura começou a se sentir desconfortável. Ela esfregou as mãos na calça e se levantou assim que Jane o fez.

'Essa é Maura. Frankie, você já a conhece. Maura, aquele é Tommy, meu irmão mais novo.' Ela apontou para ele, e o moço lhe abriu um sorriso.

'Oi, Maura. Prazer em te conhecer.' Ele estava prestes a estender a mão quando Jane alertou.

'Sem tocá-la.'

'Ok.' Ele disse sem graça, Maura lançou para Jane um olhar obscuro. Ela então deu dois passos à frente e estendeu a mão para ele, deixando que ele fechasse a distância entre os dois.

'O prazer é meu, Tommy.' Com um aperto de mão, eles trocaram um sorriso, e ela ofereceu a mão para Frankie também, que fez o mesmo. Cumprimentos realizados, ela se virou para Jane e lhe falou enquanto os dois abraçavam a mãe, 'eu não quero... que fique estranho.'

E isso foi tudo para Jane entender. 'Certo. Só para você saber, então, você corre o risco de ser convidada para uma guerra de bola de neve do lado de fora. É tradição e Tommy sempre insiste.'

'Oh.' Maura sentiu o coração bater mais rápido. Ela tinha se saído bem até agora. Quer dizer, ela poderia participar de uma simples guerra de bola de neve, certo? Ela descobrira que não se sentia ameaçada com a presença dos dois. Como poderia? Primeiro, a considerar, como eles chegaram agindo como dois adolescentes voltando para casa depois de um semestre todo na faculdade. Segundo... Tommy ainda estava abraçado com a mãe. Um braço em volta da cintura dela, os dois conversavam como se um fosse a pessoa mais importante para o outro. Frankie tinha acabado de pegar um pote de biscoito, tirou um primeiro para Tommy, outro para Angela que educadamente negou, e depois mostrou o pote para Jane e ela própria, ambas agradecendo. Apenas por essa pequena exibição de afeto ela sabia que eles poderiam ser cópias quase idênticas de Jane quando o assunto era respeito e educação.

'Tem canela.' Tommy disse apontando para o biscoito, falando de boca cheia. 'Você deveria provar um.' Ele disse para Maura. Ela sorriu e concordou com a cabeça.

'Obrigada, Tommy. Eu prometo que irei provar um desses mais tarde. Sua mãe acabou de me dar um bolo de laranja.'

Ele arregalou os olhos e olhou para Angela. 'Tem bolo de laranja?'

'Oh, meu Deus! Você mal comeu esse biscoito, Tommy. Se você continuar assim vai comer toda sobremesa antes mesmo do jantar!' Ela exclamou mas se adiantou para cortar uma fatia para o filho.

Jane suspirou ao seu lado e murmurou. 'Isso vai longe.'

E para a surpresa de Maura, assim como Jane tinha dito, tudo andava tão bem. Na parte da tarde Tommy, assim como Jane também alertara - começou a dizer para se prepararem para a guerra.

'Eu e Frankie, você e Maura.' Ele apontou para Jane e subiu as escadas, provavelmente para colocar a roupa de neve.

'Se Maura vai sair lá fora, é melhor que você empreste para ela uma de suas roupas para neve, Jane!' Angela gritou, não porque estava longe, mas porque estava escandalizada. 'Eu não acho que ela deva, só para constar. Essa menina não estava com febre?'

'Mãe, relaxa. Eu faço dela um esquimó, prometo.'

Oh, e como Jane cumpriu sua promessa. Um macacão preto de neve, um casaco térmico, uma bota a prova d'água. A loira balançou a cabeça fervorosamente em não quando viu tudo aquilo, mas eram quatro contra um.

'Sinto muito, Maura. Se você não vestir isso, ninguém pode ir.' Disse Frankie.

'Ordens de Jane.' Tommy murmurou, como se tivesse sido castigado.

Ela revirou os olhos e lançou um olhar afiado para morena, começando a colocar as roupas. Não era justo que Jane tivesse usado isso como chantagem, colocando os irmãos dela no meio! 'Eu tenho uma idéia.' Ela disse e as cabeças se viraram para ela. 'Por que nós não unimos contra Jane?' Ela abriu um sorriso brincalhão ao ver a boca da morena desenhar um O.

'Sabe Maura, eu gosto cada vez mais de você.' Frankie disse rindo.

'Eu fico com o forte.' Jane disse alto e rápido, colocando uma toca.

Tommy e Frankie se sobressaltaram e começaram a discutir.

'Não vem, não.'

'Isso não é justo. O forte fica comigo.'

'Com você? Olha aqui, Frankie, eu achei que a gente tava no mesmo time.' Tommy rebateu.

'Foi isso que eu quis dizer!' Ele devolveu, energético.

'Vocês dois!' Jane exclamou. 'Eu disse primeiro, perdedores!'

'Chega!' Angela gritou e todos olharam de olhos estalados para ela, inclusive Maura. 'Eu já disse ano passado que desmontaria aquilo se vocês brigassem mais uma vez por conta daquela geringonça. Mais uma palavra e digam adeus.' Os irmãos suspiraram e trocaram um olhar. 'E eu estou falando sério. Jane fica com o forte se vocês forem se juntar contra ela.' Ela bateu o guardanapo no sofá e saiu de perto deles, bufando.

O forte, Maura descobriu para seu divertimento, era nada mais do que uma estrutura mal feita, atrás da casa, construído com tiras de madeira num quadrado de talvez dois metros por três. Ela calculou que deveria ter um metro de altura, e não se surpreendeu nada quando Jane simplesmente pulou para dentro dele.

'Caramba, essa é a melhor parte do ano.' Maura tentou avisá-la mas foi em vão. Uma bola de neve acertou-lhe em cheio na cabeça. A morena se virou lentamente para Frankie, que sorria malignamente.

'Eu concordo, Janie.' Disse ele.

'Não me chame assim.' Ela arremessou uma bola contra ele, e se escondeu. Trinta minutos depois, Maura tinha neve no cabelo, escorrendo pelo pescoço e ela tinha certeza de que até mesmo dentro de suas botas alguma coisa tinha entrado. Em certo ponto ela se sentou no chão e começou a rir desesperadamente de Jane e Tommy porque eles estavam sendo tão infantis discutindo por galhos para colocar no boneco de neve que nem tinha sido construído ainda. É claro que ela recebeu sua vingança, uma bola gigante atingindo seu peito e lhe salpicando toda.

Ela nem se importou. Continuou rindo, o ar gelado cortando deliciosamente os pulmões - deliciosamente porque depois de tanto movimento ela já estava suada, com calor.

'Esse galho não é bom o suficiente.' Jane disse irritada.

'É sim! Olha, se você colocar ele desse jeito,' ele mostrou como, 'parece que ele tá dando tchau.' Tommy rebateu.

'Ah, eu desisto.' Frankie então caminhou em direção à Maura e se sentou ao seu lado, na neve.

'Tommy, eu estava falando do outro galho. Parece que ele tá mostrando o dedo do meio, e você sabe muito bem como sua mãe vai implicar com isso.' Jane suspirou, irritada.

Oh, meu Deus. Maura nunca vira a morena agir tão infantilmente assim. Ela colocou a mão na boca para segurar o riso. Frankie riu por ela, entretanto.

'Ei, vocês dois.' A morena disse para eles, mão na cintura e cara feia. 'Vocês só vão olhar?'

'Sim!' Frankie disse. Jane e Tommy trocaram um olhar perplexo. Era como se aquela tivesse sido a traição final.

'Bem, eu e Tommy vamos fazer o nosso boneco. Vocês façam o de vocês, se quiserem.' Ela se virou de costas e, como se aquilo fosse motivo para se unirem, pararam de brigar por causa do galho e começaram a construção do boneco imediatamente.

Por minutos, os dois só observavam. O silêncio tinha reinado, finalmente, e quando era quebrado, era apenas porque Jane murmurava aprovações para Tommy. Eles trabalhavam em conjunto como se tivessem praticado por anos - o que tinham, de fato. No final, o boneco ficou aceitável, mas para agradar Jane, Maura tinha dito que ele estava invejável.

'Você nem tem um para comparar,' ela retrucou, mas pareceu agradecida.

Já tinha se passado uma hora e meia desde que tinham saído para neve e quando retornaram a casa estava cheirando a chocolate quente. Aquilo deveria acontecer frequentemente, Maura conclui, porque pareceu ensaiado: todos se sentaram no sofá. Angela passou uma caneca para Frankie, que passou para Tommy, para Jane e finalmente para a loira. Ela entendeu que era a primeira porque era convidada. Jane foi a segunda, porque era a irmão mais velha e mulher. Tommy em seguida, porque era o irmão mais novo, e finalmente Frankie recebera a dele. A de Angela já estava sobre a mesa. Maura observou por bastante tempo antes de bebericar o líquido. Ela estava admirada. Encantada. Aquela era a família que sempre quisera ter: irmãos para brincar e brigar e repartirem refeições. Companheirismo e cumplicidade em passarem às escondidas biscoitos por baixo da mesa, bagunçarem e arrumarem a casa juntos depois de brincar. Cuidarem um do outro, mesmo quando odiavam-se entre eles. Esse tipo de amor ela jamais conhecera, mas agora, estranhamente, ela se sentia tão feliz ali. Até onde ela podia dizer, aquele tinha sido o melhor dia de sua vida.

'Ei, Maura, seu chocolate tá muito quente?' Tommy perguntou, apontando para a caneca dela.

'Oh, não. Eu apenas me distraí.' Ela sorriu e ele balançou a cabeça em compreensão. 'Nós temos mais marshmallows em cima da mesa, se você quiser.' Ele ofereceu e depois bebeu um pouco mais do líquido.

'Obrigada, Tommy.' Ela disse e finalmente bebericou o seu. Oh, Deus. Aquilo estava ainda melhor do que o da noite anterior, talvez porque caía perfeitamente bem após tanto tempo na neve.

'Oh, droga.' Jane exclamou, tentando limpar a blusa. 'Droga! Sujei minha roupa.'

'Acontece todo ano.' Angela observou fazendo pouco caso, como se já estivesse acostumada.

'Isso não é verdade.' A morena franziu o cenho em pensamento.

'É sim, ano passado você tava sentada perto da lareira e colocou a culpa no Tommy.' Frankie disse.

'Bem, mas a culpa foi dele.' Ela rebateu.

'Ei, eu contei uma piada, se você riu enquanto bebia é problema teu.' O mais novo se defendeu.

'Talvez eu enfie seu chocolate -'

'Jane.' Angela e Maura repreenderam ela no mesmo instante.

'Apenas mude de roupa.' A mais velha completou. 'E pelo amor de Deus, parem de implicar um com o outro. Eu já não aguento mais. Você tem trinta e três anos, Jane! E vocês dois, parem de rir. Frankie, você tem trinta e um, e Tommy, com vinte e oito seu pai era bem mais maduro que você!' Ela disse e colocou a mão na cintura e de repente todos ficaram em silêncio.

Tinha sido a menção do pai deles, Maura sabia. O desconforto não durou muito, até mesmo porque Jane se levantou para trocar de roupa e Tommy para se servir de mais chocolate quente. Frankie se levantou também, mas apenas para pegar um album de fotos e mostrar para a loira.

'Eu não sei se é o tipo de coisa que você gosta, mas tem bastante fotos de nós aqui, enquanto crianças. Quer dar uma olhada?'

Os olhos dela brilharam com a sugestão. 'Claro, Frankie, eu amo ver fotos antigas.'

Ele começou mostrando a foto de Jane bebê, rescém-nascida. Conforme ele virava as páginas, ela ia crescendo e Frankie e Tommy foram aparecendo na história. Ele contava para ela sobre os momentos que elas foram tiradas, quantos anos eles tinham, porque Tommy estava vestido de galinha - três anos, e ele quem escolheu a fantasia para o Halloween - porque uma Jane de cinco anos estava chorando na foto - ela odiava o irmão mais novo porque ele roubara seu picolé - porque Jane e Frankie seguravam, cada um, uma parte de um gato, Jane as patas da frente, ele as de trás.

'Esse gato era do vizinho. A gente gostava dele.' Ele disse.

'Repolho?' Maura perguntou, duvidosa. Ele abriu os olhos e riu. 'Isso! Como você sabe?'

'Angela me contou a história. Eu imagino que você sabe que Jane agora tem um outro gato na casa dela? Repolho, também.'

'O que?' Ele riu e se virou para encontrar a irmã. Ela estava sentada na mesa conversando com Tommy, Maura nem sequer ouvira ela voltar. Ela estava se divertindo tanto com Frankie que se esquecera dela. 'Ei, Jane. Maura aqui me disse que você tem um novo Repolho?'

Do outro lado da mesa Tommy riu, mas se engasgou com o pedaço de pão e começou a tossir desesperadamente.

'Isso,' Jane disse calmamente, apontando um dedo para o mais novo, 'é pelo ano passado.'

Maura riu levemente e balançou a cabeça. Como ela inveja a família de Jane, como ela queria que parte daquela história fosse dela também. Como ela desejava estar cada jantar ali, todo ano.

'Frost vem?' Angela gritou da cozinha.

Maura sentiu seu sangue gelar por um minuto. Frost, ela tinha registrado na memória, era o amigo de Jane, o homem que a acompanhara para sua primeira noite na casa dela. Quando Frankie disse que não, ela se sentiu aliviada. Depois de pensar sobre isso, ela imaginou que ele estando ali não poderia ser sinal ruim. Ela sabia que Jane escolhia muito bem os amigos, e que Frost era tão fiel e leal quanto ela porque Jane já lhe contara tantas histórias envolvendo o amigo.

Quado o relógio marcou seis horas, Angela gritou para que todos se sentassem na mesa. Todos eles obedientemente fizeram. Maura se perguntou se eles sempre ouviram a mãe desse jeito, ou se era apenas quando se tratava de comida; é claro que no fundo ela já sabia a resposta. Todos os pratos foram distribuídos e cheios, mas como o costume ditava, todos deveriam dizer pelo que estavam agradecidos antes de comerem.

'Quem se propõe a começar?' Angela perguntou e olhou para todos eles.

'Eu posso.' Frankie disse. A mais velha meneou a cabeça e esperou. 'Eu estou agradecido por minha família, por ter você, mãe.'

'Aaaawn.' Jane disse, tirando sarro dele. Maura riu baixinho enquanto a mulher mais velha a castigava com um olhar.

'Eu estou agradecido pelo fato de que Frankie parou finalmente de roubar minhas namoradas.' Tommy disse e o outro se defendeu, dizendo que aquilo não era verdade.

'Leve isso a sério!' Angela exigiu.

Ele respirou e tentou de novo. 'Eu estou agradecido pela minha vida, família, por poder sempre contar com vocês. E por ser melhor que a Jane no xadrez.' Ele murmurou a última parte baixo o suficiente para só ela que estava sentada em sua frente ouvir.

Ela estreitou os olhos e pensou. 'Eu estou agradecida... por aprender ver a vida por outro ângulo.'

'É só virar a cabeça, demorou quanto tempo para aprender isso?' Tommy rebateu, e dessa vez Jane chutou sua canela.

'Tommy.' Angela o corrigiu.

'Desculpa.' Ele disse, mas obviamente não estava arrependido.

Maura respirou fundo, sabendo que pela ordem era sua vez. Ela mordeu o lábio inferior e começou antes que o silêncio se alongasse mais, 'eu sou agradecida por... ganhar uma segunda chance, e por vocês que me receberam.' Todos na mesa soltaram uma exclamação do tipo awn Maura, mas foi apenas a mão de Jane que ela apertou, porque entre todas as palavras, ela não conseguia encontrar a ordem para dizer o quanto ela estava agradecida por ter ido parar na casa dela. E tantas outras coisas a mais...

'Bem...' A loira voltou a atenção para Angela, seus dedos entrelaçando com os de Jane por baixo da mesa. ' Eu sou agradecida por vocês, meus filhos, que são a razão pela qual eu vivo, e agradeço por vocês estarem aqui hoje. Eu agradeço sempre por vocês primeiro. Maura, eu agradeço por ter conhecido você, querida. Você pode não saber, mas vem ensinando muito para mim, e para Jane também, caso ela não tenha te dito.'

'Oh, Angela.' Ela disse e alcançou a mão dela, dando um aperto em forma de agradecimento. Ela sentiu o coração bater um pouquinho mais forte e as bochechas corarem. Ela não era exatamente o tipo de pessoa que pedia para ser o centro das atenções.

'Ok, vamos comer!' Jane quase gritou, para seu alívio. As mãos se soltaram e por minutos a casa ficou quase silenciosa. Vez ou outra alguém dizia como a comida estava deliciosa, ou como havia tanto para ser comido, ou como o recheio do peru era a melhor coisa da noite. Depois do jantar, todos ajudaram a arrumar a mesa, lavar a louça. Angela não precisou pedir dessa vez, era como se a celebração tivesse despertado esse espírito colaborativo entre eles. O último prato lavado tinha sido guardado e agora eles estavam decidindo o que fazer.

'Filme?' Jane sugeriu. 'Jodo de cartas!' Ela exclamou em seguida a melhor opção.

'Eu preciso usar o banheiro.' Maura disse. Ela pediu licença e se retirou, ao som da pequena discusão que começava atrás de si.

'Poker!' Tommy sugeriu.

'Mamãe não sabe jogar.' Frankie disse.

'Mamãe?' Jane ridicularizou. 'Faça-me o favor, você não é mais uma criança.'

'Cala a boca, Janie.' Ele rebateu, e nisso Maura fechou a porta do banheiro e só escutou o murmurinho. Ela riu consigo mesma e tomou conta de suas necessidades. É claro que o momento de trégua entre os três viria acabar, ela só não pensou que seria tão rapido. Ela estava lavando as mãos quando ouviu a campainha tocar e franziu o cenho. Alguém mais fora convidado? Mas quem apareceria depois do jantar? Seja lá quem fosse, era responsável pelo silêncio que se instalou. Ela abriu a porta ao mesmo tempo que ouviu Frankie dizer, 'pai.'

Ah, não, ela pensou, o pai de Jane. Mordendo o lábio inferior, ela andou cuidadosamente de volta para a sala, mas parou no final do corredor, não querendo ser notada logo de cara. Todos eles pareciam tensos, Angela ainda mais do que o restante.

'Frank.' Ela disse sem nenhuma emoção. 'O que você está fazendo aqui?'

Maura assistiu enquanto ele tentou um sorriso, mas parecendo sentir que não era bem recebido ali, falhou miseravelmente. 'É assim que você recebe seu marido?' Ele devolveu.

'Ex-marido.' Ela enfatizou.

'Eu queria ver meus filhos. É noite de Ação de Graças, afinal de contas.' Ele se virou primeiro para os homens. 'Como vocês estão?'

'Bem, pai.' Eles responderam em unissono, depois de lançarem um olhar para Angela. Era como se tivessem pedindo desculpas por não conseguirem odiá-lo também.

'Jane?' O mais velho chamou pela morena. Ela se remexeu inconfortável sobre os pés.

'Eu estou bem, pai.' Ela murmurou, também olhando para Angela. Dessa vez o que Maura viu não era culpa. Era uma cumplicidade entre ela e a mais velha, algo que ainda Maura teria que entender.

'Será que eu posso ficar um pouco?' Ele finalmente perguntou, como se a opinião dos filhos pesasse mais do que a de Angela, mas era ela quem colocava ordem ali, era ela quem pagava todas as despesas. Maura sabia que ela era a pessoa que tinha sido deixada para trás, sido traída. Portanto, a loira não se surpreendeu quando Angela anunciou o seu não. Aquela era a casa dela, afinal de contas, e feriado nenhum poderia apagar ou mascarar a dor e a decepção.

'Acontece que essa também é minha casa.' Ele disse. 'Vocês não tem nada a dizer sobre isso?' Ele se virou para os filhos, e de repente Maura se sentiu irritada. Não era nada justo que ele colocasse os três entre a briga dele e de Angela. Nenhum deles disse nada por alguém tempo, então Jane, talvez por ser a mais velha e mais centrada, acabou se desculpando.

'Sinto muito, pai.' Ela murmurou mais uma vez.

Era de quebrar o coração assistir aqueles três adultos, tão energéticos, briguentos e barulhentos, agora diminuídos em três crianças culpadas. Maura engoliu o nó na garganta. Ela mal se mexia, mas seu peito subia e descia perigosamente. Ela queria atravessar a sala e andar até Jane, segurar sua mão. Agora, entretanto, não era o momento.

'É assim que vocês se comportam? Foi isso que ensinei para vocês.' Ele disse irritado agora, como se esperando que os filhos resolvessem um problema que nem deles era.

'Frank, eu acho que você deveria ir.' Angela disse, incomodada.

Ele passou os olhos por todos eles. E Maura. Ele tinha visto finalmente ela parada, ali. Ela piscou os olhos várias vezes, sentindo o coração acelerar.

'Quem é essa?' Ele perguntou com curiosidade, e algo mais.

'Uma amiga.' Jane disse simplesmente, depois de virar o rosto para Maura. Ela tomou a oportunidade e andou em sua direção, feliz por estar ao lado dela para lhe dar suporte, se precisasse, e porque... ela se sentia protegida ali.

'Uma amiga? Tudo bem então você receber uma amiga mas não seu próprio pai?' Ele alfinetou Jane, e a morena massageou o rosto com as mãos.

'Pai,' Tommy começou, 'acho que tá na hora de aceitar que o que você fez foi errado, e que existem consequências para isso.'

Ele riu irônicamente, mais para si mesmo do que para o filho, e então começou, 'logo você vem querer me falar sobre moral, Tommy? Logo você que causa tantos problemas? Dentre os três, você é que tem menos dizer aqui.' E então ele se virou para Jane, porque ela tinha começado a protestar.

'Dá última vez que chequei, ele pagou pelos erros dele. Aja como homem e pague pelos seus.' Ela disparou, visivelmente brava. Aparentemente mexer com um de seus irmãos era o mesmo que pedir por briga. E, oh, como Jane sabia brigar. 'Você quebrou meu coração, o de cada um aqui. E agora você acha que pode simplesmente voltar como se nada tivesse acontecido? Para alguém que passa tanto tempo na igreja, apontando os pecados dos outros, você deveria saber bem pra caralho quais são os seus. Tommy não tem nada a ver com a merda que você fez, deixa ele de fora disso.'

Exceto pela tarde em que Kitty aparecera, Maura nunca vira Jane brava desse jeito. Dessa vez, entretanto, era algo diferente. Era estar brava, sim, mas magoada também. Era aquele sentimento de querer esfolar a outra pessoa como vingança por ter sido machucada.

'Quer saber, Jane?' Ele começou a rebater e Maura sabia que aquilo iria doer na morena. 'Eu costumava ter orgulho de você, até saber o que você se tornou. Se eu fosse você, eu encararia a segunda chance que Deus te deu quando aquele monstro te pregou no chão. Aquilo deve ter servido para você pagar parte dos seus pecados. Você sabe como está escrito na bíblia que dormir com alguém do mesmo sexo é pecado, não sabe? Eu te mostrei.'

'Pai.' Frankie advertiu.

'Oh, eu costumava ter orgulho de você também.' Jane rebateu. 'Até que você derrubou tua máscara. O que a bíblia diz sobre adultério, pai?' Ela provocou, a voz tremendo por conta da raiva, vergonha e decepção. E as lágrimas que ela recusava a derramar.

'Frank, já chega, é melhor que você saia agora.' Angela disse de novo, a voz mais alta e indignada do que antes.

Ele estalou a língua e balançou a cabeça. 'Vocês são todos uma piada. E você,' ele apontou o dedo para Jane, 'você é apenas um desperdício.'

'Não.' Maura se surpreendeu com o tom de sua voz. Alta, autoritária. A sequência, entretanto, foi dita com uma voz cautelosa, como se cada palavra merecesse ser ouvida atentamente. 'Você não tem direito algum de dizer isso sobre eles, sobre Jane. Sua família, a família que costumava ser sua, é a mais bonita que eu já vi. Não bastou mais de um dia com eles para entender como respeito, amor e cumplicidade são colocados em primeiro lugar entre a relação deles. Assim como gentileza e acolhimento. É uma pena que você não tenha sabido reconhecer e zelar por isso antes. E sua filha, 'ela apontou o dedo para Jane, 'é a mulher mais forte, honesta, compassiva e ética que já conheci. Eu aposto todo o meu ser que as virtudes dela pesam mais do que os pecados. Não a ofenda com justificativas pobres e mal-elaboradas porque ela se recusa a ser cúmplice dos seus erros. Não use, tão pouco, o nome do teu Deus para tentar pautar a vida dela. Até onde me consta, não é teu trabalho julgar ninguém. Eu certamente não julgo, mas tenha certeza de que não vou permitir que você continue aqui, apontando o dedo para eles, para ela.' Ela terminou de falar a segurou a mão de Jane. Seus olhos afiados desafiavam o homem para responder. Ela não sabia de onde aquela reação tinha vindo, desde quando recuperá-la aquela audácia. O fato era que seu sangue estava fervendo porque aquele homem, pai de Jane ou não, tinha machucado a morena.

'E você, quem você é?' Ele perguntou com indiferença, apontando um dedo para ela, como se ela fosse tão insifnificante ao ponto de ele não precisar saber seu nome.

Ela se sobressaltou e deu um passo para trás. Jane soltou de sua mão apenas para passar um braço em torno dela, e Maura suspirou aliviada.

'Não.' Frankie disse, entrando na frente das duas. 'Você não dá mais um passo para frente. Pai, sério, você precisa sair daqui agora. Não piore as coisas.' Ela disse racionalmente, oferecendo trégua. Só então Frank pareceu escutar. Ele virou as costas, ainda irritado, talvez percebendo o mal que tinha causado a todos ali naquela noite, e saiu sem dizer mais nada.

'Não é quem ela é, é onde ela pertence. E diferente de você, ela pertence aqui.' Angela gritou em suas costas, e ele bateu a porta atrás de si.

Tão logo ele se foi, um silêncio incomum se instalou na sala. Maura começou entrar em pânico. O que ela tinha feito? Aquela nem era a casa dela, ela mal conhecia aquelas pessoas - exceto por Jane. Frank estava certo, afinal. Quem ela pensava que era para dizer algo ali? Não era sua família, ela nunca bancara nada ali. Ela era apenas a estranha que tinha sido convidada para passar um feriado com eles, talvez convidada por piedade e apenas educação, considerando como ela estava quando Frankie a conhecera. Oh, meu Deus, ela tinha estragado tudo. Tudo. Ele era o pai de Jane, e não importa o que ele fizesse, ela - Maura - não tinha direito de apontar o dedo para ele. Se nem mesmo Jane o fizera!

Ela levou as mãos ao peito, respirando com dificuldade. Ela queria virar e pedir desculpas para Angela, para Jane e todos eles, mas em seu estado de pânico ela mal conseguia parar em pé.

'Maura!' Jane exclamou e apoiou sua barriga em suas costas para mantê-la em pé. Os braços da morena a segurava com força enquanto ela tentava respirar. 'Maura, tá tudo bem.' A voz de Jane veio baixa, reafirmando-a.

'Maura, você consegue respirar?' Tommy perguntou, se aproximando.

'Oh, Maura!' Angela exclamou, também rodeando-a.

'Aqui, senta aqui.' Frankie tentou ajudá-la.

'Não.' Disse Jane, alto e claro. 'Ela tá tendo um ataque de pânico. Ela precisa de espaço. Por favor.' Ela esticou o braço para frente, pedindo por passagem. Maura deixou-se ser guiada pela morena, mas oh, como ela queria se desculpar por ter explodido. Ela lançava olhares para Angela tentando se comunicar, mas a outra apenas parecia preocupada, assustada. Antes de seguirem para o corredor, Jane se virou e disse, 'Frankie,' como se fosse o recado; agora você é o homem da casa. Ele sinalizou de volta para ela e então elas se dirigiram para o quarto de Jane.

Agora, Maura pensou, deve ser a pior parte, encarar esses olhos que eu acabei de desapontar. Ela olhou para Jane esperando por, talvez, punição, mas em vez disso a morena a colocou num abraço, oferecendo conforto.

'Jane.' Ela conseguiu dizer, finalmente, o efeito do calor da outra acalmando-a como mágica. 'Eu sinto muito, eu perdi a cabeça, não sei o que aconteceu. Oh, meu Deus, sua mãe deve me odeiar. Eu sei que não era meu lugar, minha família, eu não sei como -'

'Shh.' Disse a outra, bem perto do seu ouvido. Ela embalou Maura de um lado para o outro enquanto falava. 'Tem muita coisa na minha cabeça agora, então não sei se isso vai soar tão bem quanto eu acho que deveria, mas... Isso que você fez agora, ninguém nunca fez por mim. Então eu acho que eu tenho que te agradecer.' Ela depositou um beijo na cabeça de Maura, e a outra não disse nada, surpresa demais pelo que estava ouvindo. 'Obrigada. Agora, o mais importante, o que você merece ouvir. Eu estou tão orgulhosa de você, Maura. Por ter desafiado alguém, defendido teu chão. Eu sei que isso foi terrivelmente difícil para você, e você fez mesmo assim, por mim. Outro dia quando eu disse que sabia que você estava lidando com tudo o que aconteceu, melhor do que ninguém, era disso que eu tava falando. Você é mais forte do que imagina.'

Maura afastou a cabeça para olhar para ela, um tanto confusa. 'Você está orgulhosa de mim?'

'Caramba, pode apostar que sim.' Ela riu um pouquinho e puxou Maura pela mão para que se sentassem na cama.

'Mas eu faltei com respeito com o teu pai, Jane.' Ela disse como se desculpando-se, os olhos suplicacando por perdão. Ela recebeu o beijo de Jane em sua bochecha e se ajeitou nos braços dela quando foi abraçada.

'Maura, eu entendo que você deve ser a pessoa mais educada de todas e tudo mais, mas algumas vezes a gente tem que gritar um foda-se para o mundo, sabe?'

'Eu estou tão envergonhada. Sua mãe...' Ela murmurou, apertando os braços na cintura da outra, pedindo refúgio.

'Oh, ela deve estar tão brava com você agora.' Jane provocou, mas Maura perdeu a ironia e arfou.

'Oh, isso é tão ruim.' Ela se lamentou, mas então sentiu o peito de Jane chacoalhando com sua risada.

'Maura, eu estava brincando.' Ela esclareceu.

'Isso não é hora, Jane!' Maura protestou.

Jane beijou sua testa mais uma vez, e então disse, 'eu tenho certeza de que ela aprecia o que você fez. Se te fizer se sentir melhor, você deveria falar com ela.'

'Eu vou mesmo.' Ela disse, mas não se mexeu um centímetro.

'Ainda hoje, ou...?' Jane provocou de novo, e Maura, decidida, se levantou.

'Agora.'

'Você está melhor?' A morena se levantou também, segurando seu braço com delicadeza.

'Eu vou me sentir melhor quando eu falar com sua mãe, Jane.' Ela teimou.

A morena revirou os olhos e apontou para a porta. 'Como queira, madame.' Ela brincou, e embora estivesse usando tanto de seu humor, Maura sabia que seu coração estava partido. Uma coisa de cada vez, entretanto.

As duas retornaram à sala e Jane chamou, 'mãe,' e apontou um dedo para a loira. Maura se ajeitou nos pés, visivelmente nervosa.

'Angela, eu sinto muito por... ter me colocado onde não deveria.' Ela abaixou os olhos, envergonhada. Angela andou até ela e parou bem na sua frente. Seus olhos verdes estudaram a mulher, e ela não sabia mais o que dizer. Ela se sentia mal, mas então... Angela a colocou dentro de um abraço e o que ela disse quase fez a mais nova chorar.

'Você não se desculpe por proteger meus filhos. Sabe o que isso te torna, Maura?'

Ela balançou a cabeça em não.

'Família.' A voz de Angela quebrou no final, Maura apertou seus braços em torno da mulher. 'É isso que família faz,' ela disse mais alto, 'e essa noite vocês se apoiaram e defenderam um ao outro. Mais do que tudo, é de vocês que eu me orgulho.' Ela sinalizou para que os outros três se aproximassem, e eles acabaram todos num abraço de grupo.

Maura se setiria sufocada, antes. Pediria para que a soltassem para que ela pudesse respirar normalmente. Essa noite, entretanto, ela apenas deitou a cabeça no ombro de Angela e aprendeu o que era fazer parte da vida de outras pessoas, pessoas que se importavam. Ela sabia que todos eles estavam frágeis, quebrados, cortados pelas palavras de Frank. Não há nada pior do que ser machucado, diminuído por alguém que se ama. Nada. Eles terminaram a noite juntos, sentados no sofá tomando chocolate quente e assistindo um programa de comédia na TV. Ninguém conversava muito. Era a herança deixada por Frank e sua visita. Ele tinha apagado as chamas de todos eles; a alegria tinha se resumido agora apenas em conforto, a presença de cada um apoiando um ao outro. Mas era para ser assim, não era? Família, Maura pensou, quando há algo de errado ninguém vira as costas, decide ir embora. Família fica, e mesmo quando não tem palavras para consertar o de errado, eles ficam em silêncio, mas eles ficam.

O pior para Maura, era assistir Jane. Ela tinha se calado em um silêncio absoluto, o mecanismo em sua cabeça trabalhando quietamente. Quando aquilo se tornou insuportável - era difícil ver Jane sofrer assim, sem poder lhe confortar - ela disse que estava cansada e que gostaria de dormir. Sem dúvidas elas passariam a noite ali de novo, e como esperado, Jane se levantou e a acompanhou até o quarto.

Em silêncio eles se trocaram e se ajeitaram na cama. Maura não mentira quando disse que estava cansada, o dia tinha sido longo e emotivo. Havia, entretanto, algo que ela queria tratar com Jane antes de dormir. Ela se virou de frente para a morena e descansou a mão em sua cintura.

'Oi.' Ela murmurou, Jane sorriu para ela.

'Ei.'

Agora foi ela quem sorriu. 'Faz tempo que você não fala nada, achei que tinha se esquecido como funcionava.' Ela brincou e apertou o dedo na cintura da outra.

Jane abriu um sorriso maior e seus dedos deslizaram entre o cabelo dela. 'Eu gosto de você, Maura Isles. Você é singular.'

Maura riu baixinho. 'Eu aposto que sou.' Elas ficaram em silêncio de novo. Como era difícil trazer tudo aquilo à tona, mais uma vez. Mas Maura tinha que falar, ou então não ficaria em paz. 'É verdade cada palavra que eu disso sobre você, mais cedo.' Ela disse finalmente. Os olhos de Jane estudaram seu rosto como se procurando por um traço de mentira, como se avaliando se pudesse aceitar aquilo ou não. Por fim, ela balançou a cabeça levemente em sim. Tão abalada sua confiança está. Maura amaldiçoou o pai da outra. 'Você é a mulher mais forte, honesta e ética que conheço, Jane. E gentil, carinhosa, compassiva, amiga, leal, fiel, confiável. Íntegra e digna, generosa. Você tem tantas virtudes que eu poderia passar a noite numerando-as, mas em vez disso, eu vou pedir para que você acredite quando eu digo que você é a melhor pessoa que já tive o prazer de conhecer.'

Jane estalou a língua, como se dizendo que era exagero.

'Não duvide.' Maura devolveu. 'Você é. Não deixe que ninguém te diga o contrário.'

'Maura, você não -'

'Me escuta.' Ela pediu. 'Porque eu te escuto quando você diz coisas sobre mim.' Jane concordou com a cabeça e Maura sentiu-se aliviada por não ter que comprar mais essa briga. Jane agora só ouviria. 'Eu sei que ele quebrou seu coração, e sei que nada do que eu disser vai mudar isso ou vai fazer você se sentir melhor. Mas se conta de algo, eu acho que ele disse da boca para fora. Ele estava ferido e queria ferir vocês de volta. As pessoas fazem isso, você sabe.'

Ela assistiu enquanto a outra apertou os olhos, lutando contra lágrimas, e ela viu também que era em vão. Em apenas um segundo Jane desabou, e dessa vez Maura seria aquela que salvaria. Ela acariciou o rosto da morena, abraçou seu corpo magro e forte. 'Você tá bem.' Ela murmurou para Jane, tentando convencê-la de que estava, de que ficaria. 'Eu sei que dói, mas vai passar.' Ela beijou a bochecha de Jane uma, duas vezes. Era um pouco assustador vê-la assim, mas ao mesmo tempo Maura queria ser a pessoa para quem ela corresse quando precisasse chorar. No final, ela se recompôs dentro de dez minutos. Ela não tinha dito nada ainda, e Maura achou que não ela fosse. Ela esperou pacientemente, porque não havia remédio para aquilo. Quem sabe se o pai de Jane se desculpasse, mas desculpas não consertavam nada, o dano feito era irreparável.

'Droga.' A morena disse finalmente, limpando os olhos. 'Ele tinha que aparecer logo hoje, entre todos os dias?'

Maura acariciou seu cabelo e suspirou. 'Vocês foram pegos no meio do tiroteiro, Jane. Qualquer encontro seria assim.'

Jane suspirou e revirou os olhos. 'Ele costumava ser um bom pai. Engraçado como as coisas mudam.'

'Ei.' Maura disse e segurou seu rosto. 'Ele deve estar chateado porque vocês tomaram o lado de sua mãe, e eu entendo.' Ela enfatizou porque Jane estava prestes a cortá-la. 'Foi errado ofender vocês assim, mas talvez essa seja a razão. Ciúmes.'

'E então ele decide que vai ganhar a gente dando ponta-pés?' Ela rebateu, indignada.

'Algumas pessoas não sabem como... como amar.' Maura encolheu o ombro, limpou o rosto de Jane.

'Essas mesmas... é mais difícil de amá-las de volta.' Jane rebateu, cansada.

Maura concordou com a cabeça, mas não tinha mais nada a acrescentar. Jane estava tão abatida, cansada. Maura se lembrou das próprias brigas que tinha com os pais e como aquilo a consumia emocionalmente. Ela entendia a morena perfeitamente. Era assim que ela a via agora; como se estivesse embaixo do oceano, olhando para cima, procurando por luz, alívio. Ar. O lugar que estava agora, não era necessariamente frio, era um tanto quanto escurecido pelas águas e infinito em sua percepção de tamanho. Silencioso. Maura poderia ficar lá com ela, por agora. Ela conseguia lidar com o silêncio e falta de luz, porque Jane lhe lembrava da escuridão mas não de um modo negativo, ela tinha remodelado sua idéia do que aquillo significava. Era aquilo que Jane oferecia: doçura. E daquele lugar, daquelas águas... Maura sabia onde elas entregariam Jane.

Ela deslizou os dedos gentilmente pelos lábios dela. Depois o polegar. Elas estavam tão próximas como nunca. Como nunca. E não só fisicamente. Maura não se perguntou se era certo. Ela não se questionou sobre as consequências. Ela simplesmente se inclinou para frente e tomou os lábios da outra nos seus. Eles eram ambos ásperos e macios, assim como a própria personalidade da morena. Ela não tinha planejado um beijo curto nem longo, mas no momento em que seus lábios se encontraram, ela quis mais. Ela beijou Jane, realmente beijou ela, e a morena a beijou de volta. Tinha sido incerto, duvidoso de ambos as partes. Maura sentia seu corpo tremer levemente por conta da adrenalina, ela pressionou suas mãos nas costas da outra para parar o tremor.

O beijo foi interrompido, e elas se encararam por um minuto. Maura sentia seu coração bater fortemente contra o peito. Ela tinha cometido um erro? Passado do limite?

'O que você tá fazendo, Maura?' Jane perguntou, tão confusa quanto a outra.

'Eu... Eu gosto de você.' Ela disse depressa. 'Eu gosto de você e não sei como dizer isso.'

Jane riu baixinho e acariciou suas costas. 'Você deixou claro quando me defendeu mais cedo.'

'Não.' Maura corrigiu. 'Eu disse para seu pai o quanto eu te admiro, mas agora é para você. Eu gosto de você. De quem você é, do que você faz. Mas só dizer não é mais suficiente. Eu quero te beijar.' Ela sussurrou, os dedos no rosto de Jane. 'Eu posso te beijar?'

A morena balançou a cabeça em sim, Maura não precisou perguntar de novo. Ela se inclinou mais uma vez e agora o beijo era determinado, como se disposto a ceder aos desejos de Maura em entregar aquilo que ela procurava. 'Eu gosto de você.' Ela repetiu mais uma vez, platando um beijo nos lábios da outra. Ela gostava tanto de Jane. Por tudo que ela já tinha dito e mais pelo que ela não sabia explicar. Ela beijou Jane de novo e de novo, e seu rosto, seu pescoço. Ela queria desesperadamente que a morena entendesse que ela valia tanto a pena. Que ela não era nenhum desperdício, que ela era a melhor descoberta de Maura. Ela beijou Jane até quando achou o suficiente para ela, para a outra. Essa noite, quando elas fossem dormir, seria diferente. Essa noite Maura seguraria ela. Ela seguraria Jane porque, se ela estava em águas escuras e silenciosas antes, ela tinha sido entregue em seus braços agora. E Maura cuidaria para que não lhe faltasse nada, e que assim como a morena tinha feito em tantas outras noites por ela, ela se certificaria de que Jane permanecesse aquecida, longe da escuridão.


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