- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 25
Vinte e cinco


Notas iniciais do capítulo

Sempre esqueço de escrever isso pq venho sempre com pressa: obrigada pelos comentários e indicações, vocês são mara.
Esse cap pode ter gatilhos - ou não. não sei.
Boa leitura!



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Novembro tinha se transformado em dezembro. O frio tinha se tornado mais rígido, as lojas trocaram a decoração de Ação de Graças por uma decoração natalina. As músicas de Natal tocavam de novo e de novo em todas lojas e as luzes coloridas brilhavam nos olhos de curiosos e admiradores. O tempo tinha passado tão rápido desde o dia de Ação de Graças. É o que acontece quando se aproveita cada um deles, e com Jane não seria diferente. Era acordar de manhã com Maura enroscada em si, era os dias extremamente gelados que impediam pessoas de sairem de casa, logo os homicídios também diminuíram e assim os horários de Jane no trabalham passaram a serem regulares - e isso era importante porque ela sabia exatamente que horas ela veria Maura de novo. O passar dos dias também trouxe desenvolvimento na situação da loira; ela agora tinha se dedicado a sair de casa sozinha. Banco, mercado, compras. Na primeira vez Jane tinha ficado ansiosa, temendo que a loira fosse ter um ataque de pânico no meio de tanta gente. Aquele tinha sido um engano delicioso, ela já deveria saber, porque era Maura. Ela se provara ainda mais determinada e forte do que antes. A morena entendeu que, a partir daquele dia que a loira chegara em casa sorrindo com um ar vitorioso e várias sacolas penduradas nas mãos, ela não morreria de tédio dentro de seu apartamento. Ela até pensara em pedir para a mulher avisá-la sempre que fosse sair, apenas por precaução, mas considerando o estado de felicidade dela... Jane não tinha dúvidas. Ela poderia lidar com aquilo sozinha. E Jane contava com esse pensamento agora, de que a loira podia lidar com qualquer coisa. Naquela noite, ela teria que lidar com algo que Jane não saberia dizer se seria difícil, agonizante, ou o quê.

Ao voltar do trabalho, ela entrou e fechou a porta atrás de si, pendurou o casaco de inverno no gancho na parede e perguntou, 'alguém aqui?'. Ela sabia que sim, que Maura estava lá, mas ela queria apenas anunciar sua presença. Ela riu quando viu a mão de Maura aparecer acima da poltrona na sala.

'Eu.' A loira disse. Jane sabia que ela deveria estar estudando, fazendo anotações para o artigo que queria publicar. Ela não se surpreendeu quando contornou a poltrona e encontrou a loira sentada com o laptop no colo, um bloco de anotações, uma caneta, dois livros.

'Seus testes começam amanhã?' Jane brincou, se inclinou e beijou sua bochecha.

'Muito engraçado.' Ela se desfez logo de tudo aquilo, colocando cada objeto com cuidado no chão. A intenção era subentendida - ela se levantara do lugar, apenas o suficiente para Jane tomá-lo. Então ela se sentou de lado, as costas apoiadas por um dos braços da poltrona - e de Jane - enquanto suas pernas se penduravam no outro braço.

'Como anda seu artigo, minha nerd favorita?' Jane perguntou e riu de leve quando Maura torceu o nariz para ela.

'Eu não sou nerd.' Ela rebateu.

'Oh, você é tão nerd.' Jane insistiu e beijou o ombro da outra. Maura cheirava a flores e mel, e o que Jane mais gostava nela naquele momento era que ela usava seu moletom azul preferido. Tinha sido um presente de sua mãe há dois anos atrás, a morena quase nunca usava porque era um pouco apertado, mas ficara perfeito na outra. E se Maura estava usando aquilo, era apenas porque ela tinha decidido organizar todas as roupas da detetive, inclusive as que estavam ainda empacotadas. Deus sabia como aquela mulher precisava voltar a trabalhar logo - ela estava ficando louca sem ter o que fazer, e por isso começou a organizar todo o apartamento.

'Meu artigo logo será concluído, isso é, se você me deixar trabalhar um pouco mais.' Ela colocou uma mecha de cabelo preto atrás da orelha de Jane.

'Hmm...' A outra murmurou. 'Acho que não vai rolar.'

'Perdão?' Maura arqueou as sobrancelhas.

'É sexta à noite, ninguém trabalha ou estuda numa sexta à noite.' Ela divagou.

'Eu posso te provar o contrário.' Maura riu delicadamente quando Jane fez uma careta.

'Escuta, eu preciso - aquilo ali é um saquinho de M&Ms?' Jane abriu bem os olhos e apontou para a mesinha do abajur. 'Eu quero!' Ela esticou o braço, mas Maura tentou impedi-la.

'São meus!' Ela disse rindo enquanto Jane tentava escapar de seu abraço, mas a morena era ágil e seu braço longo facilitou muito o furto.

'Perdeu!' Ela disse, vitoriosa, rindo quando Maura choramingou e disse que era o último saquinho. 'Você comendo chocolate durante o dia? Essa é nova.' Ela disse enquanto jogava um punhado para dentro de sua boca.

Maura deu de ombros. 'TPM.'

Os olhos de Jane voaram para ela. 'Espera, você acha que...?'

Maura balançou a cabeça em sim. Ela tinha explicado para Jane, semanas atrás, de que por conta da má nutrição seu organismo estava desequilibrado, o que afetou também sua ovulação e seu ciclo menstrual. Abaixo do peso e sem os nutrientes necessários, ela tinha perdido pelo menos um ciclo. Ela estava preocupada, então, a recuperar nutrientes e peso porque entre todos outros problemas, esse era um que ela queria eliminar.

'Oh, Maura! Isso é ótimo. Significa que seu corpo tá trabalhando bem.' Ela comentou, seus olhos brilhando para a outra.

'Eu sei. Eu comprei um bolo de chocolate também.' Ela confessou, baixinho.

'Maura!' Jane exclamou, jogou a cabeça para trás e riu. 'Você tá ficando impossível. E eu espero que você não tenha comido tudo sem guardar um pedaço para mim.' Ela abaixou a voz na última parte, espremendo os olhos como se ameaçando-a.

'Oops?' A loira forçou um sorriso, sabendo que estava encrencada.

'Maura Isles!' Jane quase gritou, escandalizada. 'Um bolo inteiro?!'

'Era um bolo pequeno! Um pedaço vendido separadamente, você sabe.' Ela explicou.

'Não importa! Eu queria.' Ela choramingou.

'Eu comi o meu pedaço. O seu ainda tá na geladeira.' Ela confessou finalmente e beijou a bochecha de Jane.

A morena sorriu e se encostou de vez na poltrona. 'Você deve ser a melhor namorada do mundo.'

'Namorada?' Maura fixou o olhar no dela. Elas não tinham colocado um nome naquilo que tinham. Ninguém sabia. Era como um segredo, e ele era tão bom que elas não queriam compartilhar com ninguém, não por enquanto.

'Bem, eu...' Jane se engasgou. Ela sentiu o rosto corar porque em sua cabeça era aquilo que Maura era. Sua namorada. O problema era que Jane não tinha conversado com ela sobre isso ainda, e mal sabia se Maura estava pronta para assumir aquela relação. No dia seguinte depois do dia de Ação de Graças, Jane tinha acordado se sentindo uma nova pessoa. Era como se tivesse jogado a moeda e ela, finalmente, tivesse parado no lado escolhido. Ela queria Maura. Ela queria continuar vivendo com ela. Naquela manhã com a loira em seus braços ela pensou sobre aquilo tudo enquanto acariciava o cabelo da outra ainda adormecida sobre si. Ela queria que a mulher estivesse presente nas próximas celebrações, não só como amiga... mas como sua parceira. Só que ela nunca chegara a mencionar isso, elas nem sequer discutiram o que tinha acontecido na noite anterior. Acordaram antes de todos os outros, tomaram café e voltaram para a cama. Era feriado e não havia razão para sair de casa, tão pouco do conforto quente e macio do quarto. Elas se abraçaram e beijaram novamente, conversaram sobre coisas bobas, dormiram de novo. Quando se juntaram com o restante, agiram como se nada tivesse acontecido. Desde então, entretanto, Maura passara a dormir todos os dias em sua cama. Ela se enroscava em Jane enquanto assistiam um filme e ambas adormeciam antes mesmo de terminá-lo. Ela se levantava com Jane na parte da manhã, repartiam o café, compartilhavam beijos e abraços. Era uma rotina doce, cheia de ternura. Não havia dúvidas no que elas estavam fazendo, elas só tinham que, de ultimato, tornar aquilo oficial.

'Jane, é isso que você quer?' Maura acariciou seu rosto com os dedos, os olhos dançando sobre ela.

'Eu não tenho dúvidas que eu pertenço ao seu lado.' Ela disse e sentiu o rosto corar ainda mais. Ela poderia derrubar e algemar um homem duas vezes o seu tamanho, mas falar sobre o que sentia? Isso era indiscutivelmente mais difícil.

Maura abriu um sorriso, mordeu o lábio inferior. Aquilo era definitivamente o que ela queria escutar; que Jane não tinha dúvidas do que sentia. Ela se inclinou e beijou a morena nos lábios demoradamente. 'Eu gosto tanto de você.'

'Mas...?' Jane começou, os olhos não escondendo o medo e a dor.

'Não tem nenhum mas. Eu gosto de você, eu quero você. Eu quero ser a pessoa que vai acordar e levantar do teu lado, todos os dias.' Ela esclareceu, acariciou as bochechas de Jane e depois beijou-lhe mais uma vez.

'Você já vinha fazendo isso há algum tempo, não é?' Jane brincou, espremou os olhos em pensamento como se investigando.

Maura riu delicadamente e balançou a cabeça em não. Isso era outro traço que ela admirava na morena; o fato de ser leve e engraçada. Ela era quase o oposto de Maura, que nunca entendia piadas, que jamais saberia contar uma, que levava tudo ao pé da letra. Ela não entendia por que Jane tinha decidido, se é que ela poderia usar essa palavra, se interessar nela. 'O que você vê em mim?

'Ahn... Moletom azul, calça legging, meias que curiosamente não são pares.' Ela franziu o cenho para os pés da outra, uma meia azul e a outra cinza com trevos.

Maura riu divertida e se encolheu no colo dela. 'Não é isso que quero dizer, Jane.'

'Sério, qual é essa com as meias?' Ela insistiu.

'Você pode parar de ser boba por um minuto e me responder?' Maura encostou a cabeça em seu ombro e lançou aquele olhar. Aquele olhar, Jane tinha decidido chamá-lo assim, era o modo como ela parecia um cão sem dono, abandonado na rua, pedindo por abrigo e carinho. Com aquele olhar Maura conseguia tudo o que queria, e ela tinha aprendido rapidamente que funcionava tão bem com Jane.

A morena pensou por um segundo, a cabeça jogada levemente para o lado. 'O que você quer dizer com isso?'

Maura encolheu os ombros. 'Eu não sei, é só uma pergunta.'

Jane resolveu deixar para lá, mesmo desconfiando que tinha algo por trás da pergunta, e respondeu, então. 'Eu vejo como você é doce e inteligente, delicada. Como você é determinada a ser melhor sempre. Eu vejo suas covinhas quando você ri e quero beijar as duas, todas as vezes. Eu não sei, Maura. Eu gosto de você por tantos motivos, eu não preciso procurar por eles para me fazer gostar de você. Você é a obra completa, eu gosto e não sei explicar por que.'

Maura mordeu o lábio inferior e encarou Jane. A morena sabia que tinha algo mais porque se aquilo fosse tudo, a outra provavelmente iria se inclinar e beijá-la, dizer algo em retorno. Mas ela previu uma pergunta chegando, e ali estava.

'Com quantas... mulheres você esteve antes?' Ela hesitou um pouco antes de perguntar, sabendo que era um assunto íntimo.

Jane riu levemente e acariciu sua perna. 'Ahn...' Ela pensou por alguns segundos. 'Sete.'

'Sete?' Maura nem sequer deixou esconder seu espanto.

'Maura, eu namorei mulheres e apenas mulheres toda minha vida. É um número justo. Eu fiquei com cada uma em torno de um ano, e claro... vez ou outra me envolvi com algumas que não passaram de um encontro.' Ela disse honestamente e esperou que Maura fosse lidar com a resposta. Minutos se passaram mas ela não perguntou mais nada, não murmurou uma única palavra. 'Por que isso é relevante?' Jane perguntou baixinho, acariciando suas costas.

Maura se remexeu e levou a mão na boca, os dedos correndo no lábio inferior, em pensamento. Era um costume novo que ela tinha adquirido, e Jane já notara que ela apenas fazia aquilo quando o assunto era sério. 'É só que...'

'Espera.' Jane a interrompeu. 'Com quantas mulheres você esteve antes?'

'Algumas.' Maura respondeu rapidamente. Algumas não era nenhum número, mas Jane se contetou com isso. Por um momento ela achou que Maura jamais estivera com uma antes, e por isso estava hesitanto em perguntar o que quer que fosse. Ela fez um bico e balançou a cabeça em sim. 'Maura Isles, aposto que você quebrou tantos corações.' Ela brincou.

'O que?' Maura franziu o cenho para ela. 'Ser chefe de um hospital chama muita atenção, Jane. Em um momento ou outro todos querem foder a figura autoritária. Eu só escolhi bem quem.' Ela lançou um sorriso maquiavélico para Jane e as duas riram baixinho. Antes que Jane pudesse rebater com uma piada, ela continuou. 'É só que depois de tudo... Eu não sei se eu estou pronta para, você sabe... Sexo.' Ela mordeu o lábio inferior e abaixou os olhos.

Oh.

Oh. Então era isso. Jane riu baixinho e acariciou suas costas. Maura então também tinha pensado sobre como seria estar em uma relação com ela. Jane tinha certeza que essas questões não surgiriam de um minuto para o outro, a loira só tinha sido sábia o suficiente para trazer a tona no momento correto. 'Maura,' ela começou, 'eu nunca te forçaria a fazer nada, para começar.' O que era verdade. Dentre todos esses dias as mãos de Jane nunca sequer passaram de costas costas enquanto se beijavam. Ela sabia que todos os machucados eram meras histórias agora, que as cicatrizes que ficavam estavam ou rosadas ou já brancas. Jane não tinha mais medo de tocá-la e causar dor, por conta disso. Entretanto, por puro respeito ela mantinha suas mãos em lugares seguros, e Maura fazia o mesmo - agora ela sabia o por quê. 'Segundo,' ela continuou, 'quando você me disser que está pronta, eu não vou levar você imediatamente para cama. Eu vou te levar para três encontros, e só no terceiro você me diz se eu sai bem o suficiente para te dar um beijo de boa noite e te deixar na porta de casa.'

'Mas nós moramos na mesma casa.' A loira observou.

'Não tem problema. Você entra, fecha a porta e eu entro depois.' Jane riu e beijou o dorso de sua mão.

'E então você vai me levar para cama?' Maura riu de leve, seus olhos verdes e intensos pairando sobre os escuros de Jane.

'Não, boba. Daí eu vou ter que te levar para outro encontro. É assim que funciona.'

'É?' Maura riu, divertida, mas seriamente começando a acreditar em Jane.

'Não!' A outra riu e beijou seu rosto. 'Normalmente não, mas por você eu jantaria fora diversas vezes, e não só para poder te levar para cama, Maura.'

'Oh.' A outra riu baixinho e descansou seu corpo sobre o de Jane. Embora ela estivesse rindo junto da situação, a morena podia sentir que no fundo ela estava... inquieta. Algo apertou seu estômago terrivelmente quando ela se lembrou, então, do encontro que tivera com Kendra logo que Maura chegara em sua casa. Isso, e o que tinha tomado conhecimento naquela tarde.

'Maura.' Ela murmurou, ainda longe com seus pensamentos.

'Hm?'

'Eu quero te perguntar algo e quero que você seja honesta.'

Sentindo que era importante, a loira se ajeitou para poder encará-la. 'O que é?'

Jane acariciou suas pernas e... aquilo era difícil para ela também. Ela lutou contra a propria vontade de abaixar a cabeça por vergonha, talvez por estar sendo tão invasiva, ou então duvidando das palavras da outra. Mas ela reuniu a coragem e imaginou como poderia abordar aquilo delicamente. 'Quando eu falei com Kendra sobre seu caso, você, assim que você chegou... Ela me mostrou parte do que eles tinham sobre você. Porque eu tenho que saber com quem eu estou lindando. Você entende?'

A loira apenas concordou com a cabeça. Jane então continuou. 'No seu arquivo consta que você não foi abusada sexualmente.' Agora vem a parte difícil, Jane pensou consigo mesma. 'Você mentiu para quem recolheu seus exames no hospital?'

Ela viu a expressão de Maura passar para confusa, magoada e finalmente ressentida. 'Não, eu não menti.' Ela disse se levantando, olhando para Jane com olhos afiados. 'Por que você assume que eu menti? Kendra estava lá, Jane, ela fez as perguntas. Não teve nenhum kit de estupro porque eu não precisava de um. E eu não menti sobre isso.'

'Ei, ei...' Jane segurou sua mão e a puxou para si novamente, fazendo-a se sentar em seu colo do mesmo jeito que estava antes. 'Eu não afirmei que você mentiu.' Ela abraçou o corpo pequeno de Maura, que agora estava tenso. 'Eu não impliquei isso.'

'Mas você perguntou. Por que você perguntou?' Maura rebateu, dividida entre irritação e mágoa.

Jane hesitou por um tanto, depois disse, 'apenas por causa do que você me disse antes. Eu só quero ser... alguém que você realmente possa contar, Maura.' Ela beijou carinhosamente o ombro da outra. 'Se acalma, eu não quero que você fique inquieta por isso.'

Ela respirou fundo e expirou lentamente, a ponta de seus dedos apertando um por um os dedos de Jane. 'Ele tentava, tentava, deslizar as mãos pelo meu corpo. Mas eu nunca permitia. Eu jamais iria permitir que alguém fizesse isso sem meu consentimeto.' Ela disse com feições sérias, mas a voz falhando no final. 'Mas agora eu tenho cicatrizes.' E seus olhos se encheram de lágrimas.

Jane pensou em dizer que sentia muito, que entendia, mas em vez disso ela acariciou as costas da mulher e disse, 'eu sei. Porque você jamais abaixaria a cabeça em submissão para alguém. E se por ventura, em uma situação você estiver prestes a fazer isso, eu vou estar ao teu lado e vou te dizer para erguer o queixo e encarar o que quer que esteja te perturbando. Ouviu?'

'Uhum.' A outra murmurou, limpando os olhos.

'E eu também tenho minhas cicatrizes, Maura. São marcas de guerra, de batalhas vencidas, não de derrotas.' Ela aconchegou a outra em seu abraço, beijando sua bochecha demoradamente. 'Além disso, se me permite, cicatrizes são sexy.'

'É mesmo?' Ela perguntou com a voz chorosa. Jane sabia que ela se preocupava com seu corpo e imagem, o que para a morena era uma bobeira, principalmente considerando o quão linda ela já era, e sabia também que a outra não esqueceria das marcas tão fácil.

'Sério mesmo.' Ela reafirmou, sorrindo-lhe. Seus dedos correram pelo braço branco da outra, agora já sem marcas alguma. A pele era macia e quentinha, e ela não tinha notado mas Maura estava estudando-a.

'Por que eu tenho essa sensação de que você não está me contando algo?' Ela mumurou, um tanto aflita.

Porque eu não estou mesmo, Jane pensou. Ela sabia que muito logo teria que contar para Maura. Ela acabaria descobrindo de um jeito ou de outro: através dos jornais, Kendra... Oh, Deus. Na própria corte. Isso seria tão ruim. Era bom que ela o fizesse logo, então.

'Um dos motivos pelo qual eu te perguntei isso é que... Lembra como disse que antes tinha apenas acesso restrito ao caso? Isso porque ele é um caso do departamento de vítimas especiais. Mesmo eu sendo uma detetive, o departamento censura o acesso para qualquer outro fim ou pessoa que não esteja trabalhando no caso, porque é informação relevante apenas para quem trabalha na divisão. Essa tarde eu li os arquivos sobre Kimberly. O caso de vocês... Ele agora também está registrado como homicídio.'

Maura arregalou os olhos, sentando-se reta. 'Vocês encontraram mais uma? Uma mulher morta?' Ela quase sussurrou a última parte, cheia de dúvidas.

Jane balançou a cabeça lentamente em não, já se desculpando com o olhar. 'Não, Maur...'

'Kimberly...? Ela concluiu por si só. Era fácil juntar dois mais dois.

'Eu sinto muito. Aconteceu essa tarde. Não foi divulgado para a mídia ainda, e eu queria que você soubesse por mim.' Jane assistiu quando a cor sumiu do rosto da outra. Ela sabia que não era algo fácil de se ouvir, que o impacto em Maura seria terrível a julgar pela primeira vez que ela vira sobre Kimberly na TV.

'Oh.' Ela murmurou, o olhar distante.

'Maura, ele tá tão ferrado. Ele vai pagar por isso tudo, querida. Ele não vai sair da -'

'Qual o segundo motivo?' Ela perguntou, de repente.

'Perdão?' Jane franziu o cenho.

'Você disse um dos motivos. Quais são os outros?' Algo no tom da voz dela disse para Jane que ela já sabia a resposta. Bem, ela presumia, mas precisava que Jane esclarecesse, confirmasse.

A morena entregou o motivo de uma vez. 'Ela precisou do kit, Maura.' Ela disse simplesmente.

'O que mais você sabe?' A loira agora estava pressionando-a a falar, e o tom de urgência, de demanda, assombrou Jane. 'O que mais? O que você sabe que eu não sei? O que esse desgraçado fez com ela?'

A morena sabia que ela estava prestes a explodir porque Maura nunca usava palavrões. Nunca. Jane piscou os olhos e tentou acalmá-la. 'Eu sei que é revoltante, que você está mais estressada com isso do que qualquer outra pessoa ficaria, Maur -'

'Jane.' Ela disse com o tom baixo, implicando que não estava para brincadeiras.

A morena considerou dizer que era apenas aquilo, mas que bem iria lhe fazer mentir? Maura já sabia que ela tinha acesso completo ao caso e o que quer que escondesse agora soaria como mentira amanhã. E isso, Maura não iria perdoar.

'O que ele fez com ela... Foi praticamente deixá-la quase morrer de fome. Espancá-la... E quando ela não tinha mais forças, você sabe... Ele abusou sexualmente dela, várias vezes. Mas algo me diz que ele sentiu prazer pela coisa toda, desde o princípio. E isso é tudo o que sei.'

'Qual a causa da morte dela?' Maura perguntou com a voz baixa, distante.

'Falha múltipla dos orgãos, ou algo assim.' Jane informou.

Maura meneu a cabeça, se remexeu uma ou duas vezes no colo de Jane. Não disse mais nada.

'Maur, eu sei que é terrível ouvir isso tudo. Eu sinto muito, muito mesmo, querida.' Ela acariciou as costas dela. Maura se remexeu mais uma vez, incomodada.

'Eu acho que vou vomitar.' Ela disse, se levantou do colo de Jane e correu para o banheiro.

A morena suspirou, esperando uma explosão de nervos como da outra vez, e não isso. Ela se levantou e caminhou-se também para o banheiro, ajoelhou-se atrás da outra e acariciou suas costas. Quando Maura terminou, abraçou sua cintura e plantou um beijo na sua nuca. Parabéns, Rizzoli, Jane pensou, você a pede em namoro, faz ela chorar e depois vomitar, numa sequência ininterrupta. Esse deve ser o pior pedido da história da humanidade.

'Eu odeio tanto ele.' Ela choramingou, limpando a boca com a mão, seus olhos que estavam lacrimejados pelo esforço.

'Eu sei.' Jane murmurou.

'É ruim demais que eu quero do fundo do meu coração que ele sofra tanto ou mais?' Ela perguntou, sentando-se no chão.

Jane se sentou também, passando as pernas ao lado de seu corpo e segurando-a contra si. 'Não, Maura. É humano demais. Ele te machucou tanto, é da nossa natureza querer que ele sofra também.'

'A família dela deve me odiar porque eu sobrevivi, e ela, não.' Um suspiro tremido cortou o ar.

'Não.' Jane disse duramente porque ela sabia onde aquilo iria parar. O que aquilo significava. 'Você não vai implicar de maneira alguma que você merecia estar no lugar dela. Que tua vida vale menos do que a dela, e que ela deveria ter sido salva em vez de você.'

'Eu só estou dizendo -' 

'Não. Eu posso ouvir você gritar, dizer o quanto deseja que ele sofra, que nada disso é justo. Eu posso ouvir qualquer coisa, menos você insinuando que é menos importante do que ela.'

Maura se inclinou para frente e vomitou o que tinha de resto no estômago. Dessa vez ela se debruçou sobre o vaso e ficou lá, por longos minutos em silêncio. Quando achou que ela não vomitaria mais, Jane incentivou-a a se levantar e a escovar os dentes. Ela agradeceu por ser uma noite de sexta-feira, sendo que no dia seguinte não precisaria trabalhar; ela poderia ficar em casa tomando conta da loira. Em vez de voltarem para a sala, onde estavam antes, Jane guiou-a para o quarto.

'E agora?' A loira perguntou, sentindo-se perdida em relação à tudo.

'Agora, você vai deitar aqui comigo e eu vou cuidar de você. Nesse momento não tem muito o que se fazer, Maur. Mas quando ele for para corte... Você vai mostrar para ele que mexeu com a pessoa errada. E que você tem toda uma cavalaria para te apoiar.'

Ela puxou a coberta da cama, deitou-se e aconchegou Maura em seus braços. A loira suspirou, enroscando seus pés nos dela. Seus dedos brincavam na barriga de Jane, e a morena beijou repetidas vezes sua cabeça.

'Ei, Maur?' Ela tentou.

'Uhum?'

'Você pode ficar com aquele último pedaço de bolo, se quiser.' Ela brincou, esperando que não fosse cedo demais. Ela sentiu Maura se mexer, rindo.

'Obrigada, Jane. É realmente comovente.' 

E a morena riu também, baixinho.

'Mais uma coisa,' ela adicionou, 'você se importa em... meio que esquecer a conversa anterior? Sobre a gente namorar e tudo mais?'

Isso chamou a atenção de Maura e ela levantou a cabeça para encará-la. 'Ora, Rizzoli, já está se arrependendo?'

'De jeito nenhum, é só que eu tô pensando em re-fazer o pedido, sabe? Sem te fazer chorar em seguida. Quer dizer, a história não pode ser essa: eu pedi Maura em namoro e daí ela chorou. Já imagino as piadas se eu contar isso.' 

A loira riu mais uma vez, apertando o braço em torno do seu corpo. 'Você pode pedir quantas vezes quiser, minha resposta sempre vai ser a mesma, Jane Rizzoli.'


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