Meteoro escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 11
Adeus, estrela cadente.[Capítulo Extra]


Notas iniciais do capítulo

Gente, que dificuldade pra escrever isso aqui, pelo amor... pensei que não ia acabar esse capítulo nunca.
Como disse anteriormente, esse é um capítulo extra, um bônus, apenas para fechar a história. Se repararem não só o título é mais dramático (comparando com os outros da fic, que são diretos), como vai haver uma mudança de narrativa, partindo para a terceira pessoa.
Preparem o coraçãozinho de vocês porque ele está bem... interessante.
Uma boa leitura para todos. :3



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Allistar percebeu quando a sombra familiar volteando acima de si. Na verdade, é mais correto afirmar que ele notou a presença que não lhe era estranha, afinal um corvo parecia um corvo independente do que havia dentro dele.

O explorador despedira-se de Louise já fazia algum tempo, rumando para a exploração que havia atrasado por tempo demais, tanto por causa do torneio quanto pelo resgate a Hannyere. Não que ele estivesse irritado com aquilo, mas uma hora ou outra precisaria retornar ao que chamava de rotina. Isso se o termo “rotina” fosse utilizável na vida dele, o que era um assunto discutível.

O corvo fechou uma última volta e diminuiu de altitude, mergulhando para pousar perto dele. Allistar, no entanto, não parou sua caminhada para esperá-lo. Com o canto dos olhos, ele viu a criatura transmutar-se e esticar-se, antes mesmo de tocar o chão, e logo uma figura quase que totalmente humana andava ao seu lado. A pessoa vestia-se sobriamente, com um sobretudo escuro que cobria boa parte do corpo, dificultando a visão das roupas por baixo dele, botas pesadas pretas e um capuz que escondia seu rosto, ignorando-se algumas mechas do cabelo negro – que mais pareciam plumas – e o brilho de olhos dourados, assim como um sorriso possuidor de certa malícia.

— Olá, Kandrak.

— Allistar… — O metamorfo cumprimentou, com um movimento simples de cabeça. Os dois andaram mais um pouco em silêncio, antes que o explorador realmente olhasse para o outro, como quem avalia sua condição. Apesar de estar todo coberto, alguma coisa lhe disse que Kandrak permanecia intacto… muito diferente do que esperava, afinal fazia alguns anos que a notícia de sua extinção espalhou-se pelo Sonhar.

Allistar costumava ter informações privilegiadas. Ele sabia muito mais do que dizia na grande maioria das vezes. E juntando muitos relatos diferentes, unindo-os a suas próprias observações e usando as bases do que já sabia sobre o metamorfo… não fora difícil inferir o que ele tramava. Embora não esperasse que a criatura fosse encontrar consigo naquele momento. Os dois cruzaram-se uma ou duas vezes no passado, não eram companheiros ou amigos. Não havia nada que ligasse-os para que o monstro estivesse ali, a não ser…

— Imaginava que você estava observando a situação de longe. Mesmo que não fosse admitir o que fez.

O metamorfo colocou as mãos nos bolsos, erguendo a cabeça para observar o céu em silêncio momentâneo. As estrelas eram um pouco mais brilhantes ali, nos territórios próximos da árvore de Bree. Se isso era para que a Contadora de Estrelas tivesse seu trabalho facilitado ou não, era um mistério. — Não era necessário, a garota seguiu o caminho dela.

— Nesse caso deveria ter despedido-se dela em vez de estar aqui caminhando comigo.

— Para ela estou morto, que diferença faria? — ele deu de ombros. O metamorfo não estava incomodado com o tom informal que aquele homem usava com ele. Não era o tipo que se atinha aquele tipo de coisa. Mesmo quando Allistar disse outra frase que teria irritado alguém, Kandrak apenas abriu aquele sorriso de ironia que era sua marca registrada.

— Se bem que… essa é a atitude esperada de um monstro.

 

oOo

 

Era isso que Kandrak era, afinal de contas. Um pesadelo… uma aparição ruim que se alimentava do medo de criancinhas e delas próprias, se lhe aprouvesse. Ele não tinha compaixão e misericórdia não era uma palavra que existisse em seu dicionário. Sua ação se baseava na força e no medo… e, portanto, ele não sabia o que era ter pontos fracos.

Não antes de Vega.

Aquela pirralha de um olho só, coberta de cicatrizes dos pés a cabeça, com seus modos rudes e habilidades assassinas exemplares movera algo dentro dele. Kandrak não dissera que seria amigo dela por puro prazer de atormentá-la (embora tivesse feito-o, as vezes) ou para manipulá-la contra a bruxa (o que acabou acontecendo, no fim das contas), mas sim porque achara-a divertida. Alguém que tinha a capacidade de sobreviver às piores coisas que fossem lançadas contra ela não podia ser comum. Ele intrigara-se com Vega desde o primeiro momento que a garota olhou para ele, e ficou tentado em acompanhá-la para ver até onde aquele espírito persistente iria.

No começo, manteve uma distância segura da garota. Ela não sabia, mas naqueles primeiros anos nos quais não o vira e nem tivera notícias dele – com exceção do Acidic previamente comprado para Vega e a mensagem que viera junto – o metamorfo mantivera seus dois olhos sobre aquela menina, verificando seu crescimento. Vendo como ela lentamente aprendia a conviver com aquela condição que lhe fora imposta.

Isso até matar o Cavaleiro Prateado… até que sua adaga afundou-se na garganta de Elirya.

Naquele evento em especial, Kandrak não estava vigiando-a, isso era um fato. A informação chegou até ele quando Vega já tinha sido encarcerada. Uma pessoa tão promissora, pega de uma maneira tão óbvia… ele estava absolutamente decepcionado. Cogitara deixá-la mofar na prisão por um tempo, antes de ir buscá-la. Porque independente do quão exasperado estava com a falha de Vega, admitia que a vida sem ela teria um pouquinho menos de diversão.

Então foi-lhe dito que a garota seria executada. Ele precisou adiantar um pouco o resgate, uma ligeira veia dramática planejando um verdadeiro show para deixar a Corte do Sonhar, a família real e o próprio carrasco, perplexos. Quando finalmente pôs seus olhos em Vega, não ficou surpreso com o estado em que ela se encontrava… não o físico, pelo menos. Afinal foram meses trancada sem uma alimentação decente.

Ele esperava que a garota estivesse esperneando e chutando ao ser carregada para ao palanque onde seria executada. Mas Vega era encaminhada passivamente, ainda que tropicasse por conta de seu estado lamentável. E foi no momento em que focou sua atenção na íris esverdeada dela, esperando ao menos ver algum tipo de determinação… que não encontrou nada.

Aquilo irritou-o.

Vega aceitando ter sua cabeça cortada, entregando-se para a morte sem sequer lutar? Era um disparate. Kandrak não era alguém que ficava furioso com facilidade, na verdade passaram-se séculos desde a última vez que tal coisa ocorrera. Ele lidava com assassinos mandados contra ele, ameaças ou mesmo questionamentos sobre sua força e moral, com um sorriso preguiçoso nos lábios e a morte lenta do rival em suas mãos.

Estava tão desacostumado a irritar-se que o sentimento pareceu estranho a ele. De qualquer forma, a criatura não exitou em transmutar-se no meio da multidão que esperava aquela garota ser decapitada, tirando-a do palco montado para sua morte com simplicidade. Após esse incidente ele fizera questão de ter uma conversa muito séria com ela, expondo tudo o que era necessário sem dó. Se ele queria que Vega recuperasse a compostura, precisaria colocá-la de frente a todos os traumas que existiam para serem superados… inclusive a morte dos pais, ocorrida após um dragão incinerar a vila onde outrora morara, no período em que estava presa.

Se ela suportasse aquilo e conseguisse levantar a cabeça novamente, nada a abateria, nenhuma força do mundo poderia fazê-la desabar. E Kandrak estava certo… Vega saíra daquelas ruínas para as quais a levara mais forte do que nunca. E ele passou a ajudá-la em algumas de suas missões… da maneira deturpada dele, é claro.

Mas… ele não contava que se tornaria uma brecha nos escudos impenetráveis dela. E que ela seria capaz de partir o coração dele. Literalmente.

O dia que a garota (cuja qual era uma mulher feita a essa altura, mas é difícil mudar um hábito), veio até ele e disse que conseguira subjugar o pacto com a bruxa, nunca sairia de sua memória. Aquelas palavras trocadas entre eles, as brincadeiras habituais, cobertas de malícia da parte dele e de tédio por conta dela. Vega havia aprendido tanto… por mais que ela pensasse que não haveria motivos para que se encontrassem depois daquilo, Kandrak não abandonaria sua fonte de diversão tão cedo…

Só que ela estava enganada. A bruxa tomou controle quando nenhum dos dois esperava. E mesmo que Kandrak tenha agido por impulso, espalhando suas sombras para não ser atingido, Vega conseguiu cortar seu coração naquele primeiro golpe. E ele sabia que aquilo não fora sorte. Chame de observação, instinto ou qualquer outra coisa… a garota acertou o órgão porque sabia que ele estava ali.

Ele teria ficado orgulhoso e batido palmas, se não fosse o próprio coração cedendo pela lâmina da única amiga que um dia já possuíra.

Se Kandrak fosse um metamorfo qualquer, Vega teria dado cabo dele naquele instante. Porém, se aquela humana não era comum, aquele monstro também não ficava para trás. Se matar um metamorfo já era difícil quando ele possuía um coração, o que dizer quando ele tinha mais de um?

 

Ele descobrira por acaso o que acontecia quando devorava um dos seus. O que a bruxa tanto almejava, o coração de um metamorfo (nunca fora especificamente o de Kandrak, é claro. Ela apenas unira o útil ao agradável, já que tornara-o seu rival a séculos atrás) para aumentar sua longevidade… aquilo não era um mito, afinal. Só que as coisas eram diferentes quando aquelas criaturas praticavam canibalismo: elas assimilavam a força do oponente caído, e a força de um metamorfo tomava a forma de seu coração.

Mesmo que aquilo fosse útil, Kandrak não estava disposto a tornar-se imortal. Não… ele gostava de pensar que morreria quando bem entendesse, e isso seria muito complicado se possuísse mais de dois corações. Além disso, ele acreditava piamente em sua própria força. Se saísse a caça de corações dos seus conterrâneos, o que isso diria sobre ele?

Sim… Kandrak era um monstro ímpar. Não havia nenhum outro como ele… não havia criatura mais complexa, com a capacidade de fazer tanto mal, mas que possuísse uma mente tão afiada e um orgulho tão grande.

Não havia ser mais verdadeiro… e talvez fosse essa a razão que fez Vega afeiçoar-se a ele, depois da mentira que a Bruxa lhe contara e que colocara-a naquela posição detestável, para começo de conversa.

E de fato, Kandrak jamais mentiu para ela… até a briga que tiveram após Vega acordar.

 

Aquela fora uma luta difícil. Kandrak precisou redobrar seus esforços para impedir que aquela garota acertasse seu outro órgão, e mais que isso: necessitava fazê-lo antes que a bruxa percebesse que havia um segundo coração a ser acertado. Então ele desencadeou sua monstruosidade em Vega. Com custo conseguiu desacordá-la, depois de muitos golpes pesados dos tentáculos que invocara para feri-la. Aquilo pareceria uma resistência exacerbada à vida. A Velha Bruxa deveria gargalhar àquele momento, vendo o quão baixo o metamorfo tinha chegado… tramando o golpe final, já que Vega não conseguira dá-lo.

Kandrak aproximou-se do corpo desacordado de sua amiga e afunilou ainda mais um dos apêndices para perfurá-la acima do pescoço. “Na dúvida, sempre devemos mirar na cabeça.”, fora o que ele dissera a Vega anos atrás, enquanto expunha seu coração para que a garotinha que ela era pudesse ver. Apenas um eco do pensamento anterior dela ao tentar decapitá-lo, é claro.

Se esmagasse aquela cabeça, não poderia sentir culpa ao ver aquele rosto sem vida a sua frente. E ele tinha a plena consciência que aquilo aconteceria. Um verdadeiro desastre, considerando que Kandrak nunca sentira remorso por nada nem por ninguém.

A Bruxa teria toda a razão para rir se o visse agora.

 

Teria sido tão fácil descer aquele tentáculo e acabar com tudo. Tão malditamente simples. Mas o metamorfo hesitou. Seu corpo recusou-se a matá-la, terminantemente, e sua mente não estava ajudando naquele intuito.

Kandrak mal havia notado que aquela garotinha tinha se tornado tão importante para ele… a única criatura em todo o Sonhar – talvez, em todos os mundos – que ele jamais conseguiria matar.

Ele desfez os tentáculos e passou a cuidar dos ferimentos mais graves que fizera nela. Enquanto isso, sua mente tramava…

Vega tornara-se seu ponto fraco, e ele o dela. E Kandrak não admitia ter pontos fracos. Ele era uma existência que não aceitava ser destruída por algo como afeto. Nunca aceitaria… afinal, como todos sabemos, Kandrak gostava de ser maligno. Era sua rotina diária causar o pavor. E não seria aquele amor que faria com que ele mudasse.

Se ele não conseguiria matá-la, então destruiria o vínculo entre os dois.

Kandrak abandonaria Vega, embora isso fizesse com que uma parte ínfima dele fosse destruída também.

 

O que unira a assassina e o monstro fora a bruxa. Para separá-los, ela seria uma peça chave.

Ele forjou a briga. Para que Vega não o procurasse, tratou-a o mais cruelmente que conseguia. Kandrak sabia que a Bruxa pegaria seu rastro logo após, e não fez nada para curar o coração maculado por aquela espada. Ele apenas afastou-se e esperou, acreditando que a Velha o encontraria em algum momento. Ansiando por aquilo.

Kandrak teria que morrer para Vega pelas mãos da Bruxa. Isso daria à garota a raiva necessária para matar quem destruíra totalmente sua vida. Vingança e liberdade para a assassina… em troca de voltar a solidão. De voltar a ser a criatura insensível que não se incomodava com ninguém. E para isso só precisaria livrar-se de um coração moribundo.

 

Surpreendeu-se uma vez mais quando, com a Bruxa partindo em seu encalço, Vega buscou-o para tentar avisá-lo. Mas Kandrak já tomara sua decisão e não voltaria atrás. Ele manteve-se oculto até mesmo da pirralha caolha, decidido a não mais sequer lançar seu olhar sobre ela.

A luta com a velha não foi tão difícil quanto a contra Vega por várias razões. Primeiro porque Kandrak e ela realmente se detestavam num nível épico. Segundo, porque ele tinha em mente que precisava perder. O metamorfo manteve uma resistência mediana perante a magia negra e os ataques da Bruxa, apenas para tornar a farsa mais realista. Afinal, se ele fosse mesmo morrer, jamais deixaria que tal coisa acontecesse sem lutar.

Ele chegou mesmo a causar um grande dano na anciã, embora não achasse o suficiente para descontar tudo o que queria. Não bastava nem para o começo… na verdade, ficara tentado em acabar com aquilo ali e naquela hora. Mas havia Vega na equação. Ela precisava acreditar que Kandrak morrera, precisava ter a prova concreta daquilo, ou olharia eternamente por cima dos ombros esperando encontrá-lo. E era muito mais fácil ignorar alguém que desconhecesse sua existência do que uma pessoa que está sempre em dúvida se você sobreviveu ou não.

A encenação de sua morte foi simples. Ele apenas precisou usar seus poderes para simular um desaparecimento assim que uma das garras da bruxa envolveu seu coração e puxou-o para fora do corpo. É claro que Kandrak garantiu que ela conseguisse o órgão correto. Também é lógico que ele deu-se ao trabalho de parecer surpreso e amaldiçoou-a como se fosse realmente o fim de sua vida.

O metamorfo transmutou seu corpo em uma miríade de partículas mínimas e rumou para longe do local da luta, mantendo sua presença dispersa pelo maior tempo que conseguiu. Tempo o bastante para que a Bruxa retornasse para Vega.

Kandrak controlou sua curiosidade mórbida e manteve-se distante do esconderijo daquelas duas. Mas ele ainda pode sentir quando seu coração foi esmagado por alguma coisa. E ainda mais quando a existência da Bruxa dispersou-se… apenas para agrupar-se em outro lugar, tão fraca e miserável que teria lhe inspirado pena, se esta fosse uma emoção digna de um monstro. Mesmo que a Anciã tivesse sobrevivido ao ataque fulminante que Vega com toda certeza lhe perpetrara, ela jamais recuperaria a glória novamente.

Ela não seria um problema, acreditava, então nem se dignou a terminar o serviço. Viver humilhado é muito pior do que morrer, pelo menos em sua concepção. Sentir sua arquirrival de uma forma tão deplorável até mesmo fez com que Kandrak ficasse satisfeito.

Muitíssimo satisfeito.

Quanto a Vega… ele não a procurou depois daquilo, embora tenha reunido informações o bastante para saber que ao menos a garota permanecia viva. O metamorfo precisou agir cautelosamente naquele primeiro ano, pois ela havia tornado-se uma assassina de aluguel e tendia a aparecer nos lugares que ele costumava frequentar. As vezes Vega adentrava um bar pela porta da frente enquanto Kandrak deixava-o pela dos fundos. Ou pela janela, dependendo da forma que estivesse utilizando no momento.

Isso forçou-o a evitar as aparências que a garota se acostumara – principalmente sua preferida, em que permanecia como sombras vivas – e assumir uma identidade misteriosa, como um andarilho ou algo que o vale-se, nunca ficando no mesmo lugar por muito tempo. Mesmo assim, eles chegaram a trocar olhares algumas vezes. Vega obviamente não o reconheceria pela forma, mas o sorriso de Kandrak era inconfundível. Talvez ela acreditasse que era um traço dos metamorfos ou de monstros no geral, visto o que passara na Corte dos Pesadelos, e por conta disso o olho verde nunca ficava sobre os dele por muito tempo. Até porque, quando essas cenas aconteciam, o ser apressava-se em deixar o recinto o mais rápido possível sem que parecesse suspeito. E desfiava uma miríade de xingamentos, unidos à ameaça de morte iminente.

Ainda assim, Kandrak não encostou um só dedo em Vega, decidindo retornar ao Reino dos Pesadelos por um tempo, com a desculpa – dita para si mesmo – de que caso contrário seu trabalho todo seria em vão, e ele mataria aquela garotinha de verdade.

 

Após um tempo, veio a notícia da morte de Hannyere. Então, um pouco mais tarde, do ressurgimento da princesa e do torneio que deveria ser criado por ela. Naturalmente, chegou a seus ouvidos que Vega tornara-se campeã do rei. Ele deixou uma risada escapar quando soube daquilo em especial. Conhecendo tão bem aquela garota, era de se imaginar que havia encontrado seu caminho, afinal de contas.

As anomalias no Sonhar estavam aumentando, no entanto. Kandrak não era uma criatura que se preocupava com o bem de seu mundo tanto assim, mas aquilo estava realmente saindo do aceitável. As coisas ficaram ainda piores quando uma garota que ninguém sabia a procedência simplesmente surgiu nos campos além do Castelo Real, sem memória alguma de sua vida antes daquele momento. Os rumores de que ela estava indo bem no Torneio mesmo assim, usando uma nova magia muito forte, chamaram a atenção do metamorfo, a essa altura entediado. Então, depois de cinco anos mantendo-se recluso no seu reino de origem, a criatura transmutou-se em um corvo e alçou voo em direção a capital do Sonhar.

Quando Vega e Louise se enfrentaram na Grande Final, ele estava lá, observando.

Quando os Seres da Escuridão caíram do céu e Aster raptou Hannyere, ele revirou seus olhos de corvo, pensando consigo mesmo que aquilo aconteceria uma hora ou outra e era tão óbvio que chegava a incomodar.

Kandrak optou por seguir o grupo de resgate por todo o caminho, também. Algumas coisas surpreenderam-no naquela viagem, como o crescimento que Vega tivera desde que tornara-se campeã, a força que a criança desmemoriada possuía, a capacidade que Salazar tivera de trazer Vega de volta a consciência após seu reencontro com a bruxa (e o metamorfo nem sentiu ciúmes daquilo. Não sentiu mesmo, nem um pouquinho que fosse) e a maneira intrigante de Allistar lutar.

Com a missão cumprida, não havia mais nada a fazer ali. Ele viu quando sua antiga amiga partiu junto ao mago para algum mundo desconhecido, através das Terras de Ninguém, e acompanhou a comitiva da princesa de volta à capital, observando mais despedidas pelo caminho. Por algum motivo ele teve vontade de trocar palavras com alguém, nem que fossem apenas frases aleatórias sem razão aparente. Kandrak não sabia se isso era o que chamavam de nostalgia, mas precisava livrar-se dela o quanto antes… tudo o que ele não precisava era conjecturar sobre para onde uma encruzilhada dimensional levaria. Então, escolheu cuidadosamente quem menos lhe entendiaria.

E aqui estamos nós.

 

oOo

 

— A moral de um humano não pode ser entendida por um monstro e vice-versa… isso é apenas uma verdade não dita. Essa é a razão principal para que o Reino dos Pesadelos exista, manter uma coexistência entre dois tipos de seres tão diferentes é praticamente impossível.

— Ainda assim, as coisas correram bem no Torneio por esses anos.

— Tudo pela Princesa Hannyere, suponho. Não fosse por isso teriam se engalfinhado e matado-se mutuamente.

— Você não está tentando desviar do assunto? — Allistar abriu um sorriso de canto, o qual Kandrak retribuiu de sua forma obscura.

— Não fujo de assuntos, explorador.

— Bem… não é como se fosse minha intenção intrometer-me. Só achei curioso um ser de seu calibre fingindo a própria morte apenas para que uma mera garota se liberte… parece que até mesmo você tem coração.

Os olhos dourados dançaram para a grama, estreitando-se minimamente. — Um a menos.

— Significa que nunca se afeiçoou de verdade ou que a probabilidade disso acontecer é menor?

— Significa que fiz caridade o bastante para um milênio ao salvar Vega. Agora que siga o caminho que escolheu, é um problema a menos para eu me preocupar.

Havia algo no ar, desde que Aster trouxera Hanny de volta a vida. Ele mexera com coisas que não deveriam ser mexidas, e algo no equilíbrio do Sonhar fora irremediavelmente perdido. Hannyere aceitara retornar à inexistência numa forma de salvar a frágil conexão entre os mundos e seu reino, e não havia dúvidas que isso funcionaria. Afinal, os mortos deveriam permanecer mortos.

No entanto, o metamorfo podia sentir algo se aproximando. Estava tão longínquo que não conseguia discernir muito bem, ainda assim estava lá. Os ventos da mudança sopravam de Lugar Nenhum. E ele podia até mesmo deduzir em que isso culminaria.

A criatura olhou por sobre o ombro, em direção ao lugar onde se localizavam as Terras de Ninguém, a alguns dias de distância. Seu sorriso permanente, que sempre tinha algo de sádico, astuto ou perverso, suavizou-se para algo raro e único.

Afeto. Afeto genuíno.

Adeus, Estrela Cadente… seu brilho é necessário em algum outro lugar.

Ele cerrou momentaneamente os olhos e depois virou-se para a frente, apressando um pouco seus passos. — Veja bem, eu preciso urgentemente matar e comer alguém. Por cortesia essa pessoa não será você.

— Oh, eu posso saber o motivo dessa cortesia? — Allistar ergueu uma sobrancelha, ele esperava que Kandrak fosse tentar algo contra ele. Estar errado, nesse caso, era ótimo. Aquele monstro não era algo que podia enfrentar despreocupadamente. Na verdade… o metamorfo literalmente era alguém com quem o explorador não queria lutar.

— Você é um dos poucos humanos interessantes nesse mundo, matá-lo seria um desperdício terrível. — o ser uniu as pontas dos dedos das mãos e, sem sequer despedir-se apropriadamente, metamorfoseou-se em corvo outra vez, as asas negras ganhando o céu em seguida, levando-o através do horizonte, em meio a noite.

Allistar jurou ter visto uma face medonha que lembrava muito uma ave entre uma transformação e outra, mas limitou-se a dar de ombros. O que se podia esperar de um monstro como aquele? Que assumisse uma forma agradável só pra bater papo?

O explorador passou os dedos pelos cabelos que começavam a ficar grisalhos… estava sentindo falta de seu chapéu, mais de algumas vezes levantara a mão para endireitá-lo e lembrara que o acessório não estava mais sobre sua cabeça. Ele precisaria arranjar um substituto logo, para evitar o constrangimento desses gestos comuns e proteger-se do sol escaldante que o aguardava nas areias bem mais a frente.

Claro que não teria nenhum valor sentimental, assim como o novo tapa-olho que Vega certamente arranjaria.

Ele parou de devanear e seguiu seu caminho. Ruínas não eram vasculhadas sozinhas. E ainda havia um favor a ser devolvido para os Deuses do Tempo após retornar…

Algo lhe dizia que as coisas ficariam um pouco animadas dali por diante.

E essa ideia o fez sorrir.


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Notas finais do capítulo

E acaboooou, acabou, acaboooou, acabooou!
(Só parece que estou feliz, na verdade estou chorando por dentro).
Antes de tudo: SURPRESA, o Kandrak está vivo! Espero que tenham gostado de saber disso, apesar de ser um personagem fdp ele continua sendo um dos meus preferidos. Eu gostei taaaaanto de trabalhar com ele, e pensar que criei-o em um dia só. Bendita seja a súbita inspiração que me fez criá-lo, caso contrário essa história seria bem mais curtinha.
De fato eu comecei a escrever Meteoro com a intenção de ser uma história rápida, principalmente por contar o passado de uma personagem já trabalhada em Louise no Mundo dos Sonhos. Creio que ela ajudou a dar uma aprofundada tanto no Sonhar como na própria Vega, explicando melhor seus anseios, desejos e medos.

Eu ia deixar para postar esse capítulo assim que o começo da fic do Salazar estivesse no site também, mas estou tendo um sério problema para começá-la. Eu tenho em mente o que eu quero mostrar, como deve parecer tanto esteticamente, como narrativamente, mas ainda não consegui dar um início satisfatório. Portanto o método mais prático de divulgar a próxima fic de Contos de Além Mundo não vai funcionar desta vez. Eu prefiro não enviar Mps para as pessoas que acompanham essa fic (ou favoritaram) porque nem todas necessariamente estão lendo ela ou devem querer ler a continuação. Venhamos e convenhamos, gente mandando link de algo que outras pessoas não querem ler é bem chatinho. Então vocês, leitores amados, que realmente desejam ler o conto do Salazar que será postado futuramente, tem três opções:
1: Vocês podem me enviar uma MP pedindo o link dele (ou fazê-lo pelos comentários), e assim que estiver devidamente postado eu o enviarei por MP.
2: Podem favoritar meu perfil, e quando a nova história for postada chegará a notificação para vocês (eu espero, pelo menos).
3: Se acompanham O Acampamento Místico, o link será mencionado nas notas finais ou iniciais do próximo capítulo que sair de lá.

Eu agradeço muitíssimo a paciência de vocês leitores, sei que tem vezes que demoro éons para atualizar. A culpa é toda das 10 histórias que escrevo ao mesmo tempo e que preciso dar prioridade aleatoriamente (Sim, eu sei que deveria focar-me numa de cada vez, mas meu cérebro é bizarro, ele não entende isso, eu já tentei).
Sobretudo eu agradeço a cada um que deu um voto de confiança à Meteoro e decidiu lê-la completamente, comentando ou não, marcando-a como favorita ou apenas acompanhando. Muito obrigada a todos vocês, espero que tenham gostado de tudo que viram por aqui.
Também nunca posso deixar de citar a linda, fofíssima da Innanis, que comentou em todos os caps e me acompanha desde Louise no Mundo dos Sonhos. É ótimo ter uma leitora tão carinhosa e dedicada como você. :3

Vega e Kandrak param por aqui, mas ainda há muitas histórias a serem contadas. Espero vê-los por lá. E nunca deixem de lutar por seus sonhos, pois com força de vontade um dia eles se tornarão realidade. ♥

A autora,
ou Ame-chan,
ou Emissary of Chaos,
mais especificamente, a Dama dos Mundos.



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