FitzSimmons Tales escrita por DrixySB


Capítulo 7
#7 Maveth


Notas iniciais do capítulo

E chega o momento de revelar a Philip a história de seus pais...

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Uma one-shot angst (na acepção da palavra) sobre o filho de FitzSimmons concebido no planeta Maveth.



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— Tio Coulson, você vai contar a história dos meus pais?

A primeira vez em que Philip pediu, Coulson se surpreendeu, intrigado de onde aquela ideia teria partido. Com certeza, não surgiria espontaneamente na cabeça de uma criança de seis anos. Ainda que se tratasse de um prodígio, tão semelhante aos pais.

Coulson suspirou, olhando docemente para aquele com quem partilhava o mesmo nome.

— Um dia eu vou te contar, Philip.

— Esse dia não pode ser hoje? – indagou, tomado por imensa e inocente curiosidade.

— Infelizmente, não. Eu fiz uma promessa à sua mãe e estaria quebrando essa promessa se lhe contasse hoje.

O garotinho pareceu frustrado, mas compreendeu. Coulson o cobriu com o edredom e lhe desejou bons sonhos antes de abandonar o quarto.

Não precisou pensar muito para descobrir quem havia incitado aquela curiosidade em Philip. Era bastante óbvio, na verdade. De modo que, ao abandonar o quarto do menino, dirigiu-se imediatamente ao alojamento de Daisy, batendo furiosamente na porta e a confrontando de modo enérgico, pouco se importando se estava alteando demais o seu tom de voz.

— Que história é essa de despertar na cabeça de Philip a curiosidade pela história de seus pais? – inquiriu com irritação.

Daisy inalou profundamente, procurando engolir a cólera que ameaçava acometê-la. Contou até dez mentalmente.

— Ele tem o direito de saber – afirmou, mantendo seu tom controlado e cruzando os braços em frente ao corpo.

— Lembra-se que fiz uma promessa para Jemma?

— Tecnicamente, não foi para ela. Foi para um pedaço de papel que tinha em mãos no momento em que o resgatamos.

— Não se faça de espertinha para o meu lado, Daisy. Essa era a vontade de Fitz e Simmons e eu sou um homem de palavra e vou cumprir.

Incomodada com a discussão no corredor, May abandonou seu quarto, fechando a porta atrás de si com um estrondo e se dirigindo a ambos com passos firmes e resolutos.

— Hey, vocês dois! Há pessoas tentando dormir nesse lugar – disse, hostil.

Coulson respirou fundo, procurando se conter.

— Me desculpe, May. Eu não queria lhe acordar... Daisy plantou a semente da curiosidade na cabeça do pequeno Philip. Agora, ele quer saber a história dos pais dele.

May virou a cabeça abruptamente na direção de Daisy, soando como uma fera espreitando sua presa.

— Que diabos está fazendo? Ele é só uma criança de seis anos!

— E eu já estive no lugar dele, se não se lembram – a inumana a interrompeu, fazendo sua voz se sobrepor a da especialista – e sei como é não ter nem mesmo uma vaga e remota ideia de minha origem. Eu daria tudo para saber.

— Não queira comparar as situações porque elas são extremamente diferentes – foi a vez de Coulson a cortar.

— E no que exatamente elas diferem?

— Diferem no fato de que vamos contar a Phillip toda a sua história, mas a seu tempo. Ele é muito novo para entender.

— E foi um pedido de Fitz e Simmons. Especialmente de Simmons – completou May – poderia, ao menos, respeitar a última vontade de sua amiga.

Ofendida pelo comentário, Daisy sentiu sua vista turvar devido às lágrimas que se acumulavam em suas pálpebras. Fez o possível para espantá-las, desviando o olhar.

— Você não precisa apelar, May. Sabe o que Jemma significava para mim. Ela e o Fitz.

— Então respeite a memória dela.

Daisy cerrou os olhos, os lábios retraídos e a testa franzida. Não fazendo mais segredo de seu pranto e de sua comoção.

— Me desculpem. Eu só... Estava olhando para ele, hoje, no laboratório de Fitz e Simmons – ela engoliu em seco, sua voz falhando – ele é uma combinação perfeita dos dois e estava lá, no mesmo lugar que eu tanto me acostumei a vê-los... Foi inevitável recordá-los e tocar no nome deles... Ele me perguntou e eu disse algumas coisas sobre como eles amavam aquele laboratório e que você, Coulson, era o que melhor poderia contar a história dos pais dele. Eu não queria causar esse alvoroço. Mas eu nunca tinha visto os olhos dele brilharem tanto quanto hoje, quando falei sobre seus pais.

Ela levou a mão à boca, tentando conter um soluço, olhando para cima para afugentar as lágrimas.

Coulson e May se entreolharam, consternados. Mesmo depois de tantos anos, ainda era difícil aceitar aquela tragédia.

O diretor da SHIELD tocou o braço de Daisy em sinal de amparo, querendo desesperadamente abraçá-la, mas acreditando que isso apenas deixaria Daisy mais abalada.

— Está tudo bem. Sei que não fez por mal. Mas, por hora, vamos respeitar o pedido que Jemma fez naquela carta. Ela sabia o que estava fazendo. Durma um pouco, certo? – pediu, conferindo ternura ao seu timbre de voz.

Daisy apenas meneou a cabeça, concordando e tornou a entrar em seu quarto, decidida a dormir e tentar esquecer aquele episódio controverso, arrependida de ter se metido em um assunto que não lhe dizia respeito. Ela amava demais seus amigos e sabia que não deveria ter feito isso.

— Acha que fui muito severa? – perguntou May, sem encarar Coulson nos olhos.

— Ela precisava ouvir isso. Do contrário, tentaria de novo. Mas foi um golpe baixo questionar a amizade que ela sentia por Jemma.

A especialista arqueou as sobrancelhas, finalmente focando seu olhar em Coulson

— Foi um golpe baixo ela usar a própria história como justificativa para o que tentou fazer com Philip.

O agente assentiu. Ela estava certa, afinal.

— Justo.

— Eu vou dormir. Você vem? – perguntou ela, colocando um ponto final naquele tópico.

— Vou em um minuto.

— É melhor vir logo – disse, dando meia volta e rumando para o alojamento que dividia com Coulson – Eu não garanto que estarei acordada quando você cruzar aquela porta – finalizou com um ar astuto.

Ele se limitou a dar um meio sorriso em resposta, permitindo-se respirar normalmente outra vez. E assim seria pelos próximos anos. Respiraria tranquilo até o inevitável momento em que revelaria a verdade a Phillip.

Coulson já havia desafiado o sobrenatural, confrontado inimigos extremamente perigosos e criaturas bizarras. Havia até mesmo vencido a morte. Mas, intimamente, se via temeroso e desejando que o momento da verdade levasse um longo tempo para chegar.

Aliviado, caminhou rumo ao seu quarto, pensando que, sim, felizmente, demoraria alguns longos anos para esse instante chegar.

Porém, pareceu que Coulson apenas havia piscado os olhos uma vez desde aquele momento de reflexão no corredor, e quando os abriu novamente, se deparou com um Phillip de doze anos diante de si.

Tão prodígio quanto os pais.

Sua inteligência era acima da média. E com tão pouca idade, ele já decifrava códigos numéricos e compreendia fórmulas científicas com impressionante desenvoltura e brilhantismo.

O agente se dirigiu à sala comum da base com passos vagarosos na tentativa de ganhar confiança e coragem. A respiração breve e superficial abandonava seus pulmões com alguma dificuldade.

Coisa engraçada é o tempo. Como anda devagar quando precisamos que vá rápido; como é apressado quando torcemos que corra devagar.

Avistou o já não tão pequeno Philip sentado no sofá, as mãos repousadas sobre os joelhos. Ergueu a cabeça quando Coulson, enfim, adentrou a sala. O agente estacou na porta para admirá-lo por um momento.

— Queria falar comigo, tio Coulson?

Um sorriso melancólico estampou o rosto do diretor da SHIELD. Aproximou-se de seu xará com passos mais firmes, decidindo que não deveria mais perder tempo e se prolongar naquele suspense. Sentando-se ao lado de Philip no sofá, ele olhou seguramente nos olhos do garoto, capturando sua atenção.

— Philip, temos mais em comum além do nome. Ambos somos sobreviventes. Ambos somos tenazes no que diz respeito à vida. Teimamos em viver.

O garoto franziu o cenho, o encarando ligeiramente confuso.

— Não se preocupe. Vai fazer sentido quando ler a carta deixada por sua mãe.

Imediatamente, o rosto de Philip se transformou. A surpresa e a expectativa visíveis em seu semblante.

— Tem apenas 12 anos e já viveu tanto... Tanto que, inclusive, sequer se lembra... Sei que tem uma vaga lembrança de seus pais...

De fato, Philip era sempre apanhado por uma lembrança distante envolvendo seus pais e uma tempestade de areia. Durante boa parte de sua infância, aquela reminiscência perturbou seu sono, despertando em seu subconsciente em forma de pesadelo...

— O fato é que há muitos anos... – Coulson pausou por um momento, procurando limpar a garganta – há muitos anos, nos deparamos com um monolito, um artefato Kree. Acidentalmente, sua mãe acabou sendo tragada para dentro desse monolito e enviada para outra dimensão e lá ela permaneceu sozinha por longos três meses, por mais incrível que isso possa parecer. Inconformado pela perda de sua melhor amiga, seu pai, Fitz, fez o possível e o impossível; o inimaginável para salvá-la. Ele fez de tudo para abrir um novo portal e conseguiu. Assim, ele acabou do outro lado. A missão do time que ficou para trás, isto é, May, Daisy, Mack, Bobbi, Hunter e eu, era manter aquele portal aberto de modo que seu pai pudesse salvar Jemma e, então, atravessarem de volta. Fracassamos. Dependíamos do poder de Daisy e era demais para ela suportar. Ela acabou desmaiando, extremamente enfraquecida, e o portal se fechando. Sem o brilhantismo de seus pais, foi difícil conseguirmos abrir este portal novamente. Foram anos de estudos, recorrendo a toda sorte de recursos que pudéssemos encontrar... Mas nunca desistimos. Sempre que um de nós chegava perto de vacilar, outro do time o lembrava que seus pais teriam ido até os confins do universo para salvar qualquer um de nós. Então recuperávamos aquela crença inabalável de que salvaríamos Fitz e Simmons e, logo, os veríamos como sempre vimos. Trabalhando juntos no laboratório. Três anos e meio após o portal ter se fechado atrás de Fitz, conseguimos abri-lo novamente. Eu mesmo o atravessei enquanto Daisy usava seus poderes na potência máxima para manter a passagem aberta. Havia uma criatura perseguindo seus pais. Uma criatura amedrontadora a qual não consegui distinguir os contornos, mas ela me passou uma sensação terrível e inexplicável de temor e desesperança. Eu só me lembro de sua mãe, lutando para salvá-lo, me estendendo uma criança e eu sem compreender... Eu chamei pelos seus pais, gritei seus nomes a plenos pulmões, mas eles queriam que você fosse salvo... Que eu o atravessasse pelo portal enquanto eles ficavam para trás e distraiam a criatura. Eles desapareceram na tempestade de areia. Eu tentei... Mas eu os perdi de vista. E quando me dei conta do quão frágil era o ser que sua mãe colocou nos meus braços, decidi que o melhor era fazer como ela falou. Atravessei o portal novamente, sem ter sido capaz de resgatar Fitz e Simmons. Mas com você nos meus braços. Sua mãe havia deixado duas cartas presas às suas... – ele se atrapalhou um pouco na escolha das palavras – Bem, roupas improvisadas. Em uma delas, me contava como vocês sobreviveram durante esses anos naquele planeta que nós chamamos posteriormente de Maveth. Ela dizia que encontraram uma caverna abandonada de um astronauta chamado David Robert Jones… – ele deu um longo suspiro antes de prosseguir com seu relato – seus pais encontraram carcaças, restos mortais de inúmeros homens que já haviam sido enviados para aquele planeta... Fitz e Jemma acreditavam que eles haviam sido enviados para trazer a criatura que lá habitava para a Terra. Ou como sacrifício de sangue. Encontraram um diário deste astronauta e ele parecia um bom sujeito que sequer entendia qual era sua missão lá. É bem óbvio que alguns dos restos mortais que encontraram eram dele... – agora, ele engolira em seco – Philip, eu já te contei o suficiente. O restante, bem... Sua mãe gostaria que lesse quando já tivesse idade suficiente para entender. Creio que esse é o momento – finalizou, estendendo o papel dobrado na direção do garoto que o encarava atônito. Tal era sua perplexidade que Philip demorou um minuto inteiro para pegar a carta das mãos de Coulson – chega de tentar ocultar ou protegê-lo da verdade.

Philip sentiu como se houvesse perdido momentaneamente a capacidade de raciocinar e se expressar verbalmente. Ele fixou o olhar no agente, notando que seus olhos estavam rasos de lágrimas.

— Assim que esse momento de comoção passar e se sentir preparado, espero que leia a carta com o coração aberto e compreenda os motivos de seus pais - disse Coulson, levantando-se do sofá e fitando o garoto que permanecia sem palavras. Com um último sorriso enviesado e tristonho, o agente deu meia volta e abandonou a sala com passos lentos e comedidos.

O garoto esperou até que Coulson saísse de seu campo de visão para desdobrar o papel amarelado, cujas pontas já se deterioravam. Seu coração deu um salto ao se deparar com a caligrafia de sua mãe. A carta estava escrita a lápis e um tanto apagada, mas era possível distinguir as palavras. Puxando fôlego por entre os dentes, o menino começou a lê-la:

Philip,

Escrevo esta carta na esperança de que, um dia, meus amigos descobrirão uma forma de atravessar o portal e te resgatar deste planeta inóspito. Sei que eles darão um jeito mesmo sem contar com a minha ajuda e a de seu pai. Sei que nosso time iria até, literalmente, o fim do mundo para nos salvar, assim como nós faríamos o mesmo por eles.  Assim como sei também que a criatura que habita este mundo e da qual temos fugido implacavelmente durante todos esses anos vai fazer o impossível para nos impedir de abandonar este lugar, portanto, conformada com a minha sorte e o meu destino, tenho uma estranha certeza de que nem seu pai, nem eu iremos conseguir escapar com vida, por mais que lutemos. Nossa prioridade, Philip, é você. E quando nossos amigos aparecerem, é você quem tem que ser salvo. É você que merece viver.

Recordo-me do dia em que seu pai apareceu para tentar me salvar após três meses de brutal solidão. Primeiro eu o abracei, sussurrando seu nome e me recusando a soltá-lo. Precisava ter certeza de que ele era real e não um fruto de minha imaginação a me pregar uma peça. Devido à desidratação, não havia lágrimas, mas eu estava em prantos. Chorando de alegria e emoção em revê-lo, chorando de tristeza e lamentando nossa infeliz sina, nosso infortúnio. Após aquele momento, eu me desvencilhei de seus braços e o acertei com força no ombro, permitindo-me um acesso de fúria, esbravejando com ele por ter arriscado a própria vida, irritada por ele ter corrido esse risco. Eu tinha esperanças de que ele aparecesse para me salvar, mas ao perceber o risco que ele correu e que o portal havia se fechado atrás dele, me convenci de meu egoísmo. Fitz estava seguro onde estava, com a perspectiva de uma vida plena e farta e, agora, partilhava do mesmo destino que eu. Seu pai deixou que eu tivesse meu momento e esperou que minha ira se aplacasse, então segurou meus braços e me disse que sua vida jamais seria plena sem mim, que jamais poderia conviver com sua consciência se, nem ao menos, tentasse me salvar. Eu o abracei novamente, agora mais conformada. Decidindo que se era para compartilharmos desse infeliz destino, que fosse nos braços um do outro.

Assim como eu, em meus primeiros dias sozinha aqui, Fitz permaneceu durante um longo tempo ao lado do ponto onde o portal havia aberto e se fechado atrás de si, na esperança de que nossos amigos fossem aparecer para nos resgatar. Mas, naquela época, eu já me acostumava à desesperança - ainda que diante da presença de algém que acreditei que nunca mais iria ver. Eu tentei convencê-lo a seguir em frente comigo para a caverna abandonada que eu havia encontrado. Mas ele estava irredutível a princípio. De modo que nada pude fazer a não ser ficar ao seu lado, esperando por um resgate que jamais apareceu.

Observar a crescente frustração em seu semblante me despedaçou por dentro. Eu já havia estado onde ele estava. Sabia o que era esperar por uma ajuda que não viria…

Quando ele, enfim, desistiu. Procurou disfarçar seu desânimo, mas eu percebi o quanto estava desolado. Disse a ele que precisávamos de água e que eu sabia onde encontrar.  Depois, ainda frustrado, ele concordou em me seguir até à caverna abandonada que eu havia encontrado.

Unimos esforços mentais - como sempre fizemos - na tentativa de voltarmos para casa. Dispunhamos de pouquíssimos recursos, então fracassamos em todos os planos que procuramos executar com os artefatos deixados pelo falecido astronauta David Robert Jones, que havia construído e habitado a caverna antes de nós. Ele havia trazido consigo alguma tecnologia da NASA, há muitos anos. Agora, se tornara praticamente obsoleta…

À medida que nossos planos davam errado, nossos recursos iam se esgotando e nossa energia também devido à nossa deficiência de vitaminas - dada a ausência da luz do sol e a parca alimentação - fomos nos conformando com nosso destino e nos convencendo de que aquele seria o nosso fim. Ao ler o diário do pobre e infeliz astronauta que encontramos em um canto da caverna, não havia como não me identificar com o crescente pessimismo contido naquelas páginas.

A exemplo dele, aceitamos nossa má sorte. E eu até mesmo concordei com seu pai quando ele disse - rindo, mas sem humor - que nós éramos amaldiçoados e os cosmos estava contra nós. Ele estranhou o fato de eu não replicar com meu ceticismo. Mas eu já não tinha mais forças para isso.

Seu pai e eu éramos os melhores amigos desde os 16 anos. Inseparáveis, exceto por algumas provações em nosso segundo ano de SHIELD. Passamos um tempo brigados e sem nos falar direito, mas, antes de ser tragada pelo monolito, estávamos voltando às boas. E seu pai havia me convidado para jantar. Eu tinha certeza de que aquele seria um novo passo decisivo em nosso relacionamento. Que, a partir daquele dia, as coisas iriam mudar entre nós.

Eu não poderia estar mais certa. Mas as circunstâncias foram totalmente distintas das que eu eu imaginei.

Durante nossa estadia neste planeta inóspito, só tínhamos um ao outro. E por mais que eu pensasse que ninguém conhecia seu pai melhor do que eu, tive contato com outro lado dele que eu não conhecia… O mesmo deve ter acontecido com ele com relação a mim. Nossa amizade evoluiu. Sempre vimos um no outro, um porto seguro. Mas presos em um planeta desconhecido, essa sensação se tornou ainda maior e mais intensa…

Sei que já tem idade suficiente para entender quando digo que fomos imprudentes ao gerar uma vida sob essas circunstâncias. Mas compreenda que dado o nosso déficit de vitaminas, nossa alimentação inadequada, a pouca ingestão de líquidos, nossa fragilidade física e vulnerabilidade biológica, eu acreditava que a concepção era impossível. Por isso fiquei assustada, temerosa e desesperada ao identificar os primeiros sintomas… Seu pai se sentiu da mesma forma. Eu tinha conhecimento de mulheres que deram à luz em ínfimas e precárias condições ao longo dos séculos. Mas a minha era uma condição única. Eu não acreditava que fôssemos sobreviver... Entenda também que isso jamais significou que não o amamos. Muito pelo contrário.

Você foi o único raio de sol em nossas vidas nos anos que passamos aqui. Você me devolveu a esperança. E, por isso mesmo, você merece muito mais. Não merece uma vida de privações. Você precisa ver a luz do sol, crescer, ter amigos, sonhos, uma carreira, um futuro… Precisa experimentar o sabor de frutas frescas e o prazer de um sorvete em dias ensolarados. Precisa sentir, ao menos uma vez, as gotas de chuva em sua pele para entender o quanto elas são preciosas. Precisa admirar as nuvens e seus formatos peculiares. Precisa conhecer outras pessoas e entender que algumas delas podem até te ferir, mas há muitas que vão te mostrar o quanto vale a pena preservar sua confiança na humanidade.

Alguém, uma vez me disse, que jamais sentiremos falta de algo que nunca tivemos ou não conhecemos. Esse planeta era a única realidade que conheceu em seus primeiros anos de vida. Mas você precisa conhecer outra. Eu não seria uma mãe exemplar se não lutasse para que tivesse melhor sorte do que seu pai e eu. E, por isso, com o coração dolorido e partido, eu me despeço… te separo de nós para que possa ter uma vida plena, uma vida de verdade, com sonhos e objetivos. O que não temos mais aqui. Aqui não é nosso lugar. Por mais que tenha nascido neste mundo, contra todas as expectativas, você precisa conhecer o mundo de onde seu pai e eu viemos.

O seu nome é uma homenagem àquele que sei que, mais cedo ou mais tarde, irá aparecer para te resgatar.

Adeus, meu filho. Nunca se esqueça que seu pai e eu te amamos.

— Jemma Simmons

Ao findar a leitura da carta, as lágrimas deslizaram livremente pelo rosto de Philip. Em todos aqueles anos, tanto havia insistido para que Coulson lhe contasse a verdade sobre seus pais e, diante de todas recusas, tantos cenários ele havia delineado em sua imaginação sem nunca chegar nem mesmo perto do que foi a história original.

Philip tinha uma vaga lembrança de seus pais. Além da tempestade de areia.

Ele lembrava de seu pai sentado ao seu lado na caverna fazendo um avião com um pedaço de papel. Provavelmente de uma das páginas arrancadas do diário do astronauta a quem aquela caverna pertencera. A recordação era frágil e, conforme os anos avançavam, ela teimava em sumir aos poucos de sua mente como um sonho distante. No entanto, com um pouco de teimosia, ele insistiu em preservar sua essência, muito embora não se recordasse dos detalhes.

Mais tarde, naquele dia, Philip rabiscou algumas palavras em um pedaço de papel, dobrou de modo a formar um aviãozinho e, na primeira oportunidade que teve de deixar a base e espreitar o céu  - as nuvens e seus formatos peculiares, como dissera sua mãe na carta - o atirou para cima, observando o avião se tornar um ponto minúsculo, cada vez mais distante, até desaparecer no ar.

Philip baixou o olhar, pensativo e sorridente, pensando nas palavras que havia escrito…

Queridos papai e mamãe,

Onde quer que estejam, espero que fiquem felizes em saber que tenho objetivos, sonhos e amigos. Espero que saibam que eu já experimentei o sabor de frutas frescas e que adoro sorvete em dias ensolarados. Eu já tomei chuva, já admirei as nuvens e já conheci pessoas boas e ruins. E mesmo que a lembrança seja vaga e distante, Coulson, Daisy, Mack, May, Bobbi e Hunter falam tanto de vocês que sinto como se houvesse passado muito tempo ao lado dos meus pais. Espero que saibam que eu amo vocês, sinto sua falta e que eu tenho uma vida legal.

Espero que estejam orgulhosos de mim, como eu sempre estarei de vocês.

F I M


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