E assim que eles chegaram na biblioteca, Pepe puxou Martina para um canto isolado. Ele estava extremamente envergonhado ao dizer aquilo, mas era necessário.

⁃ Então... Não sei se você percebeu, e pode parecer uma frase muito estranha de se dizer, mas eu estou sem roupas.

Ela finalmente pareceu reparar, Martina segurou o riso, porém não deu certo por tanto tempo. Começou a gargalhar vendo a cueca dos Ursinhos Carinhosos dele. Pepe revirou os olhos, nem era algo TÃO engraçado assim. Logo, ela voltou a sua postura inicial de auxiliar.

⁃ Você precisa de roupas.
⁃ Ah, jura? Eu não fa...

Martina segurou seu braço de novo e eles voaram para o lado oposto da Biblioteca dos Escritores. Pepe não tinha medo de altura, mas quando uma garota que você mal conhece, te segura pelo braço e voa com você por um lugar totalmente desconhecido, onde você quase pode trombar com gigantes feios, altura acaba sendo até um pouquinho assustador. Só um pouco. Em comparação à outras coisas que ele tinha visto, altura era um absoluto nada. Pepe apertou os olhos para não ver nada lá embaixo, e acabar vomitando. - Isso sempre acontecia. Em todas as viagens que ele tinha feito com seu pai, por conta de seu trabalho, Pepe acabava vomitando. Tinha um estômago sensível. - Martina parou em frente à outra biblioteca. O que o fez questionar por que diabos eles estavam em uma biblioteca se precisavam de roupas.

⁃ Ah, Martina...

De seu bolso, ela pegou um folheto. Olhou confusa para ele, ficou inclinando a cabeça que nem a um cachorrinho encarando seu dono. O pouco tempo que ele tinha convivência com coisas mágicas do livro, fez Pepe rir e perguntar se não era algum feitiço ou magia negra.

Martina olhou revoltada para ele e respondeu um "Não, cale essa boca" da forma mais grossa possível. Guardou o papel no bolso e respirou fundo.

⁃ É aqui mesmo! Biblioteca dos Estilistas, Casa 04. Vamos às compras!
⁃ Uma biblioteca é uma loja de roupas? -Disse irônico.
⁃ Tecnicamente, sim. -Ela deu um sorrisinho e começou a explicar: - Nós estamos na área central do livro. Ou seja...
⁃ Estamos no meio dele. É, eu tenho um pouco de senso de localização. 
⁃ No meio da mansão, na verdade.

A auxiliar apontou para uma grande torre ao longe. Estava tão escondida no meio das árvores que quase era possível pensar que estava camuflada.

⁃ Ali, é o centro exato da mansão. É lá que o Livro dos Sonhos está. Onde o guardião fica. E onde os monstros sempre tentam atacar. 
⁃ E o que isso tem a ver com a biblioteca?
⁃ Toda essa área é protegida pelo livro.

Pepe riu. Não perdia uma piada:

⁃ Tipo uma barreira mágica? Nossa, isso é tão bizarro que...
⁃ Essa barreira é o que te manteve vivo durante todo esse tempo. Zombe o quanto quiser, mas tudo aqui tem um porquê. -Martina pigarreou e continuou a explicação. - Como eu estava dizendo, a barreira protege tudo o que há no centro. 
⁃ Inclusive a loja de roupas camuflada. Aham, entendi. 
⁃ E essa barreira faz tudo parecer uma biblioteca por causa dos monstros. Para eles confundirem qualquer área de comércio com a torre e atacarem o lugar errado, caso consigam ultrapassá-la. 
⁃ Isso é muito inteligente. 
⁃ Sim, Dominguez é um gênio. Exceto por ter te chamado para uma missão. Agora... Vamos logo comprar essas roupas.

Quando Pepe entrou na biblioteca/loja de roupas camuflada, ele se sentiu uma garota patricinha em uma loja de grife. Eram tantas roupas, e looks prontos, diferentes que ele ficou de queixo caído. Todos os clientes da loja tinham uma assistente/estilista pessoal, os diversos personagens do livro que ali estavam faziam compras com os maiores sorrisos que ele já tinha visto. Se a Barbie estivesse ali, ela com certeza diria: "Eu não preciso do Ken, eu preciso fazer compras no Livro dos Sonhos!"

⁃ Martina... 
⁃ Lição número um do livro: nunca subestime absolutamente nada aqui. 
⁃ Anotado.

Logo veio uma mulher de óculos, com uma fita para tirar suas medidas, e começou a traçar as medidas de Pepe. Ela repetia os números e uma caneta mágica anotava tudo no ar.

⁃ Qual o seu número de registro, Coadjuvante? -Ela perguntou.

Martina deu um sorriso amarelo e interrompeu a funcionária da loja.

⁃ Er... Na verdade... Ele está comigo, ainda não tem registro, vai tirar o crachá de visitante em breve e... Você está enganada, senhora, este é Pepe Barroso Silva, protagonista do livro e herói da geração.

A mulher riu. Parou com as medidas e o observou de cima a baixo com desdém.

⁃ Esse magrelo é o herói da vez? E onde estão os heróis de verdade? Sabe... Os que vão REALMENTE proteger nosso livro?!
⁃ Está bem na sua frente, você pode se surpreender com o que ele faz. 
⁃ Ah, é mesmo, Stoessel? - A funcionária disse o sobrenome da garota com desgosto. - Porque da última vez, você quase perdeu o seu cargo de Auxiliar Executiva.

Martina engoliu em seco. É, de fato sua última experiência com heróis não tinha dado tão certo. Mas agora era diferente, ela estava tendo uma segunda chance. Suspirou e respondeu educadamente a funcionária.

⁃ Mas não o perdi. O que aconteceu no passado não tem nada a ver com o Pepe, ele não é um vilão. E eu juro que se ele se aliar a Michelle, eu o faço de comida para os lobos. 
⁃ Todos estavam certos sobre você, Martina. -A funcionária riu irônica. - Você nunca deveria ter ganhado esse cargo. É um perigo para nossos destinos.

A auxiliar apertou os punhos, e estreitou os olhos, fuzilando-a com o olhar.

⁃ Eu o ganhei por merecer. E tenho certeza de que Pepe vai salvar o destino dos personagens.

Ela deu um sorriso irônico e desafiador. Como quem diz "Ah, é mesmo?"

⁃ Isso é o que vamos ver. 
⁃ Você vai se arrepender de ter me insultado.

A funcionária deu meia volta e foi atender a outro cliente.

⁃ Que estúpida! -Martina grunhiu.

Pepe olhou para Martina, incrédulo.

⁃ O que foi isso? 
⁃ Não é da sua conta. Compre logo suas roupas e quando acabar me encontre perto da torre. 
⁃ Mas... Como eu vou pagar? 
⁃ Diga para colocarem em minha conta: Martina Stoessel, Auxiliar Executiva número um, Conselheira do Guardião.
⁃ Espere... Conselheira do Guardião?

Ela deu um sorriso misterioso.

⁃ Você não sabe absolutamente nada sobre mim, Barroso. Nunca subestime nada nesse livro, lembra-se
⁃ E você também não sabe nada sobre mim. -Pepe riu. - Então para mim tá de boa. 
⁃ Aí é que você se engana.
⁃ Ah é? E por quê?
⁃ Eu sei tudo sobre você, Barroso. 
⁃ Hum, sabe, é? 
⁃ É, eu sei. 
⁃ Então me prove.

Ela gargalhou. Cruzando os braços, ela disse:

⁃ Estarei te esperando lá fora, Barroso. Não demore. -Disse ela e saiu.

Pepe sorriu involuntariamente. Só percebeu isso quando outra estilista/assistente foi ajudá-lo. Ela o examinou e deu um sorrisinho amável.

⁃ Já entendi qual é o seu estilo, novato. Venha comigo.

A funcionária deu uma piscadinha e Pepe a seguiu. Porém logo se arrependeu de ter feito isso.

Quando ele entrou em outro setor, se deparou com o estoque de roupas, sem ninguém. No começo, ele achou que ia pegar algo exclusivo e tal, afinal, Pepe não era um cara de se jogar fora. Com o estilo ideal, conseguiria todas as gatas que quisesse. A sala estava escura, tudo o que ele via, era a funcionária em sua frente. Ela fez o grande favor de sumir também. E então, ela apareceu atrás dele, com uma adaga nas mãos, que agora estava em frente a seu pescoço, e com uma voz ameaçadora, ela perguntou:

⁃ Qual é sua missão, Mortal?
⁃ Ah, qual é? Todo mundo vai fazer isso? -O garoto reclamou. - Eu já disse que não sei! 
⁃ Você não vai querer essa belezinha em seu pescoço, vai? -Ela fez uma voz fofa e ao mesmo tempo ameaçadora também. - Seria uma pena um cara tão bonito como você tivesse esse fim horrível... Então me diga, Mortal, para o seu bem, o que você veio fazer aqui?

Pepe olhou para o chão. Embora não conseguisse vê-lo exatamente. Sua voz estava trêmula e ele não estava tão confiante em sair bem dessa.

⁃ Você é uma das informantes de Michelle. - Afirmou.
⁃ Ah, sim. Eu sou. Mas isso não vai importar daqui a alguns segundos se não responder a minha perguntinha, querido.

Pepe riu.

⁃ Por que quer tanto saber o que eu vim fazer aqui? -Indagou o garoto. - Isso é tão importante, afinal?

A funcionária do mal gargalhou.

⁃ Stoessel é uma incompetente mesmo. Não te disse nada, não é mesmo? Você é um bobo por estar ao lado de uma garota como ela. 
⁃ Ah, na verdade...
⁃ Espero que ela tenha te dito que... Ela é uma farsa. Assim como qualquer mortal que ela escolha. Não confie nela, garoto.
⁃ Você não sabe nada sobre ela!
⁃ E você muito menos, querido. 
⁃ Sei o suficiente.

Pepe se remexeu, na esperança de que fosse conseguir se soltar. Mas a -seja lá o que fosse- estava segurando um de seus braços fortemente o impedindo de tentar sair dali.

⁃ Não tente fugir, novato. Só quero informações.
⁃ Olhe, eu já me ferrei o suficiente com um trabalho de escola e uma baba tóxica. Não preciso de uma faca no meu pescoço, Okay? -Ele respirou fundo e continuou. - Se eu te dar as informações que você quer... Você me deixa ir embora? 
⁃ Te dou minha palavra. 
⁃ Ótimo. A verdade é que... Eu... Ahn...
⁃ Ande! Não tenho o dia todo, mortal! O que veio fazer aqui?

Pepe reuniu toda a coragem que tinha e foi direto ao ponto:

⁃ Eu vim aqui para...

(Ou talvez não.)

E antes de terminar, puxou a adaga com o braço que ela não estava segurando. Jogou a arma no chão e deu uma cotovelada em seu estômago. A mulher se encolheu de dor, e Pepe correu para longe. A diversão durou pouco tempo até ela segurá-lo pelo ombro machucado. O garoto berrou.

⁃ Ah, não. Você não sai daqui tão rápido, mortal.
⁃ Ah, eu vou sim!

Ele a chutou para longe e saiu correndo. Derrubando tudo o que estava em sua frente: araras, funcionárias, clientes, manequins... Pepe se lembrou do que ele foi fazer ali. Ainda estava apenas de cueca. E, mesmo que estivesse ocupado com uma fuga, ele precisava de suas roupas. Correu e se escondeu dentro de um provador e esperou a funcionária falsa sair da loja, para que ele comprasse logo essas malditas roupas. Ficou alguns minutos escondido, e saiu. Quando ele voltou a respirar, viu que a funcionária estava o esperando do lado de fora.

⁃ Ora, ora, pelo que vejo, você não é tão bom nesse joguinho.

Ela o segurou pelo pescoço e o levantou, deixando o garoto indefeso. Para que todos vissem o quanto o "herói da vez" era uma piada.

⁃ Isso aqui é o herói da geração? -Ela deu um sorriso malvado. - Acho que dessa vez vai ser bem fácil pegar o livro.

Pepe começou a choramingar.

⁃ Eu só quero roupas. Vocês são loucos! Não veem que sou só um garotinho?

Todos gargalharam. Pepe percebeu que a maioria dos funcionários dali, eram apenas monstros camuflados. Eles estavam em toda parte. Pepe, ainda fingindo chorar, olhou nos olhos da informante de Michelle. Seus olhos também eram vermelhos como o do grupo que o tinha atacado antes. Ele continuou com o olhar fixado nas pupilas vermelhas. A funcionária falsa começou a berrar de dor. Talvez porque Pepe estava apertando seu braço muito forte.

⁃ Me solte! -Ele berrou. E, por mais incrível ou impossível que pareça, ela o soltou. Em seguida, ele ainda se fingindo de coitadinho, implorou por roupas. Outras funcionárias da loja deram um look pronto a ele, e pediram para que saísse do local. A funcionária falsa ainda estava jogada no chão segurando seu braço. Eu sou bem mais forte do que você pensa, ele murmurou. - Ah... Obrigado. E me desculpem pela bagunça. Coloquem tudo na conta de Martina Stoessel. "Conselheira do Guardião e blá-blá-blá"...

Pepe vestiu-se no provador e saiu da loja. Foi para onde sua auxiliar tinha mandado e a viu lá, como prometido. Ela estava de costas para ele, observando alguém. Quando se aproximou, o garoto disse:

⁃ Ei, você conhece o Harry Potter? Foi esse cara que...

O cara deu um sorriso, mesmo que ainda estivesse com o capuz, e fez puff outra vez.

⁃ Eu sei exatamente quem ele é. -Martina garantiu. Sua voz estava em um tom ríspido. Ela parecia estar com raiva. 
⁃ E quem é ele?

Ele deu uma risada falsa.

⁃ Garanto para você que não é o Harry Potter.