Um lar para Ripley escrita por Sullie K


Capítulo 1
Ao alto-mar


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem tanto quanto eu gostei de escrever isso! :)



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Tom Ripley estava com medo. Com um medo que jamais sentira antes, nem sequer quando segurara o cadáver frio de Dickie Greenleaf em seus braços. Estava sendo pressionado com força insuportável a uma parede invisível que ele próprio construíra. Olhava Peter Smith-Kingsley de relance. Mas quem o pressionava? O próprio Dickie? Ou seria Marge, agora que este falecera? Talvez Peter e Meredith. Ou talvez ele houvesse andado de livre e espontânea vontade até aquela parede. Grande parede.

Se prestasse muita atenção, conseguia ouvir seu respirar e sentir o suave balançado do navio, e assim se situava. Estragara tudo dessa vez. Livrara-se do corpo, mas não da existência de Dickie e, agora, tudo afundava aos poucos. Seria tolo chorar ali. E Peter estava ainda mais confuso, mesmo que isso já não importasse mais.

Tom Ripley sabia o que tinha que fazer.

“Peter... Diga-me algumas coisas boas sobre Tom Ripley.” Aproximou-se do outro, falando com dificuldade. Na mão direita, segurava com força uma longa faixa bege. Quando Peter tentou levantar-se, pediu-lhe que não; ao invés disso, sentou-se ele próprio ao lado do homem. “Não, não se levante. Não se levante. Só... diga-me algumas coisas boas sobre Tom Ripley.”

Deitou-se às costas de Peter, sentindo seu rosto confrontar o corpo que se movia apenas pela respiração calma, como costumava fazer com Dickie nos trens. Deixou que seu nariz sentisse o cheiro do outro e, por um segundo, viu-se harmonizado.

“Coisas boas sobre Tom Ripley...” Peter riu, quase como se surpreso, e deixou escapar um pouco do nervosismo na risada. “Isso levaria algum tempo.”

Mesmo que ele não pudesse ver, Tom sorriu e enrolou a faixa em suas mãos.

“Tom é talentoso. Tom é sensível”, Peter voltou a falar, aconchegando-se na cama. Sabia que seria incapaz de mentir naquele momento. “Tom é lindo.”

“Você é tão mentiroso!”, ele brincou, seu riso fugaz soando como desespero. Precisava de ajuda.

“Tom é... Tom é um mistério; Tom não é um ninguém. Tom tem segredos que ele não quer me contar, mas eu queria que ele contasse”, prosseguia a descrever com ternura. “Tom tem pesadelos, e isso não é uma coisa boa. Tom tem alguém que o ama, e isso é uma coisa boa.”

Tom não podia assegurar se ele se referia a Meredith ou a si próprio. Cariciou o corpo de Peter, divertindo-o com a carência que esbanjava.

Tom está acabando comigo.

Com a faixa em mãos e com os braços firmes, Tom moveu-se acima de Peter, que se surpreendeu com o ato repentino. Acarinhando o rosto liso do outro, passou as mãos pelas bochechas rosadas pelo sol da Itália, que contrastavam com a pele tão branca. Chegou ao pescoço, com a faixa logo ali, e tinha o controle. Pela primeira vez desde que vira Meredith no barco, sentia ter mais uma vez o controle e estranhamente isso não o trazia alívio. Fechou os punhos, como se procurasse alguma força para fazer o lógico, todavia sem a achar. Peter, por outro lado, não tinha a menor ideia do que se passava na mente de Tom Ripley.

Foi no tempo de um só vislumbre dos olhos ansiosos de Peter que ele notou que não conseguia; não podia matá-lo. E todos os músculos de seu corpo agora conspiravam contra si. Tom Ripley é fraco, e isso definitivamente não é uma coisa boa.

Mas Tom Ripley está apaixonado, e isso é uma coisa boa.

Sentiu a primeira lágrima escorrer pelo canto do olho, como se não pudesse ser vista por ninguém, como se aquele fosse o pequeno segredo que guardava em seu imenso porão. Pelo visto o aventuroso Smith-Kingsley encontrara uma das chaves. Despencou então, tapando seu próprio rosto com as mãos que se atrevera a usar para tentar cumprir aquele dever horrível que passara por sua mente. Naquele momento, mais do que nunca, enforcar Peter era impossível.

“Tom; Tom!” Peter ergueu-se como pôde, mesmo com o peso do outro em cima de si limitando-o. “Tom, você está bem?”

“Desculpe-me, tenho que sair”, murmurou por entre alguns soluços, respirou fundo e levantou-se. Peter seguiu-o, como Tom previu que ele faria, mas segurou seu rosto com força, fazendo-o olhá-lo, e isso não pudera prever.

“Tom, me diga o que está acontecendo”, ele comunicou, deixando claro que precisava de uma resposta, e então bufando com a falta de reação do rapaz. “Será que você pode se sentar, por favor?”

Talvez ter enforcado Peter lhe economizaria uma boa porção de problemas, pensou Tom olhando em volta, porém não lhe parecia certo. Pela primeira vez lhe parecia errado fazer o mais simples e não sabia por quê. Voltou à cama branca e sentou-se com angústia. O outro homem logo acomodou-se ao seu lado e o olhou com preocupação. Enquanto isso, o cérebro de Tom funcionava a mil.

“E-eu... eu menti, Peter. Menti para a Meredith.” Não tinha mais noção de como prosseguir, porém tudo ia além disso. Ele precisava prosseguir. Não podia deixar que Peter Smith-Kingsley deixasse aquele quarto. “Sobre mim. E sobre você também.”

“Desse jeito você só irá me deixar mais confuso ainda, Tom. Por favor, me dê alguma luz.” Tom teve seus cabelos louros afagados pelo outro. A ele, não parecia sobrar recursos senão a violência, no entanto, não levantaria um dedo. O verdadeiro recurso de que precisava naquele momento era o tempo.

“Peter, se te pedisse para esperar por mim, bem aqui, você faria isso? Prometo que volto num instante. Precisava falar de algo urgente com Meredith e só entrei para te pedir um cigarro. Tem um?” Engoliu em seco e viu o descontentamento do outro com sua resposta.

“Ah, algo urgente.

“É sobre Dickie. Ela me disse que o viu em Roma pouco antes do suicídio dele.”

“Vou pegar o cigarro.” Peter levantou-se, deixando mostrar um quê de frustração; continuava perdido. Seria alguma brincadeira de mau gosto de Tom e Meredith para cima dele? Sim, ele sabia que americanos gostavam de homossexuais tanto quanto os europeus, mas logo Tom?

Alcançou um Marlboro e deu o maço ao outro.

“Obrigado. Não saia daqui, volto em menos de um minuto.”

Peter concordou com a cabeça e viu-o sair. Desalentado, esfregou o rosto e retornou às suas partituras. Não que estivesse realmente prestando atenção em qualquer uma das notas; sua cabeça estava distante, quase tão distante quanto Atenas, e rezava para que, quando chegasse lá, Tom já houvesse esclarecido essa história com Meredith. Peter estava com ciúmes, por mais que lhe doesse admitir.

✱   

Correndo pelo corredor de piso aveludado do navio, Tom subiu, rápido, as escadas. Jogou o cigarro fora na primeira lixeira que encontrou; não estava no humor certo para fumar. Logo mais estava no convés, o céu acinzentado que escurecia cada vez mais apossando-se do dia com nuvens que indicavam perigo. Não eram elas que temia, entretanto.

Meredith ainda estava ali, somente observando o oceano. Por sorte, não o viu passando; Tom poderia ter ido até ela, mas preferiu se afastar. Um grupo de jovens estrangeiros — a maioria deles franceses — conversava de forma discreta sobre um assunto que ele supôs ser medicina. Uma ideia passou pela sua cabeça, e, num impulso, acercou-se deles.

Bonjour.” Decidira falar desinibido, mesmo com o francês muito americanizado que conhecia. “Vocês são médicos? Por Deus, minha esposa está louca! Esqueceu seus remédios em casa e agora não sabe como vai conseguir pegar no sono. Algum de vocês tem um remédio para dormir, por acaso? Ou conhecem o médico dessa tripulação? Já procurei em todo lugar, mas nada de doutor!”

Em meio ao silêncio que ele provocara, uma moça, a mais baixa do grupo, com os cabelos tão pretos quanto seu casaco, posicionou-se:

“Tenho um Valium, se isso for de alguma ajuda.” Ela procurou pelo medicamento em sua bolsa de couro barato.

Ahmerci, merci!” Tom exclamou, um pouco exagerado, aceitando a pequena pílula e fazendo uma reverência modesta. “Minha esposa agradece também.” Quando estava já a uns passos de distância, percebeu-os retomar a conversa e ouviu risadas, como se estivessem fazendo alguma piada que não captara sobre seu sotaque. Deixou para lá e andou até o bar acanhado do navio, que não ficava tão longe.

O barman parecia distraído com um jornal italiano e sentava-se logo à frente de uma televisão aparentemente quebrada. Não conseguiu fisgar a atenção do homem só com sua aproximação, então teve de pressionar um botão dourado, aquele que às vezes se via em lojas onde o atendente nunca estava no balcão. O barman olhou-o, um pouco carrancudo; ajeitou os óculos, fechou o jornal e foi até Tom.

“Boa tarde.” Ainda segurava o Valium com vigor na mão esquerda. “Eu gostaria de uma cerveja preta. E dois copos, por favor.”

O homem entregou tudo conforme o pedido, e Tom, que não conseguia conter a ansiedade; apenas esperava que Peter não houvesse saído do quarto. O barman ainda lhe ofereceu algo para comer, uma cesta com alguns pães que já parecia estar pronta há pelo menos uma hora, pela qual Tom agradeceu. Ele pagou e sentou-se em um dos bancos. Separou a cerveja nos dois copos, cortou a pílula em alguns pedaços e jogou-a no copo que seria de Peter. É claro, pusera mais do líquido para si próprio do que para o amigo; não queria correr o risco de fazê-lo vomitar.

Voltou depressa ao quarto, carregando de um jeito um tanto quanto desengonçado os dois copos e a cesta, e passando de novo pelos estrangeiros. Meredith já não mais estava no lugar de antes. Engoliu em seco e apertou ainda mais o passo. Se ela estivesse lá dentro, teria de pensar rápido. Trancaria a porta, esperaria o momento certo e mataria Peter primeiro — Peter era grande demais e poderia nocauteá-lo se Tom matasse Meredith antes; não queria correr esse risco. Chacoalhou a cabeça em uma tentativa falha de afastar o enxame de pensamentos que pairavam de forma agressiva. A porta do pequeno quarto ainda estava fechada, e Tom tremeu ao pegar na maçaneta.

Para seu alívio, Peter ainda estava ali. E sozinho. Não pôde conter um riso nervoso, que chamou a atenção do homem. Ele parecia chateado, e Tom insolitamente entendia. Apressou-se para apoiar os pães na mesa de cabeceira.

“Quer uma cerveja?” Deu o copo para o outro, tomando o devido cuidado para que fosse o correto. Peter aceitou sem muita vontade de beber.

Esperou que ele dissesse alguma coisa enquanto um clima embaraçoso se instalava no recinto. Todavia, Peter ocupava sua boca com alguns pequenos goles na cerveja negra e o encarava com um olhar superficial de serenidade. Após um tempo que pareceu interminável, ele pôs-se a falar:

“Então, Meredith... Como está ela?” 

Não, Meredith, não.

Tom calculou como desviar o assunto.

“Ah, ela está bem. Acabou que não era tão importante assim; nada sobre Dickie que eu já não soubesse, mas ainda me abalo facilmente quando o assunto é ele. Perder alguém tão próximo assim é...” Bebericou sua cerveja e riu, encostando-se à cama, ao lado do amigo. “... triste.”

Peter não engolira aquela desculpa, e Tom percebera. Se pudesse ser Dickie Greenleaf, só naquele momento, e apenas acabar com ele, o faria. Afinal, qual seria sua culpa? Dickie matara Freddie Miles e se suicidara depois; nada que tivesse qualquer relação consigo. Por uma razão que desconhecia, Peter Smith-Kingsley o situava de uma forma ambígua em seu próprio corpo. Perto dele, era apenas o pequeno e mesquinho Tom outra vez, e não havia nada que pudesse fazer para repelir-se de sua casca. Tom Ripley estava com medo. Com um medo que jamais sentira antes, nem sequer quando segurara o cadáver frio de Dickie Greenleaf em seus braços.

“Entendo. Sabe, meu irmão morreu neste verão que passou.” Parte de sua irritação melancólica parecia esvair-se aos poucos. Já esperava-se isso de Peter; retornaria à sua apenas melancolia  usual em questão de horas. Isso se, até lá, já não estivesse dormindo. “Nunca fui próximo dele ou dos meus pais, mas fiquei abalado.”

Tom respondeu que sentia muito.

“Ele era o favorito da família. Morava na Inglaterra. Meu sofrimento é meio irônico, não acha?” Sorriu sem graça e bebeu mais um pouco. “Meu pai e minha mãe não gostavam muito de mim, ele também não. Acho que foi por isso que fugi.”

“Você também tem segredos.” O outro fez como se não houvesse entendido, e Tom prosseguiu com habilidade, abrindo um sorriso discreto que sabia que Peter apreciava. “Você me disse que queria que eu contasse os meus segredos, mas e quanto aos seus?”

“Meus segredos? Não sou mais interessante que um fio de cabelo de Tom Ripley!”, brincou, e Tom riu também. “Bem, eu sou inglês. De resto, tudo sobre mim é como um poço sem fundo.”

Imaginou se Peter seria patriota e achou difícil que sim. Algumas vezes pensava que ele pudesse ser um irlandês bem disfarçado, na verdade, e um patriota não deixaria isso transparecer.

“Bem, você me conhece, Tom. Não tenho tempo para guardar tantos segredos quando estou ocupado tocando piano.”

“Você já mencionou algo sobre seu passado. Parece um bom segredo.” Ele sorriu com simpatia, orgulhoso consigo próprio ao ver o outro beber cada vez mais da cerveja.

“Sim, de fato.” Limitou-se a poucas palavras, como se não quisesse conversar sobre aquilo. Tom entendeu e não se demorou a responder; sentia-se mais ágil e acordado agora.

“Pelo menos você tem o seu piano. Tudo o que tenho é uma casa velha alugada e alguns poucos dólares”, brincou, mesmo que não se sentisse insuficiente.

“Você tem a mim, também.” Peter sorriu e terminou a bebida. “Obrigado pela cerveja. Acho que vou falar com Meredith.” E levantou-se, assustando-o naquele breve instante.

Tom fez o mesmo e, colocando uma mão sobre o ombro do amigo, quebrando uma distância que havia se formado entre eles, falou:

“Não, por favor. Só...” Repousou a outra mão, carinhoso, sobre o pescoço do inglês. “Fique aqui comigo mais alguns minutos.”

Me pedindo tão gentilmente assim...” Peter provocou em seu suave tom brincalhão. Cruzaram os olhares, e ele prosseguiu. “Tudo bem. Há alguma coisa que você queira me falar, Tom?”

“Nada em especial. É só que isso tudo, o cruzeiro, suas músicas, a Itália, tudo me faz pensar no quão sortudo sou por ter um amigo como você.”

Peter sorriu novamente.

Tiveram uma conversa breve e voltaram a se deitar, desta vez, um ao lado do outro na pequena cama branca. Falaram sobre música e outras viagens que poderiam fazer. Peter não durou muito, entretanto. Em cerca de vinte minutos, enjoo e sonolência apossavam-se de si, e ele estava cansado demais para se levantar ou desenvolver diálogo. Tom sentia-se aliviado e vitorioso, até. Levou uma mão em falsa preocupação à testa do homem, bagunçando um pouco a franja negra.

“Peter, você está se sentindo bem?” Franziu seu cenho. “Quer que eu cheque se você tem febre?”

“Estou bem. Só estou bastante cansado, me perdoe.” Não se moveu um milímetro sequer para responder. Todavia, balançou a ponta dos dedos com certa agilidade, como se para confirmar que estava realmente bem. Achou que talvez pudesse ter sido o balanço do navio que o deixara assim. Não pensou muito naquilo. “Deve ser o acúmulo do estresse. Me levanto num instante...”, falava com lentidão.

Tom assentiu, mas não saiu do quarto. Desdobrou os lençóis e cobriu Peter. Já eram quase sete horas e o céu tornava-se escuro lá fora. Se tudo corresse bem, estariam na Grécia às quatro da tarde do dia seguinte. Esperava, sobretudo, que o Valium embalasse Peter em seu sono natural e que ele só acordasse pela manhã. Caso acordasse antes, mesmo que dentro de uma ou duas horas, Tom inventaria uma mentira qualquer; diria que já passava de duas da manhã ou que ele estava com febre e que não deveria deixar o quarto por recomendação do médico a bordo. De uma forma ou de outra, os quartos eram muito silenciosos para que qualquer barulho do convés os atingisse.

Tentou conversar com Peter como simples distração, porém não recebia respostas muito maiores do que “sim”, “não” ou algum balbucio ininteligível. Ouviu-o reclamar da boca seca e pedir água antes de cair no sono. Tom pôs-se a ler as partituras que ele estudava. Algumas eram grandes, de dez páginas até. Outras não passavam de folhas soltas que creu serem meros exercícios. Era mais desorganizado do que esperava, admitia, e nunca ouvira falar de nem metade daquelas melodias, a maioria delas sacras. Pessoalmente, Tom não tinha uma religião.

Uma noção distante de que o que fizera com seu amigo era imoral passou-lhe pela cabeça, no entanto, não estava preocupado com Peter, muito menos sentia pena. Não naquele momento, pelo menos, mas sabia que sentira algo próximo disso antes. Chamava toda aquela situação de pena. Conhecia a rotina de sono dele de forma superficial, pois dormira em sua casa por alguns dias; oito horas por noite, às vezes menos. Imaginou um diálogo com um médico imaginário que ordenaria que o inglês permanecesse de cama até o fim da viagem. “Sì, sì, é um resfriado molto grave que anda correndo por essas bandas! Vai ter que repousar pelo menos até chegar a seu hotel.” Riu com o sotaque italiano que reproduzira em sua cabeça. Sentia-se relaxado. Cogitou voltar até o andar de cima e tagarelar mais um pouco com Meredith, como antes fizera, sobre os estaleiros Burke-Greenleaf ou as empresas da família Logue, contudo, não foi.

Peter respirava com lentidão. Conforme a noite prosseguia, Tom aninhou-se ao seu lado na cama e deixou-se descansar também. A luz fraca do luar atingia sua cintura pela escotilha; as nuvens de mais cedo haviam-se afastado junto com a aura hostil e desconfortante que a presença de Meredith Logue trouxera. Ele não conseguiu dormir, contudo. Quando já era madrugada profunda e Peter não dava sinal de que fosse acordar, levantou-se e deixou o recinto. Passou mais uma vez pelo chão aveludado, subiu mais uma vez as escadas. Sentia-se estranhamente enérgico naquele momento, como se pudesse fazer o que quer que lhe passasse pela cabeça.

O piso principal do navio estava tão vazio quanto esperava que estivesse. Luzes minguadas acesas em só um pequeno ponto do barco destacavam-se como estrelas próximas. Talvez alguém ainda estivesse acordado, alguém da tripulação ou um passageiro com insônia. Ele não se interessou. Imaginou o que faria caso houvesse, de fato, matado Peter, afinal, teria um corpo do qual se livrar. Peter era esguio, mas não esguio o bastante para que Tom conseguisse carregá-lo com facilidade, ou sem chamar a atenção de alguém, mesmo no ermo da noite.

Olhou para cima e viu a lua. Recordou-se duma canção de marinheiro que aprendera na escola e se surpreendeu por ainda se lembrar dos versos alegres. Sentia-se protegido pelo brilho fosco e pelo balanço do negro mar; estava frio e a brisa soprava forte ao seu favor. Pouco a pouco, pedaços das águas ficavam para trás, e Tom suspeitava que talvez mais nuvens se aproximassem; desta vez, uma tempestade. Não se importaria de molhar-se um pouco em Atenas.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e não deixem de comentar suas críticas e opiniões, elas são sempre bem-vindas. Muito obrigada por lerem.