Bulletproof Wings escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 27
Até que não possa doer mais


Notas iniciais do capítulo

Esse é aquele capítulo arrasador que eu tinha mencionado. Espero que tenham se preparado. Vodka virtual liberada pra todo mundo, por minha conta.



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Jin dirigiu a caminhonete até o lugar onde a Sra. Park dissera ser o paradeiro dos seus amigos. Estacionou ali perto e começou a procurar à pé. Na calçada, começou a ficar confuso. O endereço batia com o que estava anotado na foto, mas não era um edifício; era um terraço. Jin olhou ao redor, tentando encontrar algum outro terreno com o mesmo número, mas de repente seus olhos bateram na placa de metal que havia no muro. Informava: “Terraço da família Bangtan”.

Jin deixou a foto cair de suas mãos. Aquilo não era possível. Só poderia ser um engano! Ele olhou pelo portão de ferro. O terraço parecia recente, havia poucos túmulos. Seu coração estava acelerado, mas ele sabia que precisava descobrir. Abriu com facilidade o portão, e o empurrou. Seus pés caminharam lentos pelo terreno, se aproximando do ponto onde estavam acumulados os únicos seis túmulos. Ele parou. Seu coração parecia querer saltar do peito enquanto seus olhos passeavam pelas lápides, por cada nome, por cada foto minuciosamente escolhida do acervo de Polaroids do grupo.

As pernas de Jin perderam as forças. Ele caiu de joelhos na terra com a respiração falha e levou as mãos à cabeça. Queria fingir que aquilo não estava acontecendo, mas não era mais possível. O ar parecia lhe faltar, e trazia-lhe lembranças ruins. Finalmente, aquela informação, que encontrava resistência na tentativa de perfurar seu coração, alcançou seu objetivo. A dor se tornou a mais profunda possível. O ar seco rasgou-lhe a garganta quando ele inspirou, buscando ar para manifestar sua dor.

Jin observou as lágrimas de tinta verde e amarela escorrerem pelo rosto da estátua, e sentiu que não tinha mais razão de existir. Olhou para o lado esquerdo, exatamente onde antes estava o grande quadro que estivera observando. Naquele momento, havia um espelho. Jin observou sua própria imagem, mas chamou-lhe mais atenção a flor que estava no console. O vasinho prateado trazia lírios brancos, que simbolizam a morte, mas seu reflexo eram lindas flores roxas. Porque aquela era a verdade. Ele estava vivo, não devia estar ali. Ao encarar seu reflexo, não esboçou nenhuma reação à rachadura que surgia em seu rosto. Ele não era Jin. Não devia estar ali. E depois de muito rachar, de fato, ele não estaria mais. No quarto, Jimin conseguiu se livrar de sua fita, revelando seu olho manchado pelas lágrimas de tinta verde.

Talvez Seoul inteira pudesse escutar aquele grito estridente, que parecia ser capaz de fazer voar as cortinas e quebrar as vidraças, porque Kim Seokjin nunca sentira tanta dor em sua vida, nem mesmo antes de sua primeira tentativa de suicídio. As lágrimas ameaçavam escorrer, enquanto ele respirava ofegantemente. Levou a mão ao coração, enquanto sua mente era bombardeada por lembranças. Ele se lembrou de tudo. Taehyung o entregando o telefone, a voz de Yumii do outro lado chamando Jungkook de forma completamente apaixonada, ele chorando no carro dos pais, se jogando na água, sentindo o ar tomar seus pulmões. Se lembrou de sentir a angústia de cada um dos seus amigos enquanto deixavam aquele mundo por sua causa. Por fim, sua última memória: lembrou-se de escutar Moni junto a ele, confidenciando aquele segredo e, depois, discutindo com o tio. Lembrou-se do seu tio admitindo que desejava a morte de seus amigos, ameaçando Moni, mentindo sobre sua sanidade. Ele conheceu o verdadeiro monstro, que era seu tio. Seu coração doía intensamente ao reconhecer que o mal estava ao seu lado o tempo todo, e que sempre dera ouvidos àquilo. Olhou para aqueles túmulos, notando o quanto aquilo era errado. O quanto aquilo não era necessário! Seu tio não tinha o direito de mentir sobre sua vida para seus amigos, por puro egoísmo. Mas o que tornava pior era que ele não se arrependia nem um pouco. Jin chorava intensamente, quase como uma criança, sua cabeça latejava, as lágrimas lhe tomavam o ar. Era muito sofrimento. Seus amigos estavam mortos, todos mortos, porque seu tio era um monstro. Jin começou a tossir. Suas lágrimas sugavam todas as suas forças. Ele não queria estar ali! Não queria ser sozinho.

Pensou em cada um deles. Primeiro, em Jiminie. Moni dissera claramente que o único motivo de sua morte era porque ele sentia sua falta, porque achava que ele tinha partido. Aquele amigo era muito precioso, suas brincadeiras, seu sorriso de menino. Depois, pensou em Hoseok. Sempre tão alegre, e ao mesmo tempo tão frágil pela sua doença. Ele sabia que o Bangtan era o que o fazia esquecer seus problemas. Jungkook, ah, aquela criança terrível. Yoongi sempre dizia que ele não sabia nada sobre o amor, e era verdade. No dia de sua tentativa de suicídio, Jin sentira muita raiva dele, mas naquele momento só sentia saudade. Ele ainda tinha muito para aprender sobre o amor e sobre a vida, antes de morrer. E Yoongi, ele era tão amigo de Jungkookie! No Bangtan, era o rei em fazer bagunça, às vezes agia como criança. Costumava ser duro em certos momentos, mas também era o melhor amigo perfeito. Taehyung era um bagunceiro, mas Jin sabia que ele sofria muito com os problemas de casa, e gostava de apoiá-lo. Sabia que a irmã praticamente só tinha ele, como estaria agora? E Moni... Moni era o melhor líder que Jin já conheceu. Às vezes autoritário, como era necessário, mas sempre compreensivo, sempre lutando pelo bem do grupo e de cada um dos membros. Ele havia morrido por último: só havia desistido de si mesmo quando não havia mais ninguém por quem lutar.

Jin chorava sem parar, produzindo um som agonizante que parecia ecoar no silêncio da ausência dos demais. Não conseguia acreditar que nunca mais veria aqueles sorrisos, que nunca mais viveria aqueles momentos que eram os mais bonitos. Aqueles seis eram o único sentido de sua vida. Estar com eles, cantar, dançar, fazer o que fosse. Nem mesmo suas fotos fariam sentido se eles não estivessem lá. Nada, absolutamente nada fazia sentido sem o Bangtan. E o sonho? O sonho estava morto. Não havia grupo para debutar, mas não era isso que importava. Nem o début, nem o sucesso, nem a música. Ele só queria seus meninos de volta.

Ele cravou as mãos na terra à sua frente como se pudesse prender-se a ela, ou como se pudesse feri-la: sentia raiva de tudo, de tudo aquilo que havia acontecido e de toda a insuportável dor que maltratava seu coração. Ele arrancou aquela terra, gritando, erguendo suas mãos sujas e a amassou, tentando manifestar seus sentimentos e fazer com que aquela dor parasse. Mas ela não parou, e a terra escorreu por entre seus dedos enquanto sua voz agonizava e ele se encolhia, tentando se proteger do externo, mesmo que sua dor não fosse nem mesmo material.

Jin estava tão abalado, chorando, gritando, sentindo-se morrer e morrer, que não deu atenção aos passos que se aproximavam. Não ligou nem mesmo para a mão que repousou em seu ombro, tentando consolá-lo. A perda era inconsolável, e quem quer que fosse, aquela pessoa não importava para ele. Os únicos que lhe importavam estavam embaixo daquela terra que sujava suas mãos.

— Eu sinto muito — disse a voz. Jin arregalou os olhos e parou de chorar quase que imediatamente. Se levantou num pulo e se virou para a pessoa que havia acabado de chegar, segurando algumas flores. Não podia ser verdade.

— Você? — Perguntou ele, incrédulo, piscando para afastar as últimas lágrimas de seus olhos e ter certeza de que eles não o estavam enganando novamente.

— Oi, Jin.

Jin enxugou o rosto com as costas das mãos imundas, com muita raiva, como se a pessoa não fosse digna de ver suas lágrimas e sua dor.

— O que tá fazendo aqui? —  Perguntou, com claro tom de ironia, tentando se livrar das lágrimas e também da terra, batendo as mãos uma na outra. — Veio prestar as últimas homenagens ao seu namorado?

— Na verdade, sim.

Yumii passou por Jin, ignorando sua reação fria. Não esperava por nada diferente. Ela se ajoelhou em frente à lápide de Jungkook. Passou o dedo pelos relevos de seu nome marcado na pedra em hangeul, e depois pela sua foto emoldurada. Uma lágrima fina escorreu pelo rosto. Jin a observou, sentindo um leve arrependimento por não tê-la recebido bem. Ela também deveria estar sofrendo.

— O que aconteceu? — Perguntou Jin, já com a voz mansa, na esperança de que ela pudesse explicar.

— Você não sabe? — Perguntou ela, se levantando devagar. Seu tom era de surpresa.

— Eu estava em coma. Acordei faz pouco tempo. Na verdade, eu acabei de descobrir.

— Aigo. Você deve estar arrasado, Jin. Se já foi horrível para mim descobrir aos poucos...

— Como foi? Como descobriu?

— Quando seu acidente saiu na televisão, meus pais me ligaram. Eu procurei as notícias na internet. Fiquei muito, muito mal. Continuei acompanhando os jornais de Seoul, para saber se você estava bem, e descobria cada vez mais coisas. Fui acompanhando as notícias sobre cada um deles.

— Como... Como eles morreram?

— Cada um de uma maneira — disse ela, se encaminhando para o túmulo de Jimin. Jogou-lhe uma flor. — Hipotermia. — Passou pelo de Hoseok, e deixou-lhe outra flor. — Overdose. — O mesmo com o namorado. A voz ficou um pouco trêmula. — Atropelamento. — Hesitou antes de ir para o de Yoongi. Jogou a flor. — Incêndio. — Passou pelo de Taehyung. — Afogamento. E Namjoon... — Abaixou para colocar a flor dele. — Eletrocução.

— Eletrocução? Como assim?

— Na cadeira elétrica. Ele estava internado em um manicômio.

Jin levou a mão à testa, lembrando-se do tio acusando-o de insanidade.

— Aigo. — Jin olhava para o chão, ainda com a mão na cabeça, tentando afastar o pensamento de que seu tio era o assassino de seus amigos. A terra ficou um pouco mais escura com a passagem de uma nuvem. Sua voz estava um pouco falha.

— Estava preparando a viagem desde que soube de Jungkook, mas só cheguei ontem. Infelizmente, tive que comprar mais flores do que planejava. Jin... — Yumii se levantou. — Eu não sei o quanto você sabe sobre eu e Jungkook, mas... Ele não sabia que era eu, quando foi para o Japão.

Jin olhou nos olhos de Yumii.

— Por que acha que me importo com isso? — Perguntou ele, com tom lógico. — Ele está morto! Nada do que podemos dizer um para o outro agora vai mudar isso. — Yumii mordeu o lábio e olhou para o lado. Jin sentiu que a estava machucando. — Sinto muito, mas é a verdade. — Jin olhou para os túmulos, e suas lágrimas voltaram a encher seus olhos, mas não desceram. — Sei que ele significava muito pra você. — Ele começou a andar para o portão, ainda virado para ela, e olhou em seus olhos. — Cada um deles significava muito pra mim, mas eu não posso fazê-los voltar! — Havia apenas uma gota de amargura em sua voz.

— Onde você vai? — Perguntou Yumii.

Jin riu um pouco, o que fez suas lágrimas caírem. Ele deu de ombros.

— Vou fazer a única coisa que me resta. Vou me juntar a eles. Adeus, Yumii.

Jin bateu uma continência rápida, e se virou, dando seus últimos passos para fora do terraço. Yumii arregalou os olhos.

— Jin! — Gritou ela, e foi atrás dele. Ele não deu ouvidos, não virou o rosto nem diminuiu o passo rápido. Ela teve que andar com velocidade para acompanhá-lo pela calçada. — Jin — disse ela, ainda um pouco atrás, tentando soar racional. — O que você vai fazer?

— A mesma coisa que fiz da primeira vez.

— Quê?! Você não pode!

— É claro que posso! Já fiz isso, e vou fazer de novo. Só que dessa vez, vou fazer melhor, para que não haja nenhuma chance de dar errado.

Yumii não podia acreditar que estava ouvindo aquilo. Ela tinha que fazer alguma coisa. Correu bem rápido para ultrapassá-lo, e se colocou na frente dele, tentando pará-lo.

— Jin, você precisa pensar direito! Está abalado com a falta dos meninos, mas não é assim que vai...

— PARA! — Gritou ele, muito alto, segurando os braços dela. O choro desesperado deixava sua voz ainda mais assustadora. — Você não sabe de nada! Eles foram embora porque achavam que eu estava morto, e eu tentei morrer por sua causa! Você, Yumii, você começou tudo isso!

— Jin — disse ela, engolindo em seco, completamente assustada.

— Eu não queria te culpar, mas você tá pedindo!

— Eu só quero que você pense no que tá fazendo!

— Você não tem o direito! Não tem! — Jin chorava tanto que sua fala era quase incompreensível. — Você ARRANCOU de mim, a única coisa que me fazia feliz! A razão da minha vida! Você me tirou meus meninos, e o mínimo que você pode fazer é me deixar ir para junto deles!

Ele a soltou com um leve empurrão e continuou a andar, quase correndo.

— Eu não posso — gritou ela, também chorando. Continuou a andar atrás dele. Nem mesmo as acusações terríveis eram suficientes para fazê-la desistir de salvá-lo. — Não posso deixar você ir. JIN!

— Me esquece!

— Não dá! Eu escolhi você.

Jin parou e se virou. Sua expressão era mortal.

— Foi sua pior decisão.

— Não. — Ela correu um pouco até ficar bem perto dele. — A minha pior decisão foi te deixar. E eu não vou cometer o mesmo erro de novo!

— Não vai me impedir de ir para os meus meninos.

— Eu já percebi.

— Ótimo. Tchau.

Jin se virou e continuou. Alcançou a caminhonete, e entrou nela. Ficou completamente surpreso quando Yumii entrou do outro lado da cabine. Ficou a encarando enquanto ela colocava o cinto de segurança.

— O que você pensa que tá fazendo?

— Pegando uma carona, ué.

— Eu vou pro outro lado, você sabe, né?

— Eu sei. Também tô indo pra lá. Se não vai me deixar parar você, ao menos me deixe ir junto.

Jin a encarou durante muito tempo.

— Por que eu deveria?

— Por que você quer ir?

— Porque quero ver os meninos. E porque a vida não faz sentido sem eles.

— Minha vida não faz sentido sem o Jungkook, muito menos quando... — Yumii hesitou.

— Quando...?

— Quando a culpa disso tudo é minha. — Jin sentiu que não era aquilo o que ela iria dizer, mas decidiu não insistir. — Você está indo embora pra parar de sofrer. Eu também quero parar de sofrer.

Jin continuou olhando para ela, pensando. Por fim, respirou fundo, ligou o carro e dirigiu até o píer. A noite já tinha caído. Ele estacionou no mesmo lugar da primeira vez e desligou os faróis. Isso diminuía as chances de serem vistos e resgatados rápido.

— Você tem certeza disso? — Perguntou ele. O escuro não o deixava ver a expressão dela.

— Tenho — disse ela.

— Não tem medo da dor?

— Não acho que algo possa doer mais do que a perda.

— Então tá. Nos vemos do outro lado?

— Nos vemos do outro lado.

Jin ligou o carro e levou a mão à marcha e passou do P para o D. Sentiu a mão dela sobre a sua. Ele a segurou firme e acelerou o máximo que pôde. A escuridão não deixava saber quando o fim do píer chegaria. Finalmente, eles caíram, e Yumii não resistiu a um gritinho de surpresa. Pouco depois, fez-se um estrondo quando a caminhonete afundou. Enquanto a água enchia o carro, Yumii deitou no ombro de Jin. Isso o deixou levemente desconfortável; a sensação de ter algo que não lhe pertencia mais. Mas focou-se no seu objetivo, respirando a água sempre que possível.

— Estou com medo — disse ela, baixinho. Respirava ofegantemente.

— Vai dar tudo certo.

— Me abraça — ela pediu, e Jin aceitou. Ele não tinha medo de se apaixonar de novo. A única certeza que tinha no seu restinho de vida era que não sentia absolutamente nada por ela. Amor, ódio, pena, raiva, repulsa, absolutamente nada. Ele poderia fazer aquilo por ela enquanto Jungkook não estivesse por perto, principalmente porque ele a estava levando para junto dele.

— Vai dar tudo certo — repetiu ele. — Já vamos chegar.


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Notas finais do capítulo

Caprichem nos comentários gente. Estou muito ansiosa pela reação de vocês.



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