E todos os cálculos escorrem pelo ralo. E agora, do que valem essas noites mal dormidas? Os meus entes queridos morreram para mim. A minha juventude corroída já me escapou à memória. Mais uma vez, tudo se repete. É assim com todos.

Lembro-me muito bem dos planos que tinha há 30 anos e sei o quanto fui burro em não lutar por eles. Adiei o dobro. Como posso voltar? Aquilo pelo que batalhei, visto aqui de cima, parece tão próximo, e ainda assim não pude alcançar.

Sou ossos que se relutam neste minúsculo espaço. Como poderei descansar, se nem sequer cheguei aonde eu deveria estar? De todo jeito, o choro já não se faz mais presente. Sinto falta das lágrimas que um dia derramei por coisas poucas. Daria tudo para sentir minha fraca carne mais uma vez.

"Eu vivo nas sombras", era o que dizia, mas a luz invadia o mesmo quarto em que eu dormia todas as manhãs, e agora não vejo um palmo à minha frente. Perdi a noção do tempo; eu me perdi.

Amigos? Ah, quem dera eu tivesse boa memória! Só assim eu poderia vê-los claramente, e todas as suas formas familiares fariam sentido. Amores? Ilusões. Sinto esta dor pressionar o meu peito, ou o que sobrou.

Nunca pensei que o tempo poderia ser tão traiçoeiro. Alguns dias de folga me alegravam imensamente, mas eles passavam num estalar de dedos. Era sempre assim. Era.

Estou confortável. Estive confortável.

Eu reescrevia mundos inteiros e os reagrupava perfeitamente, mas nenhum conseguia ser tão real quanto aquele em que eu vivia. A realidade jamais poderia ser substituída por vagos romances ou poemas; contudo, eu poderia matá-la. Fiz isso aos poucos.

Como vingança, a própria realidade trouxe as consequências e elas vieram armadas até os dentes. A culpa foi minha.

Tantas reviravoltas para um final comum a todos. Eu errei, mas fiz isso muito bem. Os curtos momentos de felicidade bastaram para me fazer pôr um sorriso no rosto e dar o próximo passo, até eu cair neste abismo.