A Long Fall escrita por Kiara


Capítulo 9
VIII — Messed


Notas iniciais do capítulo

Oi meus amores, como estão? Como anda a quarentena e vida de vocês? Tudo joinha? Espero que sim
Eu demorei porque senhor, esse capítulo ficou gigante. Eu não queria dividi-lo porque já tenho muita coisa pra colocar no próximo também, então acabei deixando ele mais extenso
Esse capítulo tá cheio de emoções, então, amoras, preparem o coração
Vejo vocês lá embaixo, beijinhos ❤️

Ps: eu sou muito grata a todas que acompanham, favoritam, fiquei tão contente em ver minhas leitoras comentando e voltando a participar da história no capítulo passado. Vocês são maravilhosas ❤️



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confuso.

 

O final de semana custou passar. 

O domingo nunca foi tão comprido, pra mim. Tinha arrumado a mobília nova na casa, ajeitado tudo do jeito que queria, ido ao mercado e estudado a matéria da semana, mas mesmo assim, quando olhei as horas, não eram mais do que sete da noite. Até uma caminhada pela cidade me arrisquei a fazer, ainda que não fosse nenhum pouco fã de esportes, e parecia mais que o tempo congelou enquanto estive fora. 

O fato de Lydia estar incomunicável também não ajudou meu estado nervoso. Acontece que a ruiva, depois de me mandar a mensagem cancelando nossa festa do pijama no sábado, simplesmente sumiu, tanto da cidade, quanto das redes sociais. Não respondia as ligações, não retornou as mensagens, e ao ir na sua casa, Natalie Martin me informou que ela estava fora da cidade. Para o México, aparentemente. 

Stiles era outro que resolveu sumir. Liguei pra ele, na intenção de sairmos um pouco, mas não fui atendida e nem tive qualquer sinal de vida. Cheguei a pensar que os dois resolveram brincar de fantasminha. 

O único com quem não tentei contato foi Scott, e não iria. Estava tão irritada com ele, que a simples menção do seu nome fazia minha cabeça doer. Lembrar da nossa última briga então, era a maior das torturas; ou eu ficava num estado caótico que me fazia querer quebrar algo, ou sentia vontade de chorar, encolhida num canto. Graças a Deus, encontrei autocontrole suficiente para não fazer nenhum dos dois. 

Quando a noite chegou, como esperado, foi muito difícil dormir. Eu estava com um pressentimento estranho desde ontem, que não ia embora, e me fazia crer que algo ruim iria acontecer a qualquer instante. Virei e revirei na cama, mas só depois de um grande copo de chá verde, é que consegui desligar minha mente daquilo. 

Na segunda-feira, estava acordada antes do despertador. Vesti uma roupa confortável e quente — deveria ser a primeira vez, desde que mudei, que estava realmente frio, de tremer o queixo —, tomei café da manhã e saí um pouco mais cedo. Eu tinha plena consciência de que era a ansiedade em chegar logo na escola, não para estudar, e sim encontrar o trio. Estava realmente preocupada com Lydia e Stiles, querendo arrancar suas orelhas pelo repentino sumido, e com o coração apertado em imaginar que alguma coisa poderia ter acontecido. Lá, certamente os veria, e poderia ter as respostas que queria. 

Infelizmente, meu coração também se apertava em pensar em McCall. Me deixava nervosa não saber o que aconteceu no resto da noite de sábado, se ele seguiu meu conselho de chamar a guarda florestal, e se tinha chegado bem em casa, com aquela coisa solta por aí. Eu não tinha ideia. 

No colégio, cumprimentei os professores que passavam por mim, educadamente. Deixei meus pertences no armário, dei uma breve olhada no horário e segui para a primeira aula do dia, história. A minha matéria favorita, sem dúvidas, mas que hoje não me deixava nenhum pouco animada. Duvidava que algo fosse conseguir. 

A sala de aula estava vazia, justificável devido aos quinze minutos que estava adiantada. Sentei no meu lugar, perto da janela, e fiquei rabiscando a última folha do caderno para me distrair. Aos poucos os alunos começaram a chegar e foram ocupando as cadeiras, trazendo consigo barulho e o início de uma falação ensurdecedora. Quando o professor chegou e o sino tocou, já eram sete horas. E nenhum dos três tinha chegado. 

Fiquei ainda mais preocupada. Não eram de faltar, e não saber por que o fizeram, onde estavam, era o pior. Eu estava de fora. 

Quis pedir para ir ao banheiro, tomar um ar. Dar uma volta pelo colégio e só voltar mais tarde, quando minha cabeça não parecesse estar rodando. Mas quando pensei em fazê-lo, Sr. Woodsen atraiu a atenção de todos com um pigareio forte.

Ao olhar para frente, o vi junto de um rapaz, no centro da sala. Estava visivelmente animado, ao fazer as apresentações: 

— Alunos, esse é Theo Raeken. Sejam gentis, não é todo dia que recebemos alguém com um histórico tão bom. 

O dito cujo foi a razão dos suspiros sôfregos das garotas. E das piadinhas irritadas dos rapazes, naquela típica inveja. 

De fato, Theo era bonito. Se olhasse demais, podia acreditar na ideia de já tê-lo visto em alguma capa de revista, de tão parecido com um modelo. Com cabelos castanhos claros e curtos, olhos verdes e musculatura forte, coberta por roupas escuras e justas, era evidente sua vaidade. Esta, no entanto, não parecia ser forçada; ele simplesmente não ligava para o efeito que causava nos outros, nem se estava arrumado ou não. Sabia seu valor. 

Fora a aura que irradiava de si, porém, que me fez simpatizar com sua pessoa. Não havia superioridade, altivez, mesmo com a atenção e elogios. Apenas uma sensação agradável de simpatia, sentida de longe. 

— Pode se sentar, Theo, já irei começar a aula. 

Com um sorriso tímido, Theo se encaminhou ao lugar que o professor apontava: justamente ao meu lado. 

Acontece que as aulas de história eram feitas em duplas, como a maioria das matérias, e hoje não era exceção. Cada um já tinha seus pares, mas com a ausência de meus amigos, acabei ficando sem o meu — e embora uma parte de mim estivesse agradecida em não ter que dialogar forçadamente com Scott logo de manhã, outra se via triste em assistir alguém que não fosse ele, ocupar o lugar. 

— Ele sempre faz isso? — Theo, ao se sentar, perguntou. O restante da classe voltava aos seus afazeres, mais ocupados em prestar atenção no professor do que no novato. 

Sorri, negando com a cabeça. 

— Ele não fez isso comigo no meu primeiro dia. Acho que nem notou minha presença. — brinquei, ajeitando meus matérias sobre a mesa. Deixei de rabiscar o caderno, abrindo-o na página correta. — Você o impressionou, deu pra ver. 

O rosto de Theo se contorceu. 

— Não sei se o mérito é totalmente meu. — admitiu, por fim. — Sempre estudei em escola particular, na cidade grande. Meus pais pagavam pra eu ter aulas extras até nos finais de semana. Tirei boas notas apenas para ficar lá, não ter que voltar pra casa e conviver com eles. 

Me senti compadecida. Sabia bem o que era pressão familiar. 

— Seus pais podem ter pago a mensalidade, mas a inteligência para tirar as notas veio de você, Theo. — murmurei, com sinceridade. — O mérito de ter inteligência suficiente para montar um portfólio surpreendente é só seu. 

Recebi um sorriso agradecido em resposta. Foi genuíno, e fez meu dia se alegrar minimamente. 

Havia muita matéria no quadro e uma prova agendada para semana que vem. Fiz minhas anotações e copiei o que precisava, tentando prestar atenção na explicação do professor durante o processo. 

De repente, senti algo me cutucando. Quando olhei, era Theo com seu lápis. 

— Eu ainda não sei seu nome. — falou, baixo, para que não recebessemos uma bronca. 

Respondi, em igual sussurro: 

— Charlotte Jones. 

Jurei ter sido minha mente fértil me pregando peças quando vislumbrei um brilho de reconhecimento atravessar os olhos de Raeken. Mas sumiu tão rápido quanto veio, e não pude ter certeza se aconteceu de fato ou não. 

[•••]

O sino anunciou o final do terceiro período. 

Eu tinha ficado distraída na maior parte do tempo, rindo e conversando. Coincidentemente os horários de Theo combinavam com os meus e acabamos ficando juntos por mais de duas horas. Era incrível a maneira que nos demos bem logo de cara, em um único dia. 

Descobrir que tínhamos coisas em comum também ajudou. Além dos problemas com os pais — principalmente a falta de apoio e afeto —, gostávamos das mesmas matérias, séries e comidas. Passamos pelas mesmas cidades, e era bom discutir sobre o clima gélido de Odense com alguém que entendia a variação. 

Agora, no intervalo, saímos de uma aula tediosa de matemática para irmos lanchar. Os olhares sobre ele ainda continuavam, e vez ou outra escutava algum cochicho. Coisas de novato e outra em comum — ainda que, felizmente, os julgamentos sobre mim tivessem diminuído drasticamente. 

Apanhei uma bandeja de comida, pegando um suco de uva para completar. Meu estômago já se revirava em antecipação pela comida. Theo não quis pegar nada, com a desculpa de estar sem fome. 

— Tem uma mesa vazia. — falou, aliviado, ao vê-la. 

Sentou cada um de um lado. Dei uma mordida no sanduíche de queijo. 

— Tem certeza que não vai comer nada? — perguntei, balançando sugestivamente o lanche perto de seu rosto. Estava maravilhoso. 

Seu nariz se empinou. 

— Não gosto de queijo. — disse, simplesmente. Mas roubou uma das batatas fritas do meu prato. — Você entrou faz quanto tempo aqui?

Dei uma pausa, revirando minha cabeça atrás da resposta. Eu sempre fui desligada com datas, e por ter tido dias corridos desde que cheguei na cidade, não tinha conseguido contar todos eles. 

— Na escola uma semana, na cidade umas duas. — falei, por fim. — Até que me adaptei rápido, fiz amizade, e arrumei um emprego na clínica veterinária local. 

As sobrancelhas escuras do Raeken se ergueram. 

— Qual clínica? — quis saber, curioso. 

Tomei um gole do suco de uva. Eu já tinha acabado com praticamente tudo do prato, tendo ficado apenas as batatas fritas. Não gosto muito de frituras, então as estendi na direção de Theo, para que comesse. 

Este, no entanto, parecia mais interessado na minha resposta do que na comida. Sequer a olhou. 

— Se chama Beacon Hills Animal Clinic. Fica perto da área florestal. É muito boa. — murmurei. E falava sério. — O Alan cuida bem dos animais. 

Houve um brilho de reconhecimento em seus olhos. 

— Alan Deaton? — quis saber, num tom que não soube identificar. Bem mais que curioso. 

Meneei com a cabeça, concordando. 

— Conhece? 

Um sorriso gigantesco se estendeu no rosto de Theo, exibindo os dentes perfeitamente alinhados. 

— É um conhecido da família. — explicou, com um gesto displicente de mãos. — Você trabalha sozinha lá? 

— Não, eu trabalho junto com garoto, Scott McCall. — Engoli em seco o nó que se formou na minha garganta com a pronúncia do nome. — Ele estuda aqui também, mas faltou hoje. 

Pensei ter ouvido uma risada áspera de Raeken. Mas quando olhei, seu rosto permanecia extremamente imóvel, com apenas um sorriso mínimo. 

— Já ouvi falar dele. É o capitão do lacrosse? 

Bebi o resto do suco, devolvendo a garrafa vazia a bandeja. 

— É sim. — concordei. — Você vai se inscrever? — tentei mudar de assunto. Ao menos, o alvo dele. 

— Eu já estou no time, querida. 

Ri com o apelido carinhoso. 

— Fico feliz por você. Desde quando gosta de lacrosse? — perguntei. 

Theo deu de ombros, ajeitando os cabelos castanhos com uma passada de mão. 

— Não é o meu esporte favorito, não jogo faz tempo. Uns três anos. — falou. — Cidade nova, novas experiências, não é? Também ouvi falar que o time daqui é muito… — deu-se uma pausa, como se escolhesse que palavra usar. Estalou a língua no céu da boca, e com um sorriso travesso, completou: — diferente. 

Foi notável minha expressão de confusão. Eu não entendi a ambiguidade que se referia. 

— Do que está falando, Theo? 

Teatralmente, passou um dos dedos sobre os lábios, imitando um zíper sendo fechado. 

— Lamento, querida, mas é segredo de jogadores. Não posso contar, por enquanto. — sibilou, num quê de pesar. — Pergunte ao seu amigo e colega de trabalho, Scott. Tenho certeza que pode ser do seu interesse. 

O som forte do sino interrompeu a conversa. Era o final do intervalo, e início da quarta aula, de física, que por azar não tínhamos juntos. Iria cada um para um canto, e minha resposta descia água abaixo. E eu queria muito saber do que se tratava. 

No entanto, antes mesmo de ter a oportunidade de pressioná-lo um pouco, Theo se levantou. Pegou a mochila, os livros da mesa, e piscou para mim enquanto caminhava até a saída. 

— Nem adianta, querida. 

Suspirei ao me ver sozinha. Tinha certeza que aquilo ficaria martelando na minha cabeça o dia inteiro. E o fato de não poder perguntar diretamente a McCall era o pior. 

Não por minha culpa, lembrei. 

Respirei fundo, peguei a bandeja vazia e fui para a bancada, devolvê-la. Logo depois, em direção a sala de aula. 

Eu me esforcei para prestar atenção nas duas últimas aulas. Ambas envolviam cálculos e fórmulas, meus pontos fracos. Anotei o que deu, aprendi o máximo que pude. Fiz lembretes para estudar em casa, sobre o que não entendi, e coloquei um alarme no celular para ajudar a lembrar das tarefas. Teria prova em dois dias, e precisava de uma nota alta, se quisesse passar. 

Fui uma das últimas a sair, quando o horário letivo acabou, e ainda sim não encontrei Theo do lado de fora. Deveria ter ido para casa. E eu estava tão cansada, que não me dei ao trabalho de caçá-lo para me despedir adequadamente. 

Cheguei em casa em dez minutos. Coloquei a janta de ontem no microondas, e fui tomar banho durante o tempo de espera. Vesti uma roupa fresca, tomei um comprimido para dor de cabeça e me sentei no sofá, com a televisão ligada em uma minissérie adolescente, para almoçar. Eu estava meio sem fome, mas forcei a comida a descer, uma colher por vez, até o prato ficar vazio. O que menos precisava era desmaiar de tarde, no serviço, por falta de energia. 

Tirei um cochilo, de cerca de uma hora. Quando acordei, tomei um copo de suco, adiantei algumas tarefas escolares, organizei a cozinha e fui me arrumar. Ainda continuava quente, e eu pude vestir algo confortável e que não me fizesse transpirar. Fiquei tentada a passar uma maquiagem no rosto, para disfarçar as olheiras que surgiam — que eu imaginava serem da falta de uma noite de sono realmente tranquila, em que eu dormisse sem estar sobrecarregada de sentimentos ou pensamentos —, mas me contive. Eu não estava no clima, e precisava sair mais cedo, caso quisesse chegar na clínica no horário. 

Afinal, hoje eu iria andando. Não teria carona. 

Tranquei a casa, juntei minha bolsa e os documentos. Dei uma checada no celular e a falta de uma ligação, alguma mensagem, fez meu coração doer. Stiles e Lydia já deveriam ter dado sinal de vida fazia tempo, e eu começava a imaginar o pior, que algo deveria ter acontecido para que não respondessem. E céus, eu ficava mal apenas em cogitar a hipótese. 

Prometi a mim mesma que perguntaria a Scott o que sabia, se estavam bem. A preocupação que tinha com eles estava muito além da minha briga com McCall. 

Talvez, fora isso que me fez andar tão rápido, e chegar em pouco tempo no trabalho. O sol estava se pondo cedo, ocasionando um céu escuro naquela hora do dia, cinco da tarde. Ao fundo, a mesma lua cheia de ontem começava a aparecer, ainda que um pouco ofuscada pela claridade do sol. Não havia ninguém nas ruas, a calçada estava vazia e o estacionamento da clínica também, exceto por uma factor 150. A moto de McCall. 

Tive que respirar fundo para criar coragem de girar a maçaneta da porta, e também para passar por ela. Não vi ninguém de início, tudo estava tranquilo, as luzes acesas e o som dos cachorros mastigando ração era distante. Uma completa paz. Deixei minha bolsa no balcão, e fui atrás de alguma alma viva. De preferência, Alan Deaton.

O objetivo era ir até o escritório, no final do corredor, onde era o local mais provável para o meu chefe estar. Porém, quando passei em frente ao canil, o meu corpo inteiro se arrepiou com a lembrança das enormes garras sobre as gaiolas. Eu quis muito ver de novo. Saber se ainda estavam lá. E sem que eu conseguisse me segurar, abri a porta. 

O que vi, me acertou em cheio. Como um balde de água fria sendo jogado na minha cara com tudo. 

Estavam reunidos ali, num perfeito círculo, Scott, Stiles, Lydia, Alan e um garoto loiro, que ainda não conhecia. Havia um policial atrás, de braços cruzados, e uma expressão nada contente no rosto. Discutiam alguma coisa, que se calou no instante que coloquei a cabeça pra dentro do cômodo. De repente, todos os olhares estavam em mim. 

Me senti uma boba, uma tola, na verdade. Passei o dia preocupada com eles, e grande parte do final de semana também, atoa. Estavam todos bem. Só não deveriam querer que eu soubesse. 

Fiquei com raiva. Quis bater a porta, fingir que nunca entrei ali e dar meia volta. Mas eu precisava realmente do emprego, não podia me dar ao luxo de colocá-lo em risco por brigas. E então, me direcionando para a única pessoa que não estava magoada, eu falei: 

— Pode me mostrar o que eu tenho para fazer hoje, Alan?

Tive meu pedido bloqueado por Lydia. A figura ruiva simplesmente saltou na minha frente, me olhou em súplica, e jogou os braços sobre meus ombros. Me apertou tão forte em um abraço, que nem sequer corresponder eu conseguia. 

— Desculpa não ter respondido, Charlotte. De verdade. Não quis te deixar preocupada. — murmurou, com pesar. Desfez lentamente o aperto. — Mas precisamos conversar. Urgente. 

Arqueei a sobrancelha. Uma parte pequena de mim não aceitava suas lamentações, e permanecia ressentida. 

— Não sei o que teríamos para conversar. — a frase saiu rude. 

Stiles se aproximou, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça. 

— Por favor, Char, apenas escute. Pode ser?

Não aceitei o braço estendido, na vã tentativa de me aproximar do grupo, mas meneei com a cabeça, concordando. 

Desviei o olhar, para o restante das pessoas, e meu estômago se revirou dolorosamente ao vê-lo me encarar. Scott estava diferente. Os cabelos mais bagunçados que o habitual, um arroxeado abaixo do olho esquerdo, e o olhar carregado de dor. Foi impossível não me ver desarmada. 

— O que aconteceu, Scott? — Quando vi, estava na sua frente. Pus as duas mãos em seu rosto, e o olhei de cima abaixo, atrás de algum ferimento que explicasse o desconforto. 

Achei um no abdômen. Dava para ver o início do corte pela gola da blusa de botões. Com cuidado, desci mais um pouco do tecido, e revelei por completo. 

Pensei que fosse infartar.  

Eram marcas claras de garras gigantescas — e eu tinha certeza, feito pela mesma coisa de sábado. Iam da clavícula até o cós da calça, coberto por um esparadrapo mal feito e descolando. Na parte descoberta, eu via a profundidade do corte, mas o sangue seco indicava que estava cicatrizando. Sozinho. 

— É impossível. — sussurrei, o óbvio. Estava com o rosto muito próximo do seu, olhando-o nos olhos. — Como pode estar vivo depois disso?

McCall pegou minha mão, antes na gola da sua camisa, e a colocou sobre o ferimento. 

— Eu não sou… — Franziu as sobrancelhas, atrás da palavra adequada. — Normal. 

Senti, na ponta dos dedos, a pele se mexendo; achei estar louca, mas depois de alguns segundos, vi que realmente estava acontecendo. O corte estava cicatrizando, se fechando, num ritmo lento, mas bem mais rápido do que qualquer ser vivo. 

Resfoleguei. Pisquei diversas vezes, achando que estava em um sonho, que deveria estar no sofá de casa, imaginando tudo. 

— Charlotte, estamos planejando te contar a algum tempo. Íamos esperar até o semestre de provas acabar, para que não ficasse distraída e conseguisse as notas. — Lydia rompeu o silêncio. Com delicadeza, prosseguiu: — Mas acreditamos que possa estar em perigo, e só vamos poder te proteger se souber o que está acontecendo. 

A encarei, aflita. 

— Perigo? — indaguei, a voz falhando. 

— Vamos do começo. — Alan Deaton, em sua natural calmaria, tomou as rédeas do diálogo. — Você já ouviu falar sobre lobisomens, Srta. Jones?

Eu não estava entendo nada. Achei que fosse uma brincadeira sem graça. Mas todos aguardavam minha resposta, incrivelmente sérios. 

— Em histórias, livros. É fantasia. — falei. — O que isso tem a ver?

— Bem, lobisomens existem, assim como outras criaturas mitológicas. — explicou, pausamente. Como um pai ensinando algo que o filho não compreende. — Há muitos em Beacon Hills. 

— E dois nessa sala, Char. — Stiles completou. 

Apoiei o corpo na parede atrás de mim. Ainda esperava pelo momento em que iriam rir, dizer estamos brincando. Mas estava claro o quão real a situação era. E aquilo me deixava em um estado de pânico em que não conseguia focalizar nas vozes, silhuetas, em nada. Mal estava respirando. 

Para piorar, meu estômago estava embrulhado. Parecia ter uma montanha russa dentro dele. 

— Preciso de ar. 

Corri para fora da clínica. Me escorei no poste, e vomitei meu almoço na beira do meio fio. Me senti minimamente melhor, sem a pressão dolorosa na boca do intestino, mas ainda estava difícil de respirar. Tive que inspirar fundo diversas vezes, como se estivesse sufocada, para fazer algum oxigênio chegar aos meus pulmões. Depois, quando meu coração se desacelerou e deixou de doer, eu quis chorar. E muito. 

Céus, eu não sabia lidar com nada daquilo. 

Minha cabeça dizia para fugir, me mudar de cidade, exatamente como estava acostumada. Aquele assunto não me envolvia diretamente, eu poderia virar as costas se quisesse. Sumir do mapa. Porém, minha intuição, e principalmente meu coração, alertavam que eu não conseguiria. Não seria capaz de abandonar meus amigos num momento de necessidade, de negar ajuda, e ficar com a consciência tranquila. Era um impasse gigantesco, que embora eu soubesse bem que a decisão já estava tomada, não aceitava. 

Grande parte disso, se dava ao fato de que tudo que eu mais queria era uma vida simples. Com finais de semana estudando, fazer compras, fofocar sobre garotos. E não ter que lidar com criaturas sobrenaturais, que até então não sabia existirem. Era muito pior do que ter que ficar mudando de uma cidade para outra; era inegavelmente ruim lidar com a morte e o perigo, dia após dia, e fingir que não o fazia. Porque era exatamente o que eles faziam. 

Retomei controle sobre meus pés, e os forcei a correrem. Eu nem sabia para onde ia, mas não parei, mesmo depois de ver as placas de sinalização e proibição. Estava entrando na floresta. Continuei seguindo, me esgueirando no meio dos arbustos e árvores, mais a fundo. O céu se escurecia, a iluminação do ambiente era fornecida somente pela lua cheia, e as lágrimas acumuladas nos meus olhos dificultavam o meu senso de direção. Em algum momento me vi perdida, no meio do matagal. 

Foi o estopim para que tudo saísse do meu peito. A raiva de ter sido enganada, a tristeza, o medo e preocupação saíram na forma de um choro intenso e forte. Sentei na grama, entre as folhas, e desabei. 

Minha intenção era ficar até que sentisse que passou. Que tudo o que aconteceu hoje foi superado, que estava pronta. Mas ouviu-se um estralo, de galhos sendo quebrados, e minha solidão se acabou. 

Uma figura saltou. Curvada em quatro patas, era uma espécie de animal, emitindo sons baixos semelhante a de uivos. A medida que saía de entre as árvores, para a área mais iluminada, eu pude vê-lo claramente. Meu coração, de repente, parou. 

Eu reconhecia de longe os cabelos castanhos e o queixo torto. Os pelos cobriam uma parte da testa e perto das orelhas, se espalhando também pelos braços. Haviam garras grandes em suas mãos, e dentes pontiagudos e afiados em sua boca. E os olhos brilhavam num tom intenso de vermelho. Mas ainda era ele. Scott McCall. 

— Meu Deus. — a exclamação acabou saindo em voz alta.

Abafei um gemido com a mão. Eu estava desacreditada. A reação acabou sendo vista errada por Scott, que se retestou feito um animal ferido, dando dois passos para trás. 

Desviou o olhar de mim para o chão. 

— Eu não vou machucar você, Charlotte. — sua voz, rouca e grossa, parecia um trovão no meio do silêncio da floresta. — Não precisa ter medo de mim. 

Eu não tinha forças para ficar em pé, minhas pernas estavam moles. Então, me limitei a engatinhar em sua direção, lentamente, até estarmos próximos o suficiente para ouvir sua respiração. Analisei minimamente cada traço, sua nova aparência. Eu não a via com desprezo. Para mim, era apenas uma casca, que eventualmente iria embora, e tornava-o único. Fascinante.

Voltei ao dia que nos conhecemos, e o olhei pela primeira vez. Com curiosidade, interesse, admiração. Exatamente como estava olhando-o agora. 

Com cuidado, estendi minha mão. A deixei no ar, num convite aberto. Exatamente como tinha me ensinado.

Os olhos cor de sangue a encararam firmemente. 

— Eu não tenho medo de você. 

Relutante, mas satisfeito, Scott aproximou a cabeça de mim, para que eu o tocasse. Acariciei os cabelos curtos com ambas as mãos. 

— Eu tenho medo por você. Do que tem que enfrentar por ser quem é. — admiti, deslizando os dedos para a costeleta de pêlos em seu rosto. Mantive contato visual a todo momento. — Você continua lindo, Scott. 

Num segundo, McCall avançou em mim. Cai para trás com o impacto do seu corpo no meu, e nós dois ficamos sobre a grama, com ele por cima. Pisquei, e quando o olhei, seu rosto tinha voltado ao normal. A forma humana. 

Seu olhar era suplicante. Com devoção. 

Eu sabia o que iria fazer. Sentia. E me inclinei para frente, permitindo. 

Meio segundo depois, seus lábios grudaram nos meus, agressivo. Havia necessidade em seu beijo, e eu demorei a responder, cedendo passagem. Quando o fiz, sua língua circundou minha boca, mordendo sutilmente meu lábio inferior, e um choque elétrico perpassou meu corpo. Cada mísero fio de cabelo se arrepiou, e um gemido baixo escapou. Scott, em contrapartida, agarrou minha cintura, num aperto que só me fez aumentar a intensidade. Jurei ter ouvido um rosnado no pé do meu ouvido. Céus, ele tinha um gosto tão bom de menta, e exalava segurança. 

Durou uma eternidade. Nenhum dos dois queria separar. Eu estava enlouquecendo. Não estava nem aí para o oxigênio, o puxava tanto para mim, que estávamos grudados. Baguncei seu cabelo, e ele o meu, no meio daquilo. 

Porém, quando comecei a resfolegar, fui forçada a afastá-lo um pouco, com a mão. Deixei-a apoiada no seu abdômen, inspirando fundo, e sorri ao sentir seus lábios beijarem minha testa. 

— É melhor a gente ir pra casa, ou não vou te deixar ir embora. — falou. Os olhos estavam evidentemente mais escuros, e a voz rouca. 

Meu rosto esquentou com a idéia. Não tive tempo para respostas. McCall se levantou e me colocou de pé também. Segurou firme em minha mão, e nos guiou para fora da floresta.


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Notas finais do capítulo

Entaaaaão, o que acharam? Eu infartei junto escrevendo, confesso
Nosso casal tá finalmente se formando, mas ainda falta um pouquinho pra eles se tornarem realmente um
Espero que tenham gostado, não pretendo demorar muito, mas caso o faça, podem ter certeza que não irei desistir
Amo vocês, conversem comigo, me contem tudo ❤️



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