Apesar da teimosia de Nicolas em querer ignorar Serena e Lucius, eles conversam normalmente tentando, quem sabe, fazer com que Nicolas compreenda que nunca pensaram em enganá-lo. Tudo que está acontecendo para eles também é novidade.

—Acho que os professores viram o Lucas porque eles têm muita magia. - diz Serena.

—Vamos prestar atenção nos outros também. Assim, se tentarem alguma coisa com a gente poderemos revidar. Principalmente aquele tal de Ricardo, parece ser um cara bem chato! - sugere Lucius.

—Chato é apelido! - se manifesta Nicolas, espontaneamente - É uma mala sem alças, Pó de arroz lazarento...

      Logo Nicolas percebe que está concordando com Lucius, então novamente se cala, se esforçando para ignorá-los. As apresentações continuam.

—Clara Bertolli! Idade: 13 anos. Classe: piropta. - anuncia Flora.

         A menina se aproxima da mesa e com muita classe e delicadeza começa a tira as luvas brancas, colocando uma por uma sobre a mesa.

—Já vi que esse teste vai demorar...  - resmunga Allison - O que ela vai fazer? Tirar a roupa?

—Deixa de ser indecente, garoto! - retruca Paula - Você não ouviu? Ela é uma piropta. Provavelmente vai botar fogo em alguma coisa.

         Clara coloca o indicador da mão esquerda à frente e olha fixamente para o dedo. Em seguida começa a girá-lo no sentido horário sem parar. As crianças e os professores a observam com atenção. Após alguns segundos, um brilho amarelo começa a tomar forma na ponta de seu dedo, se espalhando. Ela produz uma chama que deixa um rastro circular acompanhando o movimento de seu dedo.

—Ela está tentando fazer o...

—Círculo de Fogo!— diz a menina, em voz alta, completando a frase de Ricardo.

         Num rápido movimento ela lança as chamas para frente parando de girar o dedo. A intenção é fazer com que as chamas continuem girando, e por alguns segundos é o que acontece, mas ela forma apenas pequenos elos no ar que logo se apagam.

—Viram isso? Ela criou fogo! - diz Lucius, que assim como Nicolas olha para Serena.

—Será que sou da mesma classe que ela? Como é mesmo... Piropta?

—Muito bem, Senhorita Clara! - comenta Victoria - Realizou o 'Círculo de Fogo'. Não com muita maestria, é claro. Mas não se preocupe, não é um feitiço complicado e logo o fará com perfeição. Bem, o próximo... ou a próxima!

         A cada um que era chamado o processo de identificação se repetia, finalizando com o anúncio da professora Flora.

—Margot Liadan! Idade: 14 anos. Classe: minemonise. Subclasse: espectral.

          Após ter seu nome anunciado, a garota olha com indiferença para aqueles sentados na frente e que acabaram de aplaudir o teste de Clara.

—E então, Margot, qual vai ser a sua previsão? - pergunta David.

          Ela não o responde diretamente. Suas palavras são para todos.

—Vocês se impressionaram com um simples feitiço, se é que se pode chamar aquilo de feitiço, já que não deu certo. Pois bem! Vou lhes mostrar como é um feitiço. Olhem e aprendam!

        Margot se aproxima da mesa e estende as mãos como se fosse tocá-la. A poucos centímetros de distância da borda, ela começa a mexer os dedos freneticamente, subindo e descendo.

—Leviatã!— diz a garota.

          A mesa se ergue e flutua no ar, acompanhando os movimentos das mãos de Margot. Ela levanta os braços e a mesa sobe, quase tocando o teto. Todos se admiram com a capacidade da garota e antes do teste acabar, já a aplaudiam. E ao abaixar os braços, a mesa volta a seu estado original.

—Nada mal, nada mal mesmo! - diz Victoria, assim como alguns, batendo palmas para Margot.

—Obrigada, Professora! Agora, se me dá licença... - a garota já se dirigia ao seu lugar, mas para ao ouvir a voz da diretora.

—Eu só me pergunto por que a Senhorita usou o ‘Leviatã’ se é uma minemosine como a Senhorita Lane?

        Margot coloca um sorriso no rosto enquanto vira-se novamente para a diretora.

—Bem... É que... Munique já fez uma previsão. É algo simples e que qualquer um de nossa classe pode fazer... Talvez não aquele garoto. - ela olha para Nicolas - E como ele fez o ‘Iluminati’, resolvi também usar outro feitiço.

—E presumo que isso não esteja relacionado ao fato de você ser uma espectral.

—Professora! - Margot fala num tom mais sério - Se quiser, posso realizar o teste novamente.

          A diretora a observa por um instante e depois sorri.

—Não é necessário, querida! Pode se sentar. Quem será o próximo?

          Enquanto se dirige ao seu acento, alguns fazem comentários sobre a apresentação da garota, em voz baixa. Nicolas, Serena e Lucius se mostram curiosos, pois havia muita conversa paralela. Não sabem nada a respeito de classes, mas no meio das conversas conseguem ouvir que Margot é uma manipuladora, devido a sua subclasse.

—David Norton! Idade: 13 anos. Classe: arborita.

—Arborita? Deve ser igual ao Ricardo! - comenta Allison.

         Apesar da distância que separam seus acentos, Ricardo ouviu o comentário, mas finge não se importar.

—Ninguém se compara a mim, seu idiota!

          David usa o mesmo movimento realizado por Ricardo, com uma das mãos aberta e voltada para cima. E também repete o mesmo feitiço: 'Herbarium'. No centro da mesa aparece um pequeno ramo esverdeado que cresce aproximadamente um palmo e produz uma pequenina folha na ponta. Sem água e sem terra, ele consegue germinar uma planta na superfície da mesa. Porém, os aplausos para o garoto não foram tão animados como os anteriores. A próxima aprendiz é chamada.

—Alice Dickson! Idade: 13 anos. Classe: animália.

—Ah... Animália! - diz Nicolas, sem querer.

—Qual é a graça? - pergunta Serena.

—Nada! É que... Animália? Por acaso ela vai imitar algum animal?

          Um garoto de cabelos castanhos que está na frente deles e ouvia a tudo se vira e responde a pergunta de Nicolas.

—É isso mesmo! Bom... Ela pode querer usar tanto características animais como as de um inseto. Parece que vocês não sabem muita coisa, não é?

—E você sabe se intrometer onde não é chamado. Não é?

—Calma, Nicolas, não precisa ser rude. - diz Serena - Tudo isso é novo para nós. Acho que a minha classe deve ser a mesma daquela garota que criou fogo, piropta.

—Com o sobrenome Fitcher, não esperaria menos. A minha é radiesterista. - diz o garoto, lhe dando um leve sorriso e voltando a posição anterior.

          Serena olha para Nicolas com cara de ‘quem não entendeu nada’ e ele corresponde com cara de ‘sei lá o que isso quer dizer’. Ambos voltam a olhar para o teste. Alice levanta um pouco o vestido, mostrando seus pés e parte dos tornozelos. Alguns garotos se animam, mas logo são repreendidos por um ‘hum-hum’ de Victoria. A menina começa a andar em linha reta em direção à parede. Ao se aproximar, estica a perna esquerda e continua sua caminhada, subindo a parede como se caminhasse no chão. E o seu corpo segue o caminhar, não se curvando para o solo. Ao chegar numa altura considerável, ela vira-se para a diretora.

—O que acha, Diretora? Apesar de ser uma animália, eu conheço poucos animais e insetos. Então decidi usar as características de um inseto que conheço bem.

—Uma aranha? - pergunta Victoria, recebendo uma resposta afirmativa da garota - Excelente Alice! Pode descer.

—“Dona Alice subiu pelas paredes...” Eh! Eh! - cantarola Allison.

         A garota é aplaudida e volta para o seu lugar. Os testes continuam. Para os professores, ele é uma rotina administrativa realizada no começo do ano letivo. Mas para as crianças parece um espetáculo, um show particular em que cada um mostra do que é capaz. E os aplausos medem quanto forte e poderosa a pessoa é. Enquanto os professores se preocupam com a qualidade na realização do feitiço, para o aluno o teste é seu cartão de visita para os outros. Serve de alerta para os desavisados e prepara os mais fracos para a hierarquia que logo será imposta pelos mais fortes, algo de desconhecimento dos professores, mas que existe em qualquer instituição de ensino. Para Nicolas, Serena e Lucius, o que aquelas crianças faziam era algo maravilhoso, desde o feitiço mais simples até o mais elaborado. Nicolas pensa em seu pai e no pessoal da taverna. Se ele já estava impressionado por fazer suas mãos brilharem o que eles não iriam dizer ao vê-lo fazer todas aquelas coisas. Serena está tranquila, pois já tem em mente o que iria fazer. E Lucius pensa em usar o feitiço que aquela mulher de nome engraçado lhe mostrou na floresta, torcendo para que saia como da última vez.

—Sidney Phelan! Idade: 14 anos. Classe: licantrope.

      O garoto se aproxima da mesa. Victoria olha para Mark, que compreende a intenção da colega e se aproxima de Sidney. É ele que vai supervisionar o teste.

—Então você é um licantrope. Qual sua matilha?

—Os Phelan seguem os Tovar, ao sul de Genova.

—A minha é de Dublin. Mas... Deixemos de conversa e vamos ao teste. Mostre a todos sua ferocidade.

        Serena olha para Sidney, que parecia envergonhado, tímido. E seus olhos acabam encontrando os da garota. Mas ele tem que se concentrar no teste. Então ele cerra os dentes e solta um rosnar, como o de um cão que sente a presença de um inimigo. A plateia permanece atônica.

—O que foi isso? Parece mais um cachorrinho do que um lobo. Garotos de sua idade já tem uma ferocidade no mínimo decente. Vamos, rapaz! Com vigor, ânimo, força...

          Inflamado pelas palavras do professor, Sidney faz uma expressão de raiva. E mostrando os dentes, solta um rosnar alto e forte que assusta a maioria das crianças, principalmente Serena.

—Isso! É disso que eu estava falando... - diz o professor, aplaudindo o garoto.

          Seu ânimo não é compartilhado, de imediato, pelo resto da turma. Alguns estão admirados, outros espantados, mas a maioria se manifesta e começa a aplaudir. Serena está assustada, não imaginava que aquele garoto que se aproximou de maneira elegante pudesse ser o tipo de criatura que ela mais teme. E a expressão de medo no rosto de Nicolas parece que será permanente. Como se o fato de ser um feiticeiro não fosse o bastante, cada apresentação lhe causava mais espanto. Aquela sensação de medo o irritava cada vez mais, além de outras coisas. Parecia que cada um que se apresentava lhe mostrava o quanto ele é insignificante diante do que eles eram capazes de fazer. E demonstravam que não era tudo que ainda podiam fazer. Apesar da comemoração, o professor alerta o aprendiz, enquanto este se dirigia ao seu lugar e é cumprimentado pelos amigos.

—Você foi bom, garoto, mas pode melhorar.

—Estou aqui para isso, professor!

—Muito bom, Sid! Mas acho que você está um pouco acanhado – observa Paula.

—É que a garota Fitcher o deixou nervoso. Também, com esse sobrenome... 

—Cala a boca Allison! - diz Renan, que aproveita a ocasião - Mas já que tocou no assunto, será que ela vai passar?

—Ela vai, com certeza! - afirma Sidney após se sentar.

—E você está torcendo por isso, né? - diz Allison. Sidney rosna para ele, que apenas levanta os braços e se encolhe - Ei, calma, o teste já acabou!