Black: Conhecendo a Escuridão escrita por Heitor Magno


Capítulo 10
O Guerreiro Silenciado




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— É um cemitério?

— Que diabos está fazendo um cemitério nesta parte da cidade?

— Que diabos fazemos nós aqui?

— Por que será que ele quis nos trazer até aqui?

— Será que ele quis nos dar um recado?

— Por que será que alguém estaria neste lugar nos esperando?

— Fiquem em prontidão. Muito provavelmente tenham mais pessoas neste lugar.

— Olhem para todos os lados, não podemos correr nenhum risco.

— Podemos ser atacados a qualquer momento.

Enquanto Stella ainda seguia o carro que estava logo a frente, os outros três olhavam cautelosos por todos os lados, em busca de oponentes, de ataques surpresas, do que pudesse vir até eles.

O carro que estava à frente seguiu adiante, rumo ao que parecia ser o centro do cemitério. Stella o seguia com muita cautela e receosa do que estava para acontecer.

O carro da frente para e a traseira se abre. Atentos eles olham para saber quem sairia do carro, contudo ninguém saíra. Inesperadamente um objeto de forma arredondada é lançado de dentro do carro com imensa força. Bate em um dos túmulos que havia ao lado e cai no chão.

O objeto arremessado deixou uma grande mancha avermelhada no lugar onde batera e ele mesmo também estava completamente coberto pelo líquido avermelhado.

Logo em seguida um corpo é arremessado de maneira brusca para fora do carro.

O corpo que fora arremessado estava coberto de sangue e aparentemente não possuía mais vida em si. Pelos movimentos que fizera, o corpo já não possuía mais vida quando fora arremessado.

Enquanto ainda estavam chocados com a recente cena que passara pelos seus olhos, puderam ver aquele homem que havia feito John entrar no carro, fechando a porta traseira e o carro partindo novamente, agora em direção ao norte do cemitério.

Ainda abismados com o ocorrido, todos saem do carro e vão em direção ao corpo que jazia no chão frio e sujo do cemitério.

Ao chegarem se depararam com o corpo de John Denver decapitado e completamente coberto de sangue. A sua roupa, o maço de cigarro que caíra do seu bolso, tudo encontrava-se avermelhado pelo sangue que escorrera do seu pescoço.

Aquela visão deixara Magno e Rikimaru chocados. Não esperava que o mundo dos vampiros fosse desta maneira. Apesar de não terem criado um vínculo maior com ele, se ressentiram pela morte do novo conhecido.

Não conseguiam entender como as coisas podiam ter chegado tão longe e sentiram-se culpados pela morte dele.

— Quem poderia ter feito algo assim com ele?

— Este cara deve ser um monstro.

— Como pode ter feito isso com o próprio empregado?

— É por isso que contratam mercenários. Não são empregados dele, são apenas pessoas totalmente dispensáveis. Como tal, não tem valor.

— Muito provavelmente não possui família, por este motivo, ninguém dará falta dele, pode ser descartado assim que acabar o serviço.

— Principalmente quando se torna um delator, como neste caso. O fim dele já era esperado.

— Como é que é? Vocês sabiam que ele seria assassinado?

— Era uma possibilidade.

— E por que não nos disse nada?

— Pensei que soubessem. Afinal, foram vocês que o colocaram nesta enrascada.

— Não sabíamos.

— Não tínhamos a menor noção do que aconteceria com ele.

— Realmente esperava tê-lo como nosso aliado. Tenho certeza de que conseguiríamos muitas informações sobre o que anda acontecendo na cidade.

— Agora não há mais como voltar atrás. O que está feito está feito.

— Vocês parecem tão tranquilas com o que acaba de acontecer.

— E estamos.

— Vocês já perderam toda a humanidade que havia em vocês?

— Isso é o que acontece quando se está numa guerra a muito tempo. Se perde muitos companheiros em batalha. Acaba se acostumando.

— Não acredito que um dia eu vá me acostumar com isso. É horrível.

— É o que vivia repetindo para mim o tempo todo.

— Eu sei que vocês não esperavam que isso acontecesse, mas aconteceu. Não podemos continuar aqui olhando para o cadáver dele. Nosso inimigo nos aguarda e tenho certeza de que não se compadecerá de nós.

Vamos antes que sejamos atacados. Somos alvos fáceis neste lugar. Muito provavelmente nosso inimigo o conhece muito bem. Deve ter tido muito tempo para se preparar contra nós.

— Agora temos que focar ao que viemos fazer aqui. Se continuarmos pensando neste rapaz que está aí no chão, em breve estaremos fazendo companhia para ele. É o que vocês desejam?

— ...

— ...

— Então vamos. Depois vocês podem fazer um enterro para ele se quiserem.

— Onde pensam que estão indo? – disse uma voz feminina, vindo em meio aos túmulos que os rodeava.

— Esta é a última parada de vocês.  – disse uma outra voz feminina vinda do lado oposto.

— De onde estão vindo estas vozes. Não consigo ver. – disse Rikimaru.

— Não se preocupe com elas, preocupe-se comigo. – disse uma outra voz, masculina, a qual Rikimaru pode ter uma vaga lembrança de conhecer.

— Quem são vocês? Onde estão? Apareçam.

— Não se preocupe bonitinho, já vamos aparecer.

— Não se intrometam no nosso caminho, ou teremos que acabar com vocês.

— Que corajoso da sua parte. Não parecia tão confiante assim, quando nos vimos pela primeira vez.

— Quem são vocês? Do que estão falando?

— Não nos lembramos de vocês. Apareçam logo.

— Calma fofinho. Como não se lembra de nós? Parecia estar tão afim de nós no outro dia.

Surgiu de um lado e do outro, duas belas moças encantadoras. Uma morena baixinha de um lado e uma loira alta do outro. Eram, ou pelo menos pareciam Lorraine e Stella.

— Quem são vocês?

— Como assim, não se lembram de nós?

— Tivemos uma noite tão prazerosa tempos atrás.

— Essas são as duas mulheres que tentaram se passar por nós na boate.

— Isso mesmo espertinha, mas vocês tiveram que estragar o nosso lance, não é mesmo?

— Estávamos nos divertindo tanto, até vocês aparecerem e acabarem com a nossa diversão.

— Sabemos muito bem de que diversão estão falando. Nunca deixaríamos que os fizessem de lacaios.

— Era por uma boa causa. Apenas queríamos ter uma diversão particular por mais tempo.

— Eles seriam nossos escravos do prazer. Usaríamos os seus corpos em benefício próprio e, de vez em quando, beberíamos um pouco do sangue deles, nada demais.

— Uhn! Esse fetiche me deixou empolgado. O que achou disso hein, Magno! Já pensou, ser escravo sexual, deveria ser o maior barato! – diz Rikimaru, enquanto ri – você poderia fazer isso comigo hein Stella!

— Cale a boca Rikimaru. Isso é hora para ficar brincando?

— Mas quem disse que eu estou brincando. Queria mesmo ser seu escravo.

— Se não manter o foco, vai ser um escravo morto daqui a pouco.

— Está vendo o que perderam meninos. Era para estarmos nos divertindo agora. Graças a estas duas puritanas estamos em lados opostos agora.

— Mas vocês podem mudar de ideia. Basta que deixem esta luta e venham para o nosso lado. Poderemos aproveitar muito ainda esta noite, o que acham?

— Vou ter que recusar, sabe. Ela chegou primeiro. Além do mais, gosto de originais, não de cópias. – disse Magno, olhando para Lorraine.

— Eu sinto muito, muito mesmo, mas também vou ter que recusar. Apesar da semelhança física, a Stella é inconfundível. Não tem como trocá-la por qualquer uma. Por mais que você fosse mais fácil, é do jeito durão e grosso dela que eu gosto. Vou ter que dispensar.

Lorraine e Stella, aparentemente, ficaram envergonhadas com a recente afirmação dos rapazes.

— Vocês que escolheram, agora não poderão mais voltar atrás.

— Estávamos planejando uma ótima festinha para esta noite. Agora teremos que procurar outros sortudos.

— É, faça isso. Vá agora, quem sabe não começa a festinha mais cedo e nos deixa em paz. Temos coisas mais importantes para resolver do que ficar aqui perdendo tempo com vocês.

— Todo este seu estresse é falta de amor queridinha. Está precisando aliviar.

— Também acho. Falou e disse. Concordo plenamente. – concordou plenamente Rikimaru com a afirmativa da sua nova e recente oponente.

— Estou vendo que você quer se divertir Rikimaru. Por que não aproveita para ir para o outro lado de uma vez? Já estava afim de enfiar a mão em você mesmo.

— Quem dera meu amor. Estou preso a você. – ri.

— Então foca no que está acontecendo de uma vez. Não percebeu ainda que estamos em um campo de batalha e fica aí fazendo piadinhas?

— Não consegui resistir. Ela é muito boa na provocação. – ri.

— Vamos ver quanto tempo ele vai continuar falando besteira depois que eu a acertá-la de jeito.

— Nossa amiga, está realmente num nível muito alto de estresse. Vou te fazer relaxar pouquinho.

— Pode vir. Já estava esperando este momento há algum tempo. Só me faça um favor. Volte a sua forma normal. Não quero ter que bater neste rosto tão lindo.

— Pretenciosa ainda por cima. Não se preocupe. O meu rosto é ainda mais bonito do que o seu. O usei pela necessidade.

— Pensando melhor, se tivéssemos nos apresentado com os nossos próprios rostos teríamos conseguido conquistá-los com maior facilidade.

Em instantes, as duas mulheres que estavam a frente deles, idênticas a Lorraine e Stella foram se transformando.

Apesar de já acostumados com estas transformações, visto que Stella e Rikimaru podiam fazê-las com certa facilidade, desta vez o espanto foi infinitamente maior para aqueles dois rapazes.

Isto porque, ao terminarem a transformação, o que havia restado nelas de humano, havia se esvaído. Ora muito belas como Lorraine e Stella, agora estavam irreconhecíveis.

Suas faces não eram verdadeiramente humanas, ou talvez um dia tenham sido, contudo, neste momento, o que se podia ver era algo horripilante.

De maneira assombrosa, as duas mulheres conseguiam ser totalmente diferentes, entretanto tão horrendas entre si.

Magno e Rikimaru nunca haviam visto tal aparência monstruosa. Entretanto, Lorraine e Stella aparentemente pareciam estar acostumadas a ver tal coisa, pois nem ao menos transmitiram qualquer reação ao que estavam vendo.

Ambas tinham diversas deformidades por todo o corpo. Como estavam com roupas curtas, todos puderam vislumbrar as imperfeições e lacerações que haviam por todo o corpo.

Os cabelos escorridos aparentavam sebosos e ralos, os dentes de uma estavam todos para fora, uns maiores do que os outros, enquanto que os dentes da outra estavam todos encavalados, encurvados, alguns para dentro e outros para fora.

Uma delas possuía um buraco, onde um dia poderia ter havido um nariz. As duas com orelhas bem pontudas, cheias de brincos por toda a parte.

As duas extremamente magras, quase esqueléticas, com correias por todo o corpo. As peles eram enrugadas em alguns pontos, enquanto em outros parecia não existir. Suas mãos eram bem finas e magras, com dedos bem pontiagudos.

Essa visão deixou os dois rapazes pasmos de surpresa. Ficaram sem palavras ao verem tal cena tenebrosa. Se já não estivessem há algum tempo naquele lugar e soubessem que coisas tão estranhas como essas pudessem acontecer com frequência, provavelmente teriam fugido de pavor ao presenciarem tal transformação.

— Então meninos, o que acharam de nós? Tentador não é?

— Então Rikimaru, não queria ser o escravo dela? O que acha de mudar de lado agora que pode apreciar a verdadeira beleza dela?

— Passo, muito obrigado. Estou em abstinência. Talvez o Magno queira desvendar os mistérios deste castelo de horrores.

— Não me coloque nesta, você que disse que queria ser usado por ela e ser seu escravo do prazer. Eu estou bem como estou.

— Não gostaram meninos?

— Deve ser por causa da maquiagem.

— O que tem a maquiagem?

— Esquecemos de passar hoje. Estávamos com pressa.

— Tem certeza que é só por causa da maquiagem. Intrometeu-se Rikimaru na conversa das duas mulheres.

— Sim, por quê? O que está querendo sugerir?

— Eu? Nada! Só não acho que façam o meu tipo.

— Então, vamos parar com essa palhaçada? – bravejou uma voz masculina que veio logo atrás delas.  – Temos que acabar logo com isso.

Surgiu atrás delas, um homem alto, incrivelmente forte e musculoso, com cara de poucos amigos e muito amedrontador.

Após alguns instantes, ao repararem melhor, conseguiram se lembrar daquele rosto. Era o “Avalanche”.

Com a mesma cara de raiva do dia da boate, Avalanche foi se aproximando das duas meninas e se colocando a frente delas.

Estava vestido com uma jaqueta preta de couro, uma camiseta branca por baixo, uma calça jeans e um boné preto de beisebol.

— Olha quem está aqui também!? – comentou Rikimaru. – Como tem passado meu amigo?

— Estava bem, até ter que vir aqui resolver este problema.

— Não se preocupe. Não seja por isso. Pode voltar para os seus afazeres domésticos. É até melhor, assim não perdemos tanto tempo.

— O que foi que disse?

— Isso mesmo o que você ouviu. Volta pra casa, vai relaxar e deixa a gente seguir o nosso caminho.

— Você está querendo me dizer o que fazer de novo? Eu realmente deveria ter acabado com você naquele dia. Seu inso... in...

— Insolente, Avalanche! – disse uma das garotas.

— Isso mesmo, insolente.

— Que bonitinho, está aprendendo a falar agora é?

— Como é que é?

— Rikimaru, não se empolgue. Da última vez quase foi massacrado por ele. – advertiu Magno.

— Não se preocupe não Magno. Dele cuido eu. Falando nisso, acho melhor você ir logo na frente.

— Como assim?

— Se ainda não percebeu, estamos em quatro e eles em três. Não precisamos de você aqui. Pode ir.

— Tem certeza do que está dizendo?

— Tenho. Se todos nós ficarmos aqui, só perderemos tempo e talvez não consigamos alcançar aquele carro e quem mais estiver nele.

— Tem certeza de que consegue se virar aqui?

— Você esqueceu com quem está falando? Sou eu cara. Já te disse, eu rio na face do perigo. – ri bem alto.

— Já que você está dizendo, tudo bem.

— As moças vão para de trocar figurinhas ou eu vou ter que fazê-los parar?

— Não se preocupa não grandalhão. Já estamos indo, estamos apenas resolvendo como eu vou chutar o seu traseiro gordo. – disse Rikimaru, afrontando novamente Avalanche, que agora parecia estar explodindo de raiva.

— O que foi que você disse, seu inseto?

— Além de burro ainda é surdo? Você só sabe falar isso? O que foi que você disse? O que pensa que está dizendo? Você quer me dizer o que fazer? Parece um retardado. Só sabe falar as mesmas coisas. Vou te ensinar a dizer mais uma coisa. Grave na sua memória. Eu sou um bundão (pausadamente).

— Vejo que hoje você está querendo morrer, não é mesmo?

— E é você quem vai me matar? Faça me rir!

— Já chega, você é meu. – disse Avalanche, já tirando a jaqueta preta e jogando-a ao chão. Vira o boné para trás, estrala os dedos e caminha em direção a Rikimaru.

— Já entendi, você era fã do Lincoln Falcão, acha que vai ser campeão do braço de ferro. – enquanto fala, Rikimaru se distancia de Magno e das meninas que estão ao seu lado. – Agora Magno!

Magno então recua e vai em direção ao carro.

— Onde pensa que está indo queridinho? Nossa conversa ainda não acabou.

— Com ele sim. A conversa de vocês duas agora é conosco. – disse Stella enquanto ela e Lorraine tomavam a frente de Magno e permitiam que ele entrasse no carro e partisse.

Enquanto saía com o carro, vislumbrava primeiro pelo vidro lateral e depois pelo retrovisor a batalha que se iniciava entre Rikimaru, Lorraine, Stella e aquele trio estranhíssimo que havia surgido.

Apesar de apreensivo pelos seus amigos, sabia que Rikimaru estava certo. Sabia que precisavam avançar o mais rápido possível e a qualquer custo.

Não sabiam quanto tempo mais aquele homem estaria naquele lugar. Se o estaria esperando ou se já havia partido. Ainda assim precisava tentar encontrá-lo e arrancar dele todas as respostas que precisavam.

Avançou rapidamente ao norte do cemitério, na direção em que havia visto o carro partir da última vez. Não podia cometer erros. Era tudo ou nada. As suas vidas dependiam disto. De encontrar e eliminar aquele homem que tentara matá-los.

Ainda a caminho do norte do cemitério, avistou um grande farol. Muito alto, ao que se podia ver de longe, branco, contudo, suas luzes estavam apagadas.

“Deve ser ali que ele está! Não há outro lugar por aqui onde ele possa ter ido”. Pensou Magno, enquanto seguia em direção ao farol que acabara de avistar.

Como Magno pensara, realmente não havia mais nada ao norte daquele cemitério, a não ser aquele farol antigo, que aparentemente havia sido desativado há muito tempo.

Conforme seguia em direção a ele, o caminho ia se estreitando, a ponto de se tornar uma passarela, ladeada por rochedos e plantas aquáticas, as quais se agarravam as pedras. Ao fim desta passarela lá estava o grande farol.

Em seu entorno, a área de terreno aumentava. Desta forma, o espaço em que estava agora, era um pouco maior e mais abrangente do que a passarela que havia acabado de atravessar.

Ele se aproximava com muita cautela daquele lugar, olhando ao redor vagarosamente, a fim de não perder qualquer movimento ou ação que pudesse surpreendê-lo.

Quando já estava bem próximo, pode perceber que o carro o qual havia perseguido a noite toda estava estacionado ao lado do farol.

Magno desce do carro e continua seu trajeto a pé. Enquanto se aproxima, percebe a presença de três pessoas à frente do farol.

Uma delas estava curiosamente sentada numa poltrona alta, aparentemente de estilo colonial, uma estava ajoelhada entre as outras duas e uma terceira estava em pé, a direita.

Ao aproximar-se mais, pode perceber que aquela pessoa que estava em pé era aquele homem o qual havia feito John Denver entrar no carro e possivelmente o tinha assassinado também. A ira aflorou em seu peito.

A pessoa que estava ajoelhada, estava encapuçada e não se podia ver quem era, sobretudo, das três pessoas que ali estavam, inquestionavelmente quem chamava mais a atenção de Magno era aquela que estava assentada naquela poltrona.

Um senhor, com aparência entre seus quarenta e cinquenta anos, cabelos levemente grisalhos e molhados, penteados para trás, com uma feição intrigante e curiosa.

Vestia uma bela roupa, aparentemente feita a mão e sobre medida, com detalhes minuciosos em cada parte. Era composto por um belo terno azul marinho, com diversos detalhes em dourado, ligados de um lado a outro por um cordão dourado, um casaco, também azul marinho por fora e dourado por dentro, lhe cobriam as costas.

Em uma de suas mãos havia uma taça de vinho e na outra uma garrafa. Assentado como se estivesse dentro de sua casa, aquele homem intrigava-o, instigava sua curiosidade, a sua imaginação.

Apesar da atitude nada usual, que poderia levar qualquer um a questionar suas faculdades mentais, aquele homem tinha em sua face um olhar assustador, um semblante misterioso, fazendo com que os olhos de Magno se retivessem nele.

— Quem são vocês? O que querem de nós? Por que quiseram nos matar?

— Muitas perguntas em tão pouco tempo. Isso não é muito educado da sua parte. Nem ao menos perguntou como estou.

— Pouco me importa saber como está, por mim estaria morto agora, mas em breve estará.

— Nada educado de sua parte tratar alguém muito mais velho do que você desta maneira. A sua mãe não te ensinou a tratar melhor os mais velhos?

— Como acha que deveria tratar alguém que tentou me matar?

— Mais um motivo para medir melhor as suas palavras. Se já tentei te matar uma vez, poderia estar correndo sérios riscos de vida agora.

— Não pense que isso me assusta. Não tenho mais o que temer.

— Sério? Pensei que tinha muitas coisas a temer. Os seus amigos que ficaram lá atrás, por exemplo, você acha que eles estão se saindo bem?

— Tenho certeza que sim. Os conheço bem a ponto de saber que conseguirão se virar sozinhos, ou melhor, sem mim.

— Gosto de ver esta confiança em seus olhos. Gostaria que meu filho também fosse assim. Me diz uma coisa. O que acha de mudarmos esta história? Acredito que posso encaixá-lo nos meus planos. O que acha de trabalhar para mim de agora em diante?

— Trabalhar para o cara que tentou me matar? Deixa eu pensar um pouco. Será que vale a pena? Você acha mesmo que isso um dia poderia acontecer? Não sei quem você é, mas, pelo visto, já percebi que está precisando urgentemente de um psicólogo.

— Pense bem. É uma ótima oferta. Você não será mais caçado como foi, terá um ótimo pagamento e não terá mais que se preocupar comigo ou com qualquer outro inimigo.

— E correr o risco de ser atacado pelas costas? Não, muito obrigado. Prefiro ficar onde estou.

— Você tem certeza disto? Já parou para pensar no que irá acontecer contigo e com o seu grupinho de amigos, quando esta guerra começar? Acha mesmo que conseguirão fazer alguma diferença?

— Isso não diz respeito a você.

— Mais do que você imagina meu caro. Eu tenho poder suficiente para continuar aqui neste mundo, antes e depois desta guerra. Mesmo depois que ela acabar, não importa qual lado vença, eu continuarei aqui. Eles precisam de mim agora e precisarão depois.

— Desculpa aí “Poderoso Chefão”? Quer dizer que sem você as coisas não funcionam não é mesmo?

— Meu caro, acabou de entrar neste mundo. Não tem a menor noção do que já aconteceu e nem do que está para acontecer. As pessoas que você tanto confia, nem ao menos te contaram tudo o que está para acontecer.

— O que está querendo dizer com isso?

— Você tem certeza de que pode confiar totalmente nos seus novos amigos?

— E por que não deveria?

— Você ainda não se perguntou por que eles não estão de nenhum lado da guerra? Não há nenhuma pergunta a qual tenha feito a eles que não tenham deixado de responder? Será que eles são tão confiáveis assim?

— Não tenho porque duvidar deles. Eles estão conosco e estão nos ajudando desde que viemos para cá.

— Isso é o que disseram para vocês, mas será que é a verdade? Ou será que só estão os ajudando porque na verdade precisam de vocês?

— ...

— Acredito que tenham contado a vocês a história daquela velha profecia dos três filhos de Caim, não é mesmo?

— E o que isso tem a ver?

— Com quantos vampiros vocês conversaram desde que chegaram até aqui?

— Por que a pergunta?

— Você sabe quantos vampiros, além deles, acreditam nesta profecia?

— ...

— Foi o que pensei. O que estou te oferecendo é muito mais do que um dia eles poderão te oferecer. Estou te oferecendo asilo. Um lugar para morar, um grupo forte de verdade para te defender e estar ao seu lado. Um grupo que continuará a existir, mesmo se houver guerra. Estou te dando a oportunidade de viver eternamente sem se preocupar. Estou te oferecendo todo o poder que puder imaginar.

— Muito obrigado pela sua oferta, mas me diz uma coisa. Se não acredita nesta profecia, por que então quis que Rikimaru e eu morrêssemos? Se eu não sou a encarnação de quem quer que for, por que está tão interessado em mim? Você poderia conseguir outros milhares como eu, com esta mesma oferta, afinal, pelo pouco que sei, todos nós vampiros ansiamos por poder não é mesmo? Este traste que te serve ao seu lado, por exemplo, ele recebeu a mesma oferta que eu? Acredito que não, senão não estaria aqui agora num cemitério.

— Perspicaz a sua maneira de pensar, isso sem falar que, ao mesmo tempo consegue ser arrogante e pretencioso ao mesmo tempo. São características que admiro sinceramente. Isso porque se assimila muito a mim. Em outras circunstâncias poderia ser meu filho.

— Outra coisa que pretendo dispensar. Me admira tanto que tentou me matar. Se fôssemos mesmo pai e filho, provavelmente já teria morrido.

— Me diz uma coisa, Magno, não é? Sobre essa ânsia por poder que você acabou de citar. Quanto dela você possui?

— Não entendi?

— Esta ânsia por poder. Você a possui em qual nível, mais especificamente? Você falou dela com tanta propriedade que me causou um certo interesse.

— Isso não é da sua conta.

— Pelo que pude perceber, não se interessa tanto por riquezas e poder. Parece-me que o que te interessa é o poder que existe em cada um de nós. Ou estou enganado?

— O que está querendo dizer com isso?

— Alguém me contou que você tem sede por sangue vampírico, ou melhor, sede de poder vampírico, não é mesmo?

— Que história é essa? Quem te contou isso?

— Tenho meus métodos. Agora, ouça esta proposta, o que acha de mudar de lado, me servir e poder sugar o sangue e o poder dos vampiros que se voltarem contra mim? Posso te garantir que são muitos. A sua sede será sempre saciada.

— Como soube disto? Eu não revelei a ninguém!

— Já disse, tenho meus métodos. Então, o que acha? Todo o sangue e poder que puder imaginar? Basta mudar de lado e me servir.

— E para isto teria que matar todos os meus amigos também, não é mesmo?

— Um pequeno preço a pagar em vista do que estou a te oferecer, não acha?

— Você realmente está louco se pensa mesmo que faria isso.

— Pense bem, você nem ao menos sabe se eles irão sobreviver ainda. Não acha muito precipitado me dar uma resposta antes mesmo de saber?

— Não preciso esperar para saber que eles irão vencer aqueles seus lacaios incompetentes.

— Muito confiante da sua parte. Que tal aumentarmos a proposta?

— ...

— Te darei a prosperidade que jamais pensou em possuir, poder de domínio sobre os demais vampiros, a oportunidade de sugar-lhes o seu sangue e o seu poder e, por fim, isto.

Com a sua mão esquerda fez um simples sinal ao homem que estava em pé. Este inclinou-se um pouco, colocou a sua mão sobre a cabeça daquele que estava ajoelhado e retirou o capuz.

— Então, o que acha da oferta?

Ao terminar de retirar o capuz, o homem que estava ajoelhado e de cabeça baixa levantou-a levemente. Era ele. Era o Júnior.

— Júnior! O que você fez com ele?

— Não fiz nada. Se reparar bem, verá que ele foi bem cuidado. Está até mais cheinho.

— Júnior, você está bem? O que eles fizeram com você?

— Não me lembro muito bem, Magno. Onde nós estamos? O que aconteceu conosco?

— Não se lembra de nada?

— A última coisa de que me lembro é de termos ido jogar lá em casa. Depois disto, tudo o que me lembro é de estar num lugar muito escuro.

— Por que você o prendeu?

— Poderia te dar várias respostas, mas vou te responder de uma maneira bem simples. Porque eu quis.

— Ótima resposta. Por que prenderia alguém que, ao seu ver, não teria serventia nenhuma para você?

— Nisto você tem razão. Para mim, ele realmente não tem serventia nenhuma, mas e para você e o seu grupo?

— Então foi por isso? O aprisionou apenas como moeda de troca?

— Podemos dizer que sim. Vejo que é tão inteligente quanto pensei. Por isso me interessa cada vez mais ter esta mente ao meu lado. Então, o que acha? Você muda de lado, ganha todos os benefícios que já disse anteriormente e ainda te devolvo um dos seus amigos.

— Não posso aceitar esta oferta. Não posso deixar os meus amigos de lado por uma oferta como esta. Como poderia escolher entre os meus amigos?

— Pense bem. Você acha que o Rikimaru ou qualquer um daqueles que você conheceu recentemente fariam o mesmo por você?

— ... Sim, tenho certeza. Rikimaru e eu fomos criados juntos e somos como irmãos. Não tenho a menor dúvida de que ele faria o mesmo por mim.

— E quanto aos outros?

— Não tenho porque duvidar da lealdade deles. Desde que nos conhecemos, foram leais a mim e a Rikimaru. E, também, nos ajudaram até aqui, para que pudéssemos encontrar o Júnior.

— Como acabou de dizer, os ajudaram para encontrar o Júnior. Isso vocês já conseguiram. Por que ainda precisaria deles? O seu objetivo já for alcançado.

— Porque não sou mesquinho e traidor. Não fiquei com eles meramente porque me ajudaram, mas porque criamos um laço de amizade, de cumplicidade, de gratidão mútua. Não estou com eles simplesmente porque possuem algo que preciso, mas porque são meus amigos. Somos leais uns aos outros, somos parceiros. Deve ser difícil para você entender o que é uma amizade, quando não se tem nenhum amigo, apenas escravos.

— Já tive alguns amigos, porém, não me eram muito úteis. Prefiro meus lacaios, pois eles me obedecem sem questionar, sem reclamar. O problema de se ter amigos é que eles podem discordar de você e te apunhalar pelas costas.

— Vejo que realmente não entende o significado de amizade. Ela é muito maior do que interesse próprio. É se doar e se sacrificar, sabendo que fariam o mesmo por você. São laços que jamais poderão ser cortados, seja pelo tempo ou pela distância. Eles se perpetuam, se fortalecem e se tornam eternos.

— Belas palavras, realmente fiquei comovido. Até me fez lembrar de um amigo que tive. Pensava desta mesma forma, era um fraco, sentimentalista, sonhador. Era um atraso de vida pra mim. Por isso preferi cortar minhas relações. Como eu poderia estar ligado a alguém que vive de sonhos? Ele não entendia que o poder era a única coisa que poderia transformar os seus sonhos em realidade. Tolo! Se tivesse me ouvido, poderia estar num patamar tão alto quanto eu, contudo, agora se esconde como um rato amedrontado, fracassado. Parece-me que você também cairá no mesmo erro que ele.

— Você não sabe do que está falando. Você que é um fraco por querer se apartar das pessoas. O poder nunca te dará aquilo que os verdadeiros amigos podem de dar.

— O que, dor de cabeça? Problemas para resolver? Meu caro, ainda tem muito a aprender. Em breve verá o quanto eles podem te atrapalhar.

— Você não sabe do que está falando.

— Eu sei exatamente do que estou falando. Como prova, te mostrarei como eles podem nos prejudicar.

— ...

— Como já foi dito, o nosso amigo Júnior aqui, não possui nenhuma serventia para mim, apenas para vocês e para o seu grupo, correto? Porém, te fiz uma proposta, que muitos diriam ser irrecusável, e você recusou. Desta forma, a única utilidade que via nele, deixa de existir e por isso não há motivo para que ele viva, certo?

— Não! Você não pode fazer isso. Solte-o!

— Não posso fazê-lo, Magno. Você sabe muito bem disto. Esta alternativa não foi dada.

— Isso não é um pedido, seu desgraçado, é uma ordem!

— Viu como os nossos amigos podem nos prejudicar? Se não houvesse criado estes laços, provavelmente não estaria tão preocupado em procurá-lo e até mesmo em salvá-lo, mas como o fez, encontra-se na palma de minhas mãos.

— Maldito! Você não tem o direito de brincar assim com a vida das pessoas.

— Quem me impede de jogar? Você? Ainda não entendeu? Neste mundo, apenas os mais fortes sobrevivem. Aqueles que se entregam ao sentimentalismo barato sempre irão perecer. Sempre serão controlados por aquele que possuem maior poder, seja bélico, seja aquisitivo ou sobrenatural.

— Não penso desta forma e nunca irei pensar assim. Este pensamento é totalmente vazio e sem sentido.

— Não meu caro, este é o pensamento do mundo atual. Você que ainda é inocente demais para entender isso, mas creio que em breve mudará de opinião.

— Nunca! Continuarei até o fim com os meus princípios e não me venderei ao poder, assim como você. Agora solte o meu amigo!

— Já conversamos sobre isso Magno. Essa alternativa não foi dada. Vou repetir para você. Para que eu possa soltá-lo, é preciso que você renuncie aos seus outros amigos e se una a mim e ao Júnior. Entendeu?

— Não posso fazer isso. Não tenho como escolher entre os meus amigos. Todos eles são importantes para mim. Além disso, seria contra os meus preceitos virar as costas para eles.

— Entendo! Então, o que quer dizer é que não pode virar as costas para eles, mas pode virá-las para o Júnior?

— Não foi isso o que eu disse seu desgraçado. O que quis dizer é que não posso escolher entre os meus amigos. Se assim o fizesse, seria um monstro como você.

— Entendo! Então a escolha já foi tomada. Você prefere que os seus amigos que ficaram lá atrás sobrevivam e não o Júnior.

— Eu quero que todos sobrevivam.

— Esta escolha não foi colocada em pauta Magno. Como um garoto inteligente que é, já deveria ter percebido isso.

— Magno, por favor. Me ajude! Eu não quero morrer.

— Nós vamos te salvar Júnior, não se preocupe.

— Não estaria tão certo se fosse você. A escolha já foi tomada Magno. Quais são as suas últimas palavras ao seu amigo?

— Magno, Magno, Magno! Por favor, ajude-me eu não quero morrer aqui. Me ajude, eu suplico.

— Tem que haver outra alternativa.

— Não há Magno. A sua escolha decretou a morte do seu amigo. Espero que consiga conviver com isso.

— Mag...


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