Lado Obscuro escrita por suellencraft


Capítulo 6
Capítulo 6 - Seguindo em frente


Notas iniciais do capítulo

A idiota postou capítulo 7 antes do 6, parabéns.
Desculpem.



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Kentin olhava pela janela escura do carro, nervoso. A paisagem passava tão rápido que até dava enjoo. Assim que ligou para o pai avisando sobre sua transformação, ele aparecera desesperado na sua porta em menos de um minuto. Esses pais esquisitos e os seus meios de transportes sobrenaturais, pensou ele. Além de tudo, ainda arranjou um carro preto blindado e totalmente filmado do nada. Bem, aceitou que dói menos.

Enquanto ajudava a catar as coisas pela casa e jogar dentro da mala verde, Giles disse para o filho que agora teria que encarar o inevitável: seu treinamento especial. Kentin engoliu em seco e tentou não imaginar o que estava por vir.

Ele ainda não tinha acreditado na própria capacidade de mentir. Tivera que dar uma desculpa qualquer para Alexia pelo telefone. Como será que ela está? Triste? Ou... Brava?

Contorcia seus óculos fundo de garrafa nas mãos. Agora não precisava mais deles. A transformação havia resolvido a sua miopia. Quando reparou, se assustou. A armação estava totalmente deformada, as hastes torcidas como se fossem meros arames. A força sobrenatural que já tinha parecia ter triplicado.

Bom, seja lá como for a reação de Alexia, isso não importava. Antes de poder reencontrá-la, ele precisa aprender a controlar seus poderes em uma escola um tanto... Diferente (que não era nenhuma escola militar, como havia dito para Alexia). Para não acabar machucando alguém sem querer. Ou... Até mesmo matar.

Remexeu-se, incomodado pelo fato de não poder afundar as costas na maciez do banco de couro. Como aquilo o atrapalhava!

— Pare de se mexer, filho. Se esse troço aí se abrir, vai bater em cheio na minha cara e eu vou bater o carro. Acredite ou não, não estou a fim de morrer ainda. – repreendeu seu pai, atento à estrada que se passava em um borrão pela alta velocidade que o carro estava alcançando.

— Foi mal, pai, mas não é você que está sentindo o incômodo desse troço. – retrucou Kentin, mal-humorado. – É um trambolho que por enquanto só está atrapalhando a minha vida.

Giles suspirou, sabendo que não tinha direito de falar nada. O filho estava certo: ele não podia sentir o que Kentin estava sentindo. Optou por continuar dirigindo em silêncio. Olhou para o velocímetro. Havia alcançado 200km/h. Pisou ainda mais no acelerador e apertou o botão que estava embaixo do volante discretamente.

Kentin reparou que o carro estava cada vez mais rápido. Estavam há quase meia hora em uma estrada reta e incrivelmente vazia, em meio a encostas de montanhas. Parecia até que estavam voando. Chegando ao ponto em que já não dava mais para enxergar absolutamente nada do que se passava pelas janelas laterais, ele olhou para frente. A estrada subia por uma elevação. Sentiu o pai pisando mais ainda no acelerador e estranhou. O que ele estava fazendo, afinal?

Parecia até que estava em uma decolagem de avião. Sentiu o corpo sendo jogado para trás, esmagando levemente o trambolho atrás de si. Segurou-se nas bordas do porta-luvas do jeito que era possível e espremeu os olhos. Estavam chegando ao alto da elevação.

No instante que o carro chegou ao topo, houve um brilho branco repentino do lado de fora do carro tão intenso que Kentin fechou os olhos e virou a cabeça para o lado, totalmente ofuscado. Sentiu uma perda de gravidade, seguida de rápida estagnação. O carro havia parado.

— Chegamos, Kentin. – ouviu-se a voz do pai. Kentin abriu os olhos aos poucos e analisou a paisagem pelo para-brisa, confuso.

Estava estacionado na frente dos portões de um enorme colégio, todo trabalhado no preto e branco. O colégio ficava no meio de uma ilha solitária e pequena, com dimensões suficientes para caber o colégio inteiro, um pouco de vegetação ao redor e sobrar uma margem de vinte metros até a beira do precipício. Só se via o horizonte e água sem fim para todos os lados. Não havia comunicações com qualquer outro pedaço de terra firme. Como é que tinham ido parar lá??

De repente, os portões brancos se abriram sozinho, como se os convidasse a entrar.

— Tipo assim... Essa é a tal escola que você estava falando? – questionou Kentin, piscando. Ainda estava muito atordoado. As coisas estavam acontecendo rápido demais, e ele não estava conseguindo acompanhar nada. Desencostou-se do banco e sentiu o alívio de pressão sobre o troço nas suas costas. Bom, podia ter sido pior. Pelo menos não parece ser facilmente quebrável.

— Vamos descer e encontrar o diretor, ele vai poder te explicar melhor o funcionamento daqui e todo o... Resto. – murmurou seu pai, aparentemente tenso. Ambos desceram do carro. Kentin demorou um pouco mais por causa do troço nas costas. Já em pé fora do carro, ele se olhou no reflexo da janela do carro e se admirou. Havia muito tempo que não se via sem óculos nitidamente. Os íris verdes brilhavam de excitação. O que será que o esperava de agora para frente? Ajeitou a camiseta verde e o cabelo. Parecia tudo em ordem, enfim. Virou-se, seguindo seu pai em direção à entrada daquele lugar que mudaria sua vida definitivamente.

***

Depois de quase uma hora de choro ininterrupto, Alexia foi se acalmando. Estava se sentindo vazia, sem vida. Levantou o rosto inchado e olhou ao redor. O quarto dele estava sem a sua presença, mas o seu cheiro ainda estava no ar. Bom, na verdade, era o cheiro do seu biscoito favorito, que ela havia gravado como seu cheiro. Alexia percebeu que tinha um pacote aberto encima da escrivaninha. Ele teria esquecido lá?

Levantou-se do chão e foi até o pacote de biscoito. Esfregando os olhos com uma mão, pegou um biscoito com a outra e comeu, só para adoçar um pouco o ânimo dela. E então percebeu que uma das gavetas da escrivaninha não estava bem fechada.

Talvez tenha sido obra do destino.

Algo fez com que Alexia abrisse a gaveta em vez de fechá-la direito.

Se não fosse por isso, ela nunca teria encontrado aquilo que Kentin deixou para trás sem querer.

Dentro da gaveta, havia um colar antigo com corrente de prata. Estendeu a mão na intenção de pegá-lo. Quando tocou no pingente, recuou os dedos abruptamente. Era frio como gelo. Hesitante, tentou novamente e percebeu que segurar pela corrente não a afetava.

O pingente era uma pena preta de aço da largura de dois dedos e tão comprida quanto a sua mão. E na frente dela estava gravada uma frase em baixo relevo.

“Independente do que aconteça, Kentin, perdoe-me. – com amor, mamãe.”

E virando a pena, Alexia encontrou gravada uma assinatura.

“Hellen Fate.”

Alexia se sentiu perdida. Mas a mãe de Kentin não era a dona Manon?

E ela deu um pulo de susto quando a campainha tocou.

***

Kentin respirava aliviado. Todos que estavam ali eram como ele. Menos mal.

— Enfim, é isso. Pode ir para o seu quarto. A sua primeira aula será amanhã de manhã. Seu horário estará no mural do seu quarto. Aproveite a sua estadia no Skyhell, Kentin. – concluiu o diretor, lhe entregando uma chave. – E tente não arrumar confusão com seu colega de quarto.

Ops. Colega de quarto?

— Bem, vou indo, meu filho. Não esqueça de me ligar todos os dias. E... – disse seu Giles, passando a mão nos cabelos loiros perfeitamente aparados. – Me perdoe por tudo. Jamais imaginei que... Você fosse sofrer com as consequências do meu erro.

Kentin engoliu em seco. Sabia muito bem do que seu pai estava falando. Não gostava dessa história. Olhou para o chão e assentiu em silêncio.

Suspirando, abraçou o filho e foi embora. Kentin pegou as malas ao seu lado e saiu pelos prédios e milhares de corredores daquele colégio/campus enorme, procurando o seu quarto apreensivamente.

Antes de tudo, Alexia enfiou o colar de Kentin dentro da gaveta do seu próprio quarto, esperando descobrir o significado daquilo mais tarde.

Abrindo a porta com a velocidade de uma lesma, Alexia se viu de frente a Samara. Ao seu lado, estavam a Rosa e a Ally. Atrás de Rosa, estava uma Brenda encolhida. As quatro se assustaram com a cara morta de choro de Alexia.

— Lex!! Mas o que aconteceu? – aproximou-se Rosa, segurando Alexia pelos ombros delicadamente. Olhando nos seus olhos cinzentos sem foco e sem brilho, Rosa se perdeu nas palavras. A garota na sua frente parecia uma morta-viva descabelada. Os fios azuis estavam grudados no rosto marcado de lágrimas. Algo grave havia acontecido. E com seu pessimismo de sempre, começou a cogitar situações absurdas. Será que ela chegou em casa e Kentin estava morto? O cadáver ainda está aí dentro? Ele morreu nos braços dela? Ou então... algum bandido invadiu a casa? Será que foi estupro? Roubo seguido de assassinato?

— Alexia...? Responde, por favor, está assustando a gente... – sussurrou Ally, cheia de preocupação. Alexia fixou os olhos no rosto de Rosa e suspirou.

— Kentin... Ele foi... Embora. E-ele... Eu... – e recomeçou a soluçar. As lágrimas vieram outra vez, e ela enfiou o rosto nas mãos. Rosa puxou Alexia para um abraço. Ally, Brenda e Samara se juntaram ao abraço coletivo em silêncio. Sabiam que Alexia não conseguiria contar o que havia acontecido tão cedo, já que parecia tão abalada, então só lhes resta uma opção: ficar ao seu lado até quando for necessário.

— Bota tudo para fora, Lex. Estamos aqui por você, seja lá o que for que tenha acontecido. Mais tarde você explica, está bem? – disse Rosa pesarosamente. Elas soltaram o abraço devagar e seguiram para dentro do apartamento, com uma Alexia chorando histericamente na frente.

— Alguém sacou o que está acontecendo? – Brenda cutucou de leve o braço de Ally e disse aos sussurros. Ally deu ombros, também sem entender nada. Afinal, as duas haviam conhecido a Alexia há apenas algumas horas. A única coisa que sabiam era que Kentin e ela moravam no mesmo apartamento e que ele, Alexia e Samara eram melhores amigos desde sempre. Brenda pensou por alguns instantes e seus olhos brilharam no tom mais puro de azul. – Ei! Vamos comer uns potes de sorvete? Eu compro!

Rosa e Ally viraram as cabeças na sua direção, esboçando sorrisos. Parecia mesmo uma boa ideia para afogar as mágoas da garota. Rosa assentiu para sua prima, que saiu correndo pela porta em busca de potes de sorvete. Ajeitando os cabelos prateados, ficou feliz por dentro. Brenda sabia como animar as pessoas, por mais que seja um pouco reclusa. Ainda bem que trouxera a garota para se enturmar.

Alexia sentou-se no sofá. Aliás, se jogou no sofá. Afundou como uma bolinha de pelo no meio das almofadas. A sua tristeza era como uma nuvem nebulosa ao seu redor, impedindo-a de enxergar qualquer coisa que não fosse a sua própria desgraça.

 Rosa acomodou-se ao seu lado, dando tapinhas leves nas suas costas. Ally e Samara sentaram-se no chão, em frente à Alexia. Ninguém sabia o que dizer.

Só restava esperar a Brenda voltar com o ativador de ânimo. Vulgarmente conhecido como potes enormes de sorvete.

***

Depois de meia hora rodando o campus, Kentin finalmente encontrou o prédio onde ficava o seu dormitório. Percorreu todos os andares e corredores, até chegar ao corredor B do último andar. Parado em frente ao quarto 403, ele enfiou a chave na fechadura, destrancou, respirou fundo e girou a maçaneta delicadamente. A delicadeza que ele não teve ao empurrar a porta, fazendo-a bater na parede com um estrondo daqueles.

— AAAVE! Que susto, cara! Da próxima vez bate na porta antes, para eu não ter um treco. – gritou um garoto. Kentin adentrou o cômodo a passos lentos, arrastando a mala atrás de si. Procurou pela origem da voz, e o encontrou jogado na cama superior do beliche com um PSP na mão. O cara estava sem camisa e usava uma bermuda preta. Seu físico era aquele típico “gatinho surfista com tanquinho”, como chamaria Alexia. Parecia ser da mesma idade que ele. Tinha tatuagens esquisitas nas costelas. Seus olhos eram de um azul celeste. Os cabelos pretos eram repicados na altura do queixo e aparentemente rebeldes. Bom, era um charme natural. Kentin desgostou dele imediatamente. Mas parece que o cara não teve a mesma opinião. – Então você é o meu colega de quarto, hein? Bem-vindo, cara! Sou Armin, ou “O Gamer”, como todos me chamam. A cama debaixo é a sua. Como é que se chama?

Kentin fechou a porta e analisou o quarto por cima. Parecia que o tal do Armin era uma pessoa organizada, afinal. Não tinha nada jogado no chão ou pendurado nas cadeiras. Bom, provavelmente não iam brigar por causa das arrumações. Exceto pelas centenas de caixinhas de videogame empilhados encima de uma das escrivaninhas.

— Obrigado. Meu nome é Kentin.

— Kentin... Nome legal. E o que você é? Ah, espera, não diga! – Armin exclamou, finalmente reparando no troço preto nas costas de Kentin. – Acho que é meio obvio. Esquece.

Kentin bufou. Ele não queria ser tão obvio. Se ao menos soubesse como fazer aquilo sumir... Só aí percebeu que Armin não tinha nada nas costas. Com expressão de surpresa, questionou esperançosamente.

— Você sabe como fazer isso sumir?

Armin riu inocentemente. Sabia muito bem o constrangimento de ter algo nas costas e não saber controlá-lo.  E ele mesmo demorou um tempo para aprender.

 - Relaxa, aqui você aprende com o mestre! – apontou para si, tentando passar segurança para o garoto dos olhos verdes. – Ajeite as suas coisas e descanse um pouco. Depois, eu te levo até o pátio e te ajudo a tentar recolher essas bodegas. Acredite, ele são até que úteis depois que você aprende a usá-las.

Kentin suspirou e começou a desfazer a sua mala. Talvez não devesse desgostar dele. Pode vir a ser um amigo. Engolindo seu orgulho, tomou uma decisão: Vou aceitar o que eu sou. Vou aprender a controlar os meus poderes. Vou ser legal com todo mundo que for legal comigo, porque aqui não tenho uma Alexia ou uma Samara. Vou dominar os conhecimentos o mais rápido possível.

Para poder voltar para Sweet Amoris e reencontrar Alexia o quanto antes.

E se explicar direito.

 


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Notas finais do capítulo

Cogitações. ATIVAR!



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