Amara não dormia já há dias. 

O som horrendo das criaturas, cujas formas antes pertenciam inteiramente a seres humanos, perseguia Amara até nos descansos mais breves.  A dor lhe sufocava a cada piscar de olhos. Aquele inferno nunca teria um fim?

Vez ou outra, Amara conseguia sair durante a noite. Ela fumava dois ou mais cigarros e então voltava para o quarto.  Em uma dessas noites, esgueirada atrás da porta de madeira, ela ouviu sobre o novo prisioneiro de uma cidade que se chamava Alexandria. Ela sentiu seu coração falhar uma batida e depois começar a bater freneticamente. 

Aquele parecia ser um ciclo eterno de tortura. O tempo, apesar de curto, tinha sido o suficiente para saber qual era o tipo de tratamento de Negan com seus hóspedes. Escassez de comida e água era o que mais lhe preocupava. Os homens se entregavam depois de algum tempo, mas ela não os culpava. Sua escolha não tinha sido diferente e ela não se arrependia de tê-lo acompanhado.

Amara estava mais preocupada porque conhecia aquele sentimento; o sentimento de que, com aquele nome, uma coisa terrível estivesse invadindo a sua vida- como se já não o tivesse feito. Como poderia virar as costas para aquilo? Fingir que era insensível e que não se importava não ia funcionar. Era o que sua irmã faria, pensou ela. Mas será que Amara seria corajosa o suficiente para ajudá-lo? 

Enquanto descia as escadas com o maior cuidado possível para não fazer nenhum som, uma ideia passou-lhe pela cabeça. Talvez, só talvez, ela poderia funcionar, mas valeria à tentativa.  

Amara não podia fazer muita coisa, especialmente levando em consideração o horário, pois logo outro turno começaria e ela precisava fazer aquilo o mais rápido possível. Assim, ela pegou o resto da refeição daquela noite e colocou em um prato fundo. Não era muito, mas o suficiente para começar.

Encontrar o lugar, como ela preferia chamar ao invés de sala da tortura, era a parte mais difícil. O Santuário era extremamente grande, mas muito bem organizado e protegido. Amara pensava como bom podia ter sido se não fosse por Negan. Um lugar para dormir, seguro e com recursos. Era uma chance para as pessoas lá fora.

Depois de alguns minutos, ela finalmente o encontrou, mas eles não estavam sozinhos. Um homem, cujo nome ela não tinha feito a questão de memorizar, estava sentado ao lado da porta. Amara se escorou na parede por alguns segundos. Ela iria entrar de uma maneira ou outra, mas ainda precisava pensar em como iria fazer isso sem que chamasse atenção.  Ela podia esperar mais um pouco e entrar quando provavelmente todos estivessem trocando de posição, mas antes que cogitasse a ideia, ele se levantou e alongou os braços. 

Amara sentiu suas pernas estranhamente entorpecidas quando ele começou a andar na sua direção, mas sabia que a sensação estava toda em sua cabeça. Em uma das mãos, segurava o prato e a, a outra, cobria a boca a fim de abafar qualquer som. “Por favor, não se vire. Por favor, não se vire”.  

E então, ele desapareceu na escuridão.

Amara deixou um suspirou escapar pela boca e então continuou com o seu caminho. Ela abriu a porta com mais cuidado do que o necessário e os olhos castanhos procuraram o homem de quem tanto falavam. 

Deitado nu no chão frio, Amara sentiu o coração pesar. Ele tinha machucados por todo o corpo e os ossos já começavam a aparecer, mas não se virou para olhá-la. Ao invés disso, ouviu uma respiração pesada.

Amara se agachou e colocou o prato sobre o chão.

— Eu não sou uma deles. – Sussurrou baixinho. – Eu sinto muito pelo o que aconteceu com o seu grupo.

Amara ouviu passos no corredor. Ela se levantou rapidamente e olhou pela porta sentindo o sangue ferver na veia. Voltou sua atenção para o homem novamente por um segundo fugaz e fechou a porta atrás de si.

(...)

Negativo.

Esse tinha sido o resultado de seu segundo teste de gravidez nos últimos três meses.

— Carson. – Ela ouviu uma voz rouca chamar. Era Dwight e, junto a ele, estava Daryl. Dessa vez, vestido. Houve um minuto silencioso e Amara olhou para Carson, esperando alguma resposta.

— Estamos terminando. – Disse ele.

Amara se levantou, sorriu para Carson e voltou sua atenção para Dwight e Daryl.

— Oi, D.

Ele não respondeu, ao invés disso, apenas balançou a cabeça e o empurrou para a cadeira. Sua situação estava ainda pior do que na noite passada, pois um inchaço começava a espalhar por toda a sua boca.

— Daryl, certo? – Perguntou em sua voz de soprano, mas ele ainda se recusava a olhar para ela ou até mesmo para Carson.

— Não fale com ele. – Disse Dwight. Sua boca se retorceu um pouco.

— Diga o que disserem... – Continuou ela. – Faça.

— Eu disse para não falar com ele!- Repetiu ele, sua voz um pouco mais elevada por causa do stress.

Ela balançou a cabeça.

Dwight tinha sido uma das pessoas que mais tinha perdido em todo o apocalipse e tudo isso, somado a sua cicatriz no lado direito do rosto, faziam más bocas dizerem que ele parecia um idiota. Amara sabia que ele não era uma coisa nem outra, apenas um homem com medo.

— Certo, vamos dar uma olhada. – Disse Carson e então se virou para Daryl, colocado as mãos em suas costas. – Vai melhorar, se você deixar. – Continuou ele em um tom falso de condescendência. A sua expressão era ao mesmo tempo séria e tranquilizadora.  – Negan vai cuidar de você. Confie em mim.

Amara sentiu o estômago embrulhar com a menção de seu nome. Redirecionou deliberadamente seus pensamentos a fim de controlar seus sentimentos. Não seria bom deixar qualquer emoção dominar seu estado de espirito e cometer o erro de dizer algo que mais tarde se arrependeria.

— Eu sinto muito pelo o que aconteceu com o seu grupo, Daryl. – Repetiu a frase da noite anterior, olhando para ele por um longo tempo. Dwight nada disse e ela agradeceu mentalmente por isso.

Amara se virou para ir embora.

Por Elena, ela prometia fazer a coisa certa. O único problema era fazê-lo aceitar a sua ajuda e confiar em sua palavra.