Agora, com a amizade de James Sírius, eu  já não se sentia tão sozinha e triste por não ter Alvo e Lily ao seu lado, ajudando a lidar com os cada vez mais constantes chiliques de Hermione e a indiferença de Ron. Eu mandei uma carta para Lily e Alvo contando sobre tudo,  eles ficaram extremamente surpresos com o irmão e agora, parece que eles estavam começando a se entender.  Por incrível que pareça, James  sabe ser um ótimo amigo, conselheiro, ouvinte..mas claro, não perde a chance de tirar uma com a minha cara, quando tem a oportunidade. Enfim, mesmo sem estar em Hogwarts, o sexto ano estava sendo extremamente desafiador, mesmo com as anotações de Alvo ( que estavam me salvando) e os livros.

Eu estava, naquele momento, tentando terminar um dos enormes trabalhos de História da Magia, já que todo domingo a noite vinha um funcionário de Hogwarts aqui em casa, justamente para recolher meus trabalhos mais importantes, e também vinham algumas vezes durante a semana, para supervisionar minhas provas. Eram tantas provas e trabalhos que eu mal conseguia respirar, e além disso, eu não poderia me descuidar em nenhum momento dos cuidados com a minha saúde. Ouvi batidas na porta e franzi o cenho, olhando para a mesma, já que eram apenas três horas da tarde, cedo demais para Hermione estar em casa. Deixei minha pena descansar na tampa do tinteiro,  me levantei e abri a porta, dando de cara com Ron .

— Oi – Ele disse sem emoção, assim que eu abri a porta. Automaticamente me lembrei do tempo em que ele me dizia que eu sempre seria sua princesinha, me colocava em suas costas e saia correndo pela casa. Nós nos divertíamos muito, e era estranho, porque ..parecia que eu era amada naquela época , mas encarando aquele homem a minha frente, com a voz e olhar distantes, parecia um verdadeiro desconhecido, e não o pai que eu sentia que sempre me protegeria. – Não tenho muito tempo..esse fim de semana vai ter um almoço na casa dos meus pais, e não sei porque, eles querem ver você – Ron continuou, sem me dar a oportunidade de falar. Ele deu um passo para frente, observando minhas coisas em cima da mesa da cozinha – Já que você não foi para Hogwarts esse ano, eu espero que você não me envergonhe ainda mais e aproveite esse tempo para estudar, e não para ficar vagabundeando por ai ! Venho aqui meio dia e meia no domingo, e acho bom você estar vestida de forma descente ! – Ele disse seco e me deu as costas, aparatando logo em seguida.

Fechei a porta com uma força desnecessária , e senti meus olhos marejarem. Por mais que Ron me ignorasse e fingisse que eu não existia, ele nunca tinha me humilhado ou me tratado de forma pejorativa, pelo menos até aquele exato momento. Essa “ novidade”, somada a carta que eu havia recebido de Alvo hoje mais cedo, em que ele contava que, para toda a Hogwarts, eu não havia voltado para a escola esse ano por ser uma covarde, que eu estava fazendo um favor em sumir do mudo bruxo, pois eu fazia parte da “escória”, além de não ser merecedora dos sobrenomes que tinha ( como se isso fosse uma coisa boa), foram demais para mim.

Fiquei com raiva ao perceber o quanto aquelas ofensas ainda me abalavam, e quando vi, já estava novamente em meu banheiro, reabrindo os inúmeros cortes em meu pulso. A automutilação é como uma droga, e quando você começa, é difícil tirar isso de você, principalmente quando você se acostuma. E era o que eu estava fazendo naquele momento, jogada no chão de meu banheiro, enquanto sentia meu sangue cair por todo o chão do banheiro, o vermelho e o branco fazendo um contraste assustador.

Eu me sentia uma verdadeira idiota nesses momentos, pensei que apenas a minha força de vontade em viver e querer mudar fossem o suficiente para superar tudo o que eu estava sofrendo, mas eu estava errada: era muito pior e muito mais difícil.  Passar boa parte da vida com pais que me desprezavam , e com uma família que não hesita um único minuto em me humilhar trouxeram sequelas mais sérias do que eu imaginava.

Naquele momento, eu percebi que levariam anos..anos para que meu corpo parasse de pedir comidas calóricas e gordurosas quando eu fosse humilhada, assim como também levaria anos para conseguir me olhar no espelho e não sentir nojo , ou repulso do reflexo nele. Por mais que eu estivesse emagrecendo progressivamente  e estivesse gostando do resultado, eu só percebi agora que, não adiantaria em nada se eu emagrecesse 60 quilos e chegasse aos 90 ( meu objetivo era voltar para Hogwarts com menos do que 100 quilos), nada disso adiantaria s eu não aprendesse a me amar, a gostar do que eu via, independente da situação.

Fazer terapia três vezes por semana estava me permitindo enxergar as coisas de um jeito muito melhor, eu tinha que admitir, mas eu estava extremamente cansada. Cansada de tantos ataques, cansada do ódio gratuito de meus pais..enfim, eu estava extremamente cansada. Olhei para os enormes cortes que haviam em meu braço, de uma antiga tentativa minha de suicídio, que só deu errado porque Lily Luna apareceu bem na hora e fechou meus cortes, além de um enorme sermão.

Eu não sabia se tinha tanta força assim , para lutar contra tudo e contra todos. Sim, isso soa extremamente covarde, eu sei, e eu me pergunto todos os dias como eu fui parar na Grifinória. Enxuguei as lágrimas que caiam de meus olhos, e peguei a caixa de remédios que minha tinha, em cima da geladeira. Eu só queria dormir sem sonhos , acordar só no dia seguinte e, se possível, simplesmente esquecer que tudo aquilo estava acontecendo.

Peguei um copo e usei minha varinha para enche-lo de água, e coloquei dois medicamentos de uma vez em minha boca, bebendo todo o conteúdo do copo de uma vez. Se eu tomasse mais medicamentos, seria uma maneira eficaz e indolor de acabar com a minha vida e resolver o problema de todos, mas agora eu estava com raiva, e definitivamente não daria esse gostinho a eles.  Faltava muito pouco para que eu atingisse a maior idade bruxa e pudesse aparatar e , assim que o fizesse, sumiria do mundo e viveria do mundo trouxa, onde sabia que ninguém me reconheceria. Com exceção de Alvo, Lily e James, eu não fazia questão de manter contato com absolutamente ninguém da minha “ família”.

Subi para o meu quarto e me deitei na cama, não demorando muito para que eu capotasse. Acordei de madrugada com meu estômago roncando de fome, mas não estava muito afim de descer para comer, até porque, com certeza Hermione apareceria na cozinha aos berros, e acordaria Godric’s Hollow inteira. Olhei ao redor do meu quarto e achei duas barrinhas de cereais de uma marca esquisita que eu tinha levado para meu quarto e as comi, evitando pensar no que estava acontecendo, e no quão idiota eu estava me sentindo.

Eu estava ficando louca, pois não sabia mais o que fazer, eu fraquejava quando era tomada pelo desespero, mas depois, quando estava com a cabeça mais fria, eu via o quão estúpido e idiota havia sido a minha atitude, como agora, em que eu me deixei levar pelos insultos idiotas, dos meus colegas mais idiotas ainda..

Suspirei fundo e empurrei minhas cobertas, extremamente frustrada e irritada. Eu simplesmente não sabia mais o que fazer, e a única certeza que eu tinha é que eu já tinha conquistado e melhorado muitas coisas até o momento, e eu não podia simplesmente retroceder em tudo..se eu não fizesse isso por mim, ninguém mais faria, e se eu perdesse a coragem de mudar as coisas agora, eu sabia que eu jamais teria forças para fazer isso novamente, porque com certeza, as coisas só piorariam.

Eu não ia deixar mais ninguém me derrubar, me humilhar ou simplesmente fazer com que eu me contentasse com o que eles queriam. Me esconder no mundo trouxa era um desejo que eu tinha por saber que minha vida seria muito mais fácil, mas não era o que me faria feliz. Eu amava aquele mundo de magia, apesar de tudo, e eu não queria viver me escondendo de tudo e de todos, sempre com medo..

Parei e me lembrei do almoço em família, que teria no domingo. Já estávamos em Outubro e, tirando James, eu nunca mais vi ninguém da família Weasley desde que começara a emagrecer. Me olhei no espelho e dei um sorriso involuntário, eu já tinha perdido 21 quilos ( segundo minha última pesagem) e já era possível ver umas pequenas sobras de pele. Eu ainda estava obesa, é claro, mas estava melhorando e a diferença já era visível. Além disso, agora ela tinha James Sírius ao seu lado, para apoia-la.

Sorri novamente com esse pensamento. Diferente dos outros, esse almoço não seria um terror, mas sim uma oportunidade..uma oportunidade de mostrar que Rose Jean Weasley não era a fracassada que eles pensavam.