Durante o Fim escrita por Van Vet


Capítulo 42
Terceiro Dia - Hermione




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Enquanto seu corpo lutava contra uma febre de quarenta graus, a mente fervilhando a levava para dentro de um pesadelo horrível. Nesse sonho soturno, ela chegava em casa após um dia de trabalho tenso e não encontrava ninguém na sala. Hugo sempre ficava na sala vendo desenho no início da noite, e nem sinal do pequeno. Ela subiu as escadas para o segundo andar, chamando por todos, e encontrou Rose, mais crescida, um piercing de argola no lábio inferior, deitada preguiçosamente na cama, escutando música. Os pés, calçados numa botina grosseira, estavam apoiados na colcha limpa e Hermione já se cansara de dizer que isso era anti-higiênico. Chamou, sacudiu, gritou com Rose, mas a garota estava alheia aos seus chamados, como se não pudesse escutá-la.

 

   Exausta de tentar com a filha, Hermione caminhou para o próximo quarto onde Hugo, que curiosamente não aparentava ter mais idade como a irmã, se debruçava sobre um celular de última geração, jogando hipnoticamente. Novamente sua luta para buscar a atenção do filho não foi produtiva. Não importava o quanto se esforçava, eles simplesmente não a notavam. Era como se fosse um fantasma.

 

    Finalmente, a morena abriu a porta do quarto que dividia com Rony. Para sua surpresa não existia a cama de casal que eles compraram cinco anos antes, numa liquidação de shopping. Em seu espaço uma de solteiro, sombria e frágil, era a responsável pelo seu descanso noturno. Rony também não estava por ali e, após espionar o guarda-roupas e armários, nem seus pertences. Na cômoda, entre os perfumes e loções dela, o eterno porta-retrato deles, adolescentes e apaixonados, abraçados um ao outro enquanto recebiam seus canudos de formatura nos jardins da escola que se formaram, não podia ser avistado em lugar algum.

 

   Mas ela gostava tanto daquela foto… Gostava de ver o sorriso jovem de Rony, seu rosto lindo… Onde foi parar a foto? De repente, Hermione se viu como uma louca, abrindo gavetas e portas, trazendo os armários abaixo para encontrar o porta-retrato. Aquela foto era sua. SUA!

 

    Rose apareceu à soleira, a porta entre aberta, e após ver a mãe, exausta e frustrada se sentar numa trouxa de roupa arrancada dos cabides, estendeu seu celular.

 

ー Papai está tentando falar com você faz horas… ー resmungou monocórdica e entregou o aparelho na mão dela, retornando para o seu quarto a seguir.  

 

    Hermione agarrou o celular com ansiedade, afinal precisava lhe perguntar onde diabos estava a foto e, então, seus olhos se fixaram na tela. Na foto do Chamador.  Ele, seu esposo, seu rapaz de sorriso bonito, de cheiro bom, de abraço gostoso, de beijo delicioso… Ele, seu ruivo, estava abraçado a outra mulher, uma estranha, do mesmo modo que se abraçava a ela naquela fotografia da formatura, décadas antes. Seu rosto era mais velho… Cabelos brancos saltavam das costeletas e marcas de expressão suaves riscavam a testa e na covas ao redor nas laterais dos lábios.

     Chocada, a morena tremeu a mão, que derrubou o aparelho com grande estrépito contra o assoalho. Cambaleante, se levantou, andou porta afora e foi se ver pela primeira vez no espelho do corredor. Seu rosto tinha avançado uns dez anos no tempo e ela estava acabada. Velha e acabada. Abaixou os olhos para as mãos e não enxergou a aliança de casamento no dedo anelar. Nem a marca dele estava impressa na pele…

 

ー Quantos anos se passaram? ー perguntou para Hugo, que saiu do seu quarto e encarava-a de um modo muito triste da porta.

 

ー Faz uns doze anos já, mãe… ー ele respondeu, a voz infantil de nove anos assim como todo seu corpo.   

 

    Então o telhado se abriu numa explosão silenciosa e uma nave alienígena, a espreita entre as telhas,  começou a sugá-la dali...

 

   Lentamente, e para seu grande alívio, Hermione começou a ser sugada para a consciência após aquelas palavras do seu mais novo e a estranha abdução. Ela abriu os olhos com dificuldade, vencendo as pálpebras que se tornaram de chumbo e sentindo um gosto amargo na boca. Demorou vários minutos para conseguir entender que o pesadelo fora apenas um pesadelo e que se situar em que lugar da sua vida se encontrava. A base militar… Estavam abrigados e seguros pelos militares, recordou. Então as lembranças se tornaram mais nítidas e, após sentir o tornozelo latejando, também teve a lembrança de alguém trabalhando seu ferimento. Rony fazia companhia a ela naquela ocasião e, gentilmente, pediu para que ingerisse alguns comprimidos com água. E depois tela preta… Provavelmente foi aí que apagou de vez.

 

     Após se adaptar a claridade artificial das lâmpadas do teto, virou o rosto para a esquerda e viu os filhos dormindo profundamente nos colchonetes ao seu lado. Mais pessoas, adiante, imitavam as crianças e logo Hermione percebeu que a noite os havia alcançado pela terceira vez desde o início daquela provação apocalíptica.

 

   Um burburinho a direita chamou sua atenção. Piscando para espantar a sonolência, se deparou com duas pessoas sentados próximos a ela. Um era um desconhecido, um rapaz, que dizia para Rony:

 

ー Tente não tirar essa bandagem por, pelo menos, 72 horas. Você poderia ter piorado muito sua condição se não tivesse avisado.

 

ー Ok… ー Rony respirou parecendo fazer um esforço além da conta para isso e subiu a camiseta, mantendo os braços erguidos, e exibindo um hematoma roxo e horrível, entre as costelas.

 

ー Vou começar a passar a faixa ー o desconhecido aviso, circundando o tórax do ruivo auxiliado por um rolo de atadura. Após terminar, teceu mais recomendações ao paciente e o deixou só.


    Rony, que não havia percebido que Hermione o olhava de perto, se levantou do colchonete e partiu para os fundos do galpão, em direção aos banheiros. Tomada por um súbito misto de sentimentos de culpa, medo e ansiedade, a morena se sentou. O tornozelo também tinha ataduras, mas parecia bem menos inchado e dolorido. Com muito cuidado para não apoiá-lo descuidadamente, ela se levantou e seguiu os passos dele.


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