Durante o Fim escrita por Van Vet


Capítulo 11
Primeiro Dia - Rony


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo acabou ficando maior do que o planejado, mas espero que vocês gostem.

Um beijo!



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      Jason Viveville falava animadamente sobre como os desastres naturais eram onerosos para os municípios. Ele tinha de cor na mente os valores exatos de quanto havia custado a passagem do Katrina pela Flórida, uma década atrás. Dois bilhões, o sujeito sinalizou com os dedos gorduchos. Que tipo de pessoa memorizava esses dados, além de funcionários públicos? Gente viciada em desgraça, certamente.

 

     Eles terminaram de descer a rua principal para acessar o mercado e Jason parecia mais e mais ansioso para descobrir o motivo do poeirão que levantou a esquerda deles. Conforme avançavam no seu destino, transeuntes iam enchendo as ruas, se aglomerando numa curiosidade comum na próxima esquina.

 

    Rony quase havia desistido de estar ali. Na caminhada para o centro, o céu mandou mais relâmpagos contra bairro e por ele considerou bater em retirada.

     

   ー O que tá acontecendo, hein? ー Jason cutucou um senhor de idade que vinha andando no sentido contrário do tumulto na esquina.

 

ー O antigo prédio de telefonia caiu depois que abriu um buraco no asfalto.

 

ー Um buraco no asfalto? ー Jason coçou a cabeça.

 

ー É isso aí ー respondeu o senhor sem querer estender o assunto por muito tempo.

 

  Rony apertou o passo, um pouco mais aliviado, pelo menos não era o mercado em que se encontrava o garoto Phil. O ruivo começou a se esgueirar entre as pessoas, sem se importar se Jason o seguia ー torcia para que não. Depois de alguns “com licença” e esbarrões no ombro, ele se viu frente a frente com a origem de todo o tumulto. O prédio abandonado da companhia telefônica realmente jazia aos frangalho. Era uma construção de tijolinhos vermelhos, antes cheia de ranhuras entre a sua argamassa e agora jazendo um mastodonte de cimento e pedra amontoado pelo solo. Mas não foi isso que chamou sua atenção, e sim o que todos fitavam de olhos arregalados e comentavam uns com os outros.

 

    O asfalto da rua havia afundado criando uma espécie de mini cratera que em seu epicentro albergava uma perfuração negra e chamuscada.

 

ー Meu irmão, foram os raios que fizeram isso, eu tava lá no mercadinho e vi. Um, dois, três no mesmo ponto e então BAM! O prédio caiu.

 

     Atônito, Rony ergueu a cabeça para identificar o dono da voz trazendo as últimas informações. Se deparou, bem ao seu lado, com um afro-americano adolescente de tênis de sketista e camiseta oficial dos Knicks.

 

ー Phil, seus avôs estão preocupados com você. ー Rony cutucou o garoto no ombro para chamar-lhe a atenção.

 

  Phil abandonou seu posto de repórter em primeira mão e reconheceu o vizinho.

 

ー Ei, Weasley. Você também viu?

 

ー Não diretamente, mas lá da rua todos conseguimos notar a poeira subindo aqui. Acho melhor voltarmos… Prometi te entregar para seu avô.

 

ー É, acho melhor ir andando ー o sábio adolescente fitou o céu de relance.

 

  Tanto ele como Rony haviam percebido que os raios e a ventania dera uma trégua. Era uma boa deixa. Os vizinhos já começavam a dar as costas para a cratera quando aquilo se iniciou. Primeiro o chão estremeceu de leve, depois o asfalto além da deterioração cratérica, rachou infimamente em alguns pontos. Ninguém ousou se mover, todos atormentados pelo interesse mórbido de ver o resultado seguinte, sem apostar seus medos no risco. O ruivo fazia parte desse aglomerado de bípedes ansiosos pela novidade e arriscou uma espiadela por cima do ombro para a cratera.

  

  Esta respondeu, rugindo alto e chacoalhando violentamente embaixo dos seus pés. Essa foi a brecha para Rony começar a empurrar todo mundo e correr para longe. Alguns notaram isso mais cedo, outros mais tarde, mas todos os curiosos acabaram se dispersando como abelhas enxameadas para longe do pequeno terremoto. Depois de tentar correr e avançar alguns metros, o ruivo tropeçou num transeunte a frente e caiu de joelhos no asfalto.

 

  ー PHIL? ー chamou o garoto, que correra para o lado esquerdo da debandada.

 

  ー Tô aqui ー ele acenou para Rony.   

 

    Ele se levantou e limpou os joelhos. Os pedestres mais inteligentes abriam cada vez mais distância da cratera rachada, contudo a maioria se recompôs do primeiro susto e se amontoava novamente em torno de uma novidade ainda mais instigante.

 

ー Mas que merda é essa?! ー alguém, muito próximo do buraco exclamou, apontando na direção.

 

    Mais e mais exclamações confusas se uniam ao coro. No cruzamento atrás, os carros começavam a buzinar enlouquecidos sem entender porque tantas pessoas ocupavam o meio da rua e não davam acesso para o trecho deteriorado. Rony piscou para o tumulto à frente, e enquanto tomava a rápida decisão se ia verificar o que todos passaram a ver na cratera ou retornava logo para casa, uma estrutura elipsóide e prateada ergueu-se dali, crescendo feito um broto de feijão dentro do pote com algodão. A coisa, imensa, flutuou muito acima da sua cabeça, muito acima da menor casa e do maior prédio do bairro, e conforme ela ganhava altura ele pôde visualizar apêndices mecânicos longuíssimos erigirem a estrutura no ar.

     Aquilo parou bem diante deles com um resfolego de engrenagens. Parecia uma construção abstrata de gosto duvidoso, construída pela cidade para atrair algum tipo de turismo.

 

    Todos estavam boquiabertos, fascinados. Os carros finalmente ficaram quietos, porque certamente também enxergavam aquela anomalia urbana. Um pressentimento macabro dentro do coração de Rony dizia para correr o mais rápido possível, outro o fazia estatelar-se abismado imaginando as teorias mais infantis.     

 

        A Coisa acordou abrindo seu olho de ciclope, uma espécie de reator luminoso brilhando numa luz avermelhada do centro da estrutura, o que fez o ruivo se lembrar instantaneamente da malignidade melancólica de Hal 9000, o robô de 2001: Uma Odisséia no Espaço.

 

ー PHIL, CORRE! ー ele berrou para o garoto, que o encarou inocentemente. A Coisa então fez barulho de turbina de avião e expeliu um raio avermelhado sobre o corpo humano mais próximo, que se transformou em cinzas e vestimenta chamuscada.

 

    O pânico se instaurou. Os curiosos começaram a correr, aos berros, em manadas para todos os lados. Rony queria que Phil estivesse do seu lado, mas não existia tempo. Aquilo saiu de dentro da cratera e partiu aterradoramente para cima da população apontando seu laser da morte aleatoriamente. Um homem à direita do ruivo, um homem que ele prontamente identificou como Jason, emparelhou na corrida com ele e no segundo seguinte pulverizou-se no ar. Lutando por sua vida acima de tudo, Rony tomou a esquina para não ser pego em linha reta e assim que encostou no prédio mais próximo testemunhou uma menina do tamanho da sua Rose ser carbonizada em cima da calçada.  

       

      As pernas queriam ceder ao terror, mas a adrenalina o impulsionava. Ele continuou correndo, direita e esquerda, direita e esquerda e foi tentando nesse zigue-zague subir os quarteirões para sua rua. A máquina uivava seu som de turbina, feliz e sedenta, criando um cenário chuva fuliginosa essencialmente humana pelo bairro todo. Ninguém mais gritava, as pessoas só tinham duas opções: se desesperar ou fugir. Elas escolhiam fugir, a maioria sendo obliterada de costas, perdendo sua existência terráquea antes mesmo de entender como morrera.   

 

     Sua mente racional se desligou. Ele não precisava entender o que era aquilo agora, ele tinha de concentrar sua energia na corrida. Suas pernas o salvariam não seu raciocínio lógico. E aquilo era tão, mas tão ilógico! Antinatural, ilegal, cruel! Gente como ele, com um coração batendo e uma consciência livre… Gente que amava e era amado. Todos à pó em nada diferente da fuligem sobressalente do carvão no fim de um churrasco relaxante de Domingo.

        

     Rony nem se atentou para o fato de estar chorando de medo. Ele precisava focar em um único pensamento, algo que fosse completamente diferente a ideia de ser exterminado a qualquer momento. Concentrou-se na sua família então. Em abraçar Rose e pedir perdão por ter gritado com a menina, que deu aquele chilique somente por estar preocupada com seu gato preguiçoso. Concentrou-se em agarrar Hugo e afagar seus bastos cabelos ruivos, idênticos aos dele na sua idade, e deixá-lo usufruir de uma partida de videogame até que seus olhos chorassem sangue. Ele se concentrou em ter a chance de beijar sua esposa na boca outra vez e implorar para que eles não se divorciassem jamais.

 

      Pouco a pouco o barulho da Coisa matando e destruindo conforme avançava foi morrendo. Algumas ruas se encontravam desertas, apenas meia dúzia de pedestres correndo, outras já viviam como se o mundo não tivesse caindo logo ali. Mais dos típicos curiosos saindo de comércios e residências para descobrirem de onde nascia o tumulto do caos distante. As vítimas sobreviventes que não estavam tão chocadas a ponto de perderem a fala gritavam alertas para os leigos. Rony continuava direcionando suas energias para voltar para casa, ainda correndo, ainda sem virar a cabeça, ainda em choque. Foi nesse estado de estupor que o ruivo conseguiu chegar ao patamar dos Weasley. Ele forçou a maçaneta, mas ela não abria. Antes que pudesse bater para chamar a atenção de alguém do lado de dentro, Hermione girou o trinco e recebeu o esposo sobrevivente de um holocausto.


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