O assunto da vez havia, obviamente, girado em torno do rapaz mestiço de cabelos prateados que fizera a maior cena na entrada da escola. E por três aulas seguidas Haru tivera que lidar com toda espécie de bilhetes…

Primeiro, uns questionamentos básicos quanto a quem era (se pretendente, ex, irmão, primo…) aos quais Haru desmentiu com cuidado. Depois… as coisas ficaram estranhas. Estranhamente pessoais. Queriam saber, altura, tipo sanguíneo, comidas favoritas e, durante a aula de biologia, pediram por uma mecha do cabelo dele.

Se soubesse que aquele interesse tomaria esse rumo sinistro, ela não teria desmentido seu relacionamento com Gokudera tão cedo…

Uma coisa seria tê-las achando que namorava aquele sujeito inconveniente… outra tê-las inconvenientemente tentando usá-la como ponte para chegarem ao sujeito como se fosse o primeiro contato que tinham com um garoto na vi...!

Oh…

Ok, fazia sentido.

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Assim que o sinal as liberou para o intervalo... estava cercada. Vários grupinhos se enfiaram nos planos mirabolantes de esbarrar no rapaz ou serem apresentadas daquele modo calculadamente casual.

A rodinha que fizeram á sua volta durou mais algumas perguntas inusitadas para depois se fecharem em devaneios dos quais a morena ficara mais que  feliz em não fazer parte.

"Dá pra imaginar... ficar conversando e ouvindo aquele sotaque italiano..." dizia uma. Ela e outras duas suspiravam.

"Já pensaram que empolgante...?! Conhecer um mestiço e de repente se ver no meio de um conflito com a máfia!" logo outras três juntavam-se ao cenário, escolhendo seus papéis.

"Isso não é meio racista...? Sabe, falar de máfia só porque ele é meio italiano e tals..."

E ficaram num silêncio esquisito por meio segundo.

Depois esqueceram e continuaram como se nada tivesse acontecido.

AH, se elas soubessem... Se fizessem alguma mínima ideia... Isso porque a morena nem sonhava em contar sobre as lutas, o cargo e o completo esteriótipo de herói shounen … as cabeças delas provavelmente iriam explodir. Na verdade, a morena nem se dava o trabalho de tentar responder sério.

Não era como se ela realmente conhecesse o bendito "Braço Direito"... pelo menos não na natureza das perguntas que faziam. Nesses últimos dois.... dois? Já fazia dois? ...Céus... fazia quase TRÊS anos desde que voltaram do futuro! E pensar que desse meio tempo tudo girara em torno de preparativos e missões e papelada...

Haru os visitara com frequência, mas sempre acabava ajudando em uma outra tarefa simples, ou fazia companhia pra Kyoko, cuidando dos menores, enquanto Reborn treinava os Guardiões. Até pra discutir com Gokudera não dava mais tempo.

...Pensando bem... Qual fora a última vez que conversara de verdade com os meninos? Ou até com Chrome...?

Da última conversa com Tsuna ela lembrava bem. Infelizmente.

"Haru, responde mais essas pra gente?" e entregaram outra folha de papel cheia de perguntinhas estranhas. Já era a quinta ficha que respondia e a menina oscilava entre responder com seriedade e inventar o que lhe parecesse mais ofensivo.

"Hai, hai..." Animal favorito. Matéria favorita na escola. Hobby. "Pronto. Tomem."

Muitos gritinhos depois vinha outra folha. Mas dessa vez com um texto meio longo e alguns desenhos. Aparentemente esperavam que avaliasse o quão próximo chegavam de acertar sua personalidade.

Um personagem razoavelmente similar ao Guardião (o traço não era ruim, maaas, Haru sentia que faria melhor) caminhava nos corredores de uma escola genérica. Nos balões rascunhados lia-se:

"Hayato Gokudera - gênio matemático e badboy" seguido do personagem vagamente familiar com uniforme genérico, machucados de luta e um livro de Cálculo II na mão.

"Parece mal... mas gosta de gatinhos fofinhos." mesmo personagem, mesmo uniforme genérico, só trocar livro de Cálculo por um gatinho.

Perturbador.

Ok, aquilo foi demais. Até Haru tinha seu limite para o ridículo. Pegou sua trouxinha de comida e saiu da sala. Dava tempo de comer no telhado, as palavras "badboy" e "fã de gatinhos fofinhos" assombrando os cantos de sua mente.

...

Apesar de apesares... Toda aquela sinistra empolgação que transbordava das colegas dera um pouco mais de cor pra sua semana, até então vivida no modo automático. Foi difícil não soltar um sorriso constrangido… Apesar de não entender o que tanto viam em Bakadera especificamente, a Miura sabia muito bem que ela ficava do mesmo jeito por Tsuna quando ele a salvou...

Hagi! Será que ela se comportava da mesma maneira com Tsuna… sabia que se empolgava, mas agora o que temia era que tivesse agido assim na frente dele?

…

…!

Yup. Lembrou que sim. E a vergonha alheia se metamorfoseou em vergonha interna.

Enterrou a cabeça morena entre os braços, tentando agonizar em silêncio e fracassando.

Céus. E tudo porque o imbecil decidira aparecer na porta de sua escola... Aquele cabeça-de-polvo sem noção!

Haru tirou o celular do bolso da saia. Sem desbloqueá-lo, ficou um tempo olhando pro celular. Não havia mais mensagens novas, nem ligações perdidas. O infame chaveirinho de Namahage que Kyoko lhe arranjara pendurado para fora da mesa, feito um homenzinho enforcado.

...

O sinal do fim do intervalo tocou, e metade da sala do Segundo ano já estava de volta. Assim que alcançou sua carteira, preocupou-se em guardar o material e sair dali. O plano agora seria inventar qualquer desculpa para ficar longe do burburinho antes que alguma menina louca decidisse mesmo marcar data pra encontro em grupo ou coisa do tipo. Talvez pudesse tirar um cochilo na enfermaria ou ler alguma coisa trancada no banheiro...

...mas acabou não sendo necessário.

“Miura?” chamou uma das colegas. A atmosfera empolgada e colorida havia se perdido em algum momento do intervalo. "Querem falar com você." e apontou para a porta pela qual entrara havia pouco.

Uma garota um ano mais velha que elas estava na porta sorrindo.

Não queria ir... Mas sabia como funcionava.

"Já vou, Senpai." Haru sorriu de volta.

E a seguiu até a sala do Terceiro ano.