De Repente Papai escrita por Lady Black Swan


Capítulo 23
Dias colegiais de um jovem devasso.


Notas iniciais do capítulo

E para quem estava interessado em saber um pouco mais sobre o passado de Sesshoumaru (e qual a relação dele com Eleonor), esse capítulo é para você! XD



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Quando o viram passar as garotas começaram a cochichar entre si, de novo.

Sesshoumaru girou os olhos... E logo depois sentiu uma leve cotovelada entre as costelas.

—Droga Sesshoumaru! Por que as meninas ficam te dando tanta atenção mesmo se tudo o que faz é as ignorar?! — reclamou o garoto ao seu lado.

—Talvez seja justamente por isso que ele recebe toda essa atenção, não é? — sugeriu outro garoto.

O primeiro olhou intrigado para o segundo.

—Como assim?

—Oras, não é óbvio? Sesshoumaru está chamando atenção desde a cerimônia de abertura por causa dos cabelos claros, se ele não quisesse toda essa atenção não os teria descolorido, e toda essa pose misteriosa e intelectual dele de não querer se misturar e estar sempre escrevendo ou lendo algo só atiça a curiosidade das meninas. A verdade é que Sesshoumaru é um gênio!

Agora Sesshoumaru não lembrava mais os nomes deles, na verdade nunca os soubera, não era importante, eles não eram seus amigos afinal, ele apenas respondia quando falavam com ele, só isso, o que já era bem mais do que se podia esperar de sua relação com garotas, as quais ele geralmente ignorava.

—Essa é a cor natural do meu cabelo. — Sesshoumaru pôs por água a baixo a teoria do colega de classe — E eu acho o mundo entediante, a literatura me distrai.

Os dois garotos o olharam chocados.

—Está dizendo que você não está só fazendo pose? — perguntou um.

—Agora mesmo é que as garotas nunca o deixarão em paz! — O outro jogou os braços para o alto. — Cara você é tão sortudo!

—As mulheres aqui são entediantes. — ele respondeu.

—Taisho-kun. — era um professor que o chamava.

Os três garotos se viraram.

—Sim? — respondeu Sesshoumaru.

O professor ajeitou os óculos.

—Penso que já saiba disso, mas cabelos coloridos vão totalmente contra o código de vestimenta da escola, por isso se não quiser levar uma suspensão...

—Essa é a cor natural de meu cabelo. — Sesshoumaru o cortou — Talvez a escola prefira que eu a processe por xenofobia? — e apontando a porta da enfermaria disse: — É aqui que eu fico.

Ele não esperou resposta.

—Estou com dor de cabeça. — avisou à enfermeira.

A enfermeira concordou.

—Quer tomar alguma coisa?

—Não. — Sesshoumaru aproximou-se de uma cama e puxou as cobertas — Passei a noite em claro, então vou ficar bem se descansar um pouco.

—Ah, passou? — ela estava escrevendo algo em seu relatório e mal lhe dava atenção.

Ainda assim Sesshoumaru confirmou com um aceno de cabeça.

—Tive uma boa idéia para uma estória e não quis dormir antes de terminar de escrevê-la, assim passei a noite em claro.

Dessa vez sim a enfermeira lhe deu alguma atenção, olhando-o por cima dos ombros.

—Escrevendo?

Meio sentado, meio deitado e já de olhos fechados Sesshoumaru confirmou.

Desde então, ele vinha passando, com cada vez mais frequência, grande parte do dia na enfermaria, os professores já estavam começando a se irritar, o que aquele garoto atrevido pensava que estava fazendo?

—Ei ei Sesshoumaru. — um de seus colegas de classe o chamou, passando o braço por seus ombros — Para onde você pensa que está indo? A aula de Ed. Física é para o outro lado, sabia?

—Eu não vou para a Ed. Física. — respondeu tirando o braço do outro de seus ombros — Vou para a enfermaria.

—Ei, você não vem passando tempo demais na enfermaria? — o garoto franziu o cenho parando de andar.

Sesshoumaru seguiu em frente deixando-o para trás.

—Eu passo muitas noites em claro, a enfermaria é um bom lugar para descansar. — respondeu, e parando um pouco completou olhando para o alto — Além de ser um lugar interessante.

—Interessante? — o garoto repetiu, e sorriu achando ter compreendido — Claro, é um ótimo lugar para matar aula!

Aquilo foi em julho, inicio do verão.

Sim, era verão, por isso eles tinham natação para a aula de Ed. Física, e por isso a garota que torceu o pé durante a aula usava um maiô naquele dia em que abriu a porta da enfermaria sem bater antes...

—Com licença eu...

...E viu a enfermeira da escola beijando seu colega de classe, Taisho Sesshoumaru.

A enfermeira assustou-se, afastando-se rapidamente com as mãos sobre os lábios e os olhos arregalados, Sesshoumaru, por outro lado, mal se alterou, olhou impassível para a garota que recém chegara, ela o olhou da mesma forma.

Por quinze segundos inteiros ninguém falou.

E então a garota virou-se.

—Eu volto mais tarde. — disse.

E saiu mancando dali.

Sesshoumaru não deu muita atenção aquilo, mas quando olhou para a enfermeira, “Erika-sensei”, esse era provavelmente o seu nome, percebeu-a extremamente perturbada.

­­—Eu vou ser demitida. — ela dizia com olhos vítreos e as mãos sobre a cabeça — Vou perder meu emprego. E perderei minha licença. Isso nunca devia ter acontecido. Ninguém nunca devia ter nos visto.

Sesshoumaru estalou a língua e levantou-se. Não foi difícil alcançar a garota, já que ela estava mancando.

—Você. — ele a segurou pelo braço — Volte para a enfermaria.

Ela o olhou.

—Erika-sensei está preocupada que você conte a alguém o que acabou de ver. — ele esclareceu quando ela voltou à enfermaria, enquanto, nervosa, Erika-sensei derrubava uma porção de coisas por ali — Mas nós dois sabemos que você não dirá nada.

Sentada sobre a maca, esperando a enfermeira parar de se atrapalhar com seu trabalho e a atender de uma vez, a garota o olhou.

—É mesmo? Por quê? — ela realmente não parecia pretender contar, mas ainda assim perguntou, talvez por mera curiosidade para saber de onde vinha toda aquela auto confiança dele.

—Você não contaria. — ele disse — Eu sou bom com histórias, sabe?  Se disser algo eu posso simplesmente alegar que isto foi uma história que você inventou.

—É mesmo? E por que eu inventaria algo assim? ­— ela queria saber até onde ele iria.

—Diariamente eu ignoro e desprezo várias garotas deste colégio que flertam comigo. — respondeu vendo Erika-sensei por gelo sobre o tornozelo da garota — É apenas natural que, vez ou outra, alguma mais rancorosa queira se vingar espalhando algum tipo de boato.

Ela o olhou.

—Eu nunca flertei com você.

—Pode ser. — ele encolheu os ombros — Mas qual história parece mais provável? Que eu, que aparentemente ignoro todas as mulheres dessa face da terra, estou mesmo saindo com a enfermeira da escola, ou que isso é apenas alguma mentira criada por uma garota desprezada?

Ela o olhou novamente, por vários segundos e em silêncio, até que suspirou e disse:

—Você é mesmo desprezível. — ela acenou para Erika-sensei — Apenas enfaixe isso para mim. Eu não contarei nada. — encolheu os ombros — Não é da minha conta.

Isto, no entanto, serviu para Sesshoumaru descobrir uma coisa: essa garota, que ele achava nunca ter visto até então, na verdade era sua colega de classe, uma aluna estrangeira e, aparentemente, a única outra aluna do colégio com cabelos claros ou, pelo menos, os tinha antes, mas passou a tingi-los de castanho escuro após as repreendas dos professores, ao contrário de Sesshoumaru — sim, agora pensando bem Sesshoumaru realmente se lembrava dos professores pegando no pé de algum outro aluno além dele no inicio do ano.

Não apenas isso, mas ela também sentava no lugar logo ao seu lado.

O que já dava uma boa idéia da dimensão que era a total falta de interesse de Sesshoumaru pelo mundo ao seu redor.

—Você por acaso está me seguindo? — ele perguntou com o queixo apoiado sobre a mão e o olhar fixo a sua frente quando ela sentou ao seu lado.

—Nós somos da mesma sala. — ela respondeu pondo as muletas, que usaria durante o tempo que não poderia pisar com aquele pé, ao lado da mesa — E este é o meu lugar desde o início do ano.

—Hum... É mesmo? — perguntou desinteressado.

—Isto é o que dar não enxergar nada além de seu próprio nariz.

—Erika-sensei decidiu encerrar com nossos encontros, aparentemente o que ocorreu ontem realmente a assustou. — contou por nenhum motivo. — Agora preciso arranjar outro lugar para passar o tempo e descansar.

—Mas que lástima para você, Jovem Devasso-Sama. — ela respondeu, sem um pingo de pena na voz.

—Devasso? — ele repetiu, embora, por algum motivo, não estivesse realmente incomodado com isso.

A partir de então os dois começaram a se falar casualmente: quando chegavam se cumprimentavam, quando saiam se despediam, e uma vez ela até pediu uma caneta emprestada.

E, na semana seguinte, ela sentou-se ao seu lado na Ed. Física.

—Olá. — disse.

—Olá. — ele respondeu sem erguer os olhos de seu livro.

—Você é mesmo muito cara de pau, Jovem Devasso-Sama. — ela comentou observando o resto dos alunos na piscina.

Ela claramente não estava flertando com ele, como faziam as outras garotas, então Sesshoumaru resolveu que não faria mal responder quando ela falasse.

—É mesmo? — disse — Por quê?

—Já não pode mais matar a aula de Ed. Física ficando na enfermaria mais ainda assim não faz a aula, e ainda senta-se aqui, lendo um livro a vista de todos. — ela respondeu — Eu torci o tornozelo e não posso entrar na água. Qual a sua desculpa?

—Esqueci a roupa de banho em casa. — respondeu.

—E é verdade?

—É. — confirmou — Só não foi um acidente.

—Compreendo.

Em silêncio ela continuou a observar os alunos na piscina, enquanto ele voltava a ler o seu livro.

Vários minutos depois ele perguntou:

—Por mais quanto tempo você vai precisar ficar sem pisar com esse pé?

—Por mais alguns dias.

—Entendi.

Ele voltou a ler, algum tempo depois a ouviu dizer:

—Eu me chamo Serov Eleonor.

Sesshoumaru acenou com a cabeça.

—Sou Taisho Sesshoumaru.

Não que ela já não soubesse, ela com certeza já devia saber o dele, mas, por questão de educação, Sesshoumaru achou melhor se apresentar do mesmo jeito.

É óbvio que não demorou muito para que a “relação” dos dois começasse a gerar comentários.

—Ei, ei Sesshoumaru! — era um daqueles dois garotos novamente, colocando o braço sobre seus ombros — Qual é a sua com a Serov-chan?

—“Qual é a minha”? — ele arqueou a sobrancelha.

—Vamos, vamos, Sesshoumaru! — o outro garoto intrometeu-se também — A gente sabe que tá rolando algo entre você e a Serov-chan, vocês dois parecem bem íntimos!

—Ela me pediu uma caneta. — respondeu — Isso é tudo.

—Qual é, não pode ser só isso! — o primeiro garoto insistiu — A gente viu vocês de conversinha na Ed. Física, todo mundo viu!

—Não estávamos de “conversinha”. Era apenas um caso em que um fala e o outro responde.

—Sei, sei. — dizia o primeiro garoto.

Qual era o problema deles com aquela repetição irritante de palavras?

—E quem é exatamente que falava e quem respondia?

Sesshoumaru girou os olhos, quando é que aqueles dois o deixariam ler seu livro em paz?

Aquela relação — ou seja, lá o que fosse — estava se tornando um tanto quanto incomoda e ele até pensou em cortar de vez os laços com aquela garota, mas desistiu, ela não tinha culpa do quão inconveniente eram seus colegas de classe e, na verdade, desde que chegara ali ela fora a menos inconveniente de todos.

E provavelmente Eleonor pensava a mesma coisa sobre ele.

—Minhas amigas andaram me importunando a seu respeito. — ela comentou certa vez. — Querem saber como eu consegui ser tão próxima de você.

—Você também? — ele indagou.

Nessa ocasião estava os dois ilhados na escola esperando a chuva passar para irem para casa, porque ambos haviam esquecido seus guarda-chuvas.

—Aparentemente somos próximos agora.

—Aparentemente sim. — concordou — Não se preocupe, hoje é o último dia de aula, até o próximo semestre já terão esquecido.

Eleonor concordou… mas turma não os esqueceu.

—Aparentemente nós tivemos um encontro romântico na praia durante o verão. — ela comentou sentando-se ao seu lado no telhado da escola.

—Eu odeio a praia. — ele respondeu. — É quente, tem gente demais e areia, odeio areia, meu quarto é mais confortável.

—Eu passei o verão na casa de meus avós, lá é um pouco frio para se usar biquíni... — ela respondeu

Provavelmente ambos sabiam que se simplesmente deixassem de se falar o problema deles estaria resolvido, mas por alguma razão nenhum dos dois fez questão de mencionar isso.

—Sempre que eu o vejo você está lendo ou escrevendo algo.

Sesshoumaru concordou.

—A realidade é enfadonha, a literatura é um meio que eu tenho de escapar de todo esse tédio.

—E sobre o que você escreve?

Sesshoumaru ergueu os olhos.

—Você quer ler?

E assim Eleonor tornou-se a sua primeira leitora.

—S-Sesshoumaru-Kun. — uma garota o chamou aos gaguejos certo dia.

Era hora do intervalo e Sesshoumaru estava sentado na janela — apenas mais uma regra quebrada para sua coleção — lendo o livro quando a garota o interrompeu.

—O que?  — Respondeu sem erguer os olhos de seu livro.

—E-eu... Eu tenho algo que gostaria de lhe falar, p-poderia vir comigo um pouquinho?

Finalmente erguendo os olhos Sesshoumaru direcionou um olhar à porta da sala de aula, onde havia duas garotas — provavelmente amigas daquela que falava com ele — espiando-os com expressões animadas e nervosas.

E logo entendeu o que estava acontecendo ali. Que irritante.

—Eu estou ocupado agora. — declarou baixando os olhos para o livro novamente — E você está me amolando. Vá embora.

A garota arregalou os olhos.

—E-eu sinto muito! — gaguejou logo antes de fugir correndo dali.

Eleonor se aproximou, olhando a menina sair correndo dali e logo depois olhando para Sesshoumaru.

—Você não me parece ocupado. — comentou.

—Verdade? — ele não lhe deu muita atenção, virando a página do livro.

—Acho que ela ia se declarar.

—Certamente que iria.

—Você bem que poderia ouvir de vez em quando! — Eleonor cruzou os braços.

Sesshoumaru a olhou.

—Isso seria apenas uma perda de tempo. — afirmou.

Finalmente desistindo Eleonor suspirou e deixou os braços caírem ao lado do corpo.

—E então? — perguntou — Você tem alguma coisa pra mim hoje?

Por algum tempo Sesshoumaru não disse nada, virando mais uma página enquanto lia preguiçosamente, e foi só quando Eleonor desistiu e já se virava para ir embora que ele finalmente respondeu:

—Está debaixo da minha mesa.

Eleonor retornou, puxou a cadeira e sentou-se no lugar correspondente ao lugar de Sesshoumaru e, ao levantar o tampo da mesa pegou dali de baixo a pasta plástica em forma de L e retirou os papéis dali de dentro.

E assim silenciosamente começou a ler.

—Um amigo de meu pai achou um de meus textos. — Sesshoumaru comentou fechando seu livro.

Eleonor ainda lia o texto quando respondeu:

—Hum, e então?

—Ele é editor e parece ter gostado do meu texto, quer publicá-lo, me disse que tenho talento e perguntou se eu tinha outros. — contou.

—E...?

—Parece uma boa maneira de ganhar uma renda extra. — concluiu — O que achou?

Perguntou ao perceber que ela havia terminado.

Eleonor colocou o texto de volta na pasta L e a guardou debaixo da mesa onde a encontrara.

—Perturbador, assim como o último, talvez eu passe algumas horas a mais acordada essa noite. — respondeu virando-se para ele — Está realmente muito bom.

Nenhum dos dois podia dizer que eram exatamente “amigos”, mas também não podiam reclamar da relação que tinham.

Seja lá qual fosse ela.

—Acho que estou interessada em alguém. — Eleonor comentou certa vez.

Nessa ocasião estavam ambos no corredor inclinados sobre uma janela olhando o pátio lá fora.

—Não por mim, eu espero. — Sesshoumaru respondeu indiferente.

—Óbvio que não. — ela estalou a língua. — Eu prefiro alguém com o mínimo de sensibilidade e gentileza para com os outros e que não seja secretamente um jovem Devasso-Sama.

—Ainda com essa história de Jovem Devasso-Sama? — ele replicou calmamente.

—É o que você é, não é?

Sesshoumaru encolheu os ombros, sem confirmar nem negar nada, seguiram-se então alguns segundos de silêncio antes que ela prosseguisse:

—Ele confessou-se a mim logo depois que voltamos das férias de verão, e eu prometi lhe dar uma resposta antes do final do semestre.

—É um tanto cruel de sua parte fazê-lo esperar por tanto tempo assim. — Sesshoumaru alfinetou.

Foi a vez de Eleonor encolher os ombros.

—Já se passou mais de um mês, mas se a proposta dele para sairmos juntos ainda estiver de pé, penso que lhe darei uma resposta afirmativa. — concluiu.

E assim, dias depois, Eleonor tinha um novo namorado.

Entretanto ao invés de passar o tempo com o namorado agora ela passava ainda mais tempo do que antes com Sesshoumaru, até mesmo almoçava com ele, isso porque, segundo ela própria, suas amigas haviam ficado irritantemente inconvenientes desde que começara a namorar, isto é, muito mais do que antes, chegando ao nível de ser insuportável.

Sempre que estava com elas, prosseguia Eleonor, as amigas só queriam saber e falar sobre seu namorado, como ele era, do que gostava, aonde já a tinha levado, se andavam de mãos dadas, até que almoçar com elas tornou-se simplesmente intangível de tão aborrecedor.

—Talvez elas devessem arranjar um namorado também para deixarem-na em paz. — Sesshoumaru opinou dando uma grande mordida em seu sanduíche.

Os dois estavam almoçando num banco no pátio, apesar do pequeno frio outonal que mantinha todos os alunos do lado de dentro naquele momento — alguns até mesmo os espiando indiscretamente pela janela —, mas nenhum dos dois parecia se incomodar com aquilo.

—É o que eu penso também. — Eleonor concordou — Mas quando sugeri isso elas me chamaram de maldosa e me encherem ainda mais de perguntas.

Em conjunto os dois giraram os olhos.

Havia muito a ser dito sobre a semelhança entre aqueles dois indivíduos.

—E por que não está almoçando com seu namorado?

Ainda com o canudo da caixa de suco entre os lábios ela o olhou de lado.

—Como disse?

Sesshoumaru encolheu os ombros.

—As garotas geralmente gostam de almoçar com seus namorados, certo? — perguntou — E fazem suas refeições também, às vezes até mesmo sem serem seus namorados.

E dizia isso por experiência própria, todos os dias garotas se acumulavam em volta dele oferecendo-lhe almoços caseiros “feitos com todo amor” e querendo lhe fazer companhia durante o intervalo, é claro que quando Eleonor começou a namorar e, —estranhamente — por consequência passou a almoçar com ele esses inconvenientes diminuíram drasticamente.

Essa era, ele admitia, uma das vantagens de se ter Eleonor por perto.

—Ah sim. — Eleonor concordou — Mas ele e eu já vamos sair para um encontro mais tarde, e ele sempre me acompanha até em casa depois das aulas, então não há necessidade de estarmos sempre grudados um no outro na escola também.

Na verdade Sesshoumaru não se lembrava da aparência ou do tal namorado, nem sabia se chegara a vê-lo alguma vez, apenas lembrava-se dele pelo que acontecera pouco mais de três meses depois.

Sesshoumaru a olhou de canto, dando a última mordida em seu sanduíche.

—Você é uma garota estranha, não é Madame?

Às vezes a chamava assim, por nenhuma razão em específico, exceto os modos calculados e distante com os quais ela quase sempre agia, e que, por alguma razão, afastava a maioria do homens dela “Serov-chan parece ser boa de mais para cara como nós” diziam os idiotas rindo entre si.

Eleonor encolheu os ombros, mas apesar de aparente indiferença de Eleonor para com o namorado, ela realmente se afeiçoara de maneira quase indescritível a ele, fato que Sesshoumaru comprovaria tempos depois ao presenciar uma surpreendente e inesperada explosão emocional da garota.

—Há uma garota olhando para você. — ela comentou.

—Há sempre uma garota olhando para mim.

—Devasso convencido. — Sesshoumaru encolheu os ombros — Acho que ela se chama Setsuka, não está nas janelas. — avisou-o quando o viu prestes a erguer os olhos — Está ali, perto das máquinas de venda.

A garota em questão estava definitivamente o encarando, mas diferente do resto das garotas ela não desviou o olhar e fugiu envergonhada ao ser flagrada o observando, e sim devolveu o seu olhar, levando um cigarro aos lábios — algo definitivamente proibido no colégio e punível até com expulsão.

Tempos depois, apesar de Sesshoumaru sempre alegar odiar o ambiente escolar, naquele dia ele havia ficado além do horário, foi assim que naquela tarde Eleonor o encontrou casualmente deitado no patamar das escadas entre o segundo e o terceiro andar, sob os pálidos raios de sol que entravam por um balancinho, com um braço dobrado sobre a cabeça e segurando acima do rosto um livro que lia.

—Sesshoumaru! — ela o chamou subindo as escadas em sua direção.

Sentando-se Sesshoumaru sequer notou a fúria da garota — que era, na verdade, a primeira demonstração real de qualquer sentimento vindo da parte de Madame Eleanor.

—Olá. — ele cumprimentou deixando o livro de lado — Por que ainda está na escola a essa h...?

E foi surpreendido com uma forte bofetada do lado esquerdo de seu rosto.

Atônito pela primeira vez em muito tempo Sesshoumaru, ainda que sem demonstrar isso, a olhou:

—Por que fez isso? — perguntou estupefato.

—Ele terminou comigo! — ela ajoelhou-se furiosa ao seu lado.

—Ele? — repetiu — Ele quem?

Ela provavelmente respondeu com o nome do então namorado naquele momento, mas Sesshoumaru era completamente incapaz de lembrar-se dele agora — e nem pretendia dar-se ao esforço.

Arqueando uma sobrancelha Sesshoumaru perguntou:

—E o que eu tenho haver com isso?

Socando-o de forma afetada no peito Eleonor respondeu:

—O que você tem haver com isso, você me pergunta!  — a essa altura lágrimas já brotavam de seus olhos azuis — Falaram sobre você a ele, é isso que você tem haver! E ele viu-me dia a após dia ao seu lado, almoçando com você e decidiu... — soluçou com as lágrimas escorrendo livremente de seus olhos, olhando-o com a face transfigurada em absoluta desolação — Que se eu preferia tanto assim estar ao seu lado, então ele não nos seria um impedimento. E terminou comigo! — finalizou dando mais um soco afetado em seu peito — É isso que você tem haver Sesshoumaru, é isso! Foi tudo culpa sua!

Agora ela já agarrava sua camisa e chorava livremente, com a testa apoiada em seu peito e o corpo sendo sacudido pelos soluços.

Em seus dezesseis anos de vida Sesshoumaru nunca havia precisado ou se importado em consolar alguém antes — muito menos uma mulher chorosa —, e franzindo o cenho olhou para cima em busca de algo para dizer.

—Se parar para pensar eu continuo sem ter nada haver com isso. — começou — Eu não a algemei e tampouco a obriguei a almoçar comigo, isto foi uma escolha livre e absolutamente sua.

E — como já era de se esperar — obteve justamente o resultado oposto ao que pretendia, e o choro de Eleonor tornou-se ainda mais intenso em seu peito, sacudindo-lhe os ombros.

Normalmente Sesshoumaru teria deixado aquilo de lado, e a deixaria ali chorando sozinha sem sequer ter feito uma tentativa de consolá-la e muito menos duas, mas, pondo a mão sobre as costas dela, com o livro já esquecido ao seu lado ele tentou mais uma vez:

—Talvez se você explicasse a ele o quanto suas amigas haviam se tornado inconvenientes ele pudesse compreender a razão para você passar tanto tempo comigo e reconsiderasse.

Sem erguer os olhos Eleonor sacudiu a cabeça.

—Eu expliquei! — afirmou — Disse tudo isso a ele! Mas ele me disse que se era assim então devia ter ficado ao lado dele, e não corrido para você.

Terminou agora com um toque de fria amargura, como se não pudesse compreender o raciocino do namorado que levara ao termino de tudo.

Na verdade, tampouco Sesshoumaru compreendia, assim como era incapaz de compreender a reação exagerada — de seu ponto de vista — de Eleonor á separação de alguém com quem ficara cerca de quatro meses apenas, mas já haviam lhe dito, por mais de uma vez, aliás, que ele possuía uma inacreditável insensibilidade para com o próximo.

Ainda assim, numa surpreendente terceira e ultima tentativa de acalentar Eleonor, Sesshoumaru fez a outra única coisa que lhe ocorreu: Baixando lentamente os olhos ele passou a mão pelo queixo de Eleonor erguendo-lhe o rosto em sua direção.

—Eleonor. — chamou.

E pousou os lábios sobre os seus.

Depois disso Eleonor pareceu se acalmar e manteve-se quieta; pegando seu livro numa mão e puxando a mão de Eleonor com a outra Sesshoumaru levantou-se.

―Hoje vou substituir seu namorado e acompanhá-la até em casa.

Disse, recebendo um aceno afirmativo como resposta.

Ele foi muito cuidadoso com ela naquele dia, carregando sua bolsa, esperando-a calçar os sapatos e vestir o casaco e segurando-a pela mão durante todo o trajeto até sua casa, deixou-a no portão com um cordial “boa noite”, empregando toda a gentileza que jamais usara durante a vida.

Isto foi durante o inverno, disso Sesshoumaru lembrava-se bem, pois era sua época favorita do ano.

Mas o que aconteceu naquele dia não mudava em nada a relação ― fosse ela qual fosse ― que havia entre eles, e Eleonor já sabia disso, pois quando flagrou Sesshoumaru com Setsuka ― a tal garota rebelde e fumante que o estivera observando naquele dia ― exatamente no mesmo patamar onde dias atrás ela se desmanchará em lágrimas em seu ombro, não demonstrou nenhuma surpresa.

―Jovem Devasso-sama o professor está chamando. ― avisou.

Setsuka a olhou com um irritado arquear de sobrancelhas pela interrupção, mas Eleonor não deu qualquer atenção a ela, como se mal a notasse ali, e esperou pacientemente até que Sesshoumaru recolhesse suas coisas e se levantasse para segui-la.

―Que professor? ― ele perguntou já a acompanhando pelo corredor.

―Nakamura-sensei. ― Ela respondeu, e torcendo o nariz acrescentou: ― Você está fedendo a cigarro.

Sesshoumaru encolheu os ombros.

―Deve ser por causa de Setsuka. ― ele lançou um olhar de canto a ela ― Sua raiz está começando a aparecer de novo, é melhor retocá-la antes que os professores comecem a pegar no seu pé.

―Claro, porque de você já desistiram. ― ela estalou a língua olhando para seus cabelos claros ― É melhor que não comece com esse vicio nojento de fumar. ― advertiu ― Sentamos lado a lado na sala, não quero sentir cheiro de cigarro durante a aula toda.

―Não vou fumar. ― ele garantiu.

Três semanas depois, durante a época que antecedia os exames finais, Setsuka o ensinou como fumar seu primeiro cigarro.

Seu relacionamento com Setsuka obviamente não durou muito — diferentemente de seu caso com os cigarros, com os quais ele podia dizer, sem qualquer exagero, que tivera o relacionamento mais longo de sua vida — e as sementes para a ruína da relação foram semeadas naquele mesmo dia, pois quando o professor Nakamura o chamou foi para lhe parabenizar por seu desempenho, apesar de sua persistente rebeldia, e lhe dar a notícia de que, provavelmente, no ano seguinte ele pularia uma série, já que Sesshoumaru estava obviamente a frente de seus colegas, e como aquela escola não tinha classes especiais para os melhores alunos de cada ano — como acontecia em alguns colégios — seria melhor que o deixassem avançar mais um ano, para não desperdiçar seu potencial.

Isto, claro, desde que ele continuasse mantendo os excelentes resultados que vinha demonstrando até então.

Terminar o colegial em dois anos ao invés de três? Isso de fato não soava nada mal.

Assim, logo no primeiro dia de aula do ano letivo seguinte, a notícia de que Taisho Sesshoumaru não estava registrado em nenhuma turma de segundo ano, mas sim numa de terceiro espalhou-se como fogo pela escola e, é claro, logo chegou aos ouvidos de Setsuka, que não demorou a procurá-lo.

—É melhor que terminemos. — foi o que ela disse — Você é genial, inteligente demais para mim, todos estão falando sobre como você é impressionante e eu... Eu certamente só seria uma pedra a puxá-lo para baixo. Não, esse relacionamento nosso certamente não tem futuro.

Depois disso ela calou-se e olhou-o por alguns segundos, como se esperasse algo dele, mas Sesshoumaru apenas manteve-se calado e escutou pacientemente o que ela tinha a dizer, por fim Setsuka suspirou, parecendo, por algum a razão incompreensível, um pouco desapontada e acrescentou:

—Eu também sei que você não nutre qualquer tipo de sentimento especial por mim, isso ficou bem claro na frieza com a qual me tratou quando o visitei em casa durante as férias de primavera. E eu não quero ser um estorvo.

Ou qualquer coisa assim.

Mais uma vez Sesshoumaru apenas manteve-se calado e escutou pacientemente o que ela tinha a dizer, e embora não soubesse ao que ela se referia quanto a sua “frieza” nas férias de primavera — pois de seu ponto de vista ele havia sido perfeitamente cordial na ocasião, convidando-a para entrar e até lhe oferecendo algo para beber, ele até mesmo se dispôs a acompanhá-la a estação de metrô quando chegou a hora de ela ir para casa — não a contradisse em nada.

Depois que Setsuka havia ido embora, parecendo inexplicavelmente cabisbaixa com o término — afinal fora ela mesma quem escolhera aquilo — Sesshoumaru ainda ficou ali por mais um tempo para acender um cigarro.

Na noite anterior sua mãe o havia procurado.

Ao que parece seu pai havia falado a ela sobre sua última façanha e ela ficara impressionada, e oferecera-se para lhe pagar a faculdade e todas as despesas relacionadas, desde que ele cursasse direito ou medicina.

Sesshoumaru não se interessava por nenhuma das duas áreas em especifico, e tão pouco já tinha certeza se pretendia fazer faculdade, mas sua mãe havia se submetido a descer do alto da terra dos deuses só para lhe propor aquilo, e aquela era uma proposta que não se podia descartar de uma vez.

Ele precisava pensar... Precisava de um cigarro.

―Apague esse cigarro é proibido fumar na escola!

Sesshoumaru tirou o cigarro dos lábios e a olhou, não se lembrava de já ter visto àquela mulher por ali antes, mas isso não significava muita coisa também, ele só notara Eleonor, que sentara ao seu lado desde o inicio das aulas, quase nas férias de verão e só porque ela o flagrara naquela ocasião na enfermaria.

―Como disse?

―Fumar nas dependências da escola é punível com suspensão ou até expulsão! ― ela o repreendeu.

―Entendo. ― ele jogou o cigarro no chão e pisou em cima para apagá-lo ― E quem é você? Como se chama?

―Abi, estou estagiando neste colégio a partir deste semestre.

―Hum... Interessante. ― comentou ao passar por ela. ― Então é um prazer conhecê-la, Abi-sensei.

Cerca de treze semanas depois Eleonor o flagrou com Abi-sensei na sala de referências depois das aulas, o que certamente trouxe uma sensação de dejavú aos dois.

―Eu volto mais tarde. ― suspirou cansada fechando a porta.

Abi-sensei cobriu o rosto com as mãos.

―Acabou! Acabou tudo! ― lamentou-se ― Perderei meu estágio! Isto vai se espalhar e minha reputação estará arruinada! Não conseguirei meu diploma! Eu estraguei tudo!

Ah... Exatamente como Erika-sensei.

―Está tudo bem, era apenas Eleonor, ela não vai contar a ninguém. ― ele a acalmou olhando para a porta fechada com as mãos enfiadas nos bolsos.

―Não... Vai? ― Abi-sensei o olhou.

―Não. ― Sesshoumaru encolheu os ombros ― Somos... Amigos.

Essa foi a única vez em que ele usou aquela palavra para descrever sua ligação com Eleonor, mas não é como se qualquer um dos dois se considerasse em tal nível de relação com o outro, é só que ele sentiu que se dissesse simplesmente que Eleonor não contaria nada porque aquilo não tinha nada haver com ela isto não seria o bastante para Abi-sensei e ela, inevitavelmente, começaria a chorar, e Sesshoumaru era péssimo para confortar mulheres chorosas.

Além de ser extremamente incômodo.

―Olá Eleonor.

Ele a cumprimentou alguns dias depois quando se encontraram por acaso a caminho dos bebedouros durante as aulas de Ed. Física, agora que já não eram mais da mesma sala eles se encontravam apenas por acaso em algumas raras ocasiões.

―Bom dia para você, jovem Devasso-Sama, ou eu deveria dizer “Príncipe de Gelo”?  ― ela virou-se ― Francamente, o que você pensa que está fazendo?

Ah sim, o caso do “príncipe de gelo”, naquele ano os professores pareciam ter retornado com vigor renovado para pegar no pé de Sesshoumaru por causa de seus cabelos claros, e ele, em contrapartida, passara a contar uma história diferente sobre seu cabelo para cada vez que eles decidiam incomodá-lo, entre elas a que mais se popularizou pelo colégio foi a história de que ele era um príncipe de um reino distante onde as longas e claras madeixas eram os símbolos de poder da nobreza, mas então, um dia ele fora destronado e exilado por um tio ganancioso que, além de tudo, também lhe cortara os cabelos, e agora ele não abriria mão do que restara de seu orgulho também escurecendo seus cabelos.

E ele contava suas histórias com tamanha seriedade que deixava os professores tão desconcertados que eles até se esqueciam de que, naquele momento, deveriam estar pondo-o para fora da sala, não apenas pelos cabelos claros ― que começavam a parecer o menor dos problemas ―, mas também pela insubordinação.

E popularizou-se tanto que as meninas de todo o colégio ― e inacreditavelmente até garotas de alguns outros colégios próximos também ― só o chamavam disso agora o tempo todo, mas pelo menos os professores já estavam começando a fraquejar, e Sesshoumaru sentia que logo mais o deixariam em paz.

―Só estou confundindo um pouco a cabeça dos professores tenho certeza que eles vão se cansar logo de mim. ― respondeu.

―Não isso, falo do seu caso com Abi-sensei. Sabe que pode acabar expulso, não sabe? E ela sem ganhar o diploma. ― ela fez uma pausa para inclinar-se para beber água.

―Sei, Abi-sensei foi bem incisiva quanto a isso depois que você nos pegou. ― respondeu ― Mas está tudo bem desde que seja apenas você.

Eleonor ergueu-se passando as mãos nos cabelos.

―Vocês realmente deveriam ter mais cuidado, sabia? ― ela pegou a toalha dele, que estava em volta de seu pescoço, para secar o próprio rosto.

―Nós sempre trancamos a porta, aquela foi à única exceção em que nos esquecemos, mas não ocorreu mais desde então. ― respondeu inclinando-se para também beber água.

―Parece mesmo que flagrá-lo em situações assim é minha sina, Jovem Devasso-Sama. ― Eleonor comentou parecendo entediada demais para ficar irritada, de tão acostumada que estava àquele tipo de situação ― De qualquer forma diga a sua namorada que eu não vou contar nada a ninguém, isso não tem nada haver comigo afinal, então ela pode ficar tranquila, Abi-sensei sempre age estranho quando nos encontramos.

Ela então lhe devolveu a toalha, jogando-a sobre a sua cabeça logo antes de ir embora.

Sesshoumaru passou o resto daquele ano com Abi-sensei, ela o distraia, o ajudava a relaxar, exceto é claro, quando o estava perturbando pelos cigarros.

―Sesshoumaru-kun você é menor de idade, sabia?

Deitado no telhado da escola Sesshoumaru tirou o cigarro da boca e soprou a fumaça para o alto.

―Sim, obrigado Abi-sensei, mas acho que sei minha própria idade.

―Não me chame de sensei. ― a garota corou se aproximando ― Quero dizer que é ilegal fumar na sua idade. Como consegue essas coisas afinal?

―Tenho meus métodos. ― ele voltou a levar o cigarro aos lábios, cruzando os braços atrás da cabeça e fechando os olhos.

Abi-sensei sentou-se sobre os tornozelos ao seu lado arrancando o cigarro de sua boca.

―Você poderia ser expulso se te pegassem. ― reclamou.

―Isto me ajuda a pensar. ― ele argumentou esticando o braço para pegar o cigarro de volta.

Mas Abi-sensei esticou o braço ainda mais no alto, tirando-o de seu alcance.

―Pensar em que?

―Faculdade. ― ele desistiu de pegar o cigarro, deixando o braço cair de volta e recolocando-o atrás da cabeça.

O braço de Abi-sensei também caiu das alturas e, momentaneamente esquecido do cigarro em mãos, ela perguntou:

―É mesmo? E o que pensa em fazer? Você deixou seu formulário de aptidão em branco...

―Acho que irei cursar direito.

―Isso...! Isso é impressionante Sesshoumaru-kun! ― Exclamou admirada ― Direito! Eu nunca soube que você tinha interesse em...!

―Não realmente, mas minha mãe só me deu duas opções. ― ele virou-se lhe dando as costas ― E eu tenho muito menos interesse em abrir corpos, pelo menos fora das páginas de livros, ao menos direito envolve alguma leitura.

E bocejou.

Aquela conversa estava encerrada, ele queria dormir agora.

...

―O que faz aqui escondido feito um rato? ― Eleonor questionou quando o encontrou sozinho na sala de aula no último dia de aula ― Oh, e parabéns por ter sido o orador.

―Eu recusei por sete vezes, era uma perda de tempo, mas eles continuaram a insistir. Foi um saco. ― ele respondeu da última cadeira no canto, onde se sentava com o queixo apoiado numa mão, ele a olhou.

Eleonor encolheu os ombros e fechou a porta atrás de si, aproximando-se enquanto Sesshoumaru a observava.

―Têm um monte de garotas te buscando loucas lá fora, querendo conseguir um dos botões de sua jaqueta, especialmente o segundo. ― comentou sentando-se numa cadeira ao seu lado ― Mas parece que somente eu tenho esta sina para encontrá-lo.

Sesshoumaru arqueou uma sobrancelha.

―E você veio me pedir um botão?

―É óbvio que não. ― ela girou os olhos e então, olhando a volta, comentou: ― Essa foi nossa sala no primeiro ano.

―De fato. ― ele concordou. ― Mas eu me formei antes de você.

―É o que parece. ― ela apoiou o queixo levemente sobre uma mão ― Isso significa que nossos caminhos se separam aqui.

Comentou tranquilamente, encarando a lousa na parte da frente da sala, como se assistisse a uma aula.

Sesshoumaru aquiesceu.

―É o que parece.

Os dois continuaram ali, em silêncio por um momento, até que a porta de correr da sala voltou a se abrir e Abi-sensei apareceu por ali, ao que parece Eleonor não era a única com o dom para encontrá-lo.

―Sesshoumaru-kun! Eu estava a sua procura, parabéns por ser formar! Isso significa que já não é mais um aluno e nós...! ― ela foi calando-se ao reparar em Eleonor ali ― Ah... Serov-chan...

Eleonor inclinou levemente a cabeça.

―Abi-sensei.

Sesshoumaru levantou-se chamando novamente sua atenção para ele:

―Ah! Sesshoumaru-kun! Eu vim aqui parabenizá-lo por sua formatura!

Sesshoumaru tocou seu ombro.

―Sim, então parece que é aqui que nossos caminhos se dividem, eu estou indo agora Abi-sensei, então adeus. ― ele inclinou-se levemente para beijar-lhe a bochecha, antes de deixá-la ali.

Ele conseguiu entrar na faculdade de direito, mas acabou não durando muito ali, pois se cansou e abandonou tudo em menos de um ano, quando começou a receber por seu primeiro trabalho como escritor, depois disso, sua mãe cortou definitivamente qualquer contato com ele por cerca de vinte e um meses... E então um dia simplesmente apareceu em seu prédio, exigindo que ele “parasse com aquela besteira de ser escritor e arrumasse um emprego de verdade” ― Pelo menos ela não voltara a aparecer desde o dia em que Sesshoumaru sugerira que ela levasse Rin consigo para criá-la, no segundo em que ele dissera aquelas palavras sua mãe dera uma rápida desculpa ensaiada e se apressara a ir embora dali, exatamente como Sesshoumaru sabia que ela faria, e esperava que ela ficasse ainda um bom tempo sem aparecer, pois aqueles dias estavam sendo relativamente tranquilos...   

Ainda assim ele nunca iria conseguir compreender o que se passava na cabeça de sua mãe, mas não apenas ela, para Sesshoumaru tudo o que se passava na mente e principalmente no coração de uma mulher era um absoluto mistério.

Ele nunca conseguiu entender porque as meninas continuavam a persegui-lo na escola enquanto ele continuava a ignorá-las, nunca entendeu o que levou Eleonor àquela absurda explosão emocional que ela teve diante de si, nem porque Setsuka parecera tão decepcionada com o término se fora ela mesma quem decidira encerrar com tudo, assim como tão pouco notara que Abi-sensei ficara chateada com suas últimas palavras a ela embora o que eles tivessem tido nunca tenha sido algo sério, e mesmo agora que sabia sobre isso ainda não conseguia compreender, ele havia se despedido da mesma forma de Eleonor e ela não parecera nem um pouco chateada com isso quando, anos depois, se reencontraram por acaso quando se tornaram vizinhos no mesmo prédio ― dando assim continuidade a sua “sina”.

E se Sesshoumaru era incapaz de compreender as mulheres ― levando em consideração todo o seu histórico até aqui ― como poderia ele ter então a pretensão de realmente querer comprar uma lembrança de Dia Branco para Rin?

Porque mulheres eram complicadas independentemente da idade.

―Muito bem, agora ouçam bem porque apesar de parecer simples há toda uma delicada matemática por trás do Dia Branco. ― o Pervertido seguia falando à frente. ― Mulheres são criaturas caprichosas, então se escolher realmente retribuir o presente de dia dos namorados no dia branco, e pense com cautela se escolher não retribuir, você nunca pode dar algo abaixo ou equivalente ao preço do chocolate que elas te deram.

―Os chocolates eram caseiros, não custaram coisa alguma. ― Inuyasha retrucou idiotamente.

―Isso não é totalmente verdade, há pelo menos o valor dos ingredientes ― O Pervertido retrucou ― Mas de qualquer forma não se pode deixá-las pensar, em hipótese alguma, que escolheu o presente delas de forma desleixada... Ei Sesshy, preste atenção aqui nas minhas dicas de ouro, porque de nós três você é obviamente o que tem menos experiência nesse tipo de coisa.

Seguindo mais atrás, Sesshoumaru evitou um torcer desgostoso de lábios, se ele tivesse que ouvir mais uma vez alguém o chamando de Sesshy iria cometer um assassinato em público... Ou talvez só fizesse parecer um acidente.

Obviamente sair com aqueles dois não havia sido, nem de longe, a sua primeira opção, e por isso fora ao apartamento de Eleonor naquela manhã.

―Ah Sesshoumaru! ― ela surpreendeu-se ao abrir a porta e deparar-se com Sesshoumaru ali, ainda com o punho erguido a meio caminho de bater na porta ― O que faz aqui?

―Hoje é 14 de março. ― ele respondeu.

Ao que ela arqueou uma sobrancelha.

―Oh sim, obrigada por avisar-me eu quase esqueci. 

Respondeu irônica, saindo de casa e fechando a porta atrás de si ao mesmo tempo em que vestia o casaco.

Sesshoumaru a seguiu pelo corredor.

―É o dia branco.

A essa altura Eleonor já descia as escadas.

―E? Está querendo que eu te dê alguma coisa? Pois se lembro bem você não me deu nada, e além do mais isso não estaria meio invertido... ― subitamente ela parou e olhou para trás ― Espere, está se referindo àquela menina? Porque ela te deu aqueles biscoitos?

―Preciso que compre algo para ela. ― ele respondeu.

Eleonor arqueou as sobrancelhas e então se virou e continuou a descer as escadas novamente.

―Me desculpe, mas não me lembro de ela ter-me dado qualquer coisa mês passado. ― ela estava sendo sarcástica, é claro.

Ele voltou a segui-la e segurou-a pelo braço.

―Eleonor...

Mas ela puxou o braço de volta.

―Se quer dar algo a ela seja sincero e compre você mesmo! ― Eleonor olhou-o e girou os olhos pondo as mãos nos quadris ― E eu não posso ajudá-lo hoje Sesshoumaru, porque tenho uma gravação e os deuses sabem como é difícil uma estrangeira arranjar trabalho aqui! Embora eu tenha passado a maior parte da minha vida aqui e seja muito mais japonesa do que russa, é inacreditável!

Atirou os braços para o alto e voltou a descer as escadas, Sesshoumaru continuou a seguindo.

―Eleonor. ― chamou.

Mas ela o dispensou com um aceno por cima do ombro.

―Vai ter que se virar sozinho dessa vez. ― e então com uma risadinha de escárnio completou ― O grande Príncipe de Gelo preocupado em retribuir um presente de Dia dos Namorados? Existe justiça no universo afinal.

E assim ele acabou tendo que ir com aqueles dois imbecis, e tudo o que conseguia pensar era o que de tão ruim poderia ter feito para merecer uma punição como aquela? Quer dizer, ele bem que conseguia pensar numa dúzia de coisas ― e isto só num primeiro momento ―, mas ainda assim teria mesmo sido assim tão grave?!

A sua frente os dois idiotas pararam e o idiota n°2 ― o Pervertido ― colocou a mão sobre o ombro do idiota n°1 ― seu estúpido meio irmão ― e disse de forma exagerada:

―E agora contemple: o maior desafio masculino do Dia Branco!

E fez um gesto amplo, gesticulando para a pequena e fofa loja a sua frente, cujo interior abrigava cerca de uma dúzia de mulheres entre vendedoras e clientes das mais variadas idades que observavam com risadinhas discretas ― ou não tão discretas assim ― a meia dúzia de homens envergonhados que transitavam quase correndo ali dentro, saindo com a mesma velocidade que entravam e que muito lembravam baratas a Sesshoumaru.

―Feh! Por que é que temos que passar por um vexame desses? ― Inuyasha reclamou baixando o rosto e cobrindo-o com uma das mãos ― As mulheres não passam por nada disso...

―Sim, e eu tenho minhas teorias, mas deixe pra lá. ― o Pervertido colocou o braço em volta de seu ombro e o puxou para mais perto ― Agora escute... Vocês dois. Porque eu vou ensinar minha técnica secreta: O segredo é você visualizar o alvo com antecedência antes mesmo de entrar na loja, para conseguir ir direto a ele, comprá-lo e sair o mais rápido... Ei! Sesshoumaru! Onde está indo?!

Perguntou assustado quando Sesshoumaru, querendo acabar logo com aquilo e cansado de ouvir suas baboseiras, simplesmente passou a frente deles e entrou na loja com naturalidade ficando ali por uns bons sete minutos até escolher algo que o agradasse e o levar ao caixa, no balcão ainda lembrou-se de mais uma coisa e comprou mais uma quinquilharia qualquer antes de sair.

―Imbecis. ― disse aos dois idiotas embasbacados ainda parados de queixo caído em frente à loja.

O segredo era agir naturalmente e não feito uma barata com medo da luz.

As garotas ganharam cada uma, uma pulseira com pingentes fofos e delicados.

―Bem, parece que vocês se esforçaram. ― Gata Selvagem comentou alegremente admirando o pingente na forma da cabeça de uma gata com olhinhos de pedras brilhantes pendurado em seu pulso.

―Pois é. Eu mal consigo imaginar vocês dois entrando em uma loja dessas para comprar essas coisas delicadas. ― a Domadora comentou com uma risadinha, também observando seu pingente, com o formato de uma flor cujas cinco pétalas rosadas eram feitas de pedrinhas brilhantes.

E agora era férias de primavera, o que significava que eles passariam ainda mais tempo ali.

Sesshoumaru conteve um suspiro.

―Feh! Por favor, tudo o que queremos é esquecer isso agora! ― Inuyasha girou os olhos com as bochechas se tornando vermelhas.

Encostado na soleira da sala, Sesshoumaru levou a caneca de café aos lábios.

―Rin. ― chamou quando a menina entrou na sala passando ao seu lado.

Rin virou-se.

―Sim, Sesshoumaru-Sama?

―Isto é para você.

Sesshoumaru estendeu o braço, com a mão fechada em punho mostrando o pequeno chaveiro com a forma de um cachorrinho de cristal com uma meia lua roxa desenhada na testa, pendurado entre os dedos.

Os olhos da menina brilharam e ela estendeu a mão para receber o presente, mas quando Sesshoumaru soltou o chaveiro, ele veio acompanhado de uma chave.

―É a chave do apartamento. ― explicou pondo a mão de volta no bolso e sentindo algo ali.

Rin olhou-o boquiaberta.

―Sesshoumaru-Sama...!

―E isto. ― ele tirou a mão do bolso, segurando uma presilha em forma de borboleta cravejada de pedrinhas azuis ― Dê para aquela sua amiga.

―Ah! Claro!

Sesshoumaru a observou enquanto dava um gole em seu café.

―Uma chave, Sesshoumaru? ― Gata Selvagem reclamou, atraindo a atenção de Sesshoumaru para si ― Francamente, se tratando de um presente para uma criança não seria mais apropriado algo como...

―Não! ― Rin interrompeu abraçando ao chaveiro com a chave junto ao peito, a presilha de borboleta também estava em suas mãos, mas parecia esquecida ali ― Eu amei o presente de Sesshoumaru-Sama! De verdade mesmo! Amei!

Sesshoumaru arqueou uma sobrancelha, e então olhou por sobre a caneca de café para os quatro parasitas em seu sofá.

Bem, e agora quem é que não entendia nada de crianças?

Vitorioso ele deu meia volta e se foi.

―Este deve ser um ano de milagres. ― ouviu Inuyasha, o idiota, comentar ― Em toda a minha vida eu nunca vi o Sesshoumaru dar um presente de Dia Branco, muito menos dois!

Ele apenas estava se esquecendo de que nunca antes Sesshoumaru havia comido qualquer um dos chocolates que recebera no Dia dos Namorados.


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Notas finais do capítulo

Muito bem, o que acharam do capítulo de hoje? XD

Curiosidades do Japão:

Dia Branco ou White Day: No dia 14 de março, um mês após o Valetine's day (ou dia dos namorados para nós), países como Japão, Coreia do Sul e Taiwan, comemoraram o Dia Branco, no qual os homens agradecem e retribuem pelos chocolates ganhos no mês anterior, geralmente alguns biscoitos já bastam, mas há quem gosta de ser mais criativo e elaborado em seus presentes ;)

Botão da camisa: No Japão é costume as garotas pedirem como recordação um dos botões da jaqueta do garoto de quem gostam quando estão prestes a se formar (já que depois disso provavelmente não se verão mais), sendo o segundo botão o mais especial por ser aquele mais próximo ao coração.



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