O Olho de Jade escrita por xPrimrose


Capítulo 20
Shae




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Os últimos minutos haviam sido horríveis. Shae não sabia se era capaz de se recuperar disso. Erickson a havia amarrado e ameaçado sua vida diversas vezes e, como se não bastasse isso, ela teve que assistir uma luta árdua entre ele e Eve, em que ela pensou que a ruiva iria perder.

Quando ela finalmente foi solta das amarras, Eve a abraçou.

— Eu senti tanto medo.

— Eu também.

Elas continuaram abraçadas por alguns instantes até que Eve pareceu hesitante e se afastou, havia um brilho estranho em seu olhar.

— Está tudo bem?

— Você realmente acha que depois disso está tudo bem? — Eve apontou para o corpo do capitão.

Ela tinha que concordar, ver um homem sendo morto em cima de você era algo que marcaria qualquer um. Ela esperava que Eve não ficasse tão traumatizada quanto ela que por um tempo nem mesmo conseguira dormir depois da morte de seu pai.

— Ainda não acredito que isso aconteceu. Não acredito que fiz isso. — Daan andava de um lado para o outro.

Shae tinha que admitir, na primeira vez que vira o homem não tinha gostado muito dele, nunca fora alguém que lhe passasse confiança e agora ele salvara a pele das duas.

— Está tudo bem, Daan.

— Claro que não está. — Os olhos dele estavam cheios de lágrimas. — Matei um amigo. Estamos num navio cheio de amigos dele, eu serei morto também.

— Acho que você nunca tinha matado alguém antes, não é? — Ela não o culpava por estar assim.

— Você já? — Ele arregalou os olhos.

— De certa forma. — Mas ela não sentira todo esse remorso.

— Ninguém vai saber o que aconteceu aqui, Daan. — Eve tentou acalma-lo.

— Na verdade... — Shae estava ouvindo passos no corredor. — Há pessoas chegando, então sim, eles vão saber.

Pelo barulho dos passos, mulheres e homens se aproximavam. Logo a porta foi totalmente escancarada, Miek e Tiana entraram, seguidas por Samuel, Rogier e outros homens que ela não conhecia.

A primeira coisa em que os olhos da loira focaram foi no corpo de Erickson, em seguida em Daan e Eve ensopados de sangue.

— Eu iria perguntar o que estava acontecendo aqui, mas acho que já entendi.

— Daan? — Miek se aproximou do homem. — Como pôde fazer isso?

— Ele ia matar as duas, Miek. Eu não podia deixar.

— É claro que podia. — Ela agarrou os próprios cabelos. — Esse era o plano desde o início.

— O plano? — Ele soltou o ar dos pulmões, parecia irritado. — E por que eu não sabia disso?

— Exatamente por conta disso. — Tiana apontou para o cadáver no chão. — Você jamais concordaria.

— Você é “um homem honrado”. — Os olhos de Miek demostravam um misto de orgulho e repúdio.

— Você sabia disso. Sempre soube que eu era assim.

— Eu sei, mas isso acaba atrapalhando os meus planos. — Miek se afastou, sem um pingo de remorso. — E agora? Damos continuidade ao plano? Podemos acabar com Daan também, ele só vai atrapalhar.

O queixo do homem caiu. E não só o dele, ninguém ali no quarto parecia esperar que Miek dissesse algo do tipo. A mulher baixinha apoiou as mãos nos quadris e jogou os cabelos negros de um lado para o outro.

— Eu vou sentir falta de você, Daan. Mas entre mim e você, prefiro me escolher.

Os homens pegaram facas e espadas e observaram o trio, prontos para atacar ao comando de Miek.

— Não! Viemos até aqui, me recuso a morrer antes de conseguir o que eu quero. — Shae chutou o cadáver de Erickson para o lado e pegou a Invocadora de Almas. — Eu não me importo se vocês querem me matar, mas não vou facilitar. Querem meu cadáver? Pois bem, derrotem meus guerreiros primeiro.

Ela se apoiou sobre o joelho direito. Olhou novamente para o nome de NaKagiso, estava na hora de sentir aquele poder correndo por suas veias novamente. Ela estava ansiosa por isso.

— Eu te invoco. A ti e a teus poderosos guerreiros! — Ela disse as palavras que novamente surgiram em sua mente.

Dessa vez sentiu a espada vibrar ainda mais, sentiu a energia dentro de si. Nada menos que vinte espíritos se materializaram na sua frente.

— Ataquem, não deixe que nenhum deles sobreviva, mas deixem os corpos.

Tudo foi rápido demais. Num segundo os espíritos sumiram e enfiaram suas espadas no peito dos inimigos de Shae. Sangue se espalhava para todos os lados, as armas faziam barulho ao caírem no chão.

— Daan, me salve. — As últimas palavras de Miek ecoaram no quarto enquanto sua alma era sugada pela espada.

Shae se levantou.

— Trabalho concluído.

Daan estava paralisado, não parava de encarar o lugar onde Miek estivera um minuto antes.

— Essa espada... isso é demoníaco!

— Isso — Shae balançou a espada na frente do rosto dele. — é o que impediu que fossemos mortos agora, então eu agradeceria por termos esse artefato demoníaco conosco.

— O que faremos agora? — Eve interrompeu o que quer que Daan fosse dizer. — Há muitas pessoas aqui que serviam a Erickson e não podemos matar todas, não sabemos dirigir um navio.

— Não acho que dirigir seja a palavra certa para um navio — Daan resmungou.

Até Shae se sentiu intimidada pelo olhar que Eve lançou para ele.

— É exatamente por isso que não podemos ficar sozinhos nele.

— Podemos intimida-los. Usar a Invocadora para que nos obedeçam.

— Isso é arriscado, Shae...

— Eve, você tem alguma ideia melhor? — A garota permaneceu quieta. — E você Daan? — Também não houve resposta. — Então acho que vamos seguir o meu plano. — Ela sorriu e começou a se dirigir para fora do quarto, com os espíritos da espada atrás dela. — Depois precisamos dar um jeito nesses corpos. Logo vão começar a feder.

 

Daan e Eve se limparam e saíram anunciando que todos deveriam se reunir no convés. Shae os esperava no tombadilho do navio, onde todos a veriam. Estava cercada por seus guerreiros e com uma pilha de corpos ao seu lado.

Esperou que Daan e Eve voltassem e ficassem ao lado dela.

 — O Capitão Erickson está morto — ela anunciou, pegando o chapéu de capitão do morto e o colocando na cabeça. — Eu mesma o matei. — Shae relanceou o olhar para Daan, sabia que ele não queria levar os créditos por isso. — Portanto o navio é meu, vocês me obedecem agora. Quem não quiser me aceitar, sinta-se livre para acabar como qualquer um deles. — Ela pisou no corpo sem vida de Miek sem o menor remorso. — Isso, é o que acontece com quem desafia a mim e aos meus guerreiros espectrais. — Shae apontou para os espíritos ao seu redor. — Vocês devem fazer o seu melhor para nos levar até o Primeiro Reino, depois disso eu escolherei quem me serviu melhor e o presentearei com esse navio.

— Não vamos seguir uma assassina! — alguém gritou do convés.

Shae lançou um olhar a um de seus espíritos, antes que as pessoas no navio pudessem piscar o homem que tinha dito aquilo caiu morto no meio de todos.

— Mais alguém vai se opor a mim? Saibam que a hora é agora.

O silêncio reinou por ali, assim como Shae queria. Era uma sensação maravilhosa ter todo esse poder. Agora ela realmente achava que podia tomar o reino com a ajuda dessa espada, faria exatamente a mesma coisa e toda a corte cairia de joelhos aos seus pés.

— Está na hora de jogar os corpos ao mar!

[...]

Quando as duas garotas se reuniram no quarto de Shae, ela já sabia o que Eve iria dizer.

— Eu disse que não deveriamos confiar em Erickson.

— Eu já entendi. Não vou confiar em mais ninguém daqui pra frente, está bem? — Shae revirou os olhos.

— Sim, espero que cumpra com isso.

— Mas você também não devia confiar. Deu sorte com Daan, mas poderia ser muito diferente.

— Eu sei, mas eu não tinha outra opção.

Shae bufou, não podia negar isso.

— O que vamos fazer com ele?

— Acho que vamos nos separar quando chegarmos ao Primeiro Reino, não?

— Ele não demonstrou nenhum interesse em nos ajudar?

— Eu não comentei nada sobre isso, por quê? Quer a ajuda dele?

— Não. Só achei que ele tivesse ficado interessado em você. — Ela sorriu para Eve, mas então se lembrou que a menina já gostava de outra pessoa, o garoto que tinha deixado no Segundo Reino.

Eve deu de ombros, como se não fosse algo importante.

— Acho que não, ele tinha Miek.

— Está certo.

— Será que ninguém vai tentar nada contra você mesmo? — Eve parecia preocupada, mas havia algo estranho em seu jeito.

— Não, meus soldados estão por todo o navio, fiscalizando cada um. Há um para cada tripulante. Também coloquei dois para me proteger, há dois para você e para Daan também.

— Obrigada por pensar em Daan também.

— Depois do que ele fez eu realmente não poderia deixa-lo de qualquer jeito.

Eve sorriu.

— Se você estiver preocupada, pode dormir no meu quarto. Arrastamos sua cama para cá — Shae sugeriu, para ela estava tudo bem viver em meio a espíritos, mas Eve não parecia gostar muito.

A expressão de Eve mudou, Shae não conseguiu entender o que estava acontecendo dentro da garota.

— Não, eu estou bem sozinha.

Tentou não ficar magoada com aquilo. Sabia que não era por mal, mas havia algo estranho em Eve desde que ela sumira do salão. A ruiva já estava na porta quando se virou novamente para Shae.

— Você... você realmente ama Ely?

A pergunta a surpreendeu. Era obvio que ela amava Ely. Apesar de tentar controlar isso, sentia saudades do namorado a todo momento, era tanto que seu coração doía. Claro que Eve não devia perceber isso, ela fazia o melhor possível para não demonstrar.

— Sim, por quê? —  Uma ideia horrível passou pela sua cabeça. — Você teve alguma visão com ele?

— Não. Pode ficar tranquila. — Ela deu um sorriso fraco e saiu do quarto.

Shae estava aliviada, as visões de Eve nunca eram algo bom, só anunciavam tragédias. Mas ainda assim não entendia a pergunta.

 

A viagem para o Primeiro Reino estava sendo a mais demorada de todas até ali. Quinze dias já haviam se passado. Shae usava tanta força para manter seus espíritos que mal conseguia se levantar da cama.

— O que vamos fazer? — Eve não parava de ronda-la.

— Posso mantê-los até o final da viagem, sei que posso. — Ela não iria desistir.

— Olhe como você já está pálida! Não consegue se levantar, mal come. O que adianta se desgastar assim e morrer depois?

— E o que você sugere? Nos deixar desprotegidas?

Ela já havia diminuído pela metade a quantidade de espíritos no navio. Eles não seguiam mais cada pessoa que estava ali, apenas ficavam rondando pelo lugar.

— Deixe apenas um para mim, um para você e outro para Daan.

— É arriscado, Eve. Faz dias que não saio do meu quarto, eles podem começar a suspeitar que não estou bem. Ninguém aqui me segue por que gosta de mim, estão apenas com medo. Se acharem que podem me matar, vão fazer isso.

Daan entrou no quarto.

— Como você está?

— Pior do que ontem. — Shae tossiu.

— A situação não está nada boa. — Ele começou a esfregar as mãos freneticamente.

— Quantos dias até chegarmos ao Primeiro Reino? — Eve também não parecia estar bem, a menina tinha emagrecido vários quilos e tinha olheiras embaixo dos olhos, mas não contava a Shae o que estava acontecendo.

— Sete, talvez seis. Eu pedi que tentassem diminuir esse tempo ao máximo, mas disseram que antes de quatro dias é impossível chegar, o navio não vai aguentar.

— Quatro então? — Eve insistiu.

— Eu não confiaria muito nisso, acho que se chegarmos em seis já vai ser muito. Tem uma tempestade se formando, isso vai nos atrasar também.

— Não vamos conseguir nos manter por tanto tempo. — Eve se levantou e começou a andar de um lado para o outro do quarto.

Shae também estava inquieta, mas ao contrário da outra, não podia ficar se mexendo. Isso a estava deixando furiosa.

— Se aquiete, Eve.

— Não há outro jeito, vamos ter que abdicar de alguns soldados. Isso está exigindo muito de você.

— Precisamos dar um jeito nisso logo. Temos que tirar Shae daqui. Você precisa aparecer em público e dizer que está tirando seus soldados por que confia neles e que pode fazer eles voltarem a qualquer momento. Ontem três homens se rebelaram, os três estão mortos agora, mas se várias pessoas tentarem algo, não sei se você conseguirá segurar.

— Olhe para ela, Daan. — Eve apontou para Shae. — Ela não consegue nem levantar.

Shae se arrumou na cama.

— Eu posso fazer isso.

 — Não é uma boa ideia.

— É sim, Eve. É uma ideia bem melhor do que sermos atacados.

— Façam o que quiserem então. Espero que de certo.

— Vou pedir para todos se reunirem no convés novamente. Eve, arrume Shae, faça ela não parecer tão abatida.

Os dois trocaram um olhar que Shae não entendeu.

Shae colocou um dos vestidos que havia trazido consigo e Eve trançou seus cabelos. Ela lavou bem o rosto e tentou fazer uma cara animada.

— Você nunca vai se passar por saudável. — Eve torceu o nariz.

— Vai dar tudo certo, Eve.

— Eu espero.

Novamente Shae subiu no tombadilho enquanto as pessoas se reuniam no convés. Ela os encarou sentindo seu estômago embrulhar.

“Agora não é hora de vomitar”.

— Muitos de vocês devem estar se perguntando onde estão meus soldados espectrais nesses últimos dias, pois bem, eles estão bem aqui. Estou observando o comportamento de vocês e, por enquanto, está sendo satisfatório. Sei que vocês não se sentem bem com meus fantasmas por perto, por isso resolvi retirar a maioria deles de campo. A partir de hoje eles não os seguirão mais e poucos continuarão com suas rondas pelo navio. Esse é o meu voto de confiança em vocês, espero que não me decepcionem ou eu posso piorar muito a situação para vocês...

Shae caiu, as coisas começaram a rodar em volta dela, a última coisa que viu foi o rosto de Eve próximo ao seu.

[...]

Quando acordou em seu quarto, Shae se sentiu muito desorientada. Eve estava ao seu lado, segurando sua mão.

— Parece que os papéis se inverteram. — Ela abriu um sorrisinho quando percebeu o espanto da ruiva.

— Não vá se acostumando.

— Faz tempo que você não tem visões. — Shae franziu de leve a testa.

Eve não a encarou e não a respondeu, ao invés disso Daan apareceu em seu campo de visão, mudando de assunto.

— As coisas estão uma bagunça lá fora.

Ele fez silêncio para que ela ouvisse os gritos no corredor e as pessoas que esmurravam sua porta.

— O que podemos fazer? — Sua voz saiu áspera. — Eve, há algo para eu beber?

A garota assentiu e trouxe um copo com água.

— Eu não sei, agora eles têm certeza que você não tem mais poder algum. — Daan se aproximou mais.

— Eu disse que isso não daria certo. — Eve encarou Daan, o deixando constrangido.

— Desculpe, eu pensei que estava ajudando, de verdade.

Shae terminou de beber sua água e limpou a boca com as costas da mão.

— Está tudo bem, Daan. Isso aconteceria uma hora ou outra. Só há uma saída agora: Matar todos que não forem extremamente necessários para o funcionamento do navio.

— Isso é loucura. São muitas pessoas, que não fizeram nada para nós! — Daan parecia chocado.

— Você não vai aguentar a culpa disso, Shae. — Eve tirou o copo de sua mão e o colocou no chão.

— O que mais posso fazer? Deixar que entrem aqui e acabem conosco? Não! Vocês não precisam aceitar, muito menos ter participação nisso, mas eu me recuso a morrer antes de alcançar minha vingança. Eu vou fazer o que preciso fazer e não vou me sentir culpada por isso.

Com dificuldade, ela afastou os lençóis e se levantou. Pegou sua espada que estava escondida num canto e se concentrou.

“Por favor, NaKagiso. Me dê poder para fazer isso, eu preciso da minha vingança tanto quanto você precisou da sua.”

— Eu invoco a ti e a teus guerreiros.

Apenas três surgiram dessa vez, mas ela sabia que era o suficiente para terminar o trabalho.

Deixou que eles saíssem do quarto enquanto caía no chão.


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