Burn witch, burn escrita por Salayne


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

- Baseada em um dos sonhos que eu tive e que ficou me assombrando por um tempo.



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O corredor do castelo era iluminado apenas pelas poucas velas que ainda estavam acesas. Sua sombra refletia nas paredes de pedra, fazendo com que ela parecesse maior e mais assustadora do que era. Os únicos sons que Aleera ouvia, eram os sons que vinham da floresta que ficava no fundo do castelo. O lugar propriamente dito parecia estar adormecido. Nem ao menos os ratos que viviam no castelo faziam barulho.

A rainha parou por alguns instantes, sem saber se devia prosseguir ou não. Não se lembrava ao certo como tinha ido parar no corredor do castelo. Devia ter tido mais uma de suas crises onde ela andava ou falava enquanto dormia. Aquilo vinha acontecendo com mais freqüência nos últimos dias. Aleera acordava em lugares inusitados, normalmente com as suas camisolas sujas de terra e molhadas por conta da chuva que estava sempre caindo naquela época do ano. Os criados fingiam não ver nada, mas sussurravam — enquanto achavam que ela não estava ouvindo — que a rainha estava tendo crises de loucura. Alguém até mesmo dissera que ela estava amaldiçoada ou que era uma bruxa. Quando o rei ouvira, ameaçara cortar a língua de quem dissera aquilo. As pessoas pararam de falar, mas parecia que acreditavam naquilo ainda mais do que antes.

O boato sobre a bruxaria começara quando Aleera acordara perto da entrada da floresta, deitada no chão lamacento e com sua camisola manchada com algo além da lama. Algo que lembrava e muito o sangue. E ele não estava apenas em sua camisola, mas também espalhado por seu rosto e seus braços, cobrindo-a. Aleera só se lembrava de ser levada para dentro do castelo, em choque e sem conseguir dizer nada, ou incapaz de fazer qualquer coisa além de piscar. Depois do banho quente e de ser colocada para dormir, as memórias do que quer que tenha acontecido antes de ela ser encontrada tinham sumido de sua cabeça.

Mas parecia ser diferente daquela vez. Aleera tinha consciência de onde estava e do que estava fazendo. Ela não achava estar sonhando, como fora nas outras vezes. A rainha parou no meio do corredor. Só não sabia por que continuava andando. Alguma coisa em sua mente lhe dizia para continuar avançando, indo até a porta que levava para os fundos do castelo e que dava em direção a floresta. Mas o que Aleera iria fazer na floresta? Deixar que os rumores de bruxaria começassem de novo? O mais sensato seria dar meia volta e retornar aos seus aposentos, onde ficaria segura.

E mesmo dizendo para si mesma que ela devia voltar para seu quarto, Aleera seguiu em frente. Sentia como se alguém a tivesse empurrando, como se alguém estivesse instigando-a a prosseguir. A rainha pegou um dos castiçais que havia na parede e o segurou na mão, usando-o para iluminar o resto do caminho. Por poucos segundos, Aleera pensou ter visto outra sombra além da sua, mas quando voltou a olhar, não havia nada ali.

Aleera respirou fundo. Ela estava com sono, seus olhos demonstravam cansaço e estavam pregando uma peça nela. Aquilo era tudo.

Seus passos continuavam a levá-la para frente, mesmo que todos os outros sentidos lhe dissessem para correr de volta para sua cama e não sair de lá até o amanhecer. As luzes das velas do castiçal tremeluziram um pouco e a rainha teve medo de que as chamas se apagassem. Se aquilo acontecesse, ela acabaria ficando parada no meio do caminho, já que estava escuro demais para prosseguir ou voltar sem qualquer luz para guiá-la.

Aleera sentia suas mãos suando frio, por algum motivo. Por alguns segundos, a rainha achou que fosse acabar perdendo os sentidos como acontecia todas as noites. Não. Ela queria saber por que havia tanto barulho na floresta, e porque seus pés insistiam em continuar mandando-a para frente. Então se forçou a continuar de pé, ainda andando.

Vez ou outra, ainda tinha a impressão errada de que alguém a estava observando ou que havia outra sombra além da sua. Essas impressões nunca duravam por mais do que alguns segundos, sempre que ela olhava de novo percebia que estava sozinha. A rainha parou de andar quando ouviu um barulho atrás de si, se virando rapidamente para olhar. Ergueu o castiçal para que pudesse ver melhor. Nada. Apenas a escuridão.

Continue. Parecia que uma voz, bem baixa, tinha sussurrado em seu ouvido. Como se alguém estivesse ao seu lado, com a boca colada em sua orelha. Aleera se assustou, derrubando o castiçal e deixando que o xale vermelho que antes cobria seus ombros também fosse parar no chão. Ela respirou fundo. Mais uma vez, não tinha ninguém ali. Talvez os servos estivessem certos e ela realmente estivesse ficando louca.

Ela balançou a cabeça, se abaixando e pegando o castiçal. Voltou a se virar para frente e continuou andando. Não deixaria que barulhos a distraíssem. Aleera queria saber o que havia atrás daquela porta, queria saber por que quase sempre quando a encontravam, ela estava na entrada da floresta. Era quase como se houvesse um padrão.

Quando aquilo tinha começado, ela simplesmente acordava em outros quartos ou na sala do trono. Mas depois de algumas noites, todos os soldados relataram tê-la encontrado na entrada na floresta. Sempre com a camisola suja de terra e de algo mais. Diziam ser sangue animal, e algum dos aldeões reclamavam que suas cabras ou outros animais tinham sumido. Mas Aleera não conseguia se lembrar de nada. Era como se alguém tivesse apagado suas memórias, divertindo-se com a confusão dela.

E ela queria que aquilo parasse. Sabia o que as pessoas achavam. E Vlad não poderia continuar tendo-a como esposa se achassem que ela era uma bruxa. Além de tudo, Aleera ainda não tinha dado herdeiros para o trono. Se juntassem isso à acusação de bruxaria, Vlad teria que se casar outra vez, mesmo que não quisesse. Ela sabia o que os ministros, duques e as outras pessoas da corte diziam. O trono precisava de herdeiros. E Vlad faria um bom negócio tendo outro casamento, ainda mais se fosse com uma princesa estrangeira, formando uma boa aliança para o reino.

A única coisa que impedia Aleera de perder o posto de rainha era o carinho que Vlad sentia por ela. E mesmo ele andava um pouco distante, depois que ela começou a aparecer coberta de sangue e sem saber o que tinha feito na noite anterior.

Como sempre aparecia na floresta, a rainha começara a achar que a resposta pudesse estar ali. Precisava descobrir o que estava acontecendo e como faria para que aquilo parasse.

Foi por essa razão que Aleera continuou andando, mesmo que todos os pelos de seu corpo se arrepiassem quando ela saiu do castelo. Nem ao menos a lua se atrevera a aparecer àquela noite, coberta por espessas nuvens cinzentas que cobriam todo o céu. Olhando para frente, a rainha conseguia distinguir as formas das árvores. E também havia fumaça subindo do meio da floresta, como se estivessem queimando alguma coisa.

A rainha ergueu a barra do vestido, para que pudesse andar sem tropeçar nele. Dessa vez, não usava uma camisola. Isso se devia ao fato de que ela estava na biblioteca, lendo sobre algo que ela não conseguia se lembrar, antes de ir parar no meio do corredor. Aleera balançou a cabeça, voltando a se focar no que estava fazendo. As chamas da vela não iluminavam tanto assim, mas era melhor do que não ter nada.

Não estava tão silencioso assim dentro da floresta. Parecia que ela não era a única a ir ali naquela noite, e o pensamento fez com que ela se arrepiasse inteira. Que tipo de pessoa ia para o meio de uma floresta durante a noite? Aleera preferiu não pensar na resposta para aquela pergunta, antes que perdesse a coragem e voltasse correndo para o castelo.

Chegando a determinada parte da floresta, ela pôde ver uma fogueira que queimava, e muita gente em volta dela. Por estarem um pouco distantes dela, não haviam a visto, mas ela conseguia enxergar claramente quem eles eram. Alguns eram padres, outros eram duques, marqueses ou outras pessoas influentes na corte de seu marido. A maioria das pessoas carregavam bíblias, ou terços e crucifixos nas mãos. Ao longe, havia outra fogueira, como as que eram usadas para queimar hereges, mas essa ainda não estava acesa. Ao erguer o olhar, Aleera percebeu que havia forcas em algumas árvores.

Aquilo fez com que a rainha recuasse alguns passos. Ela não devia ter ido até ali. Estava decidida a voltar para o castelo, por isso se virou para trás. Mas acabou pisando em um galho seco, e o barulho fez com que os presentes se virassem para ela. Aleera respirou fundo, quando um dos padres se aproximou dela.

— Chegou bem a tempo, majestade. Ainda não acendemos a segunda fogueira. — ele disse, sorrindo para ela. Não estava sorrindo do jeito como fazia nas missas, mas sim de um modo quase horripilante.

— O que estão fazendo? — Aleera perguntou, mesmo que já soubesse da resposta. Era óbvio demais para que não soubesse ou que estivesse interpretando errado. E o fato de que todos os presentes a encaravam só a deixava mais nervosa.

O padre segurou no braço dela, de um modo quase rude.

— Queimando hereges e bruxas. Uma delas já foi. — ele disse, olhando para a fogueira que ardia. O fogo tinha tomado conta de tudo, e por isso Aleera não reparara que havia um corpo amarrado a ela. — Mas não antes de confessar tudo o que fizera. Ou quem a ajudava.

— Eu não entendo...

— Sabe que vermelho é a cor da luxúria, não sabe, rainha Aleera? É a cor atribuída ao diabo, a cor do sangue. — A marquesa de Navarra perguntou, também se aproximando dela e tocando em seu vestido.

— Sou uma católica devota. Todos sabem disso. — Aleera respondeu, tentando se soltar.

— Ah, sim. Mas imagino que a sua fé tenha começado a falhar quando você percebeu que não iria ter filhos, que não conseguiria dar herdeiros para o rei. Suas orações não faziam efeito e você teve que buscar ajuda em outro lugar. — A marquesa respondeu, estreitando os olhos para ela. — A mulher que queimamos era sua serva. Ela nos contou tudo. Como você tinha lapsos de memória. Como acordava aqui na floresta, suja de lama e sangue. Sangue dos sacrifícios que você fazia, tudo na esperança de ter um herdeiro.

— E, além disso, ela também nos entregou o grimório que você usava. Sabíamos que o rei Vlad não devia ter se casado com uma plebéia. Aliás, sabemos que você o enfeitiçou para que ele a tomasse como esposa. O sangue de bruxa corre nas suas veias, rainha Aleera. E não queremos que o trono seja entregue a alguém dessa linhagem. Seus filhos com o rei seriam amaldiçoados, porque você é amaldiçoada. — o padre decretou.

Aleera nem ao menos teve chance de se defender ou de falar qualquer coisa. Alguém a agarrou e a empurrou até onde a outra pira estava. Se ela pudesse escolher como queria morrer, então que fosse enforcada, e não queimada como uma herege. Além do mais, as acusações eram infundadas. Ela nunca tinha feito nada. Vlad se casara com ela porque, apesar de não ser nobre, Aleera vinha de família rica.

Ela tentara se soltar, mas eram muitos que a empurravam até a pira. Alguém agarrou seus braços e os amarrou, assim como fizeram com suas pernas. Seu corpo estava preso a grande estaca e parecia que em qualquer momento alguém acenderia o fogo. Aleera estava em desespero, ainda tentando se soltar. Não entendia porque estavam fazendo aquilo. Ela não era uma bruxa. Não, não era. Não tinha sangue de bruxa correndo em suas veias, sempre fora religiosa, desde criança fora criada como uma católica devota.

Não merecia morrer queimada na fogueira como uma herege.

— Confesse — o padre disse, segurando a tocha nas mãos. — Confesse, e Deus pode ser misericordioso.

Aleera não tinha nada para confessar. Se dissesse que era uma bruxa, estaria mentindo. E se dissesse que era inocente, eles não acreditariam nela e a queimariam. A rainha suspirou, se debatendo.

— Eu...

— Confesse. — ele voltou a falar. — Confesse e ainda pode ser salva.

A rainha suspirou. Era sua única alternativa. Mesmo que tudo o que fosse confessar fosse a mais pura mentira.

— Eu confesso. — Aleera disse, tentando se soltar. — Eu confesso, eu... Eu enfeiticei o rei para que se casasse comigo, eu... eu tentei ter herdeiros recorrendo a ajuda do diabo, eu fiz tudo isso para que continuasse sendo rainha. Eu... eu sou uma bruxa.

Alguém a chamou de prostituta de satã. Aleera não pode fazer nada além de abaixar a cabeça e aceitar a ofensa.

O padre sorriu, como se aquilo fosse o que ele queria ouvir.  Ele se aproximou e Aleera respirou fundo, aliviada. Mas ao invés de soltá-la, ele soltou a tocha em cima da fogueira, observando enquanto o fogo se espalhava.

A rainha gritou.

— Disse que se eu confessasse, eu estaria salva.

— Não se preocupe com isso. A sua alma será salva. — ele respondeu, se afastando.

Ela tentou se soltar e mais uma vez não conseguiu. O desespero correu por suas veias enquanto o fogo se espalhava mais rapidamente. Em poucos minutos, começou a queimá-la.

E os gritos da rainha puderam ser ouvidos por todo o castelo.

****

Alexis acordou assustada e suando frio. Ela se sentou na cama, ainda em choque pelo sonho. Devia ser a quarta vez que o tinha, e só naquela semana. O sonho tinha mudado dessa vez. Nas primeiras vezes, Alexis não conseguia abrir a porta, nem sair do castelo. Sempre acordava antes de saber o que acontecia no final.

E agora ela desejava que o mesmo tivesse acontecido. Sonhar que tinha sido queimada na fogueira não era nada agradável. Seu coração ainda batia forte, e ela quase se sentia desesperada, como tinha sido no sonho.

A garota sentiu um leve desconforto nos braços e nas costas e suspirou. Era um ardência e parecia aumentar a cada segundo. Ela levou as mãos até o abajur, acendendo-o para que pudesse ver o que era.

O grito congelou em sua garganta quando ela percebeu.

Eram queimaduras.


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Notas finais do capítulo

Comentem ou a rainha Aleera vai puxar o pé de vocês a noite :3



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