Há dias que eu estava tendo pesadelos. Monstros que me perseguiam e me atacavam. Um vampiro tentando me hipnotizar, graças a Deus sem sucesso. Um lobisomem tentando matar ao lobo e um demônio rindo da minha cara e dizendo que eu nunca seria capaz de salvar as pessoas que amo e jamais o derrotaria.

       Nessas noites, ao acordar com os uivos dos animais fora de minha casa, chorei.

       O lobo que antes estava em sua cama ao lado da minha, pulou para a minha cama e se deitou esticado ao meu lado. Era evidente sua preocupação comigo. Eu o abracei e beijei o topo de sua cabeça peluda.

       ‘Obrigada por me confortar, prometo que lobisomem algum irá te ferir.’ Ele lambeu meu queixo. ‘Vamos dormir.’

       Ao acordar, dessa vez durante o dia, decidi fazer aulas de autodefesa e de domadora de circo. Quem melhor que um domador de circo para me ensinar a lidar com feras, não é mesmo? Ronald me ensinou a manejar lâminas, Érica, a amiga dele, me ensinou a atirar e Darlinson me ensinou a ter autoconfiança.

       Sou grata por tudo que meus professores me ensinaram. Se não fossem eles, provavelmente eu e o lobo não teríamos sobrevivido ao nosso primeiro halloween juntos.

***

       A lua cheia estava alta no céu, quando ouvi novamente aquele uivo que tantas noites me apavoraram. Era o nosso primeiro halloween, ninguém ia ameaçar nenhum de nós, não se dependesse de mim. O lobo havia despertado em mim um instinto extremo de proteção, eu estava pronta para fazer tudo ao meu alcance para protegê-lo.

       ‘Lobo, vá para o quarto. ’ Ele me olhou com dúvida. ‘Agora Lobo!’ Gritei e ele foi. Eu fui atrás e tranquei-o lá.

       ‘Agora chega! Cansei! Vocês querem ao lobo? Pois bem, que o líder viadinho e covarde de vocês venha me encarar. Ou está com medo de perder para uma garotinha?’ Berrei para o bosque. Talvez eu estivesse ficando louca por ter tantos pesadelos horríveis, mas sempre achei melhor prevenir que remediar e teoricamente sou a única moradora dessa floresta então ninguém poderia me ouvir para me chamar de louca. Provavelmente por isso me senti tão bem berrando aos quatro ventos. ‘Deixarei a porta aberta, sinta-se livre para entrar quando quiser.’

       É claro que um convite aberto assim foi arriscado, qualquer um ou qualquer coisa poderia entrar lá, mas pelo Lobo eu estava pronta para enfrentar o que quer que entrasse pela minha porta.

       Entrei na casa e sentei no sofá. Em poucos minutos um homem apareceu na minha porta. Ele usava um bracelete de couro com um lobo prateado de olhos jade em cada um dos seus pulsos e os seus olhos eram igualmente verdes.

       ‘Não queremos machucá-la, só queremos aquele lobo fedido. Então porque não nos entrega ele, e tudo fica bem? Nós ficaríamos felizes em ter uma gracinha como você na nossa alcateia. Que tal? Você poderia ser minha esposa, a rainha da alcateia, uma alfa como eu.’

       ‘Diferente de um covarde patético como você, eu não anseio o poder. E você além de covarde patético seria muito estúpido e idiota se aceitasse como rainha, esposa e alfa, alguém capaz de trair os seus próprios aliados. Não tratei a pata do lobo para entregá-lo de bandeja. Eu o ajudei porque de alguma forma eu soube que ele seria um excelente amigo e companhia. Soube que poderia confiar nele, no exato momento em que o vi e o mínimo que posso fazer é mostrar a ele que pode confiar em mim tanto quanto confio nele.’

       ‘Você não sabe nada sobre ele? Admiro você por ser tão íntegra, mas ele não merece isso.’

       Eu arremessei uma faca em sua direção, fazendo-lhe um corte em sua face.

       ‘Na próxima vez que ousar falar mal dele na minha frente o corte vai ser no pescoço e muito mais profundo. Idiota.’

       ‘Sua estúpida! Se está disposta a morrer por ele, por mim tudo bem.’ Ele então se transformou em um enorme lobisomem, derrubou-me no chão e rosnou ameaçadoramente para mim. Eu estava imobilizada, ele poderia me devorar a hora que quisesse, mas tudo que fez foi rosnar. Então eu percebi, ele não tinha intenção real de me ferir, queria apenas me assustar.

       ‘Sabe, levando em conta que você é um alfa, eu imaginei que você transformado fosse bem maior.’ Sorri.

       De repente um vulto pulou em cima dele. Era o Lobo que de alguma forma havia escapado do meu quarto e agora estava agarrado no pescoço do lobisomem. Apesar do lobo parecer uma minúscula pulga perto daquele monstro, a batalha deles estava acirrada. O lobisomem conseguiu tirar o lobo de seu pescoço chacoalhando-se e atirando-o em uma das paredes. O lobo se levantou com a mesma rapidez com que foi lançado e latiu furiosamente para o gigante com quem batalhava. O lobisomem estava sangrando um pouco no pescoço e o lobo com marcas de garras em suas costas.

       Eles iam se matar. Eu precisava fazer alguma coisa, urgente. Então quando eles estavam quase se atracando de novo, eu me interpus entre eles. E o monstro então se transformou novamente em homem.

       ‘O que diabos você pensa que está fazendo? Um milésimo de segundo a mais que eu levasse para voltar a forma humana e seria o seu fim.’

       O lobo ia aproveitar a chance para atacá-lo, mas eu o impedi.

       ‘Escutem bem, vocês estão destruindo toda a minha sala e sujando o meu chão de sangue. Vocês têm alguma ideia do quão difícil é tirar manchas desse piso? Não, né? Porque não é vocês que o lavam e esfregam. ’

       ‘Está bem, podemos transferir a briga para o lado de fora. ’

       ‘Que patético, dois lobos imundos brigando por uma humana tão sem graça.’ Disse um homem de pele excessivamente branca.

       ‘Me tira dessa. Eu nem sei o porquê eles estão brigando, essa rixa é mais antiga que minha história com o lobo.’

       ‘Ela tem razão e você também não tem que se intrometer. ’

       ‘Bom, se a briga não é por ela, devo presumir que posso matá-la sem problemas?’

       ‘Tente!’ Eu respondi confiante.

       Ele me pegou pelo pescoço, me levantando no ar.

       ‘Você é corajosa, sempre gostei disso. Vai ser divertido mata-la devagar.’

       Com dificuldade de respirar repliquei. ‘Fácil falar, mas quero ver é fazer.’ E utilizando uma kunai decepei a mão daquele maldito.

       Ele ia me atacar, mas o lobo o atacou arrancando o braço inteiro dele antes que me ferisse. E o lobisomem em um golpe de misericórdia cortou-lhe a gabeça com suas garras.

       Eu tossi um pouco e perdi a consciência.

       Acordei com o lobo deitado ao meu lado choroso e um monte de gente a minha volta. Acariciei ao lobo e ele balançou a cauda.

       ‘Eu estou bem lobo, acho que só precisava de um bom descanso.’

       ‘Senhor, senhor! Ela acordou! Parece estar bem.’ Disse um loiro ao monstro.

       ‘Quem são vocês e o que fazem aqui?’ Perguntei abraçando protetoramente meu adorado lobo.

       O monstro então transformou-se em homem novamente e disse:

       ‘Eu sou Lucian Blacknight você já deve ter percebido que sou um lobisomem, essa é a minha alcatéia. Não se preocupe não feriremos a você ou ao lobo (ele pronunciou lobo rosnando). Nós não ferimos humanos, os protegemos. O lobo que está com você é um mercenário, matou milhares por pouco, quase nada. Você o está mudando.’ Ele sorri ‘Ele nutria ódio por humanos, mas parece realmente se importar com você.’

       ‘Eu não o culpo por detestar humanos, o mundo só é uma droga por nossa existência.’

       ‘Tome isso.’ Disse o alfa removendo um de seus braceletes e pondo no meu braço.

       ‘Porque está me dando isso?’

       ‘Porque combina com teus belos olhos e enquanto utilizá-lo saberei de precisar de mim.’ Disse ele dando-me uma piscadinha sexy o que levou ao lobo a rosnar em desagrado.

       ‘Eu podia ter acabado com aquele maldito sozinha, não preciso do bracelete, pode pegar de volta.

       ‘Tenho certeza que podia, mas insisto que fique com ele. É falta de educação recusar presentes.’ Ele me recriminou com um meio sorriso, o que francamente foi pouco irritante, mas nem tanto quanto o fato dele nem me dar tempo de responde-lo e sair pela porta levando toda a matilha.

       ‘Esse cara é meio maluco, mas tem jeito de ser boa pessoa.’ Sorri ‘Acho que hoje conseguiremos dormir sossegados sem uivos assustadores, mas uma coisa ainda me intriga. Como você saiu do meu quarto?’ Ele apontou com a cabeça para a janela aberta.

       ‘Mas aquela janela dá pra rua e você veio do corredor. Só se você tivesse destravado o quarto por dentro. Não, que loucura a minha! Você não tem mãos, tem patas. Bom...não importa. O importante é que você foi lá me resgatar. Você é o meu herói de quatro patas.’ Beijei seu focinho e dormimos, ou pelo menos eu dormi.