A Médica e o Monstro escrita por Ragnar


Capítulo 2
II




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A vila de Eichenwalde por anos foi palco de caos e alianças, muitos passavam e iam embora dessa como se nunca fossem voltar para lá, como se negassem algo que os guardava, mas que na verdade fugiam por temerem presenciar um desastre novamente. 

Angela ficava na casa abandonada de Anúbis , ou como era chamada antes de ser possuída, Pharah.  

De diversos lados do pequenos quarto haviam livros e mais livros espalhados, velas ainda não usadas e o cheiro costumeiro de enxofre que vinha da possessão de Pharah. Sua vassoura estava ao lado da cabeceira da cama se espreguiçando conseguiu derrubar uma pequena pilha de livros do pé da cama. 

Um pesadelo. O barulho de bombas e catapultas arremessando bolas de fogo no ar pareciam cerca-la de todos os lados. Angela sempre foi contra a guerra, mas nem sempre ela foi assim, tiveram seus dias em que tinha egoísmo próprio e interesses por mais, antes mesmo da guerra das máquinas chamadas Omnicas, da guerra fria ou guerras mundiais, do incidente em Salem e da Idade Média. Angela já foi a terrível bruxa da floresta, a mulher que manipulava a vida e tinha conhecimentos a frente de sua época, Angela era antiga, uma das bruxas mais antigas e mais velhas ainda vivas. Sentia o peso de suas escolhas, o peso do seu passado. 

De dia tinha apenas a tarefa de ocupar a mente, fazer poções e a deixar de molho durante a noite, essas que as vezes tinha como ingrediente ficar expostas a luz da lua. Levantando e notando uma águia perto da janela, amarrada em sua pata uma mensagem pequena e fria ao toque. Uma mensagem do rei, pensou ao tomar o recado em mãos. 

Ele pedia para que Angela tirasse a vida da criação do Dr. Junkenstein que vagava no castelo antigo vizinho a vila. Era um pedido que Angela estava tentada a recusar, aquela criatura lhe trazia más recordações do seu passado, esse quando sucumbiu ao poder e ambição.  

Deveria fazer isso ainda de dia quando a criatura não estava tão atormentada e poderosa, seu dono tinha morrido pela revolta dos aldeões e esses que morreram em sua maior parte pelas armadilhas pelo sinistro Dr. Junkenstein. 

Levantando-se e se vestindo de roupas como um aldeão simples de outro século distante, Angela deixou apenas seu cabelo solto e pegou sua vassoura, essa de magia e tecnologia humana juntas em harmonia num só. Botas e seu relicário dentro de uma bolsa de couro, se retirando do quarto e o fechando. 

Descendo as escadas e saindo da casa em estado de decaimento, abandonada para se falar o mínimo. Montando a vassoura e indo até o reino do rei, não entrando pelos grandes portões e sim pela janela, tendo acesso ao salão. 

— Diga-me que isso é uma brincadeira de mal gosto — Ralhou, Angela. 

O rei Reinhardtt Cold não tinha sua aparência amaldiçoada como de noite, era apenas um homem alemão gigantesco, parecendo um soldado medieval. Seu olhar sobre Angela era sério, como se não houvesse outra resposta além do óbvio. 

— Diga-me você, bruxa — Rebateu, sério — Lembre-se que foi você que trouxe a criatura a vida — A lembrou. 

Como Angela odiava ser lembrada por aquilo, fervia seu sangue só por ser a única culpada naquilo tudo sendo que tinha outras duas pessoas. 

— O Dr. Junkenstein conseguiu trazer aquela besta a vida com êxito completo enquanto eu dei a fórmula da vida e Pumpkin Reaper estava do meu lado! — Se exaltou, desmontando a vassoura e amassando o papel em fúria. 

— Não levante o tom de voz comigo, eu sou seu rei!  

— Foda-se! Eu matarei aquela coisa e você nunca mais vai olhar na minha cara para pedir ajuda! — Rosnou, voltando a montar na vassoura e jogando o papel nos pés do rei — Aproveite o seu reinado, por mais amaldiçoado que você seja, sempre estará sozinho. 

— Assim como você, bruxa — Rebateu.  

Angela preferiu não dar ouvidos, voando para longe do castelo e da vila, ignorando o pouco movimento ali perto e indo em direção ao castelo abandonado do Dr. Junkenstein. Sentia um vento estranho percorrer seu corpo e lembrava quando quase morreu sufocada nas mãos da criatura. 

Desmontando a vassoura, Angela a segurou e andou para dentro do castelo, engolindo em seco com a destruição e ossos de pessoas inocentes movidas pelo medo. O salto da bota ecoava cada vez que adentrava mais, seguindo pelas escadas que levariam até o outro andar, se assustando quando o piso embaixo de si quebrou, prendendo seu pé.  

Reclamou com isso, tentando tirar seu pé dali com esforço, mas parou ao ouvir um rosnado e o olhar arregalado, mas não olhando para cima. Cada musculo de seu corpo parecia ter voltando a ganhar vida quando a criatura berrou monstruosamente contra si, fazendo Angela se esforçar mais para se soltar, mas sendo arremessada para longe das escadas e voltando para quase perto do grande portão de entrada.  

Deveria ter montado armadilhas, mas por momento sua cabeça apenas doía pelo impacto com o chão. Em latim, convocou um feitiço enquanto a criatura corria em sua direção e correntes o cercaram, dando tempo para Angela se levantar e pegar o relicário, o abrindo e procurando apressadamente um feitiço, talvez o mais mortal. 

Mas não deu tempo suficiente e a criatura se soltou, grunhindo furioso e levantando as mãos para dar o ataque que a esmagaria, mas sendo impedido com algo que acertou a fonte que alimentava sua vida, esse que vacilou e cambaleou para frente. 

Angela apenas se afastou o mais rápido que pode, presenciando a queda da criatura e a fonte que o alimentava desligar. 

— Madame? A senhorita está bem? 

O olhar ainda assustado se virou para a pessoa, o yokai Hanzo tinha o cenho franzido, mas sua voz parecia claramente preocupada. Se aproximando, Angela abraçou o relicário fechado em seus braços, a mão passando em seu pescoço com a antiga lembrança daquilo quase tê-la matado enforcada. Um lágrima solitária desceu seu rosto. 

— Madame? — Voltou a chama-la, a mão tocando o ombro de Angela e assustando, se afastando do toque e olhando assustada para Hanzo — Ele machucou você? 

— O que você está fazendo aqui? — Perguntou num sussurro — Ninguém vem para cá... Por que você...? — Indagava perdida. 

— Estava ao campo aberto aqui perto desse antigo vilarejo — Se explicou — Mas o que você estava fazendo aqui? — Cruzou os braços. 

— Uma missão... Você matou o meu objetivo — Apontou para a criatura no chão. 

— Creio que isso não está morto — Contou e Angela o olhou assustada — Apenas desmaiou pelo que parece, algo o prende no mundo dos vivos... Ele não parece um zumbi ou servo da morte — Refletiu. 

— Sei o que deixa vivo... — Angela falou, se aproximando e voltando a abrir o relicário — Irei deixa-lo descansar como deveria a muito tempo... — Sussurrou. 

Numa página azul com uma imagem de um cristal, Angela tocou receosa a pele da criatura, proferindo outro feitiço que a deixou num estado de transe, seus olhos azuis ficando intensos e algo rasgava a pele da criatura, saindo de dentro dele e caindo no chão. 

A antiga formula da vida que ela deu ao Dr. Junkenstein. Uma pedra azul. 

— Não toque... — Angela sussurrou, respirando fundo pelo cansaço — Você pode morrer se tocar sem a mão acobertada... — Explicou. 

Tomando um saquinho de pano dentro da bolsa de couro, Angela envolveu a pedra e a guardou junto do relicário. Levantando-se, ela olhou para o yokai e sorriu fracamente, tendo a ajuda desse para andar para fora do castelo.  

Não se esqueceu da vassoura, a chamando com a palma da mão aberta com magia, assustando o yokai Hanzo com isso e rindo levemente. Era vergonhoso se mostrar fraca, mas seria mais vergonhoso ainda se estivesse morta diante de outra pessoa, qualquer um espalharia com veneno que a famosa bruxa da floresta verde morreu por uma criatura tão patética.  

A passos lentos caminhavam pelo vilarejo destruído, rumando para fora dali e seguir até o vilarejo de onde vinham e moravam todas as criaturas magicas, mas seria um longo caminho, longo e silencioso.  

A teimosia de Angela afastou o apoio de Hanzo, caminhando devagar ao lado desse e se perguntando o motivo dele ter intervindo durante aquele momento. Não deixaria de agradecer, mas ele não tinha necessidades daquilo, era um monstro e Angela... Angela era pior do que ele. 

— O campo desta terra é admirável — Hanzo quebrou o silêncio, fazendo Angela olhar para esse — Tranquilo e cercado de história, é rodeada de marcas trágicas, mas a natureza consegue ocultar isso e transparecer uma beleza melancólica, talvez para apagar a culpa daqueles que cometeram atrocidades. 

— A natureza... Deixei de entende-la a muito tempo... — Complementou, Angela — Não consigo mais olhar para ela e não ver o que esconde. Enquanto você admira, eu sinto o peso das minhas consequências serem ocultadas sem necessidade... — Sussurrou. 

— Você esteve presente quando aconteceu aquilo no vilarejo? — Indagou, parando e ficando para trás, tendo Angela virando-se para ele. 

— Foi a muito tempo atrás... — Sussurrou, não se importando se esse a ouviria — Era uma pessoa completamente diferente do que sou hoje...  

— E ainda não aprendeu a perdoa a si mesma — Falou, voltando a andar e ficando ao lado de Angela — Sinto a sua aura pesar em seus ombros, está na hora de esquecer essa dor... — Aconselhou, tocando o ombro dela levemente. 

— Eu achava que tendo aquilo morto... Conseguiria esquecer... — Virou-se para o outro — Você fala comigo como se nós nos conhecêssemos a muitos anos... Me aconselha como se eu fosse sua amiga... — Sussurrou. 

— Nós yokais temos esse dom de influenciar as pessoas, sejam para o lado ruim ou bom, somos traiçoeiros como demônios, somos monstros — Contava, seu olhar totalmente branco encarando Angela — Naquele castelo, retribui algo que fez por mim, você me salvou de um sugador de sangue e salvou esse de mim, salvou duas vidas e retribui o pagamento que deveria ao ter me curado. 

— Mas eu fal—  

— Em minha terra, é uma desonra não retribuir um favor como de salvar alguém mesmo que resulte em na própria morte — Explicou — Mas aqui vocês chamam de "obrigado". 

— ... Obrigado... — Falou fracamente — Mas se é uma criatura que influencia, poderia me ter feito acabar com a criatura, me manipulado depois de tê-la derrotado... — O olhou com desconfiança. 

— Madame, de todos os yokais conhecidos, eu sou o único que é travesso de maneira justa, não chego a ser vingativo, mas justo como uma faca de dois gumes, sendo eu o punhal. 

— É um espirito de justiça... — Sussurrou, segurando a vassoura com firmeza. 

— Sou físico demais para um espirito, deixei de ser faz quatrocentos anos — Contou. 

Angela ainda era mais velha do que ele. 

— Se é um espirito de justiça, por que não deixou que eu fosse morta? Mesmo com o favor, deixaria que eu fosse morta pelo meu próprio crime... — Falou, segurando com mais firmeza a vassoura. 

— Você pagou por seus crimes, esses mesmo que indiretos caso se refira ao povo do antigo vilarejo — Falava — As almas inocentes que foram poupadas da forca e afogamento, as vidas de homens nas duas primeiras guerras e da guerra omnica... Você tenta apagar algo que não pode sumir. 

— Como sabe disso? — Arregalou o olhar — Como?  

— Já disse, o peso em suas costas, el—  

— Não explique, apenas... Não chegue mais perto de mim... — Se afastava, montando em sua vassoura e resmungando com a dor em seu corpo. 

— Doutora Angela! Espere! — Pediu. 

Ela o ignorou, seguindo de volta para a vila dos injustiçado, dentre eles da qual ela não fazia parte.


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