Psicose escrita por Amara Sloan


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta com o segundo capítulo bem mais dramático que o primeiro, por que a nossa querida Ashara é uma dramática.



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― Essa ideia é horrível. ― Minha mãe resmungou assim que terminei de falar sobre nossas férias em família.

Okay. Não era uma férias em família e sim um pretexto para investigar as mortes no hospital onde Rose trabalhava. Era só uma pequena mentirinha certo? Eu arrumava esse problema, me vingava de Rose de forma triunfal e ainda tirava férias nas praias paradisíacas. Era o melhor plano de todos.

― Eu adorei. ― Emery retrucou e meu pai soltou uma risada.

― Claro que adorou Emery querida. ― Disse arqueando uma sobrancelha, provavelmente de algum segredo de Emery, e eu suspeitava que era o mesmo que eu sabia. Mais especificamente relacionado a surfistas, tanquinhos e bebida.

A minha irmã jogou um travesseiro nele.

― Calado pai.

Minha mãe a fuzilou com o olhar.

― Respeite seu pai. ― Sentenciou com o tom de voz mais alto que o habitual.

― Mãe. ― Intervi. ― É uma idéia realmente boa, vai passar um tempo com o papai em um SPA maravilhoso que reservei pra vocês e Emery vai ficar por minha conta. Sem dores de cabeça. ― Finalizei.

Mamãe prendeu os cabelos cacheados e me olhou sobre os olhos negros como onix, sua pele cor de caramelo contrastava com o branco do sofá.

― Vou pensar no assunto.

― Mô, parece de ser assim. ― Fiz uma careta quando meu pai falou o apelido íntimo deles. ― Vamos passar um tempos juntos. ― Disse masageando seus braços e sorrindo. ― Merecemos um descanso.

― Tá. ― Resmungou por fim e se levantou de supetão do sofá.

Foi fácil. Estranho...com a minha mãe nada era fácil.

― Bem, acho que o final de semana é adequado não é mesmo? ― Indaguei pra ninguém em particular.

Tanto Emery quanto meu pai acenaram com a cabeça em concordância. O meu trabalho estava feito, agora eu só precisava esperar calmamente.

Levantei-me do sofá e andei em passos lentos até a cozinha, eu precisava de um copo com água para afogar tudo o que tinha passado naquela casa. Acontecimentos ruins o suficiente para me fazer tentar...

Engoli em seco.

Não era momento para aquilo.

Talvez nunca fosse momento para aquilo.

― Sei que é difícil. ― Minha mãe falou cortando meus pensamentos encostada na pia.

― Não sabe.

― Eu já pedi desculpas.

― E elas foram aceitas não é mesmo? ― Sorri vazia para ela. Doía. Depois de tantos anos.

Os olhos da minha mãe estavam escuros e nublados, ela estava de fato arrependida, mas não mudava o rumo do passado. Nem ela nem meu pai podiam reverter a minha situação.

― Tem chance com a Emery ainda. ― Falei. ― Chance de mudar.

Ela riu amarga.

― Não estou tendo sucesso.

Verdade.

Mas não ia falar isso em voz alta.

Peguei um copo com água e bebi o mais rápido que pude. Ali estava ela sempre me analisando em busca de defeitos, de motivos para reclamar comigo. Coloquei o copo em cima da pia e dei as costas a ela.

― Você me ama? ― Indagou e eu fechei os olhos buscando a resposta no meu coração.

Mas ele não saltou, nem se apertou.

Minha consciência permaneceu vazia.

― Não sei. ― Admiti olhando para seu rosto magoado. ― Mas não importa. Vou cuidar de você e do papai.

Amor é opcional, mas cuidar é obrigação.

E apesar de tudo... eram meus pais. Meu pai tinha dado duro no início, como um garçom de uma rica franquia de restaurantes e depois conseguiu ser gerente me proporcionando uma vida confortável sem esbanjar muito. E minha mãe professora de matemática, a via apenas a noite. Felizmente.

Desmanchei minha tristeza quando Emery pousou seu olhar em mim. Era tão parecida comigo. A mesma pele caramelo, os olhos castanhos quase negros e o sorriso contagiante.

Só que intacta.

― Vamos meu bem. ― Chamei-a.

― Claro. ― Concordou laçando o pescoço do meu pai com os braços e beijou de forma terna a sua face. O mesmo foi feito com a minha mãe, e os três ali juntos e felizes me deu vontade de chorar.

Chorar de alegria por Emery, ela teria tudo aquilo que eu não tive.

Teria amor. Eu iria me garantir disso até meu último dia de vida.

― Amo você querida. ― Mamãe sussurrou ao seu ouvido.

― Também te amo. ― Exclamou sorridente sem se dar conta das promessas que flutuavam entre meus pais e eu.

― Amanhã ela passará o dia aqui, tenho que resolver uns problemas.

― Está tudo bem filha? ― Meu pai indagou projetando seu corpo para frente os olhos azuis preucupados.

Encolhi os ombros.

― Sim.

Não esperei muito e dei uma curta despedida para eles. Esperei que Emery entrasse no meu carro e finalmente me senti aliviada. Liguei o som e apreciei o rock que saia do carro colocando meus óculos escuros. Emery dizia com frequência que eu era badass.

― Amo essa música. ― Berrou enquanto mexia as mãos como se estivesse tocando bateria.

― Eu também.

Cantarolei a música com ela e quando ela chegou ao fim fizemos um toque com as mãos.

Gostava de estar com ela.

Me sentia leve.

Me sentia aquilo que nunca seria...

Me sentia mãe.

― Que tal um sorvete? ― Indaguei mudando a tragetória.

Seus olhos encontraram os meus.

― Tá brincando?

― Não.

― Eu tenho dezessete anos, não vai me comprar com sorvete.

― Imaginei. ― Murmurei escondendo o sarcasmo.

Três.

Dois.

Um.

― Quero o meu de chocolate.

Soltei a risada.

― Como se fosse uma novidade.

― O fato de eu sempre aceitar sorvete ou de sempre pedir de chocolate?

― Ambos.

― Adivinha qual o foi o final daquele livro que eu estava lendo?

― A mocinha e o mocinho se casam? ― Emery tinha uma louca paixão por romances clichê. E na maioria as falas nem mudavam.

― Foi mais que isso. ― Retrucou.

― Hum.

― Você é muito chata sabia?

Coloquei as mãos sobre o peito e fingi comoção.

― Obrigada querida irmã, nunca fui tão bem elogiada.

Emery me mostrou a língua e dei um tapinha na sua cabeça.

― Acho que não somos da mesma família.

― Como assim?

Sorri contente com a pergunta.

― Observe. Meus pais tiveram uma filha exemplar que sou eu... e depois tiveram uma aberração como você. Não é possível que seja minha irmã.

Ela gargalhou nem um pouco ofendida.

― Agora entendi a falta de espelhos no seu quarto.

Foi a minha vez de gargalhar.

Estacionei o carro e paramos em frente a uma sorveteria charmosa e pequena, era a mesma que ia desde que tinha a idade de Emery, os sorvetes eram artesanais e deliciosos.

Fiz nossos pedidos encontrando um senhor que me conhecia de todas as vezes que ia ali e me serviu com aquela maravilhosa sobremesa e seu melhor sorriso.

Aquele estabelecimento tinha sido palco de tantas coisas na minha vida. Samson tinha me levado ali quando terminei meu primeiro dia de trabalho. Rose e eu tínhamos nos reunido ali pela última vez. Ali que eu conversei com meu primeiro (e único) namorado.

― Ashara.

Pisquei.

― Ashara.

― Sim Emery?

― Você está bem?

Inspirei fundo e saboreei o sorvete de chocolate, era mera coincidência ser o meu sabor favorito o mesmo do dela.

― Nunca estive melhor. ― Respondi por fim.

E o mais engraçado, é que era verdade.

                           
                            ***

Fechei meus cadernos cansada e sai do quarto. Meu estômago protestava a muito tempo a falta de comida.

Na cozinha não tinha uma grande variedade de comida, mas eu sabia me virar sozinha. Preparei uma macarronada enquanto meu pai assistia no sofá o jogo de futebol americano com afinco.

Olhei o relógio.

Era cinco da tarde e pelos meus cálculos, minha mãe chegaria em dez minutos, tempo suficiente para comer e me deitar antes que ela desviasse o foco do seu estresse em mim.

Comi ali mesmo, engolindo a comida entre garfadas e ofereci um copo com água para meu pai. A medida que os minutos iam passando a comida se remexia dentro de mim.

O trinco da sala se moveu.

E ela entrou.

Segurei o copo com força como se ele fosse me proteger dela.

Mas nada podia.

Nem mesmo meu pai.

― Boa noite. ― Sua voz fingidamente alegre preencheu a sala.

― Boa noite meu amor. ― Meu pai respondeu sem desviar o olhar do jogo.

Eu faria o mesmo.

Por motivos diferentes.

― Boa noite mãe. ― A palavra era cáustica na minha boca, mas eu já estava acostumada.

Sim.

Acostumada era uma palavra feita sob medida para mim.

Me Dirigi a cozinha como se fosse para a minha morte. E ela se dirigiu ao corredor dos quartos. Minha mãe iria na verdade para o meu quarto, e no caminho estaria sem sombra de dúvida inspecionando para ver se eu tinha feito todos os deveres corretamente.

Coloquei o copo na pia.

E me virei, sentia quando ela estava perto de mim.

― Lavou as louças?

― Sim.

― Lavou as roupas?

― Sim.

― Limpou a casa?

― Sim.

Ela pareceu se contentar mas continuava alerta em busca de uma respiração errada para reclamar.

― Estudou?

Senti meus dedos se curvarem. Eu queria fechar minha mão em punhos. O problema não era à pergunta mas o tom que ela usou. Um tom incrédulo. Era o mesmo para me chamar de vagabunda.

― Sim.

Ela se virou e resmunguei baixinho.

― Essa foi a mais estúpida das perguntas.

Os passos dos saltos pararam.

Ela tinha escutado.

Burra. Burra. Burra.

Fiquei de costas. Daquela maneira doía menos.

Seu soco nas minhas costas me atingiram repetidas vezes, e cada um com uma força impressionante, como pedras jogadas nas minhas costas. Permaneci parada. Ela aproveitou a minha blusa de mangas e meu cabelo preso para beliscar o inicio das minhas costas e puxou as unhas. Senti a minha pele perfurada por suas unhas, iria sangrar.

Era o bastante.

Chega.

Mas ela soltou meus cabelos e os puxou com força sussurrando no meu ouvido.

― Vagabunda, não me responda. Posso fazer pior. Engula suas palavras idiota cínica. Da próxima vez vou lhe dar um tapa na cara e quebrar seus dentes um por um.

Meu olhar estava vazio de forma proposital, mas a minha vontade era me chorar. A minha alma estava dolorida também. Amava a minha mãe. Amava apesar de tudo. Só não sabia durante quanto tempo iria conseguir isso.

Ela soltou minha cabeça e saiu. Escutei sua voz doce para o meu pai, lhe contando como tinha sido seu dia. Escutei os estalido dos beijos.

Segurei a borda da pia pra de sustentar, uma única lágrima escorreu involuntária pelo meu rosto. Tinha acontecido hoje, mas com sorte só viria a acontecer novamente dali a cinco dias, ou uma semana se fizesse tudo com precisão.

Um dia eu iria embora.

Meu pai me perdoaria, ele se importava comigo, mas nunca se meteu entre minha mãe e eu.

Um dia eu iria embora.

E não voltaria a pisar naquela casa nunca mais.

 


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Notas finais do capítulo

Abraço de urso queridos leitores



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