Striker - A Bruxa, Os Deuses, Anjos & Mortais. escrita por Lucas Chroballs


Capítulo 11
Adeus, Alexia! Uma nova serpente entra no ninho




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No Centro de Vanilla

Quando a força militar chegou à ilha, muitos moradores de rua foram obrigados a se isolar em construções abandonadas pela cidade. Em um deles, o agora habitável antigo metrô de Vanilla, Donatella vai ao encontro de alguns conhecidos para levar suprimentos. Carregando duas sacolas, a cartomante desce as escadas quebradas e sujas e observa um cenário de destruição ainda maior.

— Por que eu tenho a impressão de que isso não é uma reforma qualquer? — ela diz ao se aproximar de um buraco em chamas na parede.

Caminhando pela sujeira, ferrugem e destroços, Donatella segue até o fim do túnel da primeira linha, sobe no vagão do metrô e encontra uma camiseta rasgada no chão.

— Isso está em bom estado para ser jogado fora... Hm?

Sua atenção é desviada para uma criança escondida atrás de um banco, e acontece um pequeno flashback em sua cabeça. Tendo péssimas vibrações, Donatella dá um pacote de batata chips à criança, esboça um sorriso tranquilizador e caminha pelos vagões. Conforme vai andando, ela ouve algumas vozes ficando  mais agudas e de repente somem com um grito. Nervosa, a cartomante corre até o ponto de origem dos sons e encontra uma verdadeira cena de crime: sangue por todos os vagões, cadáveres de militares e indigentes desmembrados, e um estranho odor de enxofre infectam o ambiente.

— Eu já vi isso antes...

Ela tem uma lembrança de um antigo vilarejo entregue ao caos e à carnificina, terminando com o corpo de um menino em seus braços e fogo por todos os lados. Donatella respira fundo e dá o primeiro passo para o interior da estação, onde observa uma pessoa misteriosa derretendo a cabeça de um morador de rua com o que aparenta ser uma substância viscosa saindo de sua boca.

— Isso é... um demônio? – sussurra Donatella.

— O que temos aqui? – diz a mulher misteriosa, que se vira de imediato para ela. — Como deixei você escapar?

— Não estou com eles, ainda mais agora que você derreteu todo mundo. Quem é você e por que eu tenho a impressão de já ter te visto em algum lugar?

Com os punhos fechados e aquecendo, a mulher olha para Donatella com ironia até ser interrompida pelo eco de um grito.

— Gula, retorne!

Ela estica seu braço para pegar o casaco de um homem morto e o veste.

— Eu detesto gente enxerida, então, para a sua segurança é bom que não nos encontremos de novo, cartomante.

A mulher caminha para uma escadaria velha e suja. Donatella saca uma de suas cartas, mas uma voz em sua cabeça pede para que ela não faça isso.

“Não!”

Quando a mulher some de seu campo de visão, uma forma distorcida surge atrás da cartomante e toca em seu ombro.

— Se a atacasse, criaria uma batalha que não poderia vencer. Está em desvantagem contra eles – diz a imagem, que toma forma de Ganesha.

— Eu sabia que tinha sentido esse cheiro em algum lugar... Tem o fedor do meu passado — diz Donatella.

— Você é a mais obstinada de nós. Tente não cair na tentação da vingança ao encontrar com eles novamente. – Ganesha materializa em uma de suas mãos um pedaço de papel. – Hardy pediu para que eu lhe entregasse isso, ele quer se encontrar com você.

Um pouco desconfiada, ela pega o papel e guarda em sua bolsa, enquanto tem pensamentos distantes sobre o passado e o que acaba de acontecer.  

— Tem uma criança por aqui...

— Eu encontrarei abrigo para ela. É melhor você ir. – diz Ganesha antes de desaparecer.

A cartomante sobe as escadas em direção à saída. Ao chegar do lado de fora, começa a observar a naturalidade das pessoas que passam pelo local.

— Qualquer um pode ser um demônio, então é bom eu ficar em alerta. – ela fala para si mesma, enquanto anda pela grande e movimentada calçada do antigo metrô.

Na Escola Cross Found

Com as recentes tragédias em Vanilla e o poder da Igreja se tornando menos influente, a principal escola da ilha decidiu convidar a sua aluna mais popular – pelas causas erradas – para uma conversa com o diretor para esclarecer algumas pendências.

Acomodada em uma cadeira velha e rasgada, Kim ouvia suas músicas do lado de fora da sala dos professores enquanto esperava ser chamada. Sua paz ia bem até dois garotos se aproximarem e ficarem em pé na frente dela.

— Quem é vivo sempre aparece. – diz Troy com um sorriso em seu rosto.

— Esqueceu dos pobres mortais, foi?

Depois de fazer a pergunta, Dylan percebe que ela está com fones de ouvido e estala seus dedos à sua frente.

— Como vou esquecer se todos os meus pesadelos se resumem a vocês nas aulas de educação física? — Kim pausa a sua música. — Não duvido que tenha uma fauna vivendo nas pernas dos dois.

— Quer ver? – pergunta Dylan com uma expressão maliciosa.

— Puxa vida, logo hoje que vim sem a minha cera quente?

— Chega com esse papo medonho. O que está fazendo aqui? — pergunta Troy.

— Pelo que eu entendi, o diretor mandou uma carta ao meu tutor, disse que eu estava me metendo com gente errada. O resultado é uma conversa maravilhosa que eu terei com os professores e ele aqui dentro dessa salinha. Quem sabe não sai um podcast.

— Você devia levar as coisas mais a sério nesse lugar. Se continuar a sair da linha, talvez não volte mais. — Dylan fala calmamente.

Kim se levanta e bagunça os cachos castanhos da cabeça dele, como um gesto amigável.

— Levar a vida a sério não é meu esporte favorito, prefiro ser feliz.

— Verônica, você é inacreditável. — diz Troy. — Mas espero que dê tudo certo.

Ao ao ouvir seu nome, ela esboça um sorriso debochado.

— Eu sei. Isso me lembra que eu tenho que bolar um nome melhor... — O telefone dela começa a tocar. — Alô?

— Kim, sua amiga desapareceu e desligou as comunicações, preciso que a encontre. — Sem demorar, Hardy desliga o telefone.

A jovem retira os fones de ouvido e guarda o celular no bolso.

— Bom, meninos, tempo é dinheiro, e eu estou sem os dois. Tenho que ir. — Kimcaminha até a saída.

— Mas e a sua reunião com o diretor? — pergunta Dylan.

Ela finge ignorá-lo e continua em linha reta, com os dois rapazes a observando ir embora.

— Bom, essa não vai voltar. Poderia ter pensado em uma boa forma de se despedir da sua amiga. — Troy fala com um olhar diferente.

— Eu acho que esse não será nosso último encontro. — Dylan toma a direção oposta a de Kim, ajeitando a luva da sua mão esquerda.

 

No Cemitério Jardim de Mayflower

Ao Leste do centro de Vanilla, próximo às colinas não habitadas, Kim entra naquele local silencioso e gelado à procura de sua amiga. Ela olha o ambiente despreocupada até encontrar a bruxa ajoelhada em frente a uma lápide, escrevendo com batom na placa de identificação.

— Eu já vi vandalismo melhor no jardim de infância. O que está fazendo?

Ela continua a escrever as palavras: “Traidora”, “Corno” e “Ingênua” na placa de Eleonor, seu marido e Alexia, respectivamente. Após isso, Striker se levanta e dirige-se até a saída.

Ao olhar sua amiga indo embora, Kim toma a atitude inesperada de correr até ela e pegar a pistola de seu cinto, voltar onde estava e disparar várias vezes contra o túmulo de Alexia.

— Mas que merda você tá fazendo?! — diz Striker surpresa com a reação da amiga, aparecendo na frente dela e tomando a arma de volta.

— Eu não tomo atitudes extremas, mas essa sua tristeza está me fazendo querer estar morta igual a ela. – diz Kim. – Você está aí se culpando pela morte de uma menina que até ontem não significava nada. Acorda, gata, você não é uma heroína!

— E quem disse que eu quero ser? Não tenho vontade nenhuma de ser um ideal de justiça ou lutar por igualdades. O que importa pra mim é saber o meu propósito de estar viva... Mas até eu encontrar minhas respostas, que mal tem em ajudar alguém de vez em quando?

— O mal é que você vai acabar se apegando a eles! – Kim a deixa sem palavras. – Eu não sei qual é a sua visão do mundo, mas não deve ser muito profunda. Você vai acabar se apegando a eles, aos rostos de gratidão. Mas no seu primeiro deslize, vão te queimar viva... e provavelmente por algo que você não tem culpa.

As palavras da jovem acabam mexendo com as lembranças que Striker teve na noite anterior.

Striker olhou para Alexia seriamente e levou uma das mãos à parte de trás da cintura para pegar uma de suas pistolas.

— É mais um problema para a minha biografia… — disse ela.

Com dores em alguns pontos de seu rosto, Alexia levantou a adaga contra a bruxa como se fosse arremessá-la. Porém, a jovem não contava com uma investida repentina de seu ex-noivo, jogando-a com força no chão.

— A gente também resolve acidentes domésticos? – Kim debochou da situação e deu alguns passos até Striker a segurar pelo ombro. — O que foi?

Ela deu uma expirada e olhou diretamente para um senhor que caminhava em direção à cozinha com um calibre 38 em suas mãos.

— Já são quase duas da manhã, Eleonor. Vá dormir!

— Donal... — Sem poder terminar sua frase, a mulher é baleada na cabeça pelo seu marido.

A ação de Donald deixou todos impressionados, menos Alexia, que resistia à submissão de Patrick.

— Alexia, eu não quero machucar você, por favor... pare.

Tendo os sentimentos à flor da pele ao ver que sua amada estava desvirtuada em sua sede de vingança, Patrick decide recitar algumas palavras a ela, enquanto a imobiliza no chão.

— Escuta... Eu era jovem e transformei o que mais gostava em uma profissão. Conheci muita gente como a sua mãe, mas foi por você que eu decidi parar com isso, porque queria estar ao seu lado Alex... Pode parecer que minhas palavras não valem de nada, mas eu falo de coração quando digo que quero apenas ficar com você e esquecer que um dia eu vendia o meu corpo para comer...

Enquanto ele discursava, Kim e Striker se olham com expressões duvidosas e começam a cochichar; isso acaba atrapalhando Patrick, que as questiona.

— Algum problema?

— Uma dúvida de vestibular. Você está carimbado? — perguntou Kim.

— O quê?

— Não precisa entrar em detalhes. Eu só quero saber se você tem uma Chernobyl na cueca.

— Garota, você não está ajudando...

Patrick se surpreende com a ação inesperada de Alexia, que começou a bater seu rosto no chão sem parar. Nisso, os pontos próximos aos olhos, testa e maxilar vão se soltando e o sangue vai manchando o chão.

— Alexia, pare! Ugh...

Com lágrimas nos olhos, ele a segurava pelo pescoço, deixando suas mãos livres para ela perfurá-lo na barriga com a adaga.

— Droga... — Patrick se retirou de cima dela e colocou a mão na perfuração para estancar o sangue.

Com o rosto sujo de sangue e pedaços de tecido pendurados, mostrando partes de sua carne, Alexia se levantou com dificuldade e olhou para o rosto de Patrick.

— Diga com sinceridade... Você não me acha linda?

Sem conseguir continuar a ver tal cena, Striker aponta a pistola para a cabeça da jovem, mas Donald é mais rápido e dispara contra o peito da própria filha. E sem entender nada, a bruxa olha para ele, que abaixa sua pistola com lágrimas nos olhos.

— Você não precisava ter chegado a esse ponto...

— O destino de Eleonor estava sendo adiado há tempos. Apenas Alexia morreu com o resto de minha compaixão. Eu devia ter impedido essa teia de mentiras, mas não tive forças para tomar uma ação... Patrick, eu sinto muito você perder sua vida assim.

— O quê?

Donald disparou contra seu ex-genro, mas a bala explodiu antes de entrar em contato com ele.

— É pra isso que os “cidadãos de bem” precisam de armas em casa? — disse Kim ao defender Patrick com uma frigideira de energia.

— Não sei, aqui não tem nenhum. — Striker disparou contra o coração de Donald, o jogando para trás com a força do tiro.

Kim transformou sua frigideira em um curativo gigante para estancar o sangramento do rapaz, que estava bastante abalado.

— Eu vou chamar uma ambulância... – Ela pegava seu celular quando Patrick estendeu o dele.

— Ligue do meu e sumam...

Patrick observou Striker se aproximando e abaixou a cabeça.

— Ou termine com isso... – ele dizia em tom fraquejado e lento.

Striker ouviu atentamente o pedido e preferiu abaixar as armas, arrumando o cabelo e proferindo um encantamento ao encostar os dedos na testa dele.

— Artifex ad vetus: coemeterium imperium!

O corpo de Patrick começou a perder massa, até virar uma casca oca que foi se quebrando com o passar dos segundos.

— É melhor irmos, Kim. Não há mais nada aqui para nós.

Após o fim de suas lembranças, Striker se levanta da lápide de Alexia e dispara, virada para Kim, contra o túmulo de toda a família.

— Imagina se essa moda pega... Quer ir a um estande de tiros um dia? – pergunta Kim.

Com uma grande suspirada, a amiga caminha em silêncio em direção à saída. Entendendo a situação, a ex-estudante a segue.

 

Em uma pequena capela ao Norte de Vanilla

Perto do anoitecer, alguns jovens se retiram do local após um encontro da catequese. Mesmo com a ausência de muitos sacerdotes, o bispo ainda insiste em continuar com os ensinamentos religiosos. Justamente neste momento, o religioso interroga um menino.

— Estou notando algo de estranho em você, Stewart. Tudo bem?

Acanhado, o jovem responde em voz baixa:

— É em casa, bispo... Ultimamente aqui anda sendo o lugar mais confortável para mim.

— Entendo... Quer desabafar? — pergunta o bispo desconfiado.

— Eu não sei...

— O confessionário está livre. Diga-me tudo que o abala meu jovem...

Os dois caminham até o pequeno confessionario de madeira e se sentam em suas cabines.

— O que o abala, Stewart?

Ainda nervoso com a situação, o jovem fica mexendo seus dedos repetidamente até soltar algumas palavras baixas e trêmulas.

— A-Alguns dias atrás, meu tio bêbado veio até a minha casa dizendo que havia se separado da mulher dele... Meu pai o deixou passar a noite no sofá...

— Continue, Stewart...

— Ele... bateu na porta do meu quarto e disse algumas coisas que eu não entendi. Levantei a cabeça cansado e... — O jovem garoto começa a derramar lágrimas em sua bermuda ao se lembrar do que aconteceu.

— Meu filho, sabe que se mentir aqui estará cometendo um pecado, então eu quero que você não omita nada. Diga-me, dói quando você se senta? – pergunta o Bispo.

— Sim...

— Onde mais sente dor?

— Em vários lugares, bispo... — diz o menino envergonhado.

— Posso ver esses lugares?

Quando o bispo realiza sua última pergunta, o garoto não o responde mais.

— Stewart, não seja tímido, eu posso ajudar você. Deixe-me ver onde sente dor.

O homem se levanta e se dirige à cabine ao lado. Quando abre, a cortina de veludo se depara com a presença de uma segunda pessoa ali.

— Q-Quem é você? — Ao final de sua pergunta, uma pistola de aço é colocada em sua boca.

— Acho que não tem pecado maior do que você ter nascido um porco imundo.

A mulher dispara uma bala extremamente fina, que deixa-o agonizando de dor pela presença de componentes químicos corrosivos. Ao observar o bispo com dores, ela coloca a arma na testa do menino, que treme de medo.

— Miranda, não! – diz outra mulher.

Miranda abaixa sua arma e abre caminho para a criança fugir.

— Muito bem, Chris, deixou uma testemunha escapar. Feliz? — pergunta uma de suas companheiras.

— Não matamos as vítimas, eliminamos os causadores; vocês deviam se lembrar disso. — diz a Tornado Ambulante.

— E você devia se lembrar que Miranda está morta e nunca deve ser nomeada! —  Viper grita, se colocando à frente de sua aliada. — De um jeito ou de outro, aquela criança nasceu com o carma de viver no mundo dos homens. Independentemente de quem seja, se ficar em nosso caminho, eu irei matá-lo. Ficou claro?

Elas não respondem.

— Ótimo... Soube que nesta ilha insignificante tem uma bruxa conhecida como Striker. Vamos chamar a atenção dela para que venha até nós e se junte à causa.

— E se ela se recusar? — pergunta a Dama de Copas.

— Então tiramos mais um peão do nosso caminho. — Viper fala com seriedade.


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