Chains escrita por Passarinho


Capítulo 7
Acordo


Notas iniciais do capítulo

ADIVINHA QUEM TÁ MUITO ATRASADA, DE NOVO?
Finalmente consegui diminuir o capítulo, mas o próximo, como posso dizer... Está tão grande quanto os outros. Perdão. Eu juro que foi sem querer querendo.

Nos vemos lá nas notas finais, onde você ganha um vale pão de queijo.



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Dessa vez, não fui à mesa sozinho, pois era melhor ficar sentado no sofá da sala. O nanico provavelmente estava atrás de mim, o mais longe possível; mais uma vez não quis comer nada, recusando firmemente a todos os pedidos de Arani.

Também porque era impensável querer comer algo com o estômago totalmente revirado do jeito que o meu agora estava.

Se aquela mulher não chegasse bem naquela hora, o que teria acontecido? Eu teria conseguido reagir?

Fui me arrependendo amargamente de não ter mentido naquela hora, a cada segundo que eu passava ouvindo o som do meu pé inquieto batucando o chão. Tinha saído da minha boca involuntariamente, e só depois parei para ouvir o que estava dizendo. O que “interesse” significava? Era uma palavra cheia de sentidos, e só alguns deles pareciam entendíveis em minha cabeça.

Se ele entendesse errado, a situação só pioraria.

Contudo, era indiscutível, e era a verdade, mesmo que eu não quisesse que fosse.

— Jovens, me sigam. — Uma familiar voz graúda chamava.

Assim o fiz, seguindo Serre até os fundos da casa sem protestar. O nanico estava na minha frente, quieto. Eu conseguia ver uma porta de correr de vidro que dava para a parte mais profunda do jardim, e esse jardim era composto somente por um bom espaço com grama verde e alguns arbustos de flores e pequenos frutos.

— Os trouxe aqui para não fazer algum estrago dentro de casa. É só comprimir a magia que puderem em uma esfera, para que eu possa medir a média de força mágica de vocês. Veigas, não tenho dúvidas de que você saiba fazer isso, mas Dio, você consegue usar magia?

Quase pareceu uma ofensa, mas depois de pensar um pouco, eu de fato não tinha dado nenhuma pista de que fosse usuário de magia para ele até agora, então fiz um “sim” discreto com a cabeça, dando espaço para que ele continuasse a falar.

— Então, podem começar quando quiserem.

Aparentando querer acabar logo com aquilo, o nanico começou a comprimir magia em sua mão esquerda. Era de certo modo brilhante, pequenos rastros semi-luminosos envolviam cada centímetro de ar que estivesse próximo. Diferentemente de quando estávamos lutando no templo da deusa morta, não senti uma força extremamente opressora que ameaçasse acionar meus instintos de sobrevivência. Porém, de segundo em segundo, ficava mais denso e encorpado, e suas faíscas mais ariscas, até finalmente parar de se intensificar e tornar-se estável. Sua face expressava a mais pura insatisfação, e vendo que aquilo era o máximo de magia que podia comprimir, dissolveu a esfera no ar e terminou tudo em um expiro de desgosto.

Serre apertou os olhos, fazendo um gesto que eu começasse.

Também com minha mão esquerda, conjurei uma bola de energia. Ela era escura em seu centro, mas ainda brilhava ao redor. Faíscas semelhantes a fogo demoníaco dançavam em volta de minhas garras, provavelmente a fonte daquele brilho. Coloquei o quanto de poder eu conseguia bem no centro da esfera, comprimindo-a e a fazendo densa, até que não restasse mais nada que pudesse colocar. Agora, eu tinha entendido a insatisfação do nanico. Aquilo era todo o poder que eu tinha, e não é nem um quadragésimo do que era antes. Posso não ter feito uma expressão como a que ele fez, mas me senti do mesmo jeito. Fechei o punho, esmagando aquela esfera, que só de olhar quase me fazia querer socar algo.

— Incrível, incrível! Certamente vocês são especiais, seus poderes não são tão fracos quanto pensei. Realmente não estiveram em nenhuma Academia? — Serre parecia impressionado, mas como de costume, não deu espaço para nenhuma resposta, continuando a falar. — Acho que posso colocá-los no teste de admissão bem cedo. Em três semanas, vocês já devem estar bons o bastante.

— Três semanas? Três? — dizia o nanico, indignado. — Preso aqui dentro?!

— Na verdade, alguém normal ficaria por volta de quatro meses treinando, mas como vocês já são muito promissores, três semanas devem bastar. Me desculpe por isso, mas é o mínimo. Arani me contou que queriam ir para Arquimídia ver o acervo de magia, e entrar na Seleção é o único modo de ficarem fortes o suficiente e irem para lá.

— Eu vou ter de passar três semanas parado, sem nada pra fazer e suportar aquele inferno de noite? Eu prefiro ir embora daqui e morrer sendo comido por um dragão de dez metros.

— Não diga que quer morrer, jovem! Que horrível. Mas como assim, “inferno de noite”? Você passa mal?

— Que pergunta é essa, você é surdo? Ontem a casa inteira estava tremendo por causa de estrondos do lado de fora, e depois que aquela merda estava parando, começou a fazer um frio de, sei lá, menos vinte graus!

— Ah! — O velho finalmente pareceu estar entendendo o que o outro tinha dito, e riu como se fosse algo extremamente idiota. — Aquilo é o som dos três sinos de prata que ficam perto daqui de casa. Toda madrugada, são tocados para trazer o frio. Criaturas noturnas frequentemente invadiam o reino, e o sino foi criado para que quando fosse tocado, trouxesse uma temperatura tão baixa que as afastaria daqui. Todas as casas são protegidas contra o frio, mas nem sempre é o suficiente, infelizmente.

— Criaturas? Que tipo de criaturas?

— De todos os tipos. De animais normais, até monstros. Era um verdadeiro caos, porém agora, com os sinos, conseguimos resolver. Mas... as meninas não deram um estabilizador de temperatura? — Quando Serre citou aquilo, me lembrei brevemente de alguma delas ter falado sobre ter algo na gaveta. — Vocês dormiram passando frio?

O nanico hesitou um pouco. O vi morder o lábio que já estava machucado, mas que o velho provavelmente não tinha visto.

— Não. — disse, rapidamente trocando de assunto — Mas e aquele barulho terrível?

— Sobre isso, eu não posso fazer absolutamente nada além de pedir para que tapem bem forte os ouvidos. Eu não pensei que fosse tão incômodo, já que é só um som inofensivo. — notando nossos olhares que exibiam a vontade de perguntar se era algum tipo de gozação, tentou consertar o que disse — Bem, todos os quartos da casa são à prova de som, então, mesmo que os sinos estejam nas redondezas, só dá para ouvir um pouco. Eu não sei se vocês são mais sensíveis, então realmente peço perdão, mas não tem nada que eu possa fazer a respeito.

— Não tem alguma magia que dê pra bloquear o som?

— Não, eu não conheço nada parecido. Posso dar uma olhada nos livros, mas vai demorar. A propósito, ainda não achei nada sobre as correntes, passei a noite inteira de ontem procurando, e preciso voltar à essa pesquisa. Já está tarde, podem entrar e ir dormir. Mil desculpas pelo barulho. — E assim ele deixou o jardim, entrando de volta para a casa, como se estivesse apressado para continuar a tal “pesquisa”. Apressado demais.

Por que eles —  esses três humanos — queriam tanto nos ajudar, ainda era um mistério para mim. Entretanto, eu já tinha encontrado outros humanos que agiam quase da mesma forma. E inclusive, trabalhado com eles. Essa era a Grand Chase que eu tinha me juntado, mesmo que só temporariamente.

 

Eles, indiretamente, lhe ensinaram muita coisa.

E você aprendeu.

 

O céu estava escuro. Nenhuma estrela. Parece que, nessa dimensão, as estrelas só davam as caras de dia, e de noite desapareciam. Não fazia sentido.

Sem mais nada para fazer ali fora, entrei de novo na casa, voltando para o mesmo sofá que estava antes. O nanico provavelmente tinha parado de pé no mesmo lugar também, atrás de mim.

Passei dez, não, quinze, vinte minutos ali, colocando as ideias no lugar. Fazer isso estava praticamente virando rotina esses dias; era muita coisa acontecendo, e ao mesmo tempo pouca. Porque, por mais que quebrasse a cabeça, era só uma corrente e uma dimensão paralela. Eu não consigo contar em quantas dimensões já estive, e querendo ou não, essa era só mais uma delas.

Mais ou menos cinco minutos se passaram, e nesse meio tempo, aqueles pensamentos se diluíram.

Ficar sentado nesse sofá por todo esse período me recordava da pergunta que fiz a mim mesmo antes de ir ao jardim, quando estava neste mesmo lugar. Aquela maldita pergunta, que tal como as outras, não saía da minha cabeça.

Olhei por cima do ombro, tentando encontrar algo que me ajudasse a achar. Mas entre as costas da camiseta dele e a parede que estava logo atrás, não consegui pensar em nada plausível.

E como ele já disse ter notado, eu não quis mais disfarçar ou tentar parar: fiquei olhando-o, mesmo que ele estivesse de costas. Era impossível para mim deixar de fazer isso, de qualquer forma. Alguma coisa nele me instigava, e eu não tentava mais negar esse fato, nem por orgulho, nem por teimosia. Só cheguei na conclusão final de que ignorar não seria melhor em nada.

A cabeça dele estava um pouco baixa, e seus braços pareciam cruzados de uma maneira leve e frouxa. O vi olhar de soslaio, como se percebesse que eu o estava observando. Ele se virou para mim, mas não me encarou de volta, ainda com a cabeça meio baixa. O rosto dele estava do mesmo jeito que estava no quarto, uma expressão inóspita, aflita e dolorida, sempre automutilando a própria boca, dando a impressão de que aquilo era completamente normal para ele. Eu não duvidava de que logo ele conseguiria atravessar a carne. No impulso, quase tentei o fazer parar, mas não consegui mover meu corpo sequer um centímetro ou falar qualquer coisa.

No entanto ele, ao contrário, veio na minha direção, até chegar a menos de um metro. Ainda sem olhar para mim, até como se evitasse a todo custo fazer qualquer contato visual comigo, apanhou a corrente que repousava por cima das costas do sofá e a puxou lentamente, fazendo meu braço esquerdo ser erguido em direção a ele. Resisti um pouco, mas logo relaxei e o deixei fazer o que quisesse.

Antes que eu percebesse que estava fazendo o mesmo de antes — não me impondo contra qualquer vontade dele — já era tarde demais.

Usando a garra que ficava presa ao meu dedo indicador, ele estendeu sua mão direita e fez um corte diagonal na palma. Assim que a ferida se abriu, a mão dele começou a se encharcar em rubro até começar a escorrer. O corte tinha sido profundo.

Porém, ainda não parecia satisfeito. Com o meu médio, dobrou até que a garra alcançasse a minha própria palma, e me fez um corte também, tão profundo quanto. A dor era aguda. Meu sangue começou a sujar toda minha mão de vermelho, contrastando com a pigmentação azul que ela, originalmente, detinha. Antes que eu pudesse xingá-lo ou perguntar o que estava fazendo, ele, como num aperto de mãos ou algo parecido, juntou a direita dele com a minha esquerda. Nosso sangue, se misturando, pingava no chão, e eu obviamente não conseguia distinguir de quem era a próxima gota que cairia.

Senti meus dedos gelando, mas minha palma estava quente, parecia queimar. Queimar, doer, formigar. Mas não estava tensa, pelo contrário. Parecia leve.

Chegava a ser quase engraçado a diferença de tamanho entre a minha mão e a dele, e as garras só me faziam parecer ainda maior. Mas, mesmo as dele sendo pequenas, ele me segurava com uma firmeza implacável que, mesmo se quisesse, eu não conseguiria me soltar com nenhuma facilidade.

Ficamos alguns longos segundos assim, e mesmo sem entender nada, não consegui agir. Nas últimas horas, “agir” é uma das coisas que eu menos soube fazer.

 

Essa é uma das razões.

 

Tentei descobrir o motivo daquilo, mas quanto mais eu tentava decifrá-lo através de seus olhos dourados fixos em algum pensamento distante, mais eu ficava perplexo com o objetivo de suas ações. Logo alguém como ele, a representação máxima de todas as famílias radicais de asmodianos de Elyos, aquelas que espalhavam destruição e caos onde bem entendiam só porque lhes dava na telha; logo alguém como ele, parecia querer declarar...

— Trégua — completando meu pensamento com precisão, o nanico apertou a mão com mais força — por enquanto.

Senti os meus próprios olhos arregalarem. Minha cabeça, agora, estava com mais interrogações que antes. Ele desatou seus pequenos dedos lentamente, e minha mão foi deixada sozinha de novo, agora totalmente fria. Porque eu sabia que era a dele que estava a aquecê-la.

 O meu sangue parou de escorrer.

 

E você desejou que aquela cicatriz não desaparecesse.

Não tão cedo.


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Notas finais do capítulo

[------VALE 1 PÃO DE QUEIJO ------]

Perdão pela imagem desse capítulo ser bem simples (e talvez estranha?)
Eu tentei maneirar no sangue, crianças, mas eu adoro sangue, coloco sangue em tudo, então quem tem hemofobia sai correndo.
(gente



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