Digressão escrita por PKJX


Capítulo 4
Miho: Outras Questões


Notas iniciais do capítulo

Bem, a Miho segue mais ou menos a mesma linha do clássico, mas a Saori pode acabar estranhando algumas pessoas porque ela é... gentil? Como já mostro no capítulo 1 dessa fanfic, tenho talvez uma visão diferente da personagem. Não que ela não seja mimada, ela é, quando tem 7 anos pelo menos. Mas a Saori aqui "já" está nos seus 12 e ela é um tanto inspirada também na versão de Saintia Sho, na qual ela já passou por um processo de amadurecimento antes da trama começar e, num geral, é uma boa pessoa. Enfim, eu quis mostrar um lado mais compreensivo dela que acho que muitas vezes é esquecido, até porque, de fato, antes da trama começar, a Miho trabalha no orfanato que é, muito provavelmente, propriedade da Graad.

Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/712795/chapter/4

Tóquio, 1984.

Já faziam quatro anos que Seiya havia ido embora. Miho agora tinha 11 anos e era uma das crianças mais velhas do orfanato. Gostaria muito de continuar por ali, mas tinha medo, pois em alguns anos não teria mais idade que justificasse sua estadia naquele orfanato. Para onde vão as crianças que não são adotadas? Para rua? Passou a vida vendo aquele lugar como ser lar para, depois, ser chutada dali à força?

Em um desses dias, Miho teve uma ideia: será que ela poderia ficar trabalhando ali? Seria um bom jeito tanto de ajudar esse orfanato a ser um lugar melhor para as crianças que chegavam quanto de se manter ali, o padre, afinal, morava ali e algumas das funcionárias também. De todo modo, mesmo que tivesse que morar em outro lugar quando mais velha, ela passaria o dia ali, além de que teria algum dinheiro para se manter.

O padre gostou da ideia, por Miho ser "da casa", teria uma outra visão em relação às necessidades das crianças. Mas tinha um porém: aquele lugar pertencia à Fundação Graad. Na verdade, ele tinha sido comprado pela Graad uns 10 anos antes, junto com vários outros orfanatos e abrigos. Aquele orfanato originalmente pertencia à Igreja e era sustentado por doações, mas já estava quase fechando quando a Fundação o adquiriu, junto com todo o corpo que lá trabalhava. Não mudaram nada no funcionamento, apenas reformaram e algumas crianças foram remanejadas ou adotadas em um processo que ninguém entendeu muito bem. Embora a administração tivesse muita liberdade para tomar decisões, a contratação de uma menor de idade era um pouco mais complicada. 

O orfanato recebia uma verba da Fundação e tinha que prestar contas no final do mês com relação aos gastos. Se alguém acabasse descobrindo que uma menor de idade, que inclusive era uma das crianças beneficiadas pelo serviço, estava no corpo de funcionários, poderia causar um escândalo para cima da Fundação. Sendo assim, o assunto foi enviado a outras instâncias. A comunicação entre os orfanatos e a administração da Graad era muito mais direta e rápida em comparação a outros projetos da Fundação, devido ao constante e estranho remanejamento de crianças. Por causa disso, o assunto provavelmente chegaria a atual chefe da Fundação Graad, Saori Kido. 

Miho não entendia muito bem todas essas questões, mas tinha compreendido que seu futuro estava agora à mercê da senhorita Kido, uma pessoa nunca tinha visto. Seu avô até aparecia no orfanato vez ou outra quando ainda era vivo, sempre acompanhando de uns homens mal-encarados de terno e gravata, mas não se lembrava de nenhuma vez que aquela garota tivesse sequer pisado ali. Nada mudou na política da Fundação em relação ao orfanato com a mudança de gestão, mas nova dona nunca apareceu por lá. Teria como confiar na decisão dessa menina, que não fazia a menor ideia do que era viver naquele lugar?

Essa garota nunca saberia a importância que esse orfanato tinha no coração de Miho, quem era ela para decidir qualquer coisa? Mas agora tudo estava nas mão da herdeira-prodígio, provavelmente mal-acostumada e caprichosa, que frequentemente fazia as manchetes dos jornais japoneses pela habilidade em administrar o império empresarial do avô mesmo sendo apenas uma pré-adolescente da mesma idade de Miho. Seiya havia comentado superficialmente sobre ela uma vez, falando que era mimada e insuportável, então não tinha lá uma impressão muito boa da menina, devia ser só mais uma no meio dessa gente que só pensa em dinheiro. 

Pouco tempo depois, chegou uma mensagem da Fundação, a resposta da jovem Kido. Miho estava muito apreensiva enquanto o padre abria o papel. Estavam apenas os dois numa sala, foi até gentil da parte dele ver a decisão junto com ela. Mas, ao contrário do que esperavam, ali não tinha uma resposta e sim um convite. Na carta, a garota dizia que queria compreender a situação em maiores detalhes e, por isso, gostaria de conversar tanto com um responsável administrativo do orfanato, ou seja, o padre, quanto com a jovem. Miho ficou surpresa, não esperava que a empresária-mirim tivesse qualquer interesse em ouvir sua história. Por um lado, achou bom pois significava que talvez Saori Kido não fosse desses ricos que humilham todo mundo e estivesse minimamente disposta a ajudá-la, mas, por outro lado, ficava ainda mais apreensiva com toda essa situação. 

Na carta, Saori propunha uma data e horário para encontrá-los em seu escritório, na residência dos Kido, e ambos aceitaram. Por algum motivo, ela também dizia que providenciaria o transporte deles e assim foi feito: no dia marcado, um carro da Fundação veio buscá-los e levou-os até a casa dela. Estar naquela mansão foi muito estranho para Miho, ela já havia entrado escondida lá vez ou outra, para falar com Seiya, mas era esquisito entrar pela porta da frente, como uma visita. Também se sentia pequena naquele lugar, tudo era exageradamente grande e suntuoso. Além disso, ela iria ali encontrar a garota mais poderosa de toda a Ásia, que também seria de certo modo sua chefe, sabe-se lá o que poderia acontecer ali.

Lá dentro, foram recebidos por um homem alto e careca, Miho o reconheceu como um dos mal-encarados que aparecia no orfanato acompanhando o falecido Kido. Umas vezes ainda aparecia lá representando a Fundação, apenas conversava com os adultos e ia embora sem dar muita bola para ninguém. Ele não parecia muito simpático, mas não foi grosso com eles. Guiou-os até o escritório da senhorita Kido, que pediu para ele providenciar algo para servir às visitas. Miho finalmente ficou cara a cara com ela, cumprimentando-a com uma reverência. Não gostava muito dessas formalidades, mas, bem, se quisesse a oportunidade, teria que seguir as regras.

A menina Kido era indiscutivelmente linda, muito mais do que parecia pelos jornais e TV. Ela não tinha traços japoneses, tinha olhos azuis e cabelos liláses, mas sua postura era impecável, se portava como um legítima dama nipônica. Passava uma impressão de altivez, mas, ao mesmo tempo, tinha um ar diplomático e parecia também uma pessoa reservada, que não transpareceria seus verdadeiros sentimentos com facilidade. Aparentava ser um pouco mais velha, mas ainda mantinha traços infantis que deixavam claro que não era adulta. Mas, além disso tudo, havia nela algo que inspirava confiança. Miho não entendia muito bem, mas era como se sentisse uma energia positiva vinda de Saori, isso acalmou-a um pouco. Saori então disse:

— Agradeço por virem, espero que não tenham tido problemas até aqui – a voz dela era suave mas séria – Por favor, sentem-se. 

Saori apontou para um pedaço do escritório onde havia um sofá e, de frente para ele, duas poltronas, havia também uma mesinha entre o sofá e as poltronas. Miho e o padre sentaram no sofá e Saori, em uma das poltronas, ficando de frente para eles. Nesse momento, uma empregada entrou no cômodo, servindo a eles chá e alguns petiscos, deixando Miho mais desconfortável com aquele tratamento todo. O padre então tomou a dianteira na conversa:

— Senhorita Kido, como já expliquei por carta, Miho gostaria de ajudar no orfanato. Ela tem o direito de permanecer ali até os 18 anos, mas já diz que gostaria de trabalhar e, futuramente, continuar vivendo lá, como fazem alguns dos funcionários. Contudo, ela é uma menor e, até onde sei, não pode ser nem contratada em regime de aprendiz, talvez com uma autorização judicial. Além disso, por ser beneficiária do serviço, isso pode dar espaço para suspeitas e acusações por parte da mídia, caso algum jornalista investigue o assunto. Por outro lado, acho que seria importante registrá-la formalmente como parte da equipe caso ela preste serviços ao orfanato, até pensando em seu futuro profissional. É uma questão delicada, por isso achei melhor trazê-la para a administração da Fundação. 

— Sim, e o senhor parece bastante favorável à contratação dela, gostaria de ouvir um pouco a respeito disso. 

— Bem, acredito que por ter crescido no orfanato, ela tenha uma certa sensibilidade a algumas questões que os outros profissionais, incluindo eu mesmo, não temos. Sua vivência pode ser uma grande contribuição para realizarmos mudanças e melhorias, além das crianças já estarem acostumadas com ela. Ela sempre foi bastante prestativa, ajudando em coisas menores e tenho certeza de sua capacidade. Talvez alguns órfãos até possam vê-la como exemplo de órfã que conseguiu estabelecer uma vida digna.

Miho ficava vermelha com cada palavra, não estava esperando esses elogios por parte do padre. 

— Compreendo – Saori então virou-se para Miho – Senhorita Yamada(1), confesso que fico curiosa quanto às suas motivações. Poderia se aprofundar um pouco nisso? 

Miho quase congelou. Aquela garota era extremamente formal e calma ao falar e se portar, enquanto ela estava quase desmaiando de tanto nervosismo e ansiedade, elas tinham a mesma idade mas parecia que Saori era uma adulta e ela, uma criancinha. E se acabasse falando alguma coisa errada? Não sabia ser tão formal assim. Tentou reunir seus pensamentos em algo que fizesse sentido: 

— Er, claro, senhorita Kido. É.. é que eu... Fui para o Filhos das Estrelas quando ainda era um bebê, não faço ideia de quem sejam meus pais e nem o que aconteceu com eles... então... Aquela é a minha única casa... – parecia que não conseguia formar uma frase direito, se sentia meio estúpida falando – E eu... Eu... Sinceramente... Gostaria de ajudar as outras crianças, gostaria que elas tivessem oportunidades que eu não tive... Que elas soubessem que, mesmo que não forem adotadas, elas têm um lar ali... Têm com quem contar, essas coisas... Então... Se você, digo, se a senhorita permitir, seria muito importante para mim... Não sei se consigo expressar muito bem, mas... 

— Não se preocupe, acho que entendi – Saori a interrompeu, sorrindo de leve – Bom, pessoalmente, não vejo quaisquer impeditivos, mas, o fato é que ela ainda não tem a idade na qual se prevê contratação como aprendiz. Uma autorização judicial poderia ser uma via, mas é um tanto incerto, além de que provavelmente vai demorar um certo tempo. Existe, contudo, um jeito de contornar essas questões todas. 

— Qual? – Miho perguntou com o coração na boca. 

— Bem, para isso, nós precisariámos te enquadrar dentro de um dos projetos da Fundação que oferece bolsa a alunos selecionados e colocar as atividades no orfanato como parte da sua formação pedagógica, ou seja, elas teriam que ser executadas na presença de um adulto responsável e com cronograma e justificativa adequados, seguindo os critérios do programa. Eu posso organizar as coisas de modo que esse tutor seja alguém do corpo de funcionários ali ou, ao menos, ciente do caso. 

— Acha que não têm riscos quanto à imagem da Fundação, senhorita? – o padre perguntou logo em seguida. 

— Esse risco existe, mas a equipe legal que cuida desses projetos é muito bem equipada. De qualquer jeito, essa vai ser uma responsabilidade que eu mesma vou cuidar. – Tirando Saori, ninguém ali fazia a menor ideia do quão bem protegidos eram os tais "projetos" da Fundação e nem o porque.

Miho então se levantou rapidamente e fez uma longa reverência a Saori: 

— Muito obrigada, senhorita Kido. Você não imagina o quanto isso é importante para mim. 

Saori, apesar de provavelmente acostumada com esse tipo de formalidade, pareceu ter ficado ligeiramente desconcertada. 

— Eu que agradeço a sua dedicação. Espero que faça um bom trabalho no orfanato. Há algo mais a ser discutido?

 — Não, senhorita. Era só isso que gostaria de tratar no momento – disse o padre. 

— Certo, então vou acompanhá-los até a saída e meu motorista vai deixá-los no orfanato - Saori então chama pelo mordomo, que aparece de prontidão – Tatsumi, prepare um carro para levá-los de volta. 

No caminho de volta, Miho fica pensando um pouco no ocorrido. Estava muito feliz que poderia ajudar no orfanato ao menos um pouco, aquela reverência saiu quase por impulso, mas pensando melhor agora, não entendia muito bem porque a senhorita Kido fora tão... gentil com eles. Pelo que entendeu, ela estava correndo certos riscos ao aceitar a proposta, então, por que? Achava que a garota mal ligava para o orfanato, já que nunca apareceu por lá. Mas, por outro lado, em alguns momentos parecia que uma tranquilidade emanava dela. 

A garota era muito diferente do que Seiya falou mas, honestamente, ainda se sentia hesitante com ela. Saori Kido podia até ser boa gente mas parecia ter alguma coisa a esconder, e se teve uma coisa que Miho aprendeu na vida era a não confiar em gente rica que parece legal. Mas enfim, não adiantava ficar pensando naquelas coisas. O importante é que conseguiu o que queria: poder tornar aquele orfanato um espaço melhor. De resto, provavelmente nunca mais veria aquela garota de novo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

(1) Esse não é um sobrenome canônico, eu que inventei.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Digressão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.