E eu pensei nos momentos da minha vida. Meu casamento com Katniss, nossas vidas juntos, nosso amor, nosso filho. E por um minuto desesperador e agoniante eu pensei: E se um dia, não nos lembrarmos desses momentos?

Antes que eu pense em algum comando meu corpo se locomove para fora do quarto de Katniss. Atordoado. Sim, essa é a palavra que me define agora. Completamente atordoado. Ouço passos atrás de mim e vejo que a médica de Katniss está em meu alcanço.

— Sr. Mellark! – Ela chama. — Sr. Mellark, espere!

— Você disse que as coisas estavam indo bem! Disse que ela ficaria bem! – Grito não me importando com o olhar de reprovação das pessoas ao meu redor.

— Acalme-se por favor! – Ela pede com a voz baixa.

— Ficar calmo? – Eu grito e sorrio com escarno. — Minha mulher não se lembra de mim, eu pelo menos do nosso casamento!

— Escute, um traumatismo craniano não é uma coisa fácil. O cérebro é muito complexo e as vezes a forma como desincha pode causar uma lesão e...

— E daí as pessoas acordam sem se lembrar de seus maridos. – Digo.

— Mas apesar de estar acordada o inchaço pode causar confusão e perda de memória, alteração de estado emocional e...

— Como é? – Pergunto virando-me de costas novamente.

— Mas isso é perfeitamente normal. – Ela sorri. — Vai ficar tudo bem!

— Da última vez que me disseram isso, eu fui telessequestrado.

Pov Katniss.

Não sei ao certo o que está acontecendo. O loiro sai do quarto apressado como se eu tivesse dito algo errado, minha mãe fica me encarando com uma expressão de confusão até que ele volta. Seus cabelos loiros estão bagunçados e seus olhos vermelhos. Ele andou chorando, mas por que?

— Filha, preciso que tente se lembrar... qual é a sua última lembrança? – Minha mãe pergunta.

Reviro minha mente em busca de algo que evidencie minha última lembrança. Forço meu cérebro a fazer o seu trabalho e minha cabeça lateja, fecho os olhos com força. Até que flashes invadem minha mente.

“Está na hora do sorteio. Effie Trinket, como faz todos os anos, diz:

 — Primeiro as damas! – E cruza o palco até a bola com os nomes das garotas. Ela se aproxima, enfia a mão bem fundo na bola e retira uma tirinha de papel. A multidão suspira coletivamente e depois o silencio é tão grande que é possível ouvir até um altinete caindo no chão. E estou me sentindo nervosa e desejando desesperadamente que não seja eu, que não seja eu, que não seja eu.

Effie Trinket cruza novamente o palco, alisa o papelzinho e lê o nome com uma voz ata e clara. E não sou eu.

É Primrose Everdeen.”.

Prim!

Meu cérebro se põe em sinal de alerta, Prim está em perigo e meu dever é salva-la.

— Prim! – Grito em plenos pulmões.

— Katniss, está tudo bem. – Minha mãe diz. Sinto um liquido frio entrar em minhas veias através da agulha do soro e tudo fica escuro.

*-*

Quando acordo, vejo dois pares de olhos azuis me encarando. Minha mãe se aproxima.

— Katniss... – Ela recua. — Em que ano acha que estamos?

Sua pergunta me faz encará-la de forma interrogativa, como assim? Que pergunta é essa?

— 2313. – Digo convicta e ela faz que não com a cabeça.

— Não Katniss... – Ela suspira. — Estamos em 2316.

Isso não é possível, sinto que talvez minha mãe tenha afundado de vez na depressão.

— Katniss... – O loiro a minha frente pondera. — Você sabe quem eu sou?

O encaro, não sei por que ele fica me perguntando isso. Não poderia esquecer ele, nem seus olhos, aqueles olhos bondosos que me ajudaram no pior momento da minha vida. Quando eu, Prim e minha mãe estávamos morrendo de fome, e em um ato de total caridade ele me jogou aqueles pães, nunca agradeci, mas também nunca pude esquecer.

— Já disse que sei, você é Peeta Mellark, filho do padeiro do Distrito 12. – Digo e ele suspira.

— Não Katniss... – Ele se aproxima meio receoso. — Eu sou o seu marido.

Meu coração falha uma batida, ou foram duas? Sinto-me tonta. Levanto a mão esquerda e encaro a aliança de ouro em meu dedo anelar, retiro-a e só então percebo que estou tremendo, observo seu interior e vejo a palavra “Sempre!”, escrita a prata. Encaro o loiro, seus olhos estão marejados, desço meu olhar para sua mão esquerda e lá está ela. Uma aliança de ouro, idêntica à minha.

— Isso é impossível! – Digo. — Eu nunca quis me casar, é impossível.

— Nos apaixonamos. – Ele dá de ombros e se põe de costas, mas não sem antes eu ver uma lágrima escorrer de seus olhos azuis.

— Desculpa-me eu... estou confusa. – Digo.

— Tudo bem... eu vou embora. – Ele ainda está de costas, mas sua voz está embargada. — Você precisa descansar e eu preciso cuidar do... – Ele pondera as palavras. — De algumas coisas.

Dito isso ele se vira de costas e vai embora. Encaro minha mãe pasma e vejo que ela ainda encara o lugar por onde o loiro saiu.

— Eu quero saber. – Digo e ela me encara. — Quero que me conte tudo.