Querido Sr. Han escrita por Mel Yule


Capítulo 5
4


Notas iniciais do capítulo

Mais uma vez, precisei alterar alguns pontos da história do jogo para deixá-la mais realista. A maior parte das falas de Jumin nesse capítulo foram tiradas diretamente da rota dele, porém outras foram acréscimos meus.
A música deste capítulo é essa: https://www.youtube.com/watch?v=ycGXJ6H3i7A



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“Como cortar pela raiz se já deu flor?”— Morada (Sandy)

 

— Está ocupada? Estou procurando e assinando alguns documentos, mas tirei um tempo livre e pensei se não poderíamos conversar um pouco.

Senti que minha respiração ficou repentinamente pesada. Me sentei na cama de Rika, ignorando os e-mails que eu me preparava para responder.

— À vontade. Não há muito o que fazer nesse apartamento, Sr. Han.

Já fazia uma semana que eu estava na residência de Rika, privada do meu direito de ir e vir. Para piorar, o hacker havia dado as caras no nosso chat; e colocar um pé fora daquele apartamento se tornou um risco ainda maior do que antes.

E eu que pensava que as minhas férias seriam o ápice da diversão...

— Sinto muito por isso, Greta – Jumin falou, e percebi que havia sinceridade em suas palavras. — Mas as coisas vão melhorar logo. Com meu pessoal de segurança, garanto que vocês todos estarão a salvo. Se acontecer alguma coisa fora do normal, saiba que pode me ligar.

— É muita gentileza sua, Jumin.

— Cuidar do seu bem-estar vai além de um ato de pura gentileza. Preciso prezar pela segurança de todos os membros da R.F.A – e lá estava o homem pragmático mais uma vez. Jumin transitava facilmente entre o perfil de companheiro preocupado para o de líder calculista. — Devo lembrar que falta uma semana para a festa. E eu sei que você está dando o seu melhor.

Jumin Han não era uma pessoa de elogios. Mesmo convivendo virtualmente com os integrantes da R.F.A há pouco tempo, notei que o CEO não era muito aberto para expor aquele tipo de opinião, e não pude deixar de me sentir vitoriosa por ter conseguido um tímido elogio.

— Pode apostar – afirmei, sentindo algo estranho, porém agradável, se formar em meu estômago. Se eu dissesse que Jumin não mexia comigo, estaria mentindo. Talvez fosse a solidão do apartamento de Rika que me deixava com os nervos à flor da pele, a ponto inclusive de me sentir atraída por um homem que jamais vi pessoalmente. Mas não havia como não ficar balançada com o timbre grave e contido de Jumin, sua forma polida de falar, sua paixão por gatos e a sua beleza. Às vezes, eu me pegava imaginando-o à minha frente, articulando suas frases sempre tão cautelosas. — Vai ser a melhor festa da sua vida.

— Aprecio muito a sua confiança e determinação – ele assegurou, como fizera em outras tantas vezes em que conversamos. — Mas devo dizer que não entrei em contato para conversar sobre a festa. Pelo menos, não agora.

— E imagino que também não foi para conselhos amorosos – brinquei. — O que, particularmente, eu agradeço, porque sou péssima nesse tema.

Percebi uma tímida risadinha do outro lado da linha e me espantei por me sentir feliz em fazer Jumin rir.

— Eu queria escutar a sua voz – revelou. — Normalmente, café ou vinho espantam minhas dores de cabeça, mas acho que encontrei um novo método.

Prendi a respiração por alguns instantes. Eu não iria... eu não poderia surtar.

— A minha voz o acalma? – foi uma pergunta retórica, já que a verdade estava bastante explícita nas palavras dele, mas eu precisava ter aquela certeza dita claramente.

— Acredito que sim – confirmou. — Seu sotaque é agradável de se escutar, e sua voz é suave, doce. Relaxante, para falar a verdade. Eu poderia escutá-la por horas.

Depois disso, juro que tentei prestar atenção ao que Jumin falava. Ouvi seus desabafos, percebendo que, naquele dia, sua calma aparentemente imperturbável havia ruído. Aconselhei no que pude, executando uma tarefa em que não era tão boa para deixá-lo melhor. Porém, minha atenção ainda estava focada no fato de que Jumin gostava de me escutar, e que minha voz o trazia alguma paz de espírito. No fim das contas, era eu que me sentia renovada – e surpreendentemente leve.

— Se acontecer qualquer coisa, me avise – falei em determinado momento, começando a me sentir preocupada com o que havia perturbado o foco de Jumin.

— Você irá me consolar? Não sei se será efetivo, mas... por que não tentamos?

Mesmo depois de termos encerrado a ligação, continuei pensando naquela alternativa. Percebi, não sem incômodo, que havia um grande perigo em aceitar uma aproximação. O problema era que já existia algum estranho vínculo que me ligava a Jumin.

*

Conheci Rupert na época em que fazia meu trabalho final da faculdade. Ansiosa como estava naquela época, nenhum lugar da Inglaterra me parecia trazer a paz que eu precisava para conceber meu projeto. Tudo era motivo de ansiedade de distração.

Mas havia aquele pequeno café ao norte da faculdade, cujo leite com mel parecia acionar o lado do meu cérebro que gritava “foco!”. Munida com meus livros, cadernos e anotações, eu passava horas sentada na mesinha que já poderia chamar de minha. Às vezes, quando estava mais determinada, chegava lá na hora em que o estabelecimento abria e só saía pouco antes do serviço encerrar.

Foi lá que Rupert me encontrou. Naquela época, ele trabalhava no café em horário comercial e, quando seu turno acabava, se reunia com os membros da sua banda de indie rock para tocar em pubs menos conhecidos. De alguma forma, sempre nos encontrávamos e, depois de alguns dias aparecendo corriqueiramente na cafeteria e fazendo sempre o mesmo pedido, ele me notou. Começou a solicitar o meu pedido antes mesmo que eu o fizesse e já havia percebido como eu gostava de beber leite quente com mel – morno, espumante e com uma dose considerável de mel. Focada como estava no meu trabalho, não percebi a princípio que havia uma segunda intenção ali.

— Então... – ele começou um dia, sentando-se de repente na minha mesa após o seu horário de trabalho e roubando a minha concentração. Levei um susto. — Ah, me desculpa! Eu não queria... Ah, desculpa!

Sua face ficou tão vermelha quanto os seus cabelos, e aquilo me atraiu. Achei curiosamente amável vê-lo ruborizar.

— Não tem problema – afirmei, retirando os meus óculos. — Já faz algum tempo que estou trabalhando. Uma pausa seria bem-vinda.

Foi com aquele sorriso que Rupert me deu que eu soube que não demoraria muito para que eu me apaixonasse.

Não que meu coração fosse um daqueles que se encanta e desencanta com facilidade. A verdade é que sempre fui uma pessoa fechada para relacionamentos – tanto amorosos quanto de amizades – e estava começando a me abrir um pouco mais por causa da faculdade. Antes disso, eu era o tipo de jovem que preferia conversar com pessoas mais velhas a interagir com pessoas da mesma faixa etária. Tirando Jane, que era quase dois anos mais nova, e pouquíssimos amigos, eu valorizava mais a companhia de idosos e as histórias que eles tinham para contar. Sempre fui uma boa ouvinte, e adorava viajar na minha imaginação enquanto escutava as palavras de quem já viveu muito.

Mas eu já havia tido experiências amorosas também – poucas, a maioria infrutífera, porém minhas. Já havia iniciado um relacionamento na adolescência, que não durou mais do que três meses, e costumava beijar um ou outro rapaz em alguma festa da faculdade. A carne falava, apesar de tudo. O coração, por outro lado, queria se manter fechado, resguardado. Queria se abrir para quem visse a minha alma, não apenas o “rosto de boneca” que meu avô costumava tanto elogiar.

— Eu queria saber se você não gostaria de ir ao show da minha banda – Rupert revelou, tão inseguro e envergonhado como um adolescente descobrindo como investir em alguém. — Não sei se faríamos o seu estilo musical, mas... Mas eu ficaria muito feliz de te ver na plateia.

Sorri.

— Sério? – perguntei, baixando a tela do notebook. — Por quê?

— Porque... – ele coçou o nariz e me deu mais um sorriso resplandecente. — Porque eu te vejo há muito tempo. E acho que eu também gostaria de ser visto por você.

Então eu soube: uma pessoa que me observava com cuidado, em silêncio e há um considerável tempo, a ponto de saber pequenos detalhes sobre a minha bebida favorita, parecia o tipo ideal para eu deixar um amor entrar na minha vida.

Foi o meu maior engano.

*

— Oi, sou eu. Me desculpe por ligar tão tarde.

Eu já estava me acostumando com o fato de Jumin ser a última voz que escutava antes de dormir. Não me surpreendi por me perceber ansiosa para ouvi-lo ou por pegar constantemente o celular, esperando a sua ligação. Só fiquei surpresa com o tamanho do sorriso que surgiu em meus lábios quando, enfim, ele me ligou.

— Está melhor? – perguntei, me lembrando de que, horas antes, ele revelou sobre os problemas que enfrentava com o casamento arranjado que seu pai queria forçá-lo a aceitar. Era algo tão primitivo que eu relutava a acreditar que aquele tipo de coisa ainda acontecia.

— Não muito. Vários pensamentos confusos na minha mente e não consigo dormir. O que você está fazendo agora? Gostaria de conversar um pouco. Me pergunte qualquer coisa.

Fazia algum tempo que ninguém me procurava para papear de madrugada, então me senti um pouco importante por ser lembrada. Era um terreno perigoso para se aventurar, mas o que eu poderia fazer?

— Está bem. Hm... O que você está vestindo agora?

Que pergunta mais estúpida.

— Oh... Eu ainda estou com a roupa de trabalho. Desabotoei metade da camisa para ficar confortável, mas preferia estar de pijama. Está acontecendo tanta coisa estranha que me sentir bem de pijama parece... inadequado.

Minha imaginação dançou com a figura de Jumin com a camisa desabotoada, as mangas dobradas à altura dos cotovelos.

— Não deveria – falei, afastando aquela imagem dos meus pensamentos. — Pijama é a melhor invenção da humanidade. Inclusive, a gente deveria sair na rua com eles. O mundo seria um lugar melhor se pudéssemos usar pijamas no dia-a-dia.

Escutei a risada baixa do outro lado da linha.

— Você é realmente curiosa, Greta – ele adorava usar aquele adjetivo para me descrever, e eu constantemente me perguntava o que havia de tão diferente em mim para Jumin sempre reafirmar isso.

— Mas me diga – falei, mudando de assunto: — Mesmo com a correria desses últimos dias, você conseguiu ler Orgulho e Preconceito?

— Eu adoraria, mas infelizmente não – sua voz assumiu novamente o tom sério de CEO. — Seria um prazer descobrir por que esse é o seu livro favorito.

— Podemos resolver isso em dois tempos – afirmei. — Posso ler para você o primeiro capítulo, se isso não te chatear muito.

— Seria uma experiência inusitada. Ninguém nunca fez nada do tipo para mim.

— Isso é um sim então?

— Estaria mais para um “claro”.

Ignorei o retumbar dentro do meu peito, focando a minha atenção em procurar pelo livro no meu tablete. Como alguém que eu jamais vira pessoalmente conseguia mexer tanto comigo?

— Ok, vamos começar – pigarrei. — “É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa.”

— Isso soa quase como uma indireta – ele falou, me cortando.

— Mas não é. Essa é apenas a genialidade da Jane Austen. Agora me deixe continuar e não me interrompa mais.

Jumin não fazia o tipo que recebia ordens de ninguém, muito menos de uma desconhecida como eu, mas ele não me contestou. Tentei ler pausadamente, fazendo-o absorver as palavras que sempre me encantavam como se fosse a primeira vez. Durante a leitura, não deixei de perceber que era irônico que Jumin tivesse seu primeiro contato com Jane Austen através de Orgulho e Preconceito, justamente no período mais conturbado da sua vida. Talvez fosse alguma mensagem do universo.

Ou talvez fosse apenas eu fantasiando.

— Eles visitaram o Sr. Bingley? – ele me perguntou assim que terminei. — Por que acabou tão rápido?

— Não são capítulos muito longos – expliquei. — E vou te deixar curioso para saber o resto e fazê-lo ler o livro.

— Acho que, depois dessa noite, prefiro ouvi-la me contar a história a ler qualquer coisa.

Tentei ignorar as batidas que ficavam cada vez mais aceleradas dentro do meu peito. Ah, Deus...

— Eu consigo te imaginar na minha frente – Jumin continuou. — Maravilhoso... Será apenas curiosidade para conhecê-la? Não sou do tipo curioso.

— Então eu sou especial para você? – mais outra pergunta idiota. O que eu tava pensado? Eu conhecia Jumin há apenas poucas semanas!

— Acredito que sim. Falar com você clareia a minha cabeça. O que há de tão diferente em você, Greta?

Não surta, Greta... Não surta.

— Acho que é o meu charme inglês – ri, nervosa. Não sabia o que dizer. — Ok, fui péssima nessa.

— Talvez não – Jumin suspirou do outro lado da linha. — Obrigado. Acredito que agora poderei dormir melhor. Espero que tenha uma noite confortável. Escutei uma vez que você costuma sonhar com a última impressão que teve antes de dormir. Será que se refere apenas a impressões visuais? Eu gostaria que vozes também funcionassem – tentei responder, mas ele não permitiu. — Tenha um bom sono, Greta. Descanse hoje.

Era como se, mais uma vez, aquela caneca de leite quente com mel estivesse me sendo servida.


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