Diário sem sentido nenhum escrita por Clarice


Capítulo 2
Comfortably Numb - Pink Floyd




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Olá

Tem alguém ai? Apenas acene se você consegue me ouvir. Tem alguém em casa?

***

No século que se passou,  um vilarejo na Grécia enfrentava um período que poderia anteceder batalhas. A inimizade foi causada por invasões de território e assassinatos que ocorriam na calada da noite. Sempre suspeitava-se que o povo inimigo teria enviado a morte aos entes queridos.

Foi então capturado o homem mais sábio dos adversários, para que servisse como um sinal da força de seus oponentes. Ele foi torturado, mantido em cativeiro e soube-se que sua família passou pelo fio da espada. Decretaram em praça pública o dia de sua execução. Assim seria feito, para que o rei, os habitantes e os irmãos da terra de onde ele vinha soubessem que seria derramado quanto sangue fosse preciso.

"Apenas me deixem falar antes de minha morte." - pediu - "Se atenderem meu pedido, eu me curvarei diante dos teus soldados, para que meu povo se renda a vós como escravos." O desejo lhe foi concedido. No dia da execução, ele se ajoelhou diante do carrasco e ergueu os olhos para os espectadores.

"Fui capturado e estive em cativeiro estes últimos vinte e seis dias. Meus pés e mãos foram presos, mantendo-me à mesma posição em que me encontro agora: de joelhos. Aos poucos a loucura ameaçou tomar-me por inteiro, meu coração palpitava, eu sentia tonturas e já não era um homem forte e sadio. Não passava de um animal inútil.

E o mais importante: fui esquecido. Meus irmãos, os únicos com quem eu tinha laços foram mortos. Ninguém como família se importaria comigo enquanto eu estivesse ali. Vocês só não sabem que eu fui liberto muito antes do dia de hoje. Porque fui esquecido. Vou lhes explicar como é a sensação. O primeiro gosto que senti foi amargo e quase não me descia pela garganta. Mas a doçura que se seguiu nunca poderia ser substituída. Porque meu ego não mais me atrapalhava, não havia quem alimentasse meu orgulho e eu soube que a humildade seria o meu mais belo presente.

Lembrei-me de quando alguém chorou pelo simples fato de ouvir seu nome pronunciado em voz alta. Assisti àquela que o pronunciou deixar que a voz se embargasse e os olhos se encherem. Lembrei-me, porque me tornei livre. Então, livre, lembrei-me de quando meu irmão ficava feliz ao alcançar tudo o que sempre queria. Eu tinha inveja e por isso meus pés pesavam, eu era como um peso morto. Minha liberdade foi à luz da lua, em companhia das estrelas nas paredes de pedra daquela cela acorrentada aos meus pés e mãos.

Quando em liberdade, flutuei ao lembrar do sorriso de meu irmão. E eu juro, morrerei por causa daquele sorriso. Morrerei pelo sorriso daqueles que são felizes e conseguem crescer, porque não tenho mais inveja, eu sou livre. Livre, sou capaz de perdoá-los pela morte de meus irmãos. Meu coração não é mais um peso morto e serei capaz de voar, hoje mesmo."

Como foi ordenado, o carrasco o posicionou na forca, puxou a alavanca de madeira e todos assistiram a angústia do homem ao ter o ar bloqueado em sua garganta, até que seus olhos lentamente perderam a luz e sua cabeça pendeu sobre o peito.

O corpo não foi entregue ninguém. Porque não havia alguém para recebê-lo e era bom que ficasse ali para que a guerra fosse declarada. Mas durante a noite, o corpo desapareceu e só restou a corda ninando a brisa. No dia seguinte, uma andorinha foi vista empoleirada na madeira em que foi presa a forca. Ela permaneceu ali até que houvesse uma trégua entre os reinos e que a paz voltasse novamente. Foram dois dias. Depois a ave voou de encontro ao céu.

Porque agora era livre.

 


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