"Águas passadas, só irão afogar alguém que desistiu de lutar. Seja forte e não se deixe levar, pois a fraqueza é o mal querendo entrar"... (Aliados)

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— Eu tenho que falar com você sobre algo importante... - Apreensiva, uma jovem mulher mordia impacientemente o lábio inferior enquanto andava de um lado para o outro segurando o telefone em uma das mãos

— O que? Você vai dizer que quer voltar a ficar comigo? - Uma voz grave soou do outro lado da linha de forma descontraída, porém igualmente carregada de ansiedade

— O que?! - Exclamou ela atônita - Espera, você quer?
 
Silêncio... A respiração pesada de ambos podia ser ouvida em suas respectivas linhas, mas, de fato, essa era a única e última coisa que os dois puderam ser capazes de emitir. Talvez a bússola realmente estivesse apontando para outra direção, era a hora de afogar definitivamente aquele sentimento...

[...]

                           * Cinco Anos Depois *

Uma brisa suave, o cheiro de maresia, e alguns raios de sol dando o primeiro parecer naquela manhã em Miami Beach... Não que houvesse algo de diferente naquela manhã ensolarada, mas sem sombra de dúvidas, aquele seria um dia especial. Ao menos, para Fredward Benson...

Absurdamente bem disposto e com uma energia fora do normal, o rapaz levantou em um pulo de sua cama para encarar aquela sexta feira que não seria nada convencional.. Após espreguiçar-se despreocupadamente, o moreno abriu a janela e dirigiu-se em direção ao lavabo enquanto passava a mão em seus cabelos desgrenhados. Afinal, queria estar apresentável para aquele que seria um dos maiores dias de sua vida, talvez mais do que ele mesmo poderia imaginar...

Após estar devidamente alimentado, limpo, e perfumado, o rapaz abriu o guarda roupa afim de escolher qual seria o traje mais apropriado para a ocasião. Que embora fosse importante, o clima tropical de Miami era sempre abrasador, então era necessário optar por um estilo mais casual... É, uma polo branca, um blazer jeans, um jeans de lavagem escura e um sapato social deveriam ser o suficiente...

Por fim, conferindo o resultado final de seu reflexo em frente ao espelho e ajeitando seu típico topete, porém agora escovado, ele pegou seu óculos escuros, as chaves do carro, e saiu queimando o asfalto até o porto Marine Connection, que ficava próximo da orla da praia...

— "É isso aí Freddie, chegou o grande dia, você consegue..."

Repetia o visionário jovem para si mesmo esse monólogo, ao deixar o estacionamento... É claro que ele já havia se preparado para esse momento a muito tempo, porém o nervosismo pode atingir qualquer um, então uma injeção de ânimo antes de apresentar o projeto da sua vida ao público não faria mal algum...

Conforme aproximava-se em direção a entrada do porto, era possível avistar uma morena esbelta e de cabelos longos, que simulava algumas palavras para si própria de fronte a uma câmera desligada:

— Bom dia, Carls! - Cumprimentou ele a repórter com um beijo no rosto

— Bom dia, Freddie! - Retribuiu ela com um singelo sorriso - Como vão os ânimos do senhor engenheiro naval nessa manhã tão importante?

— Ah, você sabe... Nervoso, ansioso, inquieto. Mas o projeto do Purple Ship está incrível, então acredito que dará tudo certo...

— Mas é claro que vai! Você sempre supervisionou a maioria dos projetos da Past Waters, sendo todos eles um sucesso absoluto no mercado, e esse não será diferente. Seu pai vai ficar orgulhoso de você...

— Assim espero Carls, assim espero... Foi meu pai quem me ensinou a fazer o meu primeiro barquinho de papel, então não posso nem pensar em decepcionar o meu velho... Onde está o Spencer?

— A última vez que eu o vi ele estava arrastando o Griffin até o píer, para que ele o levasse de lancha até a costa pra ver se encontrava algumas pistas, ou qualquer coisa que fosse ajudar na investigação...

— Ainda sobre o caso dos barcos que estão afundando misteriosamente? Achei que já tivessem arquivado esse caso por falta de evidências...

— Infelizmente, sim... Eles até tentaram arquivar, mas de tanto implorar eu consegui convencer a promotoria de que ser formos os primeiros a solucionar esse caso, a exclusividade da matéria vai gerar uma grande manchete, além da repercussão nacional... Mas eu já estou quase arrancando todos os meus cabelos, porque não consigo arranjar uma única imagem sequer de quem ou o que pode estar causando isso. Huuum... Já estou até pensado em apelidar esse caso de "Síndrome do Titanic"... - Disse ela espremendo as pálpebras com um ar pensativo

—  Bom nome, certeza que vai pegar... Hey, acho que encontrei o Griffin - Exclamou o engenheiro apontando para um rapaz caucasiano e de cabelos negros, (que no momento estavam molhados), caminhando em direção aos dois enquanto carregava um colete inflável em mãos

— Eaí, Freddie!

— Fala aí, Griffin! - Ambos cumprimentaram-se com um aperto de mãos e alguns tapas nas costas - Ansioso pra hoje?

— Um pouco, mas na verdade o anuncio será apenas dentro de umas... - Interrompendo sua sentença, passou os olhos rapidamente em seu relógio de pulso antes de retomar a fala  - Duas horas, então acho que consigo que consigo dar conta...

— Claro que dá, é assim que se fala... Mas, por que chegou tão cedo?

— Ah, você sabe, eu gosto de manter as coisas sobre controle, então achei melhor chegar mais cedo e conferir se estava tudo em seus conformes... Até porque eu não consegui pregar os olhos direito essa noite, então como eu já estava cansado de ficar na cama, teria chegado mais cedo de qualquer forma...

— Querido, você viu aonde o Spencer foi? - Indagou a morena brincando com alguns dos fios de cabelo despenteados do salva vidas

— Oh sim, nós encontramos alguns pedaços de calcário flutuando na marola, então ele mandou avisar que só foi deixar algumas amostras no laboratório para a análise, mas que daqui a alguns minutos já está de volta... E antes que eu me esqueça de novo, eu soube que terminou uma das temporadas de cruzeiro, então provavelmente teremos alguns navios chegando no porto hoje, quem sabe teremos alguma novidade chegando por aí... - Exclamou o rapaz animado, na expectativa de sair um pouco da monotonia do dia a dia

— Bem, acho difícil eles trazerem algo além de estatísticas, relatórios, orçamentos, e se tivermos sorte algumas lembrancinhas. Pelo menos, era sempre isso o que eu via quando meu pai me trazia junto com ele no dia de recepção no porto. Mas, quem sabe... Que surpresas essa imensidão de águas salgadas pode estar estar nos reservando...

[...]

* Boca Ratón, Oitenta Quilômetros de Miami Beach *

Recostada de bruços em alguma das imediações do píer de Boca Ratón, encontrava-se uma loira fitando o horizonte por meio de seus belos orbes azulados. Seus cachos loiros balançavam suavemente conforme o vento assobiava na costa, fazendo-os reluzir diante dos nada tímidos raios de sol... Sua beleza chamava a atenção de todos os que passavam por ela, embora a mesma não percebesse que tamanha era a admiração que causava em seus respectivos espectadores...

Pois embora seu corpo estivesse ali, a mente de Samantha vagueava por um lugar distante. Lugar esse que nem ela mesma sabia qual era, ou porque dissipava seus pensamentos frequentemente para lá. A única coisa que sabia é que gostava dali... O fato, é: quando se está perdido em meio a um mar de pensamentos profundos, as vezes é melhor deixar-se levar pela correnteza das reflexões...

— Samantha! - Uma voz masculina fez a jovem desligar-se de seus devaneios... Virando-se na direção de onde o som fora emitido, percebeu que tratava-se René Armand, um rechonchudo violinista francês que possuía um coração tão grande quanto as proporções de seu corpo - Soube que tu irás partir daqui a alguns minutos, por isso apressei-me em vir o mais rápido que pude... - Exclamou o homem com seu típico sotaque. Pois embora tivesse aprendido o idioma local, gostava de manter algumas características de suas raízes

— Sim, René. É verdade... O Classic Eight irá partir em breve, estamos apenas esperando o comandante voltar, de onde sabe-se lá ele tenha se metido... - Respondeu a loira em um tom de riso

— Oh, mas que pena... Tens certeza de que não queres ficar mais um pouco conosco? Ainda temos muitos quartos vagos no hotel...

— Eu até gostaria, mas já fiquei muito tempo longe de casa, então creio que chegou a hora de voltar...

— Entendo, entendo... Como diz um ditado popular que aprendi assim que cheguei aqui: "Um bom filho, a casa torna"... Uma hora precisamos regressar para nosso lar, nossos amigos, nossa família, e talvez para um velho amor que foi deixado pra trás! Uma moça bonita como você com certeza deve ter balançado muitos corações...

— Na-não, imagina... Hoje em dia o único relacionamento sério que eu quero ter é com o meu cardápio, e uma estante lotada de vinhos! - Exclamou ela brevemente desconcertada, em um misto de riso e nervosismo - Algumas coisas eu deixei que flutuassem para longe de mim, quanto a outras, preferi afogar... Mas, não se preocupe, em breve eu voltarei para visitá-lo e trarei alguns amigos comigo para conhecerem as belezas de Boca Ratón!

— Mas que maravilha! Sendo assim esperarei ansioso por tua visita... Mas antes, não quero que te vás sem uma lembrança do tempo que passaste aqui... - Disse o homem revelando um pacote que escondia detrás de si

— Que isso René, não precisava ter-se dado todo esse trabalho, ter vindo aqui me ver já seria o suficiente... - Respondeu a loira encabulada. Não estava acostumada com tanta gentileza, principalmente vinda de alguém que era mais velho do que ela.  Em seus vindouros tempos de escola, os únicos adultos que vinham até ela eram o professores querendo tirar satisfações pelos inúmeros ovos quebrados que encontravam no para-brisa de seus carros. Senhorita Briggs que o diga...

— Mas é claro que eu precisava! Tu mereces Samantha, por seres a pessoa maravilhosa que tu és... Tome, quero que leve consigo o melhor de minha terra: um legítimo Rosé de I'hortus, o famoso rosado francês de morango e framboesa para minha Sommelier favorita!

— Recomendado para o consumo com queijo suave, bacalhau, peixes e moluscos. A cada gole, um refrescante sabor de frutas vermelhas!

— Exatamente! Tão certeira como sempre és, garotinha dos cachos loiros... Sei que não é muito, mas espero goste e possas levar uma pequena lembrança deste humilde violinista francês... - Dizia o violinista de meia idade em um tom paternal, como que despedindo-se da filha que nunca teve

— Mas é claro que gostei René, na verdade eu amei! Desde um Shake Gordo até um Richebourg Grand Cru, sendo comida ou bebida pra mama aqui tá valendo!

— Sam? O navio já está pronto, estamos prontos para partir... - De repente, uma voz grave surgiu detrás da loira. Era um homem alto, forte, e de cabelo loiro escuro, vestindo o que assemelhava-se a uma farda branca com o logotipo da Cruise Control. Sem dúvidas, tratava-se do comandante do navio...

— Bem, acho que é isso, chegou a hora. Obrigada por tudo René, nos vemos em breve... - E despedindo-se do generoso senhor que estava a sua frente, a consultora gastronômica acompanhou o comandante até a entrada do porto, embarcando por fim no imponente navio que já estava prestes a partir...

E lançando um último olhar para o lugar que havia passado os últimos três meses, em meio a essa constante jornada de cinco anos em alto mar, avistou o violinista que havia conhecido em uma de suas viagens ainda acenado para ela de longe, até enfim escutar o motor do navio ser ligado em toda a sua potência...

— Bon Voyage, Samantha! Bon Voyage!...

E desaparecendo na linha do horizonte, o Classic Eight prosseguia explorando avassaladoramente aquela imensidão azul... Deixando-se levar pela brisa refrescante que acariciava seu rosto, a loira fitava distraidamente o alvoroço que as turbinas causavam naquelas águas. Aquelas que em breve seriam águas passadas, embora ironicamente ela estivesse voltando para o mesmo mar, sem dar-se conta de que águas encontraria assim que voltasse... Mas uma coisa, era certa: se o redemoinho que havia sido formado em sua vida demorara para acalmar-se, ele não permaneceria assim por muito mais tempo...

Do alto mar para a terra firme, a filha pródiga deixou escapar um longo suspiro ao avistar de longe sua cidade natal. E censurando as próprias lembranças que invadiram sua mente assim que avistou aquele lugar, emitiu um recado para si mesma ou para qualquer um dos ventos que quisessem ouvi-la:

— Estou de volta, Miami Beach...