A Maldição de Lucélia escrita por By Thay gc


Capítulo 4
Cemitério das pedras


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ^^



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Do lado de fora a desordem foi passando, acalmando-se conforme as palavras de Lucélia, a lua apareceu nos céus, e pontos brilhantes tomaram conta quando as nuvens carregadas se dissiparam. Dentro do casebre, Joseph não sabia direito como agir, seu coração palpitava com fervor, a respiração se tornou mais rápida e em seus olhos um brilho gerou, no início foi de surpresa que deu origem a uma gratidão imensa. A vontade de abraçar aquela mulher quase era insuportável.

Olhando para cima ela encontra o fantasma de um sorriso naqueles lábios finos do rapaz, ela precisava levantar sua cabeça para ficar o encarando o melhor que poderia, a leve dor no pescoço não era incomoda.

—Por que está me olhando assim? Não entendo. Acha graça do meu sofrimento?

Lucélia sentia-se pronta para desferir um tapa no rosto do jovem, o mesmo nega várias vezes sentindo a emoção preencher o peito.

—Você consegue compreender o que fez por mim? Mesmo que pra isso tenha sofrido tanto, eu sinto muito pelo que aconteceu com você Lucélia, mas você salvou meu pai, salvou minha infância. Se eu pudesse teria me jogado no poço ao invés de você, mas não posso mudar o passado. Você é maravilhosa.

Jogou ele aquelas palavras ao vento, a felicidade quase explodindo para fora, lágrimas sutis foram derramadas e escorregaram por sua bochecha, estava sentindo-se envergonhado de dizer aquilo para ela, sabia o quão ruim havia sido para uma criança ter a experiência que teve, porém não podia simplesmente ficar calado, queria que ela soubesse o que pensava, queria que ela se visse através dos olhos dele.

O silêncio instaurou na sala pequena, as labaredas da lareira estavam calmas como se observassem aqueles dois seres parados, de pé um na frente do outro onde palavras não eram necessárias, pensamentos de gratidão e sentimentos novos se tornou a grande chave.

—Não devia dizer isto...

 Lucélia estava sem palavras, queria tentar fazê-lo entender que era tudo uma loucura, mas seria mesmo? Ela se lembrava claramente das palavras de sua avó, ele seria a pessoa que ela disse que deveria confiar? Era obvio que sim, estava bem na sua frente, então porque iria querer tentar desfazer a situação? Ele estava certo. O passado não podia ser diferente, não haveria mudança. Estava fadado desde o início, ela só precisava aceitar.

E agora o que aconteceria com eles? A moça estava derrotada, o cansaço era seu fiel aliado naquela noite, e gostaria de dormir, quem sabe acordaria daquele pesadelo e descobriria que estava em sua casa simples demais e que Joseph somente foi um personagem que criou para se sentir menos sozinha. A dificuldade em aceitar tudo estava difícil demais para a pobre mulher. Tudo aconteceu tão rápido. De repente ela sente uma tontura tomar conta, cambaleia para o lado, Joseph quase tenta segurá-la, Lucélia somente levanta sua mão em sinal de que esperasse, eles estão quietos, e o som do fogo estalando é a única coisa que soa em meio aquele clima taciturno.

Entendendo a necessidade dela, ele somente a acompanha até seu quarto, haviam duas camas, e na mente de Lucélia pensou que poderia ter sido onde o pai e o filho viveram após a cura de sua doença, tentando mudar de vida, um recomeço mais feliz.

O cubículo era tão diminuto quanto a sala, talvez até menor, os leitos estavam um do lado do outro, uma mesa de madeira envernizada reinava entre eles, acima uma porta velas improvisado, os lençóis de linho amarelo muito bem arrumados, não havia nada fora do lugar, a cabana era impecável em limpeza, Joseph desde pequeno aprendeu a ser assim na época da doença do pai, portanto levou na mocidade o costume. O cheiro de erva finas estava por ali também.

Ele aponta para qualquer uma das camas e Lucélia não se obstem a detalhes, deita-se tremendo de cansaço e fecha os olhos, sem esperar por um boa noite do rapaz, o mesmo a deixa dormir, enquanto se distraia na sala com seu livro, a iluminação era bem aparente e sentado em seu sofá a leitura se tornou quase impossível enquanto os pensamentos em relação a história de Lucélia ainda estavam frescos em sua cabeça. A respiração calma não fazia jus ao que passava dentro de seu coração, tudo estava rápido, mas ele não se importava, o desejo de estar ao lado dela, de permanecer com aquela moça lhe era imenso demais para suportar. Desde que a viu na floresta a primeira vez, algo havia se agitado dentro dele. Pensava ele se poderia ter sido reciproco.

***

O cheiro de carne preencheu as narinas de Lucélia, abrindo os olhos e se deparando com a luz brilhante confortável do sol que adentrava pela janela. Ela se levanta e percebe que a cama do lado estava intacta de ontem, juntou as sobrancelhas pensando se Joseph teria dormido naquela noite. Uma leve dor de cabeça a assolou quando ficou de pé, respirou profundamente se recompondo e sentindo o cheiro de comida ainda mais forte. Arrumou brevemente os lençóis dobrados e postos sobre a almoçada macia, e se deslocou até a cozinha.

Joseph caminhava de um lado para o outro preparando a mesa, arranjando um pano branco com pinturas abstratas que a moça tinha quase certeza que ele mesmo quem havia pintado. O jovem organiza os dois copos e os pratos levando ao meio uma panela de barro aparentemente leve e o centralizando na mesa.

Ela estava parada no canto da porta não querendo interromper o ritual sagrado da comida, ele parecia bem aquela manhã, não mais alegre, afinal ela o conheceu tão distinto e risonho. Até que ele a encara de repente, não sorria, mas seus olhos sim.

—Bom dia Lucélia. – O nome dela dito por ele se tornava um sussurro ao pé do ouvido, era diferente. -Parece bem mais disposta.

Ela não responde somente assente tranquila, se aproximando da mesa onde o cheiro delicioso de carne a hipnotizou, quanto tempo não comia carne? Ela não se lembra.

—O que está preparando? Tem um cheiro ótimo.

—Lebre. É minha refeição preferida.

Seus olhos se encontraram, porém, não permaneceram, a menina tratou de quebrar o contato. Ela se senta e serve-se da comida, sendo prata puro ela tinha permissão de tocar nos objetos sem que os fizessem virar cinzas.

A manhã se fez harmoniosa, sem interferências estranhas sobre a conversa de ontem, ou palavras do passado de ambos, conversaram sobre amenidades de como ele caçava, sempre respeitando muito os animais que cozinhava para comer, ele possuía um carinho pela natureza tão limpo e diferente que ela não podia parar de pensar o quão incrível era a relação entre eles.

Logo que acabaram Joseph lavou rapidamente os pratos e deixou Lucélia sentada a frente da varanda com os pés tortos aproveitando ao máximo para sentir o cheiro doce das árvores e flores espalhadas, ela ainda tentava adivinhar que pedras coloridas eram aquelas no chão a frente da cabana do moço.

O jovem aparece atrás da mulher, a mesma não se assusta com a forma como ele apareceu tão rápido, ela viu que nos olhos dele algo escondia, um segredo que não queria contar ou não podia. Em mãos o garoto estava com uma tesoura pequena dourada e ele a segurava com delicadeza aparentemente parecia que sua ponta era muito afiada. Curiosa ela pergunta.

—O que vai fazer com essa tesoura?

O rapaz a fita satisfeito, de pé ele encara seu objeto em mãos e ao olhá-la nos olhos novamente, ele responde tranquilo.

—Preciso ir a um lugar importante, hoje é um dia especial. Quer vir comigo?

Lucélia não pensou muito, uma cena se formou em sua cabeça, onde Joseph estende sua mão para ela ajudando-a a levantar-se do chão de madeira, acostumada a viver com aquelas ilusões tristes, a garota retira os pensamentos lamentáveis de sua mente e se levanta do chão rapidamente, um sorriso aberto se fez no rosto, estava realmente ansiosa para acompanhar Joseph em sua caminhada. Ela assente e os dois partem floresta a dentro.

O caminho todo foi silencioso, somente o som da brisa batendo nas folhas e galhos de árvores, os pássaros cantando ao longe trazendo um ambiente amigável a qual Lucélia ainda não havia percebido. Era tudo tão estranho, como não tinha reparado naquele clima anteriormente? Estava tão absolta em sua vida amaldiçoada que se esqueceu de fechar os olhos e se calmar, tentar esquecer tudo por breves segundos e ver onde morou por todos aqueles anos.

—Está tudo bem com você? – Indaga Joseph observando as sobrancelhas da garota se erguerem, parecendo ter algo errado. A preocupação era vívida nos olhos dele.

Lucélia retorna sua atenção para o rosto moreno do jovem, andavam no mesmo ritmo em sincronia. Ela sorri para ele, um sorriso branco extremamente brilhante e sincero, um gesto que não era nada raro perto daquele homem.

—Me sinto muito bem, obrigada.

Agradece e Joseph não evita mais sorrisos...

Finalmente eles cessam sua caminha, um caminho de pedras coloridas como as da fachada do casebre do moço, desta vez mais unidas formavam uma vereda exata, dos dois lados arbustos baixos e aparados de forma mais certa que poderia, a trilha ia mais à frente onde duas árvores de porte médios os esperavam formando uma porta natural, abaixo dos troncos flores vermelhas e brancas estavam plantadas, tudo ali parecia ter sido criado por alguém, não era possível que fosse coincidência somente. Joseph não a encara mais, estava sério, porém a tristeza não reinava em seus olhos brilhantes de um castanho terra soberbo.

—O que são essas pedras coloridas no chão?

—Eu também não tenho ideia, eu e meu pai a encontramos aqui depois que procuramos outro lugar para morar, decidimos trazer alguns desses seixos para nossa casa também. – Ele hesita, os dois caminham mais passos, porém lentos e cuidadosos, quando Joseph diz. – Pode parecer que alguém fez tudo isso, mas acredite se quiser Lucélia, - Ele a encara, mistério perpetuava na feição dele. – Não foi nada humano que fez este lugar. Tudo aqui jamais muda, desde os arbustos podados até as flores que assim cortadas, voltam ao seu lugar de origem no dia seguinte.

Suspense se fez presente no bosque no mesmo instante, as nuvens se amontoaram a cima de suas cabeças e o vento ao norte lhes indicava que algo os assistia. Os observando com atenção e zelo, rezando e enfeitiçando para que tudo conspirasse a favor de ambos, eles só não sabiam disso... ainda.

Não muito longe de lá, olhos amendoados espreitavam o casal por entre as árvores, um sorriso amável no rosto e pensamentos de aproximação se faziam presentes na feição daquela pessoa em questão.

 Lucélia não sabia que lugar era aquele, nem o motivo de Joseph estar se abaixando na direção do amontoado de flores abaixo da árvore e com sua tesoura cortando do caule algumas flores vermelhas. Ela ainda não teria tentando olhar mais à frente daquele espaço pelo meio dos troncos, estava pensativa tentando compreender as intenções de Joseph. O jovem volta a permanecer de pé com um buquê daquelas rosas de um rubro vivo e com gotas de orvalho em mãos, as encarando com adoração. Analisa Lucélia que sorri tímida com a intensidade que ele a contemplava.

Acompanhando o moço até o meio da viela de pedras coloridas eles dão de frente a um espaço ladeado em forma circular de mais árvores e arbustos altos também todos podados de maneira estratégica. Penas de pássaros estavam caídos na terra escura que era o centro, bem ao meio existiam duas covas, criptas de pedras cinzas em tom claro com nomes conhecidos lapidados.

 

“Edwing Moorh. Bom pai e um ser amoroso”

Na outra cripta de pedra também sem data de nascimento ou morte, escrito...

“Mirell Moorh. Boa mãe e criatura sábia”

Sua lápide estava mais abaixo da terra, porém as palavras estavam extremamente bem escritas. Nas duas criptas havia um pequeno buquê em processo de secagem, as pétalas ainda brilhavam, porém, suas cores avermelhadas estavam opacas.

Joseph se ajoelha em frente a cova do pai, sentindo a terra molhada umedecer sua calça de linho, aquilo não lhe era importante, estar ali era o que realmente o fazia continuar bem, era o único lugar do mundo inteiro que o fazia permanecer sorrindo todos os dias, entretanto com seu olhar de soslaio ele vê quando Lucélia se ajoelha ao lado dele, de frente para a cova de sua mãe, ela o olha com companheirismo e uma leve feição de satisfação se forma nos lábios da moça, ela não se importava tão pouco com suas roupas sujarem com a terra molhada da chuva de ontem também, estava ali e continuaria ao lado de Joseph até ter certeza de que ele estaria bem.

O rapaz volta sua atenção para a lapide do pai e acaricia suavemente com as pontas dos dedos na cripta acinzentada. Pega a metade do buque das flores rubras ainda em sua morte lenta e as trocam por suas flores novas e com vigor. E a outra metade ele deixa por cima da terra da outra cripta onde uma homenagem a sua desaparecida mãe permanece um mistério. Acalenta as pétalas das rosas com carinho e ambos se levantam do chão.

Limpam com as mãos seus joelhos e permanecer encarando as pedras cujo os nomes dos pais de Joseph estão em conforto eterno.

—Deveria se despedir de sua avó. – Aconselha o jovem rapaz sem fitar os olhos da garota fantasma ao lado. Ela o analisa pensativa.

Talvez estivesse certo.

Respira profundamente e ele acompanha Lucélia de volta para o amontoado de flores recortando delicadamente as rosas brancas, sua cor era escolhida propositalmente, afinal a velha senhora jamais teve um funeral, pela reação da menina, era obvio o motivo.

O garoto já estava mais do que avisado de que aquele círculo já entendia o que os dois pretendiam fazer, e por isso, coincidência ou não, ambos encontram no canto perto dos troncos cortados caídos no chão um pedaço de cripta empedrado com pontinhos coloridos, diferente das lápides dos pais, não havia nada escrito, contudo não era preciso.

A menina pode levantar a “sepultura” com facilidade e a posiciona do outro lado das outras covas com maestria fincando-a no chão de terra. Joseph não poderia ajudar, ela teria que preparar sozinha.

Ela se abaixa, mas não chega a se apoiar no solo, somente observa com tristeza os pontos coloridos e brilhantes que obtinha aquela cripta estranha.

—Adeus vovó.

Se despede ela sentindo gotas de água brotarem dos olhos, mas são controlados rapidamente.

Voltando a sua posição ereta, ela deixa ali o broche que sua única parente havia lhe deixado antes de morrer e o posiciona por sob a terra fofa. Joseph ergue sua mão com uma única rosa branca e a direciona até Lucélia, naquele instante ambos haviam se esquecido da maldição da menina de cabelos brancos, e por isso a mesma toca no caule da rosa, a mão de Joseph também segurava a haste um pouco mais a baixo, então algo acontece.


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Notas finais do capítulo

Até o proximo!



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