A Maldição de Lucélia escrita por By Thay gc


Capítulo 3
Recordações ao vento


Notas iniciais do capítulo

Aqui esta o outro cap. Espero que gostem!



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Chegando após alguns minutos, talvez oito ou dez mais tarde, Lucélia avistou ao meio de duas árvores com troncos curvados, onde seus galhos tocando a ponta formando um arco logo a cima de uma cabana de madeira. Havia janelas de vidro muito limpas e dentro se podia avistar cortinas amareladas. O caminho que percorria até a pequena escada de dois degraus para a varanda estava repleto de cascalhos e pedrinhas coloridas que a menina não pode decifrar. Joseph sobe a frente e para diante de uma viga grande de madeira que foi esculpida em forma abstrata, ela segurava uma boa parte do telhado também de madeira e pedras grandes, abarrotado de folhagem verde. O jovem rapaz levanta sua mão indicando que ela entrasse primeiro, ele já havia aberto sua porta e não a encarava, seus olhos estavam observando os céus a cima, como um guardião.

Lucélia entra mancando e atenta para ver se ele não tentaria tocá-la de alguma forma. Assim que a moça põe o pé na sala o cheiro de erva doce invade suas narinas e ela sente uma quentura boa envolver seu corpo. O frio que vinha acompanhando a chuva começou a pegar pesado lá fora. Dentro da cabana dois sofás de porte pequeno em tom branco estavam posicionados no canto onde uma lareira improvisada reinava ladeada de pedras pretas, o chão obtinha um longo tapete felpudo de pele de urso, talvez carneiro, ela não sabia ao certo. E um retrato pintado de um homem e uma mulher do outro lado, a caminho de um corredor minúsculo. O casal desenhado ali obtinha sorrisos lindos e brilhantes, os olhos amendoados e excêntricos da mulher de cabelos louros eram muito parecidos com os de Joseph, enquanto o moço obtinha um cabelo comprido castanho escuro e ombros largos, uma pequena cicatriz na bochecha que parecia ser de nascença, era uma sugestão apenas. De repente Lucélia ficou intrigada em conhecer o casal do retrato, mas algo lhe dizia que não seria possível.

—São meus pais. – Irrompe a voz de Joseph, soava triste e manhoso. A garota o encara parado diante da porta, seu olhar está no quadro e um sorriso isolado se formou quase impercebível. Logo parou de encarar a pintura e volta a atenção para a moça que o observava, talvez certo olhar de condolência. -Bom, se sente que vou pegar algo para ajudar com o joelho.

—Deixa que eu me curo sozinha. – Retruca Lucélia tentando soar o mais simpática possível, não queria ser mais rude com ele.

—Não acho que seja bom, isso pode estar feio e pode infeccionar. Eu tenho algumas ervas e se passar com água irá melhorar em pouco tempo.

O sorriso nos lábios de Joseph hipnotizava-a, sentia seu peito se comprimir em estar tão próxima a ele, de maneira alguma o jovem iria ceder ao pedido dela, por isso ela teve que intervir contando a verdade.

—Joseph, - Começa, a primeira vez que havia dito seu nome. – Isso não vai adiantar, acredite em mim. Vai se transformar em pó assim que eu pegar.

Ele respira profundamente e sente uma angustia em Lucélia, ela se senta exausta e passa uma de suas mãos sobre o joelho fazendo uma careta em seguida. Para deixa-la mais à vontade, Joseph caminha até a cozinha procurando água limpa e algumas frutas, lembrando-se que talvez ela negasse comer com a fala de que apodreceria, ele corta as maças em pedaços pequenos, banana e até mesmo as uvas, coloca tudo dentro de um prato com um pouco de açúcar e uma colher de metal puro. Volta a sala e encontra a moça com olhar baixo e o capuz jogado nas costas, pode finalmente ver mais perto sua cor, aquele branco sedoso que parecia nuvens, era ondulado e cortados até o pescoço, uma pequena trança estava feita ao meio trazendo a franja para trás.

—Eu peguei algumas frutas e água pra você.

Ela estava pronta para reclamar que não poderia comer daquele jeito quando olha para o prato em mãos de Joseph, ele não sorria, estava sério e parecia preocupado. Ela apanha o prato e o deixa no colo saboreando o gosto bom das frutas, fazia tempo que não comia direito, estava sentindo a fome deixa-la fraca a cada dia, mas com ela era diferente, aquilo era cruel.

O copo, Joseph deixa sobre uma mesa de caixote pintado em marrom e com pontinhos azuis, um desenho estranho e sem sentindo que deixava a sala com um ar mais confortável, por incrível que parecesse.

Ele permanece de pé, estava enfeitiçado com a garota, ele tentava não parecer um maníaco, mas sua observação e adoração era muito mais forte que ele. Pigarreou levemente tirando dos pensamentos estranhos que ameaçavam entrar na cabeça e se senta no sofá a frente. Tira do bolso o broche de Lucélia e o coloca sobre a mesma mesinha. Ela para de comer e engole, sentindo os pedaços de frutas descerem rasgando assim que seus olhos são colocados até aquele pequeno objeto de cristal. Ela sorri enfim.

O trovão é intenso e alto o suficiente para que o momento sereno que ambos estavam tendo fosse interrompido de maneira brutal. Em seguida o som da chuva que vinha do Leste irrompeu a floresta trazendo com sua ventania recordações...

Lucélia olhou automaticamente para a janela de pequeno porte ao lado da porta, sua vidraça estava protegida pelas cortinas de linho claro, seu tecido dançou com tamanha violência a qual a tempestade chegou, Joseph correu até sua janela e a fechou com rapidez não conseguindo evitar que um pouco de folhagem verde pudesse adentrar ao cubículo.

Ele desapareceu dentro da minúscula cabana e só voltou quando todas as janelas já estivessem trancadas, a escuridão se fez presente por pouco tempo, a moça se viu sozinha e emergida na escuridão até o instante em que uma fraca luz amarela adentrou ao cômodo, era Joseph com um lampião velho de metal, a vela que se encontrava dentro era fina e com uma chama alaranjada brilhante dançando através da vidraça do objeto. A feição do rapaz muda consideravelmente, existia uma linha dura em sua boca e o olhar mostrava preocupação, até mesmo na forma frenética com a qual suas pálpebras abriam e fechavam estavam diferentes, talvez um tique.

Ele deixou o lampião sobre outra mesa de mogno negro na entrada do corredor, e caminha até a lareira com a vela em mãos, cutuca com uma vareta de metal as madeiras e carvões velhos e sem que Lucélia pudesse enxergar, a sala clareou com a lareira recém acesa, deixando tudo ainda mais quente e aconchegante. A moça de capuz vermelho pensa em puxar assunto, afinal ele havia lhe ajudado e não mostrou em momento algum que queria fazer mal a ela ou se quer sentiu medo. Achou que a ideia em sua mente que brotou fosse uma boa maneira de começar.

—Me conte sobre seus pais.

Ele virou-se em seus calcanhares e a encarou, a expressão rígida de antes deu lugar a um aspecto sereno e calmo, onde o sorriso era o protagonista naquele rosto moreno e olhar cintilante.

Sentou-se no sofá de antes e pegou em mãos o violão que estava repousando no assento sem que ela percebesse. Deixa no colo com a canela da perna direita posicionada sobre o joelho da outra e passa seus dedos delicadamente por sob suas cordas. Notas extremamente baixas ecoaram pelo quarto sendo abafadas a maioria pela chuva ao lado de fora. Lucélia sentiu um alivio no peito, não era fã de temporais desde pequena, mas estar na presença de Joseph enquanto tocava um som delicioso como aquele, acalentava seu coração.

Ele fechava os olhos sentindo as notas musicais dançarem pelo ar e tonarem-se mais altas, até que ele abaixou novamente deixando as gotas de água baterem contra sua cabana e criar um clima diferente.

—Minha mãe era uma mulher incrível, permaneceu alegre e muito inteligente durante maior parte da vida, infelizmente ela desapareceu algum tempo depois do meu nascimento, não tive muito tempo com ela. – Por mais que fosse uma história triste, ele não parecia sentir-se assim, era como se ele soubesse com quase certeza absoluta de que ela ainda estava viva. – Já meu pai foi assolado por uma doença que na época não existia cura, até hoje pouquíssimas pessoas sabem como realmente livrar alguém daquela enfermidade tão cruel.

As notas foram se acalmando ainda mais, levando Lucélia para dentro da mente de Joseph para que pudesse sentir tudo o que ele passou anos atrás.

—Então ele... morreu? – Hesitou a moça de cabelos platinados, brilhavam como nuvens por causa das chamas da lareira.

Novamente estava lá, o sorriso bobo que ele conseguia dar no canto de boca, divertindo-se, mas não desdenhando da situação, jamais. Era mais um tipo de sonho poder conversar sobre aquele assunto. Ele reparou na forma sombria com a qual ela perguntou, e ele não pode deixar de pensar no motivo de sua curiosidade.

—Não, não pela doença. Eu consegui encontrar algo que pudesse permanece-lo vivo por muitos anos até. Sua morte verdadeira foi tranquila, deitado em sua cama enquanto era banhado pela luz da lua que atravessava a janela aquela noite, eu já tinha quinze anos e não senti tristeza quando ele se foi, era hora dele. E daquela maneira deveria ser.

Joseph estava bem, tranquilo com suas palavras e ainda acariciando as cordas do instrumento.

—Mas como você o salvou? Eu conheço essa doença, é uma das piores de nosso tempo.

Lucélia estava aflita pela maneira com a qual o homem contava a história de sua família, em como se tornou sozinho e não parecia em momento algum desesperado por isso. Não era do feitio do jovem sentir magoa.

—No dia em que te conheci, quer dizer, quando te vi voando na minha frente. Eu estava indo até o Poço das águas negras. – Lucélia engoliu seco, mas tentou não deixar transparecer. Ele prosseguiu. – Ouvi rumores sobre aquele lugar, você deve saber tanto quanto eu, mas eu queria tentar, precisava ajudar meu pai ou dar paz a ele.

Ela sentiu um aperto no peito e pode ouvir pela primeira vez a amargura no seu tom de voz, até mesmo seus dedos vacilaram enquanto aninhava sua pele nas cordas.

—Algo havia mudado naquelas águas Lucélia, consegue entender? – Ele cessa sua música e curva o corpo para frente, ela recua poucos milímetros, estava mais surpresa com os olhos brilhantes dele do que de sua aproximação. Ela não responde. – Eu sei que corri o risco de matar meu pai de vez, mas ele se curou, e foi para sempre. Eu pude passar mais tempo com ele quando criança.

Lucélia estava querendo corre dali, ele não deveria estar feliz, deveria estar com medo, com raiva, nem se quer ter tentado dar ao pai aquela água maldita.

Joseph reparou na feição de sua nova colega, mudou drasticamente para um horror e confusão que o deixou assustado, seu sorriso desapareceu e pode prever que algo estava totalmente errado. Aposentou o violão no outro assento e a fitou atentamente, tentando capitar algum sentimento naquela mulher tão misteriosa.

—O que foi?

Sua indagação deveria ter soado mais alta, porém outra vez, a chuva abafou sua voz. A moça mudou seu olhar, encontrando um ponto fixo em meio as labaredas, sua cor alaranjada mudando sua pele pálida para um fogo reluzente, estava diferente, assustada. Ela ignora sua pergunta.

—Jamais deveria ter ido até o poço, Joseph.

O rapaz cerra o cenho sem entender.

—Por que diz isso? Já disse que sabia que era arriscado, mas deu tudo certo.

Tentou apaziguar quase sorrindo novamente, quando a garota fantasma o observa, virando seu rosto rapidamente para olha-lo nos olhos castanhos, levantando a sobrancelha, o tom de voz dela soou mais ríspido do que deveria.

—Não interessa, não sabe que tipo de consequência poderia ter causado, e se outras pessoas souberem disso e forem atrás daquela água negra nojenta e a experiência não for a mesma que foi com seu pai? Já pensou nisso tudo?

O homem não podia compreender o que havia mudando tanto dentro dela para agir daquela maneira, rude e nervosa, as mãos delas estavam em punhos e um par de lágrimas ameaçavam rolar por suas bochechas.

—Não chore Lucélia, nada do que disse vai acontecer.

Percebendo seu pranto prestes a se derrubar, ela passa a ponta dos dedos pelos cantos retirando as gotas de água que insistiam em aparecer. A tempestade começou a aumentar, os sons da ventania na copa das árvores criavam um barulho infernal.

—Jamais vai entender, assim como os outros...

Ela estava se levantando do sofá, mesmo com a dor pulsante em seu joelho ela tratou de ignorar, iria sair daquela casa mesmo que fosse derrubada pela chuva assim que colocasse os pés para fora. Joseph se coloca em seu caminho, o corpo robusto e ombros largos iriam ajuda-lo a mantê-la dentro, pelo menos até que a chuva cessasse. Sua altura era assustadoramente maior do que a de Lucélia, porém aquilo não pareceu alarma-la. Seu olhar subiu até o dele e a vontade de tocar em alguém para que pudesse tirá-lo de seu caminho a ponto de machucar, foi sentida pela primeira vez.

—É melhor me deixar ir, não vai gostar do que vai acontecer.

Avisou ela firmemente. O rapaz parecer não se importar com suas ameaças.

Respirou pesadamente antes de falar.

—Me diz o que não entendo Lucélia. Tenta me contar qual o problema com você. Por que se não me disser, não tem como saber se vou entender. – Ele parou de falar e antes que ela pudesse proferir mais palavras, ele termina. – E você só sai daqui quando esse temporal acabar.

Estava vencida no final, não era de sua real intenção fazer qualquer coisa de ruim com ele. Talvez no final de tudo se ele soubesse a verdade, ficaria com raiva e a deixaria sair.

Respirou profundamente com seu peito subindo e descendo pesadamente, com os olhos quase fechados ela tentou encontrar calma dentro de seu corpo, e assim que conseguiu ela o encarou, ainda de pé, não iria se sentar, ela poderia aguentar a dor no joelho, não se daria por vencida.

—Há alguns anos quando muito criança, eu ouvi também histórias sobre o poço das águas negras e curiosa como eu era fui até lá olhar. – Ela vacilou antes de prosseguir verificando que o homem a estaria ouvindo e estava realmente. – Quando perguntou sobre alguém que se importava comigo eu havia dito que tinha alguém, era minha avó. – Sentiu seus olhos arderem, odiava falar dela, odiava lembrar. – Não conheci meus pais e nem soube do paradeiro deles, ela me criou, ela era minha família, eu devia tê-la ouvido quando me disse para ficar longe daquele lugar. Ela sempre me deixou andar pela floresta, mas aquele canto era proibido, e eu deveria tê-la ouvido.

Lucélia afrouxou seus ombros sentindo o peso do mundo sobre eles, o toque de desespero ponderando seu coração ao pronunciar as palavras de sua antiga vida. Joseph permaneceu ouvindo, seus olhos estavam inertes nos movimentos que os lábios dela tinham, não havia pensamentos sujos, estava só a conhecendo mais. Queria realmente entende-la.

—Foi tudo muito rápido, em um momento estava me pendurando nas pedras do poço pra ver o que tanto tinha lá em baixo, e no outro vi que estava afundando dentro daquele buraco escuro, esperando para saber quando chegaria ao fim. -Ela abaixa sua cabeça, a dor daquelas recordações era dura demais. Mesmo que pestanejasse para contar, sentia-se segura para dizer a Joseph sua história. – Não sei até hoje quanto tempo fiquei lá dentro, me segurando nas paredes escorregadias tentando não me afogar, o poço é mais fundo do que parecia a vista de cima. Não conseguia definir se era dia ou noite, a única coisa que consegui entender foi a voz da minha avó gritando meu nome.

Joseph engole seco, não poderia imaginar o que ela teria passado ali dentro, tudo tão escuro, sem esperança de que fosse encontrada, sem poder ser ouvida pelo lado de fora já que ninguém se atrevia a se aproximar do poço. E sendo tão pequena, ele podia sentir o corpo gelar e se imagina no lugar de Lucélia, talvez estivesse certa, ninguém poderia entende-la no final.

—Estava tudo tão negro e a água fria não ajudava em nada, tremia tanto que pensei que morreria ali mesmo, e quando minha avó jogou a corda para mim, por pouco eu não conseguia pegar a ponta, sentia dores pelo corpo e não enxergava absolutamente nada.

As lembranças brotaram em sua mente, Lucélia encostada no canto segurando-se em qualquer fresta ou ponta de pedra molhada com musgo que podia para não se afogar. Absolta em pensamentos pessimistas, sem esperança de sair dali. A escuridão a havia coberto por completo, não sabia em que local do poço estava, nem se algo poderia estar flutuando na água com ela, os corpos dos mortos que ali se foram, poderia estar abaixo dela, sua mente de criança criou pesadelos que jamais ninguém poderia imaginar, um pior que o outro. A textura da água espessa fazia o estômago de Lucélia revirar, sentia-se enjoada e com extremo frio. Seus olhos subiam até a abertura do poço, mas nada podiam ver, nem a claridade do dia ou a penumbra da noite. As lágrimas insistiam em rolar por suas bochechas criando sons de pingos caindo na água negra do poço. Seus soluços de choro já não eram mais ouvidos, somente o eco daqueles pingos de prantos solitários. Foi quando uma voz familiar também ecoou pela mini caverna, chegando com prazer imenso aos ouvidos da pequena, não pode segurar o sorriso de alivio que se formara nos lábios, sentia seus dedos escorregarem das pedras, mas tentou ao máximo permanecer agarrada as paredes, as pontas dos dedos machucadas e temeu que havia sangue escorrendo por seus braços. Ela não tinha forças para gritar dizendo a sua avó que estaria lá em baixo, passou horas pedindo socorro, estava cansada demais para aquela façanha, por sorte não foi preciso, com um sexto sentido fabuloso que sua avó possuía, afinal não era uma bruxa à toa, a velha senhora diz calma e com paciência que tiraria sua neta de lá, pediu que a menina esperasse mais uns minutos e que tentasse manter as forças finais até sua saída. Obedecendo a senhora, a garota sem escolha tentou se concentrar em qualquer coisa e não precisou de muito tempo quando sua avó retornou, jogando de cima uma corda, por pouca coisa a ponta não chega até a garota e ela tivera que usar um pouco de sua determinação para pular e agarrar aquela corda onda estava centralizada sua vida no momento.

Enfim estava saindo do poço, percebeu que a noite estava quase cobrindo os céus, o laranja foi tomado conta e o sol prestes a desaparecer entre as distantes montanhas. Os braços enrugados da velha senhora vacilaram quando a criança estava quase no topo, a corda pareceu mais pesada e o medo de que a pequena Lucélia caísse novamente dentro do poço percorreu sua espinha, não poderia deixar que aquilo acontecesse. Então por um momento de rapidez e desespero ela puxa com força a corda fazendo com que as mãos de sua neta se segurem em seus braços finos...

 O rosto da moça foi de puro terror para mágoa em segundos, Joseph sentiu vontade de abraça-la, porém, ela não havia acabado. Lucélia já não o olhava mais nos olhos.

—Quando eu segurei nos braços dela, algo aconteceu, uma pressão estranha pude sentir vindo das minhas mãos e passando para ela, entrando em seu corpo e subindo pelo sangue. Quando ela me olhou de verdade vi como ficou, ela se jogou para trás e eu caí em cima dela, tentei abraça-la, mas ela me jogou pro lado, sei que não foi de propósito, eu só não entendi na hora.

Os olhos da senhora arregalaram, o suor descia por seu rosto e grudavam os fios em sua testa, a pobre menina agora na terra após ter sido jogada por sua avó, estava quieta, sentindo o ar entrar com dificuldade em seus pulmões, estava ofegante pelo esforço e mesmo que a curiosidade em entender o motivo de sua avó estar com aquela feição assustada não diminui o alivio de estar do lado de fora daquele poço imundo. A idosa aponta para o rostinho amedrontado da criança e diz, sua voz soando rouca e receosa.

—Estão brancos! – Lucélia não compreende, mantém sua boca entreaberta a procura do ar que lhe falta. – Você absolveu tudo de ruim que havia na água querida...

Sua avó era uma bruxa muito conhecida na mocidade, ajudava jovens a encontrar maridos, auxiliava rapazes a serem mais corajosos e bons caçadores, obtinha em mãos a cura para doenças que poderiam parecer terríveis demais para suportar, ela era vidente também, ao máximo que podia ela conseguia dar paz para quem precisasse. Aquilo fez sua fama, mesmo que mais velha seus poderes, principalmente a clarividência estavam mais ávidos do que nunca.

A menina com delicadeza encontrou seus cabelos, os apalpando para ver se encontrava algo de anormal, na época eram grandes até a cintura, entretanto molhados agora grudados em suas roupas, e quando ela os pega e leva-os até sua visão, o horror era presente em sua face. Não eram mais negros e brilhantes, agora possuíam um tom claro. Branco!

 —Depois do que aconteceu fomos pra casa tentar entender o que havia acontecido realmente, e como uma bruxa tão boa como ela era, eu esperava que tudo fosse dar certo. – Diz Lucélia com pesar. Era bem obvio que não foi o que aconteceu. Joseph sentia dor em seu peito, não podia ajudar, por um momento ele deseja que pudesse estar lá naquela época, e cair no poço ao invés dela.

Havia se passado somente um dia desde que ela teria se acidentado no poço, ela não pode dormir naquela noite e muito menos sua avó, ficou o tempo todo tentando com feitiços e poções tirar da menina o que ela teria sugado das águas negras. Tudo fora em vão, e Lucélia começou a acreditar que somente seu cabelo teria mudado, ela estava bem, sentia-se normal, nada de errada aconteceu quando caiu lá embaixo. Contudo sua avó insistiu, o que quer que houvesse banhado ás águas do poço, seriam fatais para ela, por isso todos ficavam longe, não sabia que tipo mal poderia acontecer com quem tocasse ou bebesse do liquido. Quando o pensamento otimista de Lucélia mudou. Vendo sua velha avó indo de um lado para o outro a procura de ingredientes e informações pela casa, a pequena toca levemente no pulso de sua protetora para fazê-la se acalmar quando vê os dedos da senhora começarem a escurecer, aos poucos a cor foi subindo por seu braço e a doce senhora caí no chão sem forças. Aquela foi a maldição que Lucélia pegou quando caiu. Sua única família estava morrendo agora, por sua culpa.

“Querida, - disse ela hesitante sentindo a voz quase desaparecer, haviam se passado alguns dias a mais e ela sentia que não poderia sobreviver, por isso queria tentar ajudar a neta o máximo que poderia. – Você sempre carregou um tipo de Dom dentro de você, é algo passado de gerações por minha família, só que no seu caso... – Gagueja sentindo dificuldade na fala. – Você acabou adquirindo toda a maldade que continha nas águas do poço, você sabe das lendas dos mortos, sabe da maldição que as almas colocaram lá”

A garota chorava agora, um pranto silencioso para ouvir com clareza as últimas palavras de sua avó, ela estava na cama e suava muito, o negro estava por todo o seu corpo se aproximando do rosto, já haviam passado do pescoço, e os aspectos da pele aerado e podre, não obtinha cheiro, estava somente virando cinzas.

“Lucélia, por mais que isso pareça ruim, você deixou algo muito bom de você naquelas águas, o que irá ajudar alguém muito em breve. Ouça essa pessoa, ele poderá te ajudar, confie nele”

 A garota termina de contar e não pode conter as diversas lágrimas, sua voz estava embargada e não podia olhar para cima, mais do que nunca queria fugir, dizer tais palavras era esmagador, um nó em sua garganta se formou, jamais havia contato sua vida para alguém, estava errado, não podia se aventurar em ter amigos, nem confiar, estava fadada a um destino cruel e sem misericórdia, e apesar do quão bom Joseph poderia parecer, mais vontade de ficar longe ela tinha dele. Não vontade, precisava!


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Notas finais do capítulo

Até o proximo *-*



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