Ouço uma voz masculina chamando meu nome repetidas vezes e um solavanco em meu peito a cada segundo. Não consigo entender e tudo está escuro. A voz me soa familiar.
–VAMOS LÁ, ALICE ACORDA! ACORDA AGORA! PORRA!
Mais um solavanco, um aperto forte contra meu peito. Abro os olhos e ao mesmo tempo sinto que vou vomitar. Sou virada de lado e começo a tossir. A primeira coisa que vejo é o azulejo branco do chão do banheiro. Parece tudo molhado ao meu redor.
–Graças a Deus! - ouço novamente alguém dizer.
Olho para cima e vejo um par de olhos azuis me olhando ansiosos. Franzo o cenho.
–O que...
–Por que tentou fazer isso? Por que? - ele pergunta. A voz dele é alta mas parece um pouco distante para mim.
–Matt. - digo com as sobrancelhas unidas.
Olho para o lado e vejo que estou fora da banheira, deitada ao lado dela. Me assusto e sento-me bruscamente ao perceber que estou nua.
–O que está fazendo aqui? - pergunto e tento cobrir meu corpo a mostra com as mãos.
Matt suspira. Vejo que está com as roupas completamente molhadas. Ele se levanta e pega a toalha branca para mim que está pendurada atrás dele. Observo ele se agachar e passar a toalha ao redor do meu corpo.
–Por que tentou se matar? Você está louca? - ele pergunta com o rosto a centímetros do meu.
Balanço a cabeça negativamente. Aquilo tudo é tão confuso.
–Eu... eu não tentei me matar. Do que você está falando? -balanço a cabeça negativamente.
–Você o viu com a Lara não, foi?
Arregalo os olhos e analiso seu rosto. Como ele sabia disso? Por que ele estava ali e eu estava fora da banheira e nua? Por que Matt estava no meu banheiro todo molhado e como havia entrado em meu apartamento?
–Como você sabe disso?
–Vi você voltando para a casa hoje e vi que você viu Kyle saindo de um bar com ela.
–Mas você não estava com eles.
–Não, mas eu estava na mesma rua e vi seu coração partir na mesma hora. Vi que você começou a chorar. Te segui até o prédio e esperei um tempo lá embaixo. Pensei em te ligar e pedir para encontrar você. Liguei e liguei e fiquei preocupado até que decidi subir. - ele para de falar e reapira fundo. Matt balança a cabeça e pergunta com angústia na voz - Por que tentou fazer isso? Acha mesmo que ele vale tudo isso? Que acabar com a sua vi...
–Eu não tentei me matar! - repito com a voz rouca e balanço a cabeça. - Eu... tomei alguns analgésicos e...
–Aquilo que está em cima da pia? - ele aponta para o frasco laranja de comprimidos.
Concordo com a cabeça.
–Aquilo não é analgésico,Alice. São remédios para dormir.
– Eu... - balanço a cabeça. - achei que eram analgésicos! Eu não li... raramente eu tomo remédios para dormir, eu...
–Mas andou tomando ultimamente, não andou?
Seus olhos azuis fitam os meus inquisidoramente e eu desvio o olhar.
– Olha, só... vamos sair desse banheiro pelo amor de Deus.
Antes que eu possa reagir de alguma forma, as mãos de Matt agarram meus braços e me levantam. A toalha cai no chão e ele se agacha para pegá-la. Me encolho tentando me esconder mas ele parece ignorar isso. Não o percebo analisando meu corpo. Ele só passa a toalha novamente em volta de mim enquanto olha nos meus olhos.
Ele está vestido com uma blusa de manga cumprida e gola v vermelha, uma calça jeans preta e um sapato preto. Sua roupa está literalmente encharcada.
–Você... pode me dar licença para eu... me trocar? - pergunto desviando o olhar para os meus pés.
–Claro. - ele diz e sai do banheiro encostando a porta.
Respiro fundo tentando colocar meus pensamentos em ordem. Aquilo tudo fora uma tremenda confusão. Eu não havia tentado me matar e agora Matt pensava que eu era desiquilibrada a este ponto. Ele havia me visto nua e... parecia ter salvado minha vida já que provavelmente dormira dentro da banheira graças aos dois comprimidos de sonífero que eu tomara por acidente.
Pego um roupão preto pendurado atrás da porta e o visto. Amarro-o e abro a porta. Não me dou o trabalho de pentear os cabelos molhados.
Matt está aparado ao lado do batente da porta olhando para seus sapatos. Ele olha para mim quando abro a porta e eu suspiro.
–Você está todo molhado. Eu... devo ter uma blusa do meu irmão aqui. Você quer vesti-la? - pergunto.
Matt nega com a cabeça.
–Não, está tudo bem. Desde que você não se importe com o chão molhado.
Olho para o carpete úmido.
–Esse é o menor dos meus problemas agora, Matt.
Vou até o aquecedor e o regulo para o máximo.
Olho pela janela e vejo o céu negro em contraste com os enormes prédios com luzes acesas..De braços cruzados em frente ao corpo, viro-me para olhar Matt. Ele não se moveu. Está parado em frente a porta do banheiro me olhando. Seus cabelos loiros estão um tanto desgrenhado.
–Eu não tentei me matar. Não estou tão desiquilibrada assim, eu juro.
Vou até a cozinha e acendo a luz.
–Eu vou preparar um café. - digo.
Começo a pegar o pó de café na geladeira e vejo pelo canto o olho Matt passando por trás de mim. Tento não olhar para ele. Estou mortificada de vergonha.
–Tenho que dizer que isso me alivia muito porque, Alice, eu juro... - ele pega o pó de café das minhas mãos e eu olho para ele. Ele me olha sério - se você tentar fazer alguma besteira por causa de Kyle, eu mato ele.
Fecho os olhos e cubro meu rosto com as mãos.
–Estou com tanta vergonha. - minha voz sai abafada. - Eu... não sei o que aconteceu. - olho para ele. Seus olhos azuis não param de me olhar nem por um segundo. -Como entrou aqui?
– A porta estava destrancada. Outro fator que me deixou preocupado, mas ainda bem que não estava trancada, não é?
Suspiro.
–Me desculpe. - balanço a cabeça e começo a ter vontade de chorar novamente. - Ah meu Deus! Que diabos está acontecendo comigo? Sinto minhas mãos começarem a tremer quando cubro meu rosto com elas novamente.
–Senta, eu faço o café. - ouço sua voz e sinto suas mãos nos meus ombros me conduzindo até a banqueta.
Sento-me e olho para ele. Matt pega uma colher e começa a colocar colheres de pó de café na cafeteira.
–Obrigada. - sussurro. - Por... ter me... tirado da banheira.
Observo-o ligar a cafeteira na tomada e depois virar-se para me olhar. Ele vem até a banqueta e para em pé ao meu lado.
–É claro que qualquer um faria isso. Mas de nada.
–Não conta pra... ele. - balanço a cabeça.
–Não vou prometer algo que não posso cumprir.
–Matt...
–Ele devia saber. Devia saber o quanto você está sofrendo porque ele é um tremendo idiota e estúpido. Alice, você tem que seguir em frente. Acha que vou aceitar vê-la destruída assim?
Olho para minhas mãos.
–Estou apaixonado por você há um bom tempo e sei que não vou deixar você assim. Não vou aceitar. Ele não te merece. Você o colocou e coloca num pedestal que ele não merece e você viu isso hoje.
Escuto calada o que Matt está dizendo.
–Acha que ele não te viu? Ele viu sim. Viu quando você abaixou a cabeça e começou a andar rápido. E o que ele fez? Foi para a casa com aquela piranha da Lara.
As lágrimas começam a transbordar dos meus olhos e eu cubro meu rosto com as mãos. Sinto meus ombros chacoalharm enquanto eu choro.
–Eu não sei o que dizer para você sem parecer um idiota ou sem ofender ele, okay? Não sei.
Respiro fundo e limpo os olhos com as costas da mão.
–Tudo bem, tudo bem. Eu vou ficar bem.
–Ótimo. Vou levar aquele remédio embora só para garantir. - Matt vai até a cafeteira e enche duas canecas de café fumegante.  Uma ele me entrega e a outra ele leva até a boca.
Observo ele se sentar na banqueta ao meu lado.
–Obrigada Matt, por tudo. - minha voz falha. - Sei que... eu pareço uma vadia por tudo o que fiz você passar mas...
–Alice, não, por favor. - ele me interrompe. -Fiquei sabendo que amanhã é um dia importante. O que você vai fazer?
Dou de ombros.
–Não pretendo fazer nada. Já deixei claro para todo mundo que não quero festa, bolo surpresa nem nada disso. Provavelmente passarei o dia na cama.
–Não, você não vai passar seu aniversário fazendo maratona de filmes de comédia romântica na Netflix.
–Quem disse que eu ia assistir comédias românticas?
–Com certeza um documentário sobre a segunda guerra mundial não é.
Dou uma risada baixa e beberico o café. Observo Matt morder o piercing de argola preto em seu lábio inferior. Ele tem um sorrisinho nos lábios. Acho que está contente consigo mesmo por me fazer rir de alguma forma. E, naquele momento, aprecio muito seu esforço.
–E então o que eu devo fazer? - pergunto.
–Achei que não ia perguntar. - ele pousa a caneca preta no balcão de granito preto. - Vou tomar a liberdade de fazer você ter um aniversário para ser lembrado. Vou te levar para sair.
–Matt...
–Não é um encontro! - ele me interrompe. - Relaxa.
– E o que vamos fazer? Fumar maconha e beber?
–Se isso for necessário para você ficar feliz e comemorar direito seu 20 aniversário, sim.
Dou risada.
–O que me diz?
Olho para ele e dou de ombros.
–Você acabou de arruinar meus planos para ver Hitler matando alguns comunistas.
–Claro, era exatamente isso que você ia ver.
Sorrio de lado e ele faz o mesmo. Aquilo me desarma e eu sinto meu coração se acelerar por um instante.
Nós terminamos de beber o café e Matt se levanta.
–Acho que tenho que ir.
–Você não quer ficar? - pergunto parecendo ansiosa.
Matt para e olha para mim.
–Quer dizer... - pigarreio. - você está todo molhado e já está tarde. - olho para o relógio analógico na cozinha que marca pouco mais de duas da manhã. Torno a olhá-lo. - Você não quer ficar?
Matt estreita os olhos.
–Você quer que eu fique? - ele se aproxima da banqueta onde estou sentada e eu prendo a respiração por um instante.
–Acho que está tarde para você ir. E... não quero ficar sozinha.
Ele parece satisfeito com isso e sorri sem mostrar os dentes. Sorri aquele sorriso habitual de lado.
– Isso não é um convite para nada indecente.
–Eu não disse nada. - ele ergue as mãos como se estivesse se rendendo.
Levanto-me da banqueta.
–Vou lhe arrumar alguma roupa.
Saio da cozinha o mais rápido possível e vou para o meu quarto.