Foram semanas difíceis após Kyle e eu termos dado um tempo ou mais provavelmente, terminado. O mês de Novembro acabou, o de Dezembro entrou e eu ainda andava como um zumbi nas ruas.
Eu não tinha participado do Cisne Negro. Desisti. Lucas, Chloé e a professora Nora me imploraram para não fazer isso, mas eu não conseguia. Não tinha ânimo para ensaiar, não tinha ânimo para botar meus pés para fora da cama. Todas as manhãs, quando o relógio despertava, eu ja sentia o cansaço precoce do dia sem ele acontecer. Era inevitável. Eu passara a comer automaticamente sem saborear de fato o que estava comendo e em quantidade muito menor, meus olhos, onde quer que eu estivesse, estavam focalizados no nada. Sam e Debbie não aguentavam mais me ver daquele jeito. Eu só conseguia nos finais de semana subir no palco para dançar se antes tomasse algumas boas doses de tequila pura. Eu estava destruída. Pensar nele me deixava destruída, não vê-lo me deixava destruída, não ter uma mensagem dele no final do dia me fazia chorar todas as noites.
Como se tudo isso não fosse o bastante, eu estava desistindo cada vez mais da Academia de Ballet. Não queria mais aquilo. Sentia que não era para mim e todo o esforço que eu fizera meses atrás para entrar nela, de nada valiam.
Após trabalhar no Dangerous Woman naquela sexta-feira á noite, enquanto voltava para casa a pé, embalada em um sobretudo preto pesado para me proteger do frio, eu olhava para as ruas, árvores e vitrines todas iluminadíssimas e enfeitadas para o Natal. Meu aniversário seria no próximo dia, no dia 14 de Dezembro, e eu estava mais desanimada do que nunca e feliz por não ter de ir trabalhar no sábado e no domingo. Adoraria passar meu aniversário deitada na cama e sozinha. Ainda mais depois do que vi naquela noite.
Enquanto andava numa calçada repleta de vitrines coloridas eu o avistei. Avistei Kyle há alguns metros saindo de um bar do outro lado da avenida. Ele tinha mudado a cor do cabelo, agora estava loiro e seu braço para mim foi o mais chocante, estava ao redor do ombro de uma garota e ele ria com um grupo de amigos. Todos eles! Todos da fraternidade, menos Matt e Chloé. Ele estava com o braço ao redor de Lara e até mesmo Jacob estava nesse meio. Acho que parei por um segundo para absorver aquela cena. Eles pareciam se mover em câmera lenta. Mas logo abaixo a cabeça e recomeço a andar mais rápido do que nunca para que ninguém me reconheça ou possa me ver. As lágrimas escorrerem dos meus olhos com violência. É inevitável então não tento evitá-las. Dói. Aquilo dói.
Cheguei mais rápido do que nunca em frente ao prédio onde eu morava. Não peguei o elevador, subi trinta lances de escada enquanto chorava. Tinha a esperança de que até chegar ao último, eu já tivesse parado de chorar. Mas eu não parei.
Quando abri a porta do meu apartamento e entrei, minhas pernas cederam, como se tivessem feito grandes esforços apenas para me levar para casa e depois se permitirem desmoronar junto com o meu psicológico abalado. Chorei sentada e encostada na porta. Ele já tinha seguido em frente tão rápido assim? Eu era tão fácil de ser esquecida e substituída? Eu estava devastada.
Não sei por quanto tempo fiquei sentada e chorando, mas quando levantei-me segurando nas paredes, me sentia mais fraca do que nas semanas que se passaram. Aquilo fora o ápice da destruição para mim.
Enquanto me arrastava para o banheiro, ouvi meu celular tocar mas não virei-me para trás ou parei no meio do caminho para voltar e ir atendê-lo. Eu não sabia quem era ou quem poderia ser. Não era ele então não me interessava. Talvez fosse Sean pois ele sabia do que tinha acontecido e sabia como eu estava diante daquela situação. Mas eu não queria falar com ninguém.
Após me despir, olhei meu reflexo em frente ao espelho. Eu nunca estivera tão horrível. Tudo em mim me incomodava e parecia sem vida. Meus olhos estavam constantemente inchados e debaixo deles, olheiras arroxeadas. O lápis e a máscara de cílios haviam se dissolvido e escorrido por minhas bochechas e agora riscos nítidos manchavam meu rosto que parecia ter perdido a cor. Eu de fato tinha emagrecido, como se já não fosse magra o suficiente.
Em cima da pia há um frasco laranja de analgésico. Pego dois e levo até a boca e o engulo.
Decido tomar um banho de banheira. A água quase transborda quando entro nela. Meu corpo que estava rígido como um boneco de cera, relaxa instantaneamente. Meus ombros, assim como todo o meu corpo? doem. A única coisa para fora da água é minha cabeça apoiada na banheira.
Lembro-me de Kyle me dando banho quando fiquei bêbada e ele me encontrou do lado de fora do bar onde ele trabalha, lembro-me de tomar banho com ele, lembro-me de ele ter cuidado de mim aqui mesmo no meu apartamento, me dando um banho gelado porque estava muito bêbada. Lembro-me de suas mãos em mim. Meu rosto se contrai como se estivesse sentindo dor e um soluço abafado sai da minha garganta, meus olhos ardem violentamente e eu recomeço a chorar.
Cubro meu rosto com as duas mãos e pressiono meus dedos contra meus olhos fechados, as lágrimas escorrem violentamente em meu rosto e caem na água quente na banheira. Os analgésicos começam a fazer efeito sobre mim me relaxando demais.
Após uns vinte minutos sinto meu corpo escorregando, meus ombros ficando submersos, meu queixo, meu rosto. Com os olhos abertos debaixo d'água vejo a luz fluorescente embaçada. Um grito sobe por minha garganta como uma bile, a água se agita em meu rosto por causa da vibração das minhas cordas vocais. Sinto meus olhos se fechando contra minha vontade.