Undertale - O Início escrita por FireboltVioleta


Capítulo 6
Prelúdio




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O sonoro e retumbante sino soou. Adentrou à cabeça de todos, não de forma alegre ou colorida, mas brusca e pálida; lúgubre e tristonha. 

Desgore ainda estava aflito, enquanto, quase inconsciente da ação, passeava pela grama molhada de todo o acampamento, balançando o objeto, audível e gravemente o suficiente para todos ouvirem e acordarem. 

Porém, ao longe, uma monstra já estava acordada, explicitamente em estado e aflição e luto.

A tristonha Blue Hyoko continuava em seus devaneios, contemplando o Sol nascer a sua frente - algo que era pra sinalizar inovação, cultivo e felicidade no misticismo base da população.

Mas tudo que ela via era mais um dia de dor e terror para todos.

Kira, sua amiga, mantinha-se desesperançosa, ainda rememorando, com lúgubre sofrimento, as cenas terríveis que presenciara no ataque de semanas atrás. Anteriormente alegre e faladeira, agora só mantinha os olhos cor de sangue voltados para o céu, numa espécie de contemplação angustiada.

Skarlett já tinha ido dormir algumas horas atrás, não suportando a exaustão do amanhecer. Mas a monstra sem face não tinha coragem para simplesmente deitar-se em um pano úmido, e abandonar todos seus amigos na calada da noite, enquanto eles estavam completamente vulneráveis a ataques noturnos. 

A penumbra do nascer do Sol nunca lhe pareceu tão reconfortante. Durante todo aquele tempo, ela sentia que estava protegendo todos os seus amigos. Que acolhia o fardo mais pesado, e poupava os outros de mais dor. 

Mas essa dor estava sendo muito pesarosa

Lembrava-se, com um assomo de saudade e tristeza, do tempo em que ela e Renata, juntas, haviam adentrado na Guarda Real. A amiga e irmã de armas lhe ajudara em todo momento, sempre a apoiando quando fraquejava. Sempre a auxiliando e orientando.

E quando Renata mais precisara dela…

Não. Pensou, apertando uma protuberância de rocha próxima, com tal força que o fragmento se partiu em suas mãos. Renata não ia querer isso. Ela diria para eu seguir em frente. Para continuar lutando pelo que é certo.

Uma morte honrada, em prol da vida de outros. Renata – e Skarlett – jamais poderiam ter desejado um fim melhor.

Sentiu, surpresa, uma mãozinha magra sacudir-lhe um dos tentáculos que repousavam na grama. Virou-se, inclinando a cabeça na direção da pequena Undyne, e pegou-se segurando o riso, quando viu que ela ainda estava usando o tapa-olho que lhe dera.

— Ah. Olá, Undyne.

A peixinha sorriu, expondo os dentinhos de leite afiados.

— Oi, Skarlett – ela cumprimentou a guerreira timidamente – posso sentar com a senhora?

Skarlett suspirou, assentindo e afastando-se para que Undyne ficasse ao seu lado. A pequena monstra acomodou-se na pedra, balançando as perninhas no ar, fazendo com que a mais velha a observasse com curiosidade.

— Quantos anos têm, Undyne?

— Quatro – respondeu, ao que Skarlett admirou-se.

— Hum… e você quer entrar para a Guarda Real, não é?

— Sim, senhora.

— Bom – apesar de ser pouco dada a demonstrações de afeto, Skarlett afagou a cabecinha de Undyne – é um sonho excelente, querida – a monstra arquejou audivelmente – eu… queria muito lhe perguntar algo.

— Pode perguntar.

Undyne percebeu a insegurança na voz de sua admirável companhia. Nunca ouvira nenhum monstro da Guarda Real usar aquele tom de voz antes.

— O que… - para perplexidade da pequena, Skarlett pareceu sufocar interiormente – o que Renata lhe disse… antes de morrer?

A menininha se abraçou repentinamente, pousando as mãos sobre as cicatrizes que ainda estavam se curando, formando padrões arrepiantes em suas escamas azuladas.

— Eu… eu sei que é doloroso lembrar… - desculpou-se a guerreira – mas… eu realmente…

— Ela disse que eu tinha determinação – Undyne respondeu de súbito, o olhar perdido em um ponto qualquer da colina adiante – q-que eu… que eu devia tomar o lugar dela… disse que eu seria… o futuro da Guarda Real – ergueu o rostinho para Skarlett, fazendo com que a outra se comovesse com suas lágrimas, que lhe escorriam do olho descoberto – eu não acredito nisso… eu… eu não pude proteger o papai e a mamãe… não consegui salvar meu irmãozinho que ia nascer… E Renata morreu por minha causa…! Nunca poderia proteger ninguém!

Soluçante e cabisbaixa, Undyne sentiu um tentáculo gentil discorrer-lhe pelo rosto, secando carinhosamente seu pranto. Outro aninhou-lhe o queixo, fazendo com que erguesse a cabeça na direção da guerreira que a consolava.

— Nunca mais diga isso, Undyne – Skarlett lhe disse, num misto de seriedade e reconfortamento - Renata sabia pelo que estava se sacrificando, pequena. Ela via o futuro dos outros… e ela viu o seu – suspirou peadamente – e ele será glorioso, querida. Irão contar histórias sobre você, assim como contarão histórias sobre ela. Vai ser admirada de verdade… e vai honrar a posição que Renata lhe legou. Você é forte. Você é poderosa. Jamais deixe que lhe digam o contrário, não importa o que aconteça. Entendeu?

Aquelas palavras sinceras, vindas de uma de suas maiores inspirações, pareceu amansar a alma agitada e sofrida de Undyne. Naquele momento, elas se arraigaram dentro de seu peito, fazendo crescer uma sensação pulsante. Um sentimento que, dali em diante, iria se fortalecer cada vez mais.

— Entendi – a peixinha assentiu solenemente, vincando as sobrancelhas – vou deixar você orgulhosa, Skarlett!

Mais do que nunca, a guerreira desejou ter lábios para sorrir.

— Excelente – pousou a mão sobre o ombro franzino da menina – sei que não estou em posição de lhe pedir isso, Undyne. Mas poderia fazer algo por mim?

— Claro. Qualquer coisa!

Skarlett inspirou profundamente.

— Se por ventura os humanos retornarem… não tente lutar – acrescentou rapidamente - não dessa vez… - Undyne arfou, balançando a cabeça em negativa – fique segura. Guarde esses seus sentimentos – disse, surpreendendo-a ao repousar a palma no peito na peixinha – onde ninguém poderá encontrar. Seu momento de lutar pelo nosso povo virá, querida. Mas apenas no futuro.

Undyne sentiu as guelras em seu pescoço se fecharem, engasgadas num soluço.

Porém, fechou o olho torturadamente, e assentiu.

A monstrinha nunca viria a saber. Mas acabara de concordar em salvar a única chama de esperança que os monstros teriam por um longo tempo.

— Obrigada, Undyne… obrigada.

 

—------------- O -------------

 

W. D. Gaster sentiu um sorriso cortando-lhe o rosto, ao ver a dinossaurinha ao seu lado observando atentamente os grandes potes de vidro dispostos em sua mesa de trabalho.

— É tão legal, senhor Gaster! - Alphys exclamou, tamborilando as garrinhas no vidro mais próximo – quando eu crescer, quero ser igual ao senhor!

Ezra riu, apreciando o entusiasmo da pequena monstrinha, sentada ao canto da cabana e embalando pequeno Papyrus nos braços.

— Ela é adorável, querido – a revenant arrulhou – você podia ensiná-la sobre suas pesquisas. O que acha?

Gaster encarou a esposa, tenso. Embora também se encantasse com a predileção de Alphys pelo seu trabalho, eçe sabia que haviam coisas que uma criança jamais deveria vir a conhecer… coisas como aquele corpo humano, conservado com magia, ainda enterrado do lado de fora do acampamento.

— Talvez – respondeu simplesmente, voltando sua atenção às anotações.

Alphys só faltou quicar de animação, quase derrubando os óculos do focinho.

— Ah, senhor Gaster! Eu vou ser a melhor aluna do mundo! Eu prometo!

Alana segurou uma risadinha apreciativa, ainda tentando terminar de costurar uma jaqueta azul, enquanto Sans pulava ao seu redor, curioso.

— È a jaqueta velha do papai?

— Sim – Ezra respondeu, sorrindo – seu pai ficava uma gracinha nela… mas depois que virou cientista real – Gaster estreitou os olhos para o tom irônico que ela usou na palavra “real”, ao que todo mundo riu – só usa esse jaleco o tempo todo.

Gaster revirou as pupilas.

— Eu parecia um desocupado, Ezra.

— Era fofo – a esposa deu de ombros, enquanto Alana se sacudia ao canto, gargalhando pela primeira vez em semanas.

Sans tocou a gola da jaqueta, enamorado pela peça de vestuário.

— Ela é mais bonita que a minha – disse, apontando para a versão menor da roupa que vestia - se papai não quer…. eu posso usar ela, mamãe?

O cientista não aguentou. Rindo, virou-se para o filho mais velho, assentindo para Alana. Alphys, em seu canto, assistiu tudo silenciosamente, achando graça.

— Ok, Sans. Vamos ver como fica em você – ele cruzou os braços, vendo-o vestir a enorme jaqueta.

Como previra, o minúsculo revenant quase desapareceu dentro dela, guinchando os bracinhos no alto e deixando as longas mangas escorridas contra o chão. Foi demais para Ezra, que gracejou alto, fazendo Papyrus piscar de modo assustado.

— Ficou grande – Sans murmurou, o desapontamento gotejando na voz.

— Você vai crescer, filho – Gaster acarinhou o topo do crânio do monstrinho – não se preocupe. Pode ficar com ela.

Sans se jogou nos braços do pai, contente.

— Obrigado, papai. Você é demais!

Gaster sorriu para Ezra, fechando as órbitas e abraçando o esqueletinho. Depois de tudo que haviam visto e sofrido há alguns dias, o revenant começou a ter alguma esperança de que tudo acabaria bem. Que sua família ficaria a salvo.

Infelizmente, aquela pequena nesga de felicidade, tal como a dos demais monstros, estava prestes a sofrer um golpe profundo.

E fatal.

 

—------------- O--------------

 

Toriel ergueu os olhos para o céu, vendo as nuvens almejando se mesclarem, numa massa que antecipava algum tipo de tempestade.

A cabrinha apertou uma flor dourada nas patas, respirando fundo e apreciando a fragrância suave que ela exalava.

— Eu sempre gostei da cor delas.

Ela pulou de suto, olhando de modo reprovador para Asgore, que segurou o riso.

— Que susto, Gore!

O príncipe dos monstros não aguentou, e plantou um beijo carinhoso na face de Toriel, fazendo-a enrubescer.

— Desculpa, Tori. Você me perdoa? - deitou a cabeça no ombro dela, fazendo uma careta meiga para sua prometida – hein? Por favor? Vai?

— E eu tenho opção? - ela bufou, dividida entre o riso e o aborrecimento.

— Ah, para – Asgore tomou-lhe a flor dourada, rindo do guincho de protesto de Toriel – venha. Vou pedir pra ama nos fazer um chá com ela. Assim você se acalma.

— Engraçadinho – protelou, mas concordou, retirando-se com Asgore de volta ao interior da barraca real.

Porém, o som alto e sôfrego de um berrante cortou o ar, paralisando ambos na sacada da barraca.

— O que foi isso?

Ao longe, observaram, espantados, um dos monstros da Guarda Real surgir no meio do acampamento, tropegando sofridamente na direção da barraca real.

Asgore arregalou os olhos ao ver o corte profundo no pescoço de Amy, cuja katana escorregou das mãos trêmulas.

— Humanos… - soluçou o mais alto que pode, enquanto o sangue espirrou de sua garganta dilacerada – embos… cada…

Os joelhos da gata cederam, e Amy desabou na grama, manchando o chão de vermelho. Sucumbindo, sua alma partiu-se, transformando seu corpo em pó.

Ao longe, uma massa gigantesca de humanos surgiu ao horizonte, marchando impetuosamente na direção dos monstros acampados.

 

 

 


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