Não foi a primeira vez que achei que você poderia morrer. Também não foi a primeira vez que isso me preocupou. Mas foi naquele momento que eu percebi o motivo da ideia, não, da certeza de que você era importante .

Sentado naquela arquibancada, apenas observando você se arriscar cada vez mais, eu me senti totalmente impotente, e nenhuma sensação me deixaria mais irritado. Aqueles peões, girando ensandecidos no ringue, te cercavam. O som metálico que eles faziam ao se chocarem me fazia sentir como se meu coração estivesse pulando uma batida. Você desviava de alguns, outros lhe atingiam. Era como se eu sentisse sentisse dor.

Pensei primeiro no meu conselho vazio antes de você entrar para a luta. As minhas palavras ecoavam em minha mente : “Você está lutando pela experiência, e não pela vitória. Saiba a hora de parar de tentar. De qualquer forma, boa sorte!”. Como se tivessem feito alguma diferença! Se tem uma coisa que faz parte de você é não saber a hora de desistir. É algo que vai contra todos os meus princípios, tanto os impostos por minha criação desumana quanto os que eu mesmo adquiri, mas eu simplesmente não conseguia ficar irritado com você por isso. Porque faz parte de você.

E eu amo você.

Após essa ficha cair, comecei a lembrar da noite passada, quando observávamos a vista magnânima da janela do 200º andar. No momento, eu nem havia reparado, mas você observava a vista. E eu observava você. Seu rosto iluminado pelas luzes da noite era uma visão muito mais bela do que aquele amontoado de prédios cinzentos. Seus olhos brilhavam, e por um momento eu achei que a iluminação da cidade era apenas o reflexo da luz de seus olhos.

Seus olhos, na luta, também brilhavam, até você os fechar para poder sentir melhor onde estavam os peões. Nesse momento, você também suprimiu sua aura, o que te fez ficar em perigo de vida imediato. Qualquer peão que te acertasse iria quebrar uma dúzia de ossos. E eu não podia fazer nada. Era ver que a única lâmpada no meu mundo de escuridão estava prestes a apagar. Eu gritei para você, te avisei do perigo, mas de que adiantava? Você queria o perigo!

Você sobreviveu àquela luta, e eu tive que fingir que não estava profundamente aliviado para preservar meu orgulho. Pelo menos pude demonstrar o quão irritado estava com a sua estupidez, e deixei bem claro. Foram vinte e seis fraturas, sendo seis delas em ossos importantes e o resto fraturas menores. Os médicos disseram quatro meses de recuperação, você estava novo em folha em apenas um. Pode parecer maldade, mas uma parte de mim gostaria de que você tivesse passado seis meses incapacitado, porque talvez assim você aprendesse a maneirar seu gosto pelo perigo, talvez pôr um limite.

Sim, foi naquele momento que eu descobri que você, assim como eu, gostava daquela sensação de se sentir vivo por estar tão perto da morte. Só que eu ainda me continha, você já ía até a borda do precipício e se equilibrava na pontinha. Ná época, eu achava que essa diferença entre nós se devia ao fato de eu talvez ser mais maduro ou mais experiente, nunca imaginava que apenas estava sendo manipulado por meu irmão.

Gostaria de saber por que estou lembrando dessa história agora. Porque foi o momento em que eu descobri que te amava? Porque foi quando eu decidi que iria até o fim para te proteger de tudo e todos, inclusive de você mesmo? Não. Eu acho… Na verdade, eu tenho certeza de que é porque, agora no carro, observando seu rosto cheio de vida, recém tirado da cova que você mesmo cavou, seus olhos brilham da mesma forma como naquela noite, dando a impressão de iluminarem ao invés de serem iluminados. Sei que estamos prestes a nos despedir, e fico feliz que isso signifique que ambos atingimos nossos objetivos. Mas não posso negar que sentirei falta da luz dos seus olhos.