Violinos escrita por Agatha Wright


Capítulo 7
Capítulo VII




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Samantha não conseguiu dormir naquela noite.

O fato de ter que dividir o corpo com outra alma não era algo que se passou pela cabeça de Samantha nesses dias em que ela estava dentro do corpo de Christine. Mas agora que aconteceu a ideia parecia até bem sensata.

Sensata, mas não boa.

Samantha não tinha palavras para descrever a sensação de ter uma pessoa completamente diferente dentro de sua cabeça. Era quase como se ela estivesse desenvolvendo duas personalidades.

Os primeiros dias foram absolutamente irritantes. Samantha era obrigada a suportar horas de falação interminável de Christine. E essas conversas normalmente a tornavam alheia ao que estava acontecendo ao seu redor.

E Erik estava notando isso.

"Christine? Está tudo bem?" Perguntou ele quando Samantha saiu do quarto na manhã do decimo dia em que ela estava ali.

Demorou algum tempo até Samantha entender que havia alguém falando com ela.

Ela olhou para Erik com uma expressão de absoluta inocência.

"Estou bem, Erik."

Mesmo sob a máscara, Samantha não deixou de notar que havia uma guerra na mente de Erik para decidir se ele acreditava ou não nela.

No fim ele ignorou o assunto e a conduziu até a sala de jantar.

Samantha olhou desanimada para o grandioso café da manhã que Erik havia preparado para ela. Tudo aquilo dava para alimentar confortavelmente umas dez pessoas.

"Coma, Christine." Disse Erik se pondo em pé a frente de Samantha, como se quisesse ter certeza de que ela comeria.

Samantha suspirou e pegou um croissant e começou a mordisca-lo lentamente.

Quando Erik se deu por satisfeito quanto à alimentação de sua hóspede ele a deixou sozinha na mesa e se trancafiou no seu quarto.

"Três, dois, um..." Murmurou Samantha para si mesma erguendo um garfo como se fosse a batuta de um maestro.

Timing perfeito quando ela chegou no um ela começou a ouvir os sons do órgão.

O órgão nunca foi um dos instrumentos preferidos de Samantha, mas a música de Erik era incrivelmente incrível. Ela não conseguia encontrar palavras grandiosas o suficiente para expressar a experiência musical única que era ouvir Erik tocar. Ela fechou os olhos e ficou ouvindo o som hediondamente belo que Erik fazia sair daquele instrumento poderoso.

Ela estremeceu quando ouviu as notas puras e delicadas serem substituídas por acordes terrivelmente belos e assustadores. De repente ela teve uma súbita vontade de correr para o seu quarto e tapar os ouvidos como uma criança.

Por que diabos Erik estava trabalhando em seu Don Juan Triunfante em uma hora dessas?

E essa era uma parte particularmente obscura de sua peça. Não era nada parecida com o longo lamento que ela havia ouvido na sua primeira noite como Christine Daae.

Esse era o lado obscuro de Erik.

Ela ficou olhando boquiaberta para a porta fechada do quarto dele. Até que a musica sinistra foi substituída por uma mais suave, mas essa era ainda mais estranha do que a sua antecessora. Mas essa musica parecia tentar passar uma mensagem. Ela caminhou suavemente até a porta do quarto de Erik e ficou escutando a música.

"Ele está irritado." Declarou Christine dentro de sua mente depois de um longo silencio durante as outras músicas.

Samantha que mesmo sem ouvir Christine dizer nada ainda tinha sentido uma espécie de pavor invadir seu corpo, mesmo sem ter sentido medo. Ela atribuiu esse sentimento a Christine. Ela não via o que temer.

A música tinha períodos agressivos, mas esse era um tipo diferente de agressividade. Ela se lembrava de ter tido esse sentimento em sua outra vida. Ela o relacionava com peças para violino particularmente difíceis, com dias chuvosos, com segundas-feiras que não acabam nunca, com coisas que ela não conseguia fazer perfeitamente.

Frustração.

Erik estava frustrado com alguma coisa.

"Eu acho que ele não está irritado, Christine. Ele me parece mais frustrado com algo."

"Você está cantando terrivelmente mal. Talvez seja por isso."

"Você está querendo uma briga?" Replicou Samantha.

"Eu quero você fora do meu corpo." Respondeu Christine.

"Quando você tomar juízo eu me mando rapidinho, loira azeda. Como se eu gostasse de usar vestidos com o dobro do meu peso." Respondeu Samantha secamente.

Christine continuou falando, mas Samantha tentou bloquear a sua mente para se focar no problema maior que estava na sua frente.

O que deu em Erik?

Realmente essa de ficar adivinhando o que Erik sentia ou pensava e tentar ser o mais simpática, compreensiva e amigável para resolver o seu problema estava começando a irritar Samantha profundamente. Agora ela era a terapeuta do Fantasma da Ópera? O velhote deveria dar um bônus a ela para cumprir essa missão. Talvez ela acordasse com uns centímetros a mais de altura... Ou de busto...

"No que você está pensando?" Gemeu Christine.

"Tá eu sei. Foco, Samantha." Respondeu ela monotamente.

Bem vamos usar o método de Erik para expressar as suas emoções. Música.

Música número1: Doce, alegre e delicada. Soava quase como se fosse uma música sobre esperança.

Música número 2: Simplesmente sinistra. Dava arrepios só de lembrar. Cada nota gritava raiva.

Música número 3: Essa era a mais estranha. Tinha um tom de tristeza e raiva, mas sem ódio. Era mais como raiva de si mesmo por alguma coisa. Tinha aquele tom deprimente da frustração combinado com um pouco de auto piedade.

Esperança, raiva e frustração. Aquilo soava confuso.

Confusão.

Ela se levantou e ajeitou suas saias. Com esse cérebro pequeno ela nunca conseguiria entender a complexidade da mente de Erik. Se ele quisesse dizer algo a ela, bem ela teria prazer em ouvi-lo.

Quando Erik finalmente deu o ar da sua graça, Samantha estava muito bem acomodada na melhor poltrona da biblioteca lendo um livro de contos qualquer. Ela estava um pouco irritada com o comportamento estranho que Erik teve durante a manhã, se trancando no quarto com suas músicas durante todo o dia. Deveria ser por volta das 18 horas quando o maldito órgão emitiu sua ultima nota. Quando ela ouviu Erik caminhar pela casa a sua procura ela teve o cuidado de fingir que estava totalmente absorta no livro que estava lendo.

Ela esperou ele estar de pé na frente dela para ela tirar os olhos do livro e olhar para o seu rosto, digo, máscara.

"Creio que sua tarde foi bem... proveitosa." Disse ela torcendo para que ele notasse o sarcasmo em sua voz.

Erik a encarou por meio segundo, provavelmente se perguntando o porquê do mau humor evidente em sua Christine. Mas ao invés de lhe perguntar algo, ele simplesmente declarou.

"Vamos a um passeio hoje à noite."

Samantha fechou o livro e olhou diretamente nos olhos de Erik.

"Um passeio?" Perguntou ela num tom meio desconfiado.

Erik continuou encarando Samantha.

"Sim, um passeio. Vamos dar uma caminhada." Disse Erik como se estivesse falando com uma criança.

"Hum..." Respondeu Samantha como se não estivesse nem um pouco interessada no programa proposto por Erik. Ela ainda estava zangada demais com ele para deixa-lo ver a alegria que essa ideia tinha causado nela.

"Ótimo! Siga-me." Respondeu Erik oferecendo o braço a Samantha.

Ela deixou escapar um pequeno sorriso. Mas que droga!

"Vamos!" Disse ela agarrando o braço dele com uma animação meio exagerada. O que deixou Erik meio confuso.

Erik a conduziu até uma porta que ela nunca havia reparado e com um toque em um ponto no papel de parede ele fez com que ela se abrisse.

Samantha não estava vendo o rosto dele, mas pela alteração em sua respiração ela adivinhou que Erik estava segurando o riso. Foi então que ela notou que estava com a boca escancarada olhando feito uma idiota para a passagem que ele abriu. Ela se recompôs rapidamente e lançou um olhar a Erik que dizia "Até que você é inteligente, mas não comece a se achar."

Erik a levou por um labirinto de tuneis, ela tentou decorar esquerda, direita, direita, esquerda, direita, esquerda, esquerda de novo, não acho que era direita. Mas o caminho era tão complicado que ela desistiu logo. Era melhor confiar no seu guia.

"Para onde estamos indo, Erik?" Perguntou ela quando começou a ouvir o barulho de água.

"Logo você saberá, Christine." Respondeu Erik.

Eles caminharam em silêncio por mais alguns minutos. Samantha estava mordendo a língua em desespero pensando o que ela deveria dizer a Erik para quebrar o gelo. O que se conversa quando você está sozinha em um túnel escuro caminhando com um homem mascarado ao seu lado? Que não envolva gritar e sair correndo feito uma menininha.

"Christine! Christine! Você está aí?" Choramingou Samantha mentalmente.

Silêncio.

"Christine! Se você não me responder eu vou cortar todo o seu cabelo e deixar só um rabinho de cavalo atrás. E vou vestir uma das capas de Erik e sair correndo pela casa gritando 'He is there The Phantom Of The Opera! ' como se não houvesse amanhã".

"Ah! Você não ousaria!" Gritou Christine.

"Ah! Você está aí, loira azeda." Disse Samantha. "Vamos, me de uma ajudinha aqui! Sobre o que eu devo conversar com Erik?"

"E por que eu tenho que saber o que você deve dizer a ele?" Respondeu Christine.

"Ele lhe deu aulas de canto durante meses. Não há nada que você queira perguntar a ele?" Choramingou Samantha.

Silêncio.

"Christine!"

"Bem... Eu gostaria de saber quem o ensinou a cantar." Respondeu Christine timidamente.

"Boa! Vou perguntar isso!" Disse Samantha animadamente.

Ela apressou o passo para ficar ao lado de Erik.

"Hum... Erik?" Disse ela timidamente.

Erik não olhou para ela, mas respondeu:

"Sim, Christine."

Os lábios de Samantha estavam quase em carne viva de tanto que ela os mordiscou por causa do nervosismo.

"Posso lhe fazer uma pergunta?"

Erik pareceu pensar um pouco antes de responder.

"Creio que sim, Christine."

Os ombros de Samantha estavam doendo por causa da tensão. E se Erik se irritar com a pergunta? Ele não parece gostar de falar sobre o passado.

"Eu estive me perguntando durante esses dias. Já que você não é o Anjo da Música, onde você aprendeu a cantar e a tocar tão bem?"

Ela se arrependeu no momento que terminou a pergunta. Erik parou de repente, e por pouco que ela não se chocou com ele. Ela viu suas mãos se fecharem em punhos. Então ela rapidamente acrescentou.

"Se... Se você não quiser responder, realmente não precisa. Eu só fiquei... curiosa."

A postura de Erik suavizou um pouco, mas ele ainda não parecia muito tranquilo.

"Não gosto de mulheres curiosas." Disse ele asperamente.

Samantha continuou em silencio, mas ela estava mordendo a língua para não dar uma resposta. Ah! Se ela estivesse no seu corpo...

Erik pareceu tomar consciência da sua postura exageradamente agressiva perante a uma pergunta tão simples. Então ele respondeu simplesmente.

"Estive em tantos lugares que creio não poder determinar com certeza onde e como desenvolvi meus talentos. Acho que aprendi um pouco em cada lugar."

Samantha sorriu para ele.

"Acho que você deve ter muitas histórias incríveis para contar." Disse ela alegremente.

"Acho que devo ter algumas." Respondeu Erik com delicadeza.

"Adoraria ouvi-las um dia." Respondeu Samantha.

"Um dia... Talvez." Disse Erik.

Samantha se agarrou novamente no braço dele. E Erik pareceu confuso novamente com esse gesto.

"Você não parecia bem hoje. Tem alguma coisa errada?" Perguntou Samantha se surpreendendo com a sua ousadia. Em um momento ela estava muda perante ele e agora ela já estava questionando seus sentimentos.

Erik respondeu sem parar de andar.

"Às vezes a minha mente é confusa, Christine. Nem eu mesmo consigo me entender." Disse Erik num tom que parecia tentar ser divertido.

Samantha riu um pouco.

"Senti sua falta." Disse ela lentamente.

"Minhas desculpas." Respondeu Erik.

Samantha sorriu para ele. E eles continuaram a caminhada.

Passou-se cinco dias desde essa primeira caminhada. Erik a conduziu pela galeria de túneis até chegarem ao lago que separava uma das entradas da sua casa da grade da Rua Scribe. Esse passeio se repetiu todos os dias e às vezes ele a colocava na sua barca e atravessava o lago ou eles ficavam no meio das suas aguas negras como petróleo.

Samantha passava as noites planejando as suas conversas com Erik durante esses passeios. Ela havia tomado à resolução de que ela deveria evitar fazer perguntas muito pessoais a Erik. Seus assuntos variavam entre os planos para a carreira de Christine quando ela se tornasse a Prima Donna e até pequenas fofocas de bastidores, nas quais a ajuda da verdadeira Christine foi muito útil.

Christine parece ter decidido que iria ajudar Samantha na sua farsa. Ela se tornou de repente totalmente prestativa, ela dava dicas sobre como ela deveria se comportar, como se vestir e até como cantar. Samantha estava se tornando totalmente dependente de sua parceira de corpo.

Tudo estava correndo tranquilamente com Erik. Samantha parecia estar conseguindo curar o espirito deprimido e turbulento dele. E Erik por sua vez estava revelando uma pessoa bem sensata e normal. Ele era delicado, sensível e atencioso. Ele conduzia suas aulas de canto com uma calma e paciência que surpreendeu ambas, Samantha e Christine, essa por sua vez comentava que nunca tinha visto Erik tão paciente com os progressos lentos de Samantha.

"Talvez você esteja certa." Samantha ouviu Christine dizer momentos antes de cair no sono.

"Eu sempre estou certa." Murmurou Samantha.

É incrível como algo maravilhoso pode se tornar terrível em tão pouco tempo.

Samantha ainda não estava pronta para enfrentar o outro lado da vida de Christine.

Samantha não estava pronta para ele.

Raoul de Chagny.


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