How Could This Happen To Me? escrita por Emmy Tott


Capítulo 24
O anjo


Notas iniciais do capítulo

Sei que ninguém mais lê essa história, mas fiquei tão feliz que a categoria de bandas tenha voltado que é inevitável voltar a postar. Finalmente vou poder dar um fim para essa história que, apesar de ter consciência de seus desvios narrativos, me presenteou com tantas alegrias. ♥



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Já fazia duas semanas. Duas semanas inteiras que David suportava aquele lugar, e suas perspectivas não eram nada boas. O odor fétido já impregnava em seu corpo, sem chances de ser eliminado pelo banho coletivo a que era submetido todos os dias. A convivência com os outros presos estava longe de melhorar. Mesmo ficando calado a maior parte do tempo, sempre havia alguém para xingá-lo e lhe dizer o quanto era fraco e fresco. Não raras vezes, era ameaçado de morte se não sucumbisse às suas vontades. Seu único vislumbre de alegria era quando Seb e Jeff iam o visitar, sempre trazendo coisas de casa e a promessa de que logo ele estaria fora dali. Eram bons amigos.

Naquele dia, porém, após o pequeno passeio diurno ao sol, David estava desolado. Há três dias não recebia notícia nenhuma do lado de fora. Três dias isolado naquela ilha de horrores. E três dias era algo infinitamente doloroso para alguém que passava cada minuto do seu tempo à espreita, buscando desesperadamente manter acessa a chama da esperança. A cada manhã que ele abria os olhos para aquela cela minúscula e inóspita, pensava que era um milagre ainda estar vivo. Mas não naquele dia. Naquele dia a volta para a cela fora uma tortura. David sentia a esperança lhe escapar por entre os dedos, e o ranger das grades se trancando às suas costas apenas piorou tudo.

David se deixou cair sobre aquilo que os outros detentos chamavam de cama e não pôde mais segurar as lágrimas. Elas lhe caíam sobre a face por mais que ele as forçasse para dentro, porque naquela manhã algo que ele tentava ansiosamente evitar tornou-se evidente: não havia nada para David Desrosiers. Nunca mais poderia haver nada para ele, porque sua carreira estava destruída. Quando saísse dali, David não teria para onde correr, todos correriam dele como um inseto, todos o abandonariam, afinal, seria um ex-detento, e apenas o peso daquela palavra bastaria para que todas as portas se fechassem para ele.

–Olha lá, o frutinha tá chorando! – disparou um dos presos, caindo na gargalhada. David dividia a cela com três deles.

–Não fale assim, deve ser horrível pra ele estar aqui, não é? Eu nem posso imaginar como uma criaturinha dessas consegue viver em um mundo tão injusto – ridicularizou o outro, com a voz propositalmente melosa.

–Por favor, me deixem em paz – David conseguiu dizer entre soluços.

–Ôô, ele quer que o deixemos em paz! – disse o terceiro, o mais assustador deles. – Que foi, não quer dividir o seu sofrimento conosco, frutinha?

–Nós podemos aliviar sua dor – sussurrou o primeiro, em um tom que deixou David em alerta. – Não quer nos dizer o que houve?

–P-por favor!

–Ou... Podemos cuidar para que ela se torne ainda pior! – riu o terceiro, incentivando os outros com o olhar selvagem.

David se encolheu instintivamente, mas eles já haviam decidido que fazê-lo sofrer seria o divertimento do dia. David tapou os olhos, então não pôde ver quem o atirou ao chão. O primeiro chute lhe acertou a boca do estômago, fazendo com que David se contorcesse, soltando um grito involuntário de dor.

–Por favor, parem – gemia ele sem parar, mas quanto mais ele pedia, mais eles o acertavam com vigor.

Os presos das outras celas logo se atiçaram também, fazendo uma barulheira infernal para ver quem conseguiria o melhor ângulo.

–Como está sua dor agora, frutinha?

–Se sente melhor, frutinha?

–Responda, frutinha! – enfezou-se um deles, lhe acertando com força na cabeça.

–Parem... – David ainda conseguiu murmurar antes que ficasse tonto.

Fora acertado várias vezes, no estômago, nas costelas e entre as coxas. Quando ele já pensava que morreria ali mesmo, um apito estridente se fez ouvir, castigando seus ouvidos.

–Que bagunça é essa aqui? – urrou um policial, fazendo os agressores cessarem no mesmo instante. Um silêncio gutural se instalou até que ele localizasse o cerne do problema.

–Alguém pode me explicar o que está acontecendo? – gritou ele, com autoridade na voz.

–Acho que nosso amigo não está passando bem – falou um deles descaradamente.

O policial examinou David caído ao chão, ainda se contorcendo de dor, mas as palavras seguintes não foram nem um pouco reconfortantes:

–Levante-se, homem!

David apenas rolou para que pudesse olhá-lo de baixo.

–Ande, recomponha-se, você tem visitas – tornou ele elevando a voz para um tom mais inquisidor.

David ainda não sabia se queria que alguém o visse no estado em que se encontrava, mas a perspectiva de sair daquela cela, ainda que por pouco tempo, o fez se obrigar a ficar de pé. Cada parte do seu corpo doía quando ele andava, mas ele não ligou, só queria se afastar. Não teve coragem de olhar para os detentos quando passou através da grade recém-aberta.

Ele caminhava com dificuldades e o policial que o levava por vezes dava puxões em sua algema para fazê-lo andar mais rápido, sem se importar com a violência recém-sofrida pelo preso. Quando David finalmente chegou até a sala de visitas, jogou-se na cadeira a sua frente e só então ergueu os olhos para ver de quem se tratava o seu visitante. Esperava que fosse Seb, Jeff, ou talvez o seu advogado, mas surpreendeu-se ao perceber quem realmente estava ali.

–Bel!? – exclamou ele, mal acreditando que a imagem da garota refletida atrás do vidro sobre a mesa fosse mesmo a dela.

Bel o observava com olhos torturados, a preocupação estampada em sua face. Com as mãos trêmulas, pegou o fone à sua frente e posicionou o bocal para que pudesse falar com David. Ele, por sua vez, demorou algum tempo até fazer o mesmo. Ainda estava paralisado pela surpresa daquela visita inesperada.

–David, o que foi que fizeram com você? – lamentou ela assim que ele pôde ouvi-la.

–O que está fazendo aqui, Bel? – perguntou ele, ignorando seu questionamento anterior. – A cadeia não é lugar para uma moça como você.

–Nem para você e, no entanto, é aqui que está – retrucou ela. – E vim porque queria te ver. Na verdade estava querendo vir aqui desde quando te vi na televisão, mas só agora tive coragem.

–Pois não deveria ter vindo – recriminou-a David. – Esqueça isso, quero vá embora agora.

–Não pode me mandar embora assim, David Desrosiers – tornou ela, decidida. – Não saio daqui enquanto não souber como você está.

David olhou para si mesmo e um sorriso sombrio se desenhou em sua face.

–Eu estou horrível, como pode ver. Só não estou entendendo o que você está fazendo aqui depois de tudo o que houve.

Bel olhou profundamente em seus olhos e novamente ele sentiu aquele calor de conforto que sempre sentia quando estava em sua presença.

–Eu pensei em você aqui, sozinho, nesse lugar horrível, e simplesmente não consegui não me importar porque não acredito que isso seja verdade. Aquela droga não era sua, era?

–Não, não era – respondeu ele devagar, abaixando os olhos. – Mas fui pego em flagrante e ninguém vai acreditar que alguém plantou aquela cocaína nas minhas coisas sem que eu soubesse.

–Tenha fé – pediu ela – não perca as esperanças, Jeff e Seb estão trabalhando duro para te tirar daqui, eles disseram que seu advogado vai entrar com um pedido de habeas corpus. Logo poderá sair daqui e responder ao processo em liberdade.

–Isso não importa, Bel. Não tem nada pra mim lá fora, sou um condenado. Perdi meus amigos, minha banda, minha imagem. Perdi você...

Bel o olhava com olhos apertados. Seu sofrimento a afetava fatalmente.

–David... – tentou articular, escolhendo as palavras devagar. – Não fique assim... Eu estou aqui por você...

Só então David ergueu os olhos, encontrando-se com os dela.

–Isso significa que você me perdoou? Que finalmente percebeu o quanto eu me arrependi e que gosto de você de verdade? Que faria de tudo para reverter o que te fiz passar?

Suas palavras eram profundas e sinceras, e Bel não pôde fazer nada além de aquiescer lentamente.

–Sim, David. Sei que você não é uma má pessoa, que apenas se deixou levar pelo Chuck. Você provou isso quando contou toda a verdade para Pierre.

David então sorriu com alegria pela primeira vez desde que chegara.

–Não sabe o quanto me faz feliz em ouvir isso. Eu te amo, Bel...

A vontade de David era de quebrar aquele vidro a sua frente e agarrar Bel ali mesmo, para nunca mais deixa-la escapar. Mas como não podia, inclinou o tronco para frente para ficar mais próximo dela e tocou o vidro com a palma da mão.

–Eu também te amo, Dave...

Bel sorriu para ele, tocando no vidro onde David também tocava, como se assim pudesse tocar sua pele, e por um momento, apesar do gelado do vidro entre eles, David pôde sentir o calor daquele toque.

–Você vai esperar por mim? – disse ele com as esperanças renovadas. – Diga que sim e terei forças para aguentar o que for aqui dentro, só pra ficar com você!

Bel o olhava com intensidade.

–Eu esperarei! Por você, eu esperaria para sempre.

Por um momento, suas cabeças se aproximaram quase até tocar no vidro, ambos mergulhados na onda de carinho e afeto que lhes invadia, até que uma mão intrometida puxou o fone de David violentamente, o colocando de volta ao gancho sem mais nem menos. Era o mesmo policial truculento que levara David até ali.

–O horário da visita acabou – informou ele simplesmente, puxando as algemas de David para cima, o obrigando a se levantar.

–Vamos logo, não tenho todo o tempo do mundo! – ia dizendo ele enquanto empurrava o prisioneiro de volta a sua cela.

David deu uma última olhada para trás, tentando gravar a imagem de Bel em sua mente. Sentia-se anestesiado, mal podendo sentir as dores em seu corpo. A visita de Bel havia lhe dado um novo motivo para viver e ele iria se agarrar a ela com unhas e dentes. Ao ser trancafiado novamente em sua cela, ninguém conseguiu entender de onde vinha aquele sorriso de felicidade. Eles não sabiam que David tinha um anjo.

***

Ao entrar pela porta de casa, ainda muito emocionada pela visita na cadeia, Bel deparou-se com a figura de Peggy parada junto ao pé da escada. Seu olhar era de reprovação.

–Onde é que você esteve, Bel? – quis saber ela.

–Olá pra você também – disse a outra enquanto fechava a porta e tirava seu casaco, pendurando-o no mancebo.

–Não mude de assunto!

–Fui visitar David – ela se viu obrigada a dizer.

–Eu sabia! – acusou Peggy, recriminando-a. – Sabia que não ia se conformar enquanto não fosse até lá! Você ficou louca? A cadeia não é lugar para uma moça como você!

–É, foi o que ele me disse também...

–Ele disse? – surpreendeu-se Peggy. – Pois então você deveria ouvi-lo!

–Acontece que eu precisava ir até lá, está bem? Tinha que prestar minha solidariedade a ele e mostrar que estou do seu lado. Se você visse como ele está deprimido e maltratado, Peggy, é tão triste...

Peggy suspirou, cansada. Bel tinha sua própria maneira de ver as coisas e não adiantava discutir com a amiga sabendo-se do quão teimosa era.

–Certo, mas enquanto você estava lá, visitando David, sua mãe ligou.

–Minha mãe? – surpreendeu-se Bel, instintivamente colocando a mão no bolso em levava seu celular. – O que é que ela queria? Meu celular acabou a bateria...

–Ela está muito preocupada com você, eu acho melhor retornar a ligação.

Bel olhou para Peggy com medo. A amiga havia conhecido seus pais quando esteve nos Estados Unidos e sabia o quanto eles eram superprotetores. Será que o motivo de tanta preocupação tinha alguma relação com David?

–Ela não disse sobre o que se tratava?

–Peggy negou com a cabeça.

–É melhor ligar logo – aconselhou ela.

Ela não precisou falar duas vezes. Bel pegou o telefone e discou os números devagar. Prendeu a respiração e esperou a ligação completar. Porém, o aparelho mal tinha tocado duas vezes quando uma voz feminina e estridente se fez ouvir.

–Oi mãe, Peggy me disse que você tinha ligado... – começou ela, olhando para a amiga à sua frente.

Peggy, por sua vez, sentou-se ao sofá, acariciando sua barriga enquanto observava a conversa de Bel. As expressões que ela fazia enquanto ouvia a mãe não eram nada boas. A garota ficou parada apenas ouvindo, e quando tentava protestar ou explicar algo, era cortada pela pessoa do outro lado da linha.

–Mas mãe, isso é um absurdo, as coisas não são bem assim...

Outro corte. Bel agora segurava o fio do telefone com força, quase o arrancando do aparelho.

–Vocês não podem fazer isso, é a minha vida! – dizia ela, totalmente revoltada.

Quando finalmente terminou, bateu com o fone no gancho de forma violenta. Suas mãos tremiam de raiva e ela teve que sentar para tentar se recompor.

–E então, o que foi isso? – quis saber Peggy.

–O que foi isso? – retrucou Bel, enfurecida. – Foi que eles enlouqueceram! Ficaram sabendo da prisão do David e me proibiram de falar com ele novamente. Disseram que não querem me ver envolvida com um bandido e que estão vindo pra cá para me levar embora de qualquer jeito.

–O que? Te levar embora? Tudo bem que eu também tenha minhas reservas quanto a David, mas daí a te levar embora e prejudicar sua educação? Eles não pensam no seu futuro?

–Pois é, foi o que eu disse! – desesperou-se Bel. – Mas eles estão irredutíveis. Decerto preferem que eu passe o resto dos dias trancada dentro de casa a correr os perigos da vida.

–Eles não podem fazer isso – revoltou-se Peggy.

–Eles podem sim, eu sou menor de idade. Podem fazer tudo o que quiserem e eu terei que obedecê-los cegamente!

–Acalme-se, Bel – tentou consolá-la Peggy. – Deve haver algum jeito para reverter essa situação.

–Que jeito? Não tem jeito...

–Vamos pensar em alguma coisa, está bem? Eles não podem simplesmente te levar assim.

–Certo... – tornou Bel, desconsolada.

Apesar da boa vontade da amiga, sabia que não havia nada que pudesse ser feito para convencer seus pais a mudarem de ideia. Estava perdida, voltaria para os Estados Unidos e perderia David para sempre. Ao pensar nele, sentia um aperto no coração. Logo agora que eles haviam se acertado. Logo agora que ela lhe prometera esperar por ele pelo tempo que fosse. Bel não queria nem pensar no que David faria quando soubesse que ela não iria cumprir a sua promessa.


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