No som da escuridão escrita por Aquila Aria


Capítulo 2
Confusão




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O treino foi bem rápido, durou menos de duas horas. A vadia e suas galinhas não nos perturbaram muito, apenas nos “elogiaram” um pouco e depois foram treinar quietas. Clara estava empolgada demais para o jantar e nem mesmo se deu o trabalho de se estressar com as provocações de Luiza. Passamos na casa de Clara logo depois do treino, pegamos o pudim de leite condensado que o tio Lucas, um de seus pais, fez e fomos direto para a minha casa.

   Depois entregar o pudim nas mãos de Mila, subimos para nos arrumarmos. Clara começou a espalhar as roupas que havia pegado em seu closet em minha cama e começamos a provar todas elas.

   - Não é um jantar formal. – Falei. – Talvez calça jeans resolva. – Joguei uma calça jeans escura pra ela.

   - Não! E nada de vestidão também. Acho que vou usar aquele seu vestido florido. – Ela levantou e caminhou até o closet.

   - Pode ser. Então vou usar o preto.

   - Qual? – Ela voltou com o vestido nas mãos.

   - Aquele com renda nas costas. Você o trouxe, não é? – Comecei a jogar as roupas para o auto para encontrar o vestido preto no meio da confusão de panos.

   - Claro que trouxe. Mas, amiga, não vai bancar a gótica no jantar, hein. – Ela puxou o vestido de dentro da bolsa e o jogou para mim.

   - Só se você não bancar a primavera ambulante com o vestido florido.

   Ela riu e jogou um travesseiro em mim.

   Nos arrumamos e descemos para ajudar Mila a organizar a mesa de jantar. Minha mãe chegou dez minutos depois e foi direto para a sala de jantar. Ela encostou-se à parede e sorriu com seu famoso sorriso de “tenho algo não muito legal para dizer”.

   - O que foi? – Perguntei.

   - Infelizmente, nosso vizinho não vai poder vir, pois houve um acidente em sua empresa e ele teve que ir resolver com urgência.

   - Empresa?— Clara pareceu surpresa.

   - É. Mas não precisam se preocupar, ainda vamos jantar em família. Chamei seus pais para vir jantar conosco hoje de manhã, Clara. – Mamãe desencostou da parede com sua elegância natural. – Vou me arrumar e já desço para acompanhar as duas meninas lindas.

   Assim que mamãe desapareceu no final do corredor, Clara se virou para mim com sua cara de frustração e disse:

   - Acho que ele se assustou com sua cara feia ontem.

   Soquei o braço dela e rebati:

   - Ou desistiu de vir ao descobrir que você estaria aqui.

   - Bom, não importa. Ele não vai escapar de nós tão facilmente.

   O jantar foi perfeito. A família estava toda unida e se divertindo. Lucas e Thiago, os pais de Clara, chegaram junto dois minutos antes de o meu pai voltar do escritório e trouxeram vinho para melhorar a festa dos “verdadeiros adultos”. Meus pais eram muito amigos dos pais de Clara e sempre se reuniam para conversar sobre todo assunto que eles julgavam interessante.

   Thiago, o melhor piadista que eu conhecia, fez todos rirem até a barriga doer depois do jantar. Minha mãe contou sobre suas viagens até a fazenda dos meus avós e como era incrível andar a cavalo todos os dias. Todos se divertiram muito e no final, quando o relógio já acusava 3h da manhã, os pais de Clara foram embora depois de abraçarem calorosamente sua filha e a mim. Eu e minha amiga só fomos dormir uma hora depois, bêbadas de sono e cansaço.

   - Áquila! – Acordei com o grito de Clara.

   - O que foi? Deixa de ser chata. – Resmunguei.

   - Nosso último treino é daqui á uma hora! O jogo é hoje, menina! – Ela me sacudiu.

   - São que horas?

   - Duas horas da tarde!

   - O quê? – Levantei rapidamente. – Por que não me acordou antes?

   - Porque eu só acordei agora também, Áquila.

   - Temos que nos arrumar agora!

   De repente uma batida na porta e a voz do meu pai perguntando se podia entrar nos chamou atenção. Dissemos que sim então ele entrou, já arrumado com terno.

   - Bom, vim avisar que vou encontrar vocês no estádio e desejar sorte, mesmo sabendo que vocês não precisam. – Meu pai nunca perdia nenhum jogo de vôlei meu.

   - Está bem, obrigada, papai. – Sorri. – Não se esqueça dos ingressos.

   - Já estão comigo. – Ele tirou os ingressos de dentro do terno e depois os colocou de volta. – Estou indo lá, meninas. Amo vocês.

   - Também te amamos! – Respondemos juntas antes de acenar para ele.

   Nos vestimos e almoçamos em menos de quarenta minutos e então pegamos o carro para ir para o treino.

   - Não esqueceu nada, não é mesmo? – Perguntou Clara.

   - Claro que não, Clara. – Brinquei.

   - Palhaça. – Ela fez uma careta e abriu a bolsa sobre seu colo. – Meus pais estão empolgados com o jogo. Eles me ligaram antes de sairmos e mandaram um abraço pra você.

   - Como eu os amo... – Falei enquanto estacionava o carro no estacionamento do estádio. 

   Treinamos por 3h e então os treinadores nos deram os últimos recados, incentivos e dicas para o jogo, que começava às 7h da noite, dali à uma hora. Fomos para o vestiário para nos preparar assim que abriram os portões para os torcedores.

   - Estou um pouco nervosa. – Comentei.

   - Vamos ganhar esse jogo de 3 á 0, você vai ver. – Respondeu Clara.

   - Espero que s... – Ouvi meu celular tocar dentro da bolsa ao meu lado e o peguei. – Mensagem do Rick.

   Quando abri o chat do meu irmão, me deparei com a seguinte mensagem:

   “Preciso de ajuda! Depois explico. Só vem para esse endereço, por favor. Eles querem me matar”.

   No final da mensagem estava o endereço “Rua Alberth B. n° 7”

   Um frio percorreu por toda a minha espinha e meu coração acelerou.

   - Clara, o Rick precisa de ajuda! – Levantei com um salto. – Eu tenho que ir.

   - Áquila, o jogo vai começar daqui a pouco. – Ela me olhou nervosa.

   - Olha, - Entreguei o celular a ela enquanto me preparava para sair correndo até o carro. – eu tenho que ir ajudá-lo. Você fica aqui e enrola os treinadores.

   - Como? – Ela me entregou o celular.

   - Não sei, só faz alguma coisa. Preciso ir, mas se eu não voltar em uma hora você dá um jeito de falar com meus pais. – Abracei minha amiga.

   - Toma cuidado!

   Assenti antes de virar e sair correndo do vestiário tentando não ser notada.

   Eu dirigi tão rápido que até me assustei com a velocidade em que ultrapassei outros carros nas ruas. Demorei dez minutos para chegar no lugar e conseguir encontrar uma alma viva andando na rua. Pedi informação para uma moa que caminhava com algumas bolsas na rua sinistra e ela me disse que o endereço que eu procurava era uma casa que ficava em um beco no final da rua. Agradeci, estacionei o carro próximo ao beco e fui andando até a tal casa.

   Estava tudo quieto, quase não havia iluminação no lugar e ninguém andando por perto. Não estava tão tarde assim para que todos estivessem dormindo. Entrei no beco estreito morrendo de medo, mas sendo encorajada pelo fato de que meu irmão estava em perigo. Quando eu estava perto de uma pequena casa com paredes de tijolos podres, o som de passos nas possas acumuladas no chão me chamou a atenção. Virei-me imediatamente, preparada para puxar o spray de pimenta, mas não havia ninguém atrás de mim.

   - Não pode ser uma assombração... – Sussurrei. – Ai, Rick, se eu morrer, volto pra levar você junto.

   De repente uma risada horrendamente alta ecoou pelo beco e quase fez minhas calças ficarem molhadas. Me encolhi e puxei o spray de dentro da bolsa. Havia uma pessoa vindo na minha direção lentamente. Eu só conseguia ver uma silhueta, mas não queria saber de quem era, só queria sair daquele lugar fedorento.

   - Quem está aí? – Gritei. É claro que eu estava fingindo ser corajosa.

   - A sua maior fã. – A pessoa respondeu. Foi então que tive certeza de que eu conhecia aquela voz.

   - Luiza? – Dei um passo á frente. – O que faz aqui?

   - Vim acertar contas... – Agora eu conseguia ver seu rosto. Ela estava vestida com o uniforme do time de vôlei, mas havia algo em sua mão. Uma faca.

   - Eh... Oi? – Comecei a me afastar conforme ela se aproximava, mas ouvi pessoas se aproximando pelas minhas costas. Eram as outras meninas, seguidora da galinha rainha, saindo da casa abandonada. – Luiza, onde está o meu irmão? O que você fez com ele?!

   - Fica calminha, querida. Eu não sei onde seu irmão está, pois eu não o peguei, apenas seu celular. E você caiu na armadilha facilmente. Agora é você quem está em perigo.

   - Por que você está fazendo isso? O que eu fiz com você? – Eu não sabia se corria ou se tentava tacar a lata se spray na cabeça daquela vadia covarde.

   - Nasceu. – Uma expressão sombria tomou contra de seu rosto pálido.  – E eu não vou permitir que continue viva. – Ela sorriu.

   Naquele momento meu coração pareceu apertar e um desespero enorme tomou conta de mim. Ela é louca, pensei. Eu estava entrando em desespero quando levei um chute forte nos joelhos e caí com tudo no chão. Uma das três meninas havia me chutado e agora estava sobre mim tentando atar minhas mãos com uma corda fedorenta. Me debati o suficiente para jogar a garota no chão e tirá-la de cima de mim. Levantei rapidamente e peguei minha bolsa, já com o spray na mão.

   - Fiquem longe de mim! – Gritei.

   - Não perdoem! – Luiza ordenou e todas as suas galinhas vieram para cima de mim.

   Soquei o rosto de uma que tentou me segurar por trás e arranhei o braço de outra que puxou meu cabelo. Mesmo que eu conseguisse, e soubesse, lutar muito melhor que elas, estava em menor número e meus joelhos estavam sangrando e doendo devido ao impacto da queda. A menina de olhos azuis, Victória, me cortou com um canivete, bem na altura do umbigo. Gritei e soquei-lhe o rosto com toda a minha força. Ela caiu no chão como um saco de batatas, o que fez Luiza gritar de ódio e ordenar que as outras me espancassem.

   Levei vários chutes e socos antes de conseguir pegar o spray que caíra de minhas mãos e jorrar pimenta na cara delas. Mas ainda sim não deu muito certo, pois eu fui parar de cara no chão depois de ter levado uma garrafada na cabeça. Estava quase perdendo a consciência. Duas meninas me puxaram pelos braços, me fazendo ficar de joelhos enquanto eu tentava recuperar o fôlego. Eu só conseguia ouvir as vozes gritando comigo, mas não conseguia entender direito o que elas estavam dizendo.

   Vi Luiza se aproximar com um sorriso no rosto, não um sorriso normal. Ela parecia estar possuída, seus olhos estavam com um ar sombrio. Ela levantou a faca e falou alguma coisa antes de gargalhar e olhar fixamente em meus olhos. Meu coração disparou.

   Meu sangue ferveu intensamente. Eu podia sentir as ondas de calor fluindo como se quisessem explodir, afastar aquele mal que queria me devorar. Meu corpo inteira começou a irradiar luz e a queimar, não de uma forma ruim. O fogo me fazia bem.

   - Saia de perto de mim! – Gritei quando a luz explodiu e fez todas aquelas que me rodeavam serem jogadas para longe.

   Todas estavam pegando fogo e gritando desesperadamente. Começaram a rolar pelo chão molhado até conseguirem apagar as chamas de seus corpos. Eu estava em pânico. Minhas mãos tremiam, minhas pernas tremiam e meu coração batia tão forte que achei que ele fosse sair de meu peito. Caí no chão, tentando respirar, mas faltava ar no mundo.

   Vi as garotas saírem se arrastando para longe e Luiza olhar para mim com ódio. Ela parou na esquina do beco e me encarou por alguns segundos, seus cabelos queimados, assim como suas roupas e sua pele. Eu pude ver em seu rosto a raiva incontrolável que ela sentia. Antes de virar e desaparecer nas sombras essa sussurrou:

   - A escuridão não vai lhe perdoar... – Era como se ela tivesse sussurrado ao pé do meu ouvido. Mas ela estava longe o suficiente para que eu não pudesse ouvi-la.

   Assim que tive certeza de que nenhuma delas estava ali ainda, desabei no chão e deixei as lágrimas molharem meus ferimentos enquanto eu soluçava forte. Me arrastei até minha bolsa e peguei o celular dentro dela. A tela estava rachada e minha bolsa estava encharcada de lama. Havia vinte e três ligações não atendidas dos meus pais. Liguei para o celular do meu pai e me encolhi no canto do beco esperando ele atender no segundo toque.

   - Áquila! Onde você está? – Ele parecia muito preocupado.

   - Pai... – Sussurrei entre soluços. – Por favor, vem me buscar.


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Notas finais do capítulo

Quero me desculpar pela demora. Espero que gostem ♥



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