Unnatural Rosemary escrita por A Borralheira


Capítulo 3
Capítulo II - Babe I'm Gonna Leave You




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1 – The One You’ve Been Wainting For

No momento em que Rose abaixou sua arma, ouviu-se uma batida na porta. Ela, Sam e Dean trocaram olhares assustados, ainda sobressaltados pelo que havia acontecido. Rose guardou a arma na gaveta e contornou a mesa, ajeitando os cabelos e o sobretudo azul. 

Ao colocar as mãos na maçaneta, suspirou bem fundo. Antes de abrir, fez sinal para que Dean guardasse a arma que ainda estava apontada em sua direção. Ele obedeceu.

Na soleira da porta, encontravam-se duas senhoras, com 72 e 80 anos respectivamente. Eram Adrienne Laforet e Anne-Marie Chermont. Duas grandes historiadoras francesas a quem Rose devotava tanto admiração quanto amizade. 

Bonjour, Adrienne. Bonjour Marie. Faites-vous un bon voyage?

Como se os últimos minutos não tivessem existido, Rosemary falava com desenvoltura, simpatia e tranquilidade. 

Je suis en réunion maintenant. Tu dois arriver tôt.

Adrienne e Anne-Marie riram e responderam algo com a voz enrolada em um francês nativo e pouco perceptível.

Pouvez-vous  attendre seulement cinq minutes s'il vous plaît? Daisy vous servira un thé ou un café.

— Adrienne e Anne-Marie riram novamente e acompanharam uma universitária de vinte e poucos anos, para quem Rose tinha feito sinal.

— Como diabos você conhece nosso pai?! — Perguntou um atordoado Dean, assim que Rosemary fechou a porta.

— Nós não podermos ter essa conversa aqui. É muito arriscado — disse Rosemary, enquanto contornava outra vez sua escrivaninha, puxando um pedaço de papel para si.

— Professora, nós precisamos saber sobre o caso – interveio Sam, fiel ao seu objetivo. 

— E irão. Encontrem-me em minha casa às 14h. — Rosemary entregou para Sam um pequeno bilhete de papel rabiscado em tinta azul — E não esqueçam isso aqui. Sinto calafrios só de pensar o que aconteceria se um desses ratos do meu departamento colocasse as mãos nisso — Complementou Rose, entregando a Dean os quatro pequenos papéis, as quatro pequenas pistas do caso.

Enquanto Rosemary acompanhava os rapazes até a porta, um pensamento irrequieto perturbava sua mente. Queria fazer uma pergunta, embora temesse a resposta. Era como se um fantasma se materializasse em sua frente. Um fantasma que há muito estava adormecido. 

Percebeu, tarde demais, que já tinha visto os olhos verdes de Sam e o queixo rígido de Dean. Já tinha visto a forma de andar que os irmãos compartilhavam. Porque ele não estava aqui?  

— Esperem. Eu tenho que perguntar...Por onde anda o John?

Pararam de supetão. Sam suspirou fundo e desviou o olhar para o chão, como sempre fazia quando estava desconfortável ou sentindo compaixão de alguém. Dean ergueu um pouco o queixo, nivelando seus olhos com os de Rosemary. Por uma breve fração de segundos ele penetrou aqueles olhos castanhos que, agora tomados de inocência e apreensão, aguardavam uma resposta sincera e direta.

Dean então desviou o olhar e saiu, seguido de perto por Sammy, deixando Rosemary com os olhos marejados e  vazios enquanto observava os Winchesters se distanciarem corredor afora.

Ao chegar o pátio, Sam quebrou o silêncio:

— O que diabos aconteceu aqui?

Os olhos de Dean estavam perdidos de cólera. Ele não respondeu.

2 – There Will Be Blood

 Tinha acabado de sair do trabalho quando recebeu uma ligação de sua namorada. Jess e alguns amigos iriam ao RockFeller Roof para comemorar o aniversário de Brian.

O dia havia sido muito cansativo, mas não trabalharia na manhã seguinte, então achou que seria uma boa ideia prestigiar o amigo. Além do mais, adorava o Pub em estilo irlandês que ficava no centro da cidade, onde você poderia ouvir ótimas músicas e desfrutar dos melhores drinks, ou simplesmente se embebedar e agitar o karaokê. 

Apesar do estilo irlandês, o RockFeller Roof pertencia a um casal de brasileiros. Ela adorava quando eles estavam por lá. Achava-os divertidos, atenciosos e gostava de conversar com eles em português. Tinha passado pouco mais de um ano em Portugal e, embora as maneiras de falar fossem pouco parecidas, desenrolava muito bem um português com sotaque americano, enquanto Felipe e Rebeca falavam no que eles chamavam de “língua brasileira”. Decidiu então que passaria em casa antes de encontrar Jéssica no Pub. 

Cloe fazia parte do underground da cidade, com um estilo alternativo e inquietante. Usava os cabelos trançados simulando dreadlocks e tinha uma pontilhada tatuagem de cervo no braço esquerdo. Mudara-se para o Kansas para tomar conta de sua mãe que estava doente. Ficara extremamente feliz de encontrar pessoas compatíveis com seu estilo de vida e modo de pensar na monótona cidade de Pittsburg. Andava saindo com Jéssica a pouco mais de um mês e estava mais envolvida com ela a cada dia. As duas se conheceram através de Brian em um evento de bandas alternativas. Quando foram para a cama pela primeira vez, Cloe soube que seria fácil se viciar em Jéssica e difícil se desgrudar dela.

Subiu as escadas para o quarto e separou a roupa que iria usar. Abriu o chuveiro, deixou a água cair enquanto se despia. Com o vapor quente, o espelho do banheiro ficou rapidamente embaçado. Cloe entrou no box e passou as mãos nos cabelos, empurrando a água para trás. Torceu o pescoço para um lado e para o outro, deixando a água quente massagear seus músculos. Estava cansada. Depois de alguns minutos, desligou o chuveiro e puxou a toalha branca que estava pendurada próxima ao box. Com a mão esquerda, retirou o embaçado que estava no espelho e teve a sensação de ver algo parado atrás de si. Tomou um grande susto. Virou. Não havia nada ali.  

3 – Shaddow

Quando Cloe chegou ao Pub estava tocando “Hey You” do Bachman-Turner Overdrive, uma de suas preferidas. Olhou para a parede cheia de pôsteres e fotos que ficava num canto do RockFeller Roof. Era lá que ficava sabendo dos melhores eventos de música da região. Um pôster novo tinha sido adicionado à parede: “CPU – VENHA CONHECER”. Cloe riu da possibilidade de “CPU” ser o nome de uma banda.

Enquanto o sha la la la ecoava no ambiente, Cloe andou em direção a Jess e Brian que estavam virando doses de tequila enquanto cantavam músicas numa língua que eles julgavam ser o espanhol. 

Quando Cloe chegou, Jess, Brian e todos que estavam com eles gritaram. Cloe riu, deu um grande abraço em Brian e sentiu os braços de Jess envolvendo sua cintura. Por um momento, eles estavam em um abraço triplo, então Jess falou: “está bom Brian, já pode soltar minha namorada”. Brian gargalhou e voltou-se para os outros amigos enquanto Jess e Cloe se beijavam.

A noite seguiu divertida e agradável. O grupo de amigos, composto ao todo por sete pessoas, cantava, ria, entornava bebidas. Rebeca e Felipe, os donos do Pub, estavam lá e se juntavam ao bando sempre que podiam. Eles revezavam o karaokê entre si, quase num monopólio. Quando outra pessoa ia cantar, gritavam e aplaudiam, faziam declarações de amor. Estavam bêbados e felizes. Cloe subiu ao palco para cantar “Crazy” do Aerosmith e Jess encenava estar louca de amor por ela, enquanto Cloe sacudia os cabelos e o Pub inteiro, que já tinha virado uma loucura, gritava sem parar. 

Algum tempo mais tarde, Brian foi levado para casa por três amigos. Cloe acompanhou a trupe até a porta e, sentindo-se tonta, foi ao banheiro. Não vomitou. Desejava apenas não ter bebido tanto. Passou um pouco de água fria no rosto e na nuca. Quando voltou, não encontrou Jess na mesa em que estavam. Após esperar um pouco, foi procurá-la. Deparou-se com Jéssica aos beijos com Ruth, uma integrante do grupo que não tinha saído com a comitiva que levara Brian. Cloe sentiu seu estômago embrulhar. Cambaleou até a mesa e pegou sua bolsa. Dirigiu-se para a saída.

Rebeca estava próximo à porta do Pub, recolhendo copos, quando Cloe passou parecendo desnorteada e perdida. “Cloe, você está bem? Vai sair sozinha? Cadê a Jess?” – perguntou em Português. Cloe não respondeu. Fora do Pub, pegou o celular, mas não conseguiu digitar o número do táxi. Seus olhos estavam vidrados. Ficou apoiada com as costas na parede, olhos fechados, cabeça girando. Olhou de novo para o celular. Ainda não era muito tarde, não morava muito longe dali. Decidiu ir andando.

A noite estava agradável e calma. Longe da gritaria do Pub tudo parecia quieto e calmo. Cloe andava com certa dificuldade. Sentiu um vento gélido tocar sua pele e retraiu seu corpo. Ouviam-se, de longe, algumas conversas oriundas das pessoas e dos carros que passavam nas ruas principais. A rua de sua casa, porém, estava deserta. Agradeceu que sua mãe tivesse ido visitar sua tia Debbie e que não a veria nesse estado. Tentava manter Jess longe de sua mente. O flash do que tinha visto doía-lhe a barriga.

A alguns metros de sua casa, ouviu passos atrás de si, mas, ao virar-se, não viu ninguém. Um sobressalto fez com que Cloe levantasse a cabeça e passasse a andar mais depressa: a adrenalina que liberamos quando estamos em perigo. Lembrou-se que, por mais que estivesse agora na rua em que morava, não era seguro para uma mulher andar à noite sozinha.

Chegando à soleira da porta, Cloe parou e tentou achar as chaves dentro da bolsa. De novo ouviu passos. Olhou para trás, viu uma grande sombra negra passar no jardim. Seu coração acelerou, o medo fez suas pernas bambearem.  A adrenalina percorrendo seu sangue. Sentiu-se ainda mais tonta. Suas mãos procuravam desesperadamente encontrar as chaves.

Cloe entrou em casa e, após trancar a porta, subiu as escadas com rapidez. Trancou também as janelas do quarto. Estava tão bêbada ao ponto de ver coisas? Seu coração batia com tanta força que doía. Tudo estava girando. Deitou-se na cama e fechou os olhos. Tentou respirar calmamente. Um cansaço fritante fazia seu corpo parecer morto e pesado. Não queria pensar em Jess (Como ela pôde fazer aquilo?), não queria pensar no vulto que tinha visto (E se aquilo era real?), não queria pensar em nada (Preciso buscar minha mãe amanhã. Porra, Jéssica. E se aquilo entrar aqui?). Sem perceber, adormeceu.

4 - Breakdown

Ao ver que Cloe havia saído sozinha, Rebeca foi ao encontro de Jess. Ouvindo o relato da dona do Pub, o coração de Jéssica apertou. Cloe tinha visto. Caralho, Cloe tinha visto. Jess queria pegar o carro e ir atrás dela, mas estava muito bêbada para dirigir. Chamou um táxi e pediu que ele rodasse por ali. Cloe não podia estar muito longe. Durante alguns minutos, o táxi circulou algumas vezes pelas ruas adjacentes ao centro, em baixa velocidade, até que entrou na rua em que Cloe morava, mas não havia ninguém. Jess tocou a campainha muitas vezes, até que decidiu voltar para a casa e falar com Cloe no dia seguinte. Sentia uma dor horrível no peito. Se ligasse, Cloe iria atender? Precisava pedir perdão. Que porra ela tinha feito?

"Porra, Jéssica. Que porra você fez?”

5 – Heart

Cloe deveria buscar sua mãe na casa de tia Debbie às dez e meia. Como não apareceu, e não atendeu ao telefone, Peter, seu primo, levou sua mãe até sua casa. Ao entrar na sala, notaram um odor estranho, fétido, putrefato. Ambos alarmaram-se. Peter foi abrindo todas as janelas da casa, enquanto a mãe de Cloe chamava pela filha: não houve resposta.

— Deve ter algum bicho morto na calha e Cloe não deve ter dormido aqui – disse a mãe.

Peter subiu as escadas para dar uma olhada na calha que ficava pouco abaixo do peitoril das janelas do segundo andar. Percebeu que o odor, agora insuportável, estava vindo do quarto de Cloe. Entrando no quarto, seu coração parou. O corpo de Cloe jazia em cima da cama que, assim como as paredes, estavam cobertas de sangue. O sangue não era de um vermelho vivo, mas quase da cor de um vinho barato, seco. Os olhos de Cloe estavam abertos e vidrados, boca trancada, a face congelada em um momento de agonia. O que quer que tenha acontecido causara-lhe muita dor. No grande rasgo em seu peito, havia apenas metade de um coração, podre e escuro. Pequenas larvas se alimentavam da putrefação. Enquanto vomitava, Peter desmaiou.

No dia seguinte, a foto de Cloe Will Morrison estava estampada em todos os jornais e noticiários da cidade e do mundo. Nas redes sociais, o assunto chegou a ser o mais comentado. O 'crime hediondo', 'morte brutal' ou 'assassinato bárbaro', como algumas manchetes chamavam, tinha chocado o país. Cloe havia sido encontrada por um primo. Junto ao corpo, metade de um coração em avançado estado de decomposição, incompatível com a data da morte.  O coração estava em análise para saber se era de Cloe ou outra vítima. Jéssica Miller, namorada da vítima, era apontada como principal suspeita e estava sob custódia. Desde que soubera da morte de Cloe, recusara-se a falar, estando agora à base de sedativos. Em uma folha de papel, na sala de interrogatórios, deixara apenas uma frase após a insistência dos policiais: “Eu não posso me desculpar”.

O velho Bobby Singer estava tomando seu café em uma lanchonete em Seattle quando leu essas informações em um jornal. Circulou o nome da vítima e telefonou para Dean.

6 – Weekend at Bobby’s

Bobby Singer estava em West Seattle, próximo à costa, quando ligou para Dean Winchester. Havia muito tempo que Bobby não observava o mar. Naquela manhã, estacionou próximo a um píer e deixou seus olhos pousarem no azul das águas por um momento. Pensou em sua esposa e suspirou. Ela gostaria de estar ali.

West Seattle ficava a muitos quilômetros de Sioux Falls, em Dakota do Sul, onde Singer morava. Geralmente, Bobby tinha uma rota de caçada circular, que não cobria um território muito extenso. Iowa, Nebraska, Kansas, Missouri, Indiana, Wisconsin. Quando um caso aparecia há um pouco mais de distância, Bobby o passava para outros caçadores. Ocasionalmente, Sam e Dean.

Fazia algum tempo que Bobby estava trabalhando mais com consultoria que combate. Tinha um grande acervo de pesquisa do sobrenatural e poucos caçadores comparavam-se a Bobby em questão de conhecimento. Sempre que Sam e Dean estavam com problemas, precisando de um ritual, ou de uma resposta, era a Bobby Singer quem recorriam. E não eram os únicos.

     Jimmy Yellow era um caçador de meia idade, rabugento e bruto. Caçava sozinho e não reagia muito bem quando encontrava outros caçadores, ou com qualquer um que se punha entre ele e sua caça. Apesar do mau temperamento, Jimmy tinha um bom coração e salvara a vida de Bobby alguns anos antes. Naquela semana, Yellow deixara uma mensagem na secretária eletrônica de Bobby, pedindo informações sobre o que ele achava se tratar de um ninho de vampiros que estava se proliferando. Jimmy parecia aflito. Bobby tentou retornar a ligação muitas vezes. Como não obteve resposta, pegou um voo para Seattle. Tinha uma dívida para quitar.

Antes de ir, ligou para o “Harvelle’s Roadhouse”, um bar frequentado por caçadores e que pertencia à Ellen Harvelle, uma amiga de Bobby. Bobby deu a Ellen todas as informações que havia coletado a respeito dos possíveis casos na área em que cobria. Ellen os repassaria a outros caçadores, quando passassem pelo “Bar da Estrada”, como era conhecido.

Após alguns dias investigando o desaparecimento de Jimmy Yellow, e rastreando o ninho ao qual ele se referira, Bobby encontrou um caso alarmante no jornal, ambos na cidade de Pittsburg, no Kansas. Em comum, os dois casos só tinham as circunstâncias estranhas do sumiço. Bobby não tinha dado muita importância, até que a notícia da morte de Cloe W. Morrison estivesse estampada em todos os noticiários do país. Algo estava acontecendo no Kansas. Então, Bobby decidiu ligar para Dean.

7 – Inside Man

   Sam e Dean se hospedaram no “Blue Dallas”. Um pequeno hotel de beira de estrada que ficava na entrada da cidade.  No quarto havia duas camas de solteiro, separadas por um criado mudo antiquado. Na parede, apenas um relógio pontiagudo, simulando uma estrela. As cortinas permaneciam fechadas.

 Dean estava largado em uma cadeira próxima à porta. Os pés amparados na mesa de madeira que Sam usava para apoiar o computador. Tomavam cerveja, franziam o cenho. Sam usava jeans e blusa branca.  Dean não se livrara do terno, apenas do blazer.

Vasculharam a internet por algum tempo e não encontravam nada a respeito de Rosemary. Ligaram para Bobby e Ellen, mas nenhum dos dois tinha ouvido falar dela. Não sabiam o que pensar. Se ela era uma caçadora, saberia muito bem apagar suas informações online, mas Rosemary não tinha cara de caçadora. Ainda assim, conhecia não só o mundo sobrenatural, como  também John Winchester. Apontara uma arma para Sam e Dean ao perceber que eram caçadores, mas demonstrara tristeza ao saber da morte de John. Quem era Rosemary? O que diabos estava acontecendo ali?

Enquanto Dean cantarolava melodias incompreensíveis, Sam repassava mentalmente tudo o que tinha acontecido: cada palavra dita, cada gesto. Isso não era uma armadilha. Rosemary fora indicada por Professor Morrison e não tinha ideia de quem eles eram quando entraram em sua sala. O que os tinha entregado? O que a fizera reagir assim?

Todavia, a maior preocupação de Sam no momento consistia no que Rosemary dissera sobre as pistas deixadas: "onde quer que tenham sido deixadas, não foram deixadas aleatoriamente". Esse pensamento atormentara Sam por todo o caminho até Princeton. O que quer que estivesse matando todas essas pessoas, queria ser encontrado?

Dean não estava calmo. Revezava com Sam a busca por dados sobre Rose. Repassou várias vezes o caso. Depois de tudo o que tinha passado, não acreditava em coincidências, mas não acreditava que Rosemary fizesse parte de uma armadilha.  Não queria pensar em Rosemary. Não queria lembrar-se de seu olhar perplexo quando soube da morte de seu pai. Não queria pensar em seu pai. Essa era um dor terrível.

Dean estava cantarolando para afastar os pensamentos. A hora não passava. A impotência tomou conta de seu corpo e de sua mente. A urgência que sentia em voltar à Pensilvânia estava amortecida. Algo o estava prendendo ali. Rosemary o estava prendendo ali.

— Ela tem muitos artigos publicados e tem algumas fotos em palestras e congressos. Não tem jeito, Dean. Ela é uma acadêmica – Sam falava enquanto deslizava o dedo no sensor no notebook

— Então você está dizendo que uma simples professora apontou uma arma para a sua cara?

— Olha, eu não estou dizendo nada. Só que se a gente quiser descobrir quem ela é vamos ter que ir à casa dela. 

— Nós vamos lá – Dean levantou-se abruptamente – E vamos agora.

— O que?! – perguntou Sam, chocado – Dean, ela disse 14 horas.

— Olha, não vou ficar aqui sentado enquanto alguém está correndo risco de vida em Brookeville. Você mesmo disse, não tem nada sobre ela na rede, então vamos descobrir na fonte. Qual o melhor lugar  de procurar sobre ela do que na casa dela? – Enquanto falava, Dean andava de um lado para o outro, enfiando coisas em sua sacola estilo militar.

— Dean, você ficou maluco? Aquela garota apontou uma arma pra minha cara só porque descobriu que éramos caçadores. O que você acha que ela vai fazer se encontrar a gente dentro da casa dela?

— Ela não vai fazer nada, ok? Ela não vai nos encontrar porque vai bancar a francesa até às 14h. Certo? Nós olhamos a casa, encontramos o que precisamos saber, saímos e às 14h vamos bater na porta dela como se nada tivesse acontecido.

— Dean, isso é suicídio! Ela pode não querer mais nos ajudar e vir até aqui vai ter sido em vão.

— Sam! – Dean gritou – Eu preciso saber quem ela é ok? Se você não quiser ir, eu vou – Nesse momento, Dean parou com a sacola em suas mãos, olhou para o chão e suspirou. Sua voz baixou dois ou mais tons – Ela conhecia o papai, ok? Eu preciso saber quem ela é – completou Dean.  

Sam não discutiu. 

8 – The Girl Next Door

Sam e Dean estacionaram o Impala a duas quadras da rua em que Rose morava. Decidiram andar a pé para não chamar atenção. Contornaram a casa e encontraram um grande jardim e um deque em seus fundos. Não acharam dificuldade de entrar por ali.

Os irmãos não deixaram de se surpreender ao entrar na casa de Rose. Por fora, parecia uma casa suburbana normal. Dois andares, jardim, cerca branca. Por dentro, a casa parecia ter saído de uma revista de design de interiores. No primeiro andar, havia uma grande sala integrada com a cozinha e um pequeno corredor que levava ao banheiro. No canto esquerdo da sala, em oposição à cozinha, estava uma escada em caracol que levava ao segundo patamar da casa. No lugar da parede de fundo da sala, um portal de vidro que dava para o deque no jardim e parecia mais uma pintura emoldurada. Era lá que Rosemary meditava pelas manhãs.

Assim como seu escritório, a casa tinha plantas, quadros e livros espalhados por todos os lados. Era muito espaçosa. Algumas paredes estavam coloridas com um amarelo forte e convidativo. As paredes do corredor estavam decoradas com muitos pôsteres e fotos. The Beatles, Brigitte Bardot, Bonequinha de Luxo, Bastardos Inglórios, AC/DC, Frida Kahlo, The Strokes, Marlon Brando... Havia também um grande quadro mostrando o Rio de Janeiro visto de cima e uma foto de Rosemary abraçada com três crianças negras. Ela e as crianças riam. 

No centro da sala, Sam reparou em um grande tapete circular branco e felpudo, contrastando com as almofadas coloridas que por ali estavam. Rapidamente percebeu que no escritório de L. Brown também havia um tapete circular e decidiu movê-lo com o pé esquerdo. Embaixo do tapete, pintado em grafite vermelho, um grande Círculo de Salomão, armadilha usada para prender demônios.

— Hey, Dean. Olha isso. Provavelmente tem outro no escritório dela.

— Professora, ham?

Sam e Dean observavam a casa com as lanternas ligadas. Apesar de ampla e cheia de vidraças, cada janela e portal estavam cobertos com persianas e blackouts, fazendo com que a luz do dia não penetrasse no ambiente.

Dean apontou a lanterna para as fotos penduradas no corredor. Rosemary parecia tão normal...

— Eu vou olhar lá em cima – disse Sam

— Vê se não quebra nada – disse Dean, dirigindo-se para a cozinha.

Sam estava no quarto de Rosemary quando ouviu um barulho ensurdecedor. Alguém havia disparado um tiro.

Dean estava perplexo. Segurava o braço direito, que não parava de sangrar. A voz de Rosemary soou suave e tranquila:

— Eu juro por Deus que o próximo vai ser na sua cabeça. O que diabos você está fazendo na minha casa?

9 – Babe I’m Gonna Leave You

O corredor do hospital era frio e sem graça. Não parecia em nada com a casa que ela tinha. As paredes estéreis e o cheiro de éter soavam mais ameaçadoras que os rostos carrancudos dos médicos, a conversa indiferente das enfermeiras ou aspecto de abandono dos pacientes. Rosemary estava sentada em uma cadeira próxima à recepção. Usava um vestidinho preto evasê, com alguns gatinhos brancos bordados nas beiras. O cabelo cheio, diferente do tom mais fechado que apresenta agora, era de um loiro claríssimo e se desdobrava em muitas ondas, o que lhe atribuía o apelido de “cachinhos dourados” (para o pai) ou “leãozinho” (para a mãe). As mãos pequeninas envolviam um embrulho de presente. Era a primeira vez que Rosemary visitaria sua mãe no hospital. Não entendera muito bem o porquê mamãe teria que passar um tempo longe e porque não poderia vê-la. Durante muitas noites, a pequena Rose acordara chorando. Seu pai a pegava no colo e cantarolava baixinho, até que ela voltasse a dormir.

Daiana Lessa estava no auge da felicidade quando descobriu o câncer. Morava em uma linda casa em Manhattan, com o marido Isaac e a filha Rosemary. Participaria da 3º Mostra Artística de Nova York como Artista Plástica principal e tinha planos de viajar para Europa com a família.

 — Leucemia.

Enquanto o médico falava, Daiana tentava buscar na memória o que sabia sobre esse tipo específico de câncer. Das poucas coisas que lhe vinham à cabeça, nada era reconfortante. Não sabia como daria a notícia para Isaac. Não sabia como ela mesma lidaria com a notícia. Um medo crescente apoderou-se dela. Tinha uma filha para criar, um marido para amar, uma vida para viver, mas suas chances reais eram escassas.

Não podia deixar Isaac sozinho nesse mundo. E Rosemary? Não era justo. Queria ver sua filha crescer. Não conseguia imaginar desapegar-se da pequena Rose, seu leãozinho. Pensar na morte era como ser sugada para um buraco vazio e obscuro, gigante. Via a si mesma na ponta de um túnel que fechava gradativamente. Na outra ponta, Isaac e Rosemary acenavam da luz, enquanto ela era sugada pela escuridão estática da morte. Não tinha medo de morrer, só não queria perder toda a possibilidade do que é a vida.

A notícia devastou a família de Daiana e Isaac. Logo, amigos próximos ao casal começaram a indicar os “melhores oncologistas do mundo”, mas Daiana tinha feito sua mente: faria o tratamento no Brasil. 

Rosemary não ficou muito feliz com a mudança. Sentia falta da escola e dos amigos. Por outro lado, adorava estar com os avós. Em pouco tempo, Rose tinha feito novos amigos e se adaptado muito bem à nova escola. A língua também não era um problema. Crescera em um lar bilíngue, tornara-se bilíngue ainda novinha. Era a saudade da mãe que a tornou uma criança menos comunicativa e mais taciturna.

Quando Isaac disse à filha que ela poderia visitar a mãe, Rosemary pediu para levar um presente: comprou um livro. E fora ela mesma que escolhera. Ficou sentada na sala de espera enquanto seu pai tinha ido ao quarto da mãe verificar se tudo estava em ordem antes da pequena Rose entrar. Quando voltou, Isaac tinha os olhos marejados. Pegou Rosemary no colo e disse: “Rose, a mamãe está dormindo”. Com perspicácia incomum àquela idade, Rosemary perguntou: “Ela virou uma estrelinha e foi pro céu?”. Isaac riu. Tão pequena, Rosemary era intrépida e astuciosa. Não chorava durante a noite apenas por sentir falta da mãe, chorava porque tinha consciência do que acontecia.

“Sua mãe está certa, você não é cachinhos dourados, é um leão”.

Beijou a filha.

“Não, a mamãe só está dormindo mesmo. Vamos acordá-la”.


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Notas finais do capítulo

Próximo Capítulo: The Things We Left Behind - Part 1



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