Cosmos. escrita por Nienna Valois


Capítulo 14
O conto da estrela inominável.




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 14

 

 

A flecha da justiça rasgou os céus numa explosão incandescente rumo ao templo do cavaleiro de prata proscrito, em seu trajeto resplandecia uma intensa luz dourada, como a força do sol. No meio de seu itinerário, o séquito de Orin estava entre as montanhas rumo a Citeron, e naquele momento o poder do cavaleiro de Athena pode ser mensurado. O rastro da flecha elevou-se, e a temperatura da superfície por onde passava aumentava em calor intenso, a amazona pode sentir um ardor em sua pele mesmo protegida por sua poderosa armadura de prata.
O restante do séquito ficou assombrado com o imenso poder da flecha da justiça proveniente das regiões sombrias da ilha, que era o vale dos enforcados.
— Veja com atenção Lucius. Esse é um poder de um cavaleiro de ouro, a quintessência!- e os olhos pequenos da amazona acompanhavam o rutilar da flecha deslizando pelos céus da ilha.
— Senhora, ela está seguindo rumo ao templo do nosso Mestre!
Orin segurou os arreios de seu arrojado corcel negro, e naquele instante obteve um mau presságio, por um momento, não sabia se retrocedia até o vale ou seguia em direção ao templo do mestre. Aioros poderia estar em perigo e aquela flecha deveras ser um aviso para o santuário. No seu intrínseco, sabia de sua subserviência à ilha, porém um homem da estirpe de Aioros estava ocultando algum propósito do mestre, pois em sua mente há anos fora plantada a dúvida fatídica sobre as reais intenções de Nicurgo. Ora, Thera era um local de treinamento, e hoje em dia os métodos empregados para recrutamento eram indignos. Entrementes a amazona tinha a compreensão que os limites da dignidade eram transgredidos em prol da segurança da ilha, e isso estava acima da justiça do santuário, porém, há algo que não poderia ser esquecido, o controle da ilha foi dado por Athena, e sua missão era proteger aquele lugar acima de tudo e todos.
Friamente, censurou tais pensamentos contraditórios de sua mente, alisou a crina de seu cavalo, com os olhos fixos na sua decisão de partir rumo ao templo de seu mestre, sem titubear, ordenou com seriedade que seu séquito seguisse para Citeron rumo ao encontro de Iko, e que Lucius fosse averiguar a travessia de Aioros. Mas, o seu fiel soldado desobedeceu argumentando que tal decisão não era sábia, mas amazona preferiu não ouví-lo, contudo o som de uma forte explosão faz a ilha tremer. O corcel inquieto e assustado pelo estrépito, empina ferozmente e pela primeira vez derruba amazona de sua sela. E Orin vai ao chão de costas, seu elmo voa longe, rolando pelo chão emitindo seu tilintar metálico. Os soldados ficaram atônitos, nunca viram sua líder cair dessa maneira, afinal ela era domadora dos cavalos selvagens da ilha, e isso levara a crer que algo muito sério estava ocorrendo. E não ousaram em ajudá-la a levantar, seria absurdamente descortês com sua líder. A amazona apoiou-se e levantou tranquilamente enquanto amansava seu corcel aflito, dizia palavras baixas em outro dialeto, provavelmente da sua ilha natal onde fora treinada. Seus cabelos negros ocultavam seu rosto oval, porém a amazona coloca suas melenas para traz exibindo a beleza de seu rosto, tal comportamento que não era comum, pois sempre aparecia com o rosto ocultado pelo elmo. Contudo no lado esquerdo de sua face, uma cicatriz pode ser notada, e deixou todos assustados, parecia um ferimento causado por lâmina, e os soldados disseram aos seus próprios pensamentos, quem poderia ter atacado o rosto daquela mulher? Ou fora um descuido em seu aprendizado com a naguinata? Apenas curiosidade, jamais ousariam falar. Lucius, seu fiel discípulo, carregou seu elmo com respeito e entregou a sua senhora lhe dirigindo tais palavras:
— Perdoe-me mas não poderei acatar esta ordem. Sou um homem insignificante para ajudar um cavaleiro de ouro. Se o senhor Aioros não sobreviver a essa travessia não és digno de ser chamado de cavaleiro de Athena.
— E você acha que pode julgar as atitudes de um homem como Aioros? - disse a amazona deslizando as mãos na crina do corcel, de costas, sem olhar para seu discípulo. Agora vão até Iko! provavelmente ele já entendeu o sinal, irei me aconselhar com o guardião da ilha e...
— Espere senhora tenho maus pressentimentos...- aconselhou Lucius.
— Suba no meu corcel Lucius e conduza o séquito para Citeron, irei sozinha para o templo, não me siga, tomarei isto como uma afronta.- dita tais palavras todos seguiram ao seu destino, sem fazer objeção, e sem olhar para trás. Menos o fiel Lucius, com muita tristeza.
E a amazona partira, correndo entre as montanhas, abaixo do céu nublado, corria como as antigas amazonas lendárias da Grécia, Orin provavelmente era uma das mais velhas que sobreviviam ao tempo, mesmo com sua personalidade autoritária, a justiça ainda lhe era um princípio sagrado.

PRÓXIMO AO TEMPLO, KANON FICOU DESLUMBRADO com o poder destrutivo da flecha de ouro, ao chocar-se contra a superfície ela simplesmente destruiu a entrada do templo e queimou toda a vegetação próxima, como um "trovão atômico". Estava caminhando em círculos próximo ao templo, e nunca chegara a um lugar, pressentia que havia uma força que o fazia caminhar para longe dali, mas era uma energia familiar que brincava com sua paciência, algo de dentro do templo era conhecido, um cosmo que já havia sentido, e disse para si mesmo será que o homem que lidera esta ilha amaldiçoada é alguém que já convivi em tempos passados? Os semblantes daquele homem modificaram, não sentira medo, apenas seguia em frente, assim era aquele cavaleiro destemido, caminhava entre aquele cenário de ruínas, rumo ao interior do templo, atravessara as colunas de mármore que estavam em pedaços, logo na entrada, sentira que ultrapassar aquele portal escuro, é como se adentrasse no umbral de suas aflições, tudo aquilo remontava aos seus antepassados, estava ali sem propósitos, apenas saciando sua curiosidade, e o seu desejo de ser alguém superior ao seu irmão, deuses, ou conceitos de justiça. E mergulhou nas sombras do templo, o teto estava completamente destruído, porém não havia luminosidade, o céu estava escuro, como se uma força controlasse aquele palácio, e não mais a natureza. Os olhos de Kanon percorriam a cada detalhe daquele lugar antigo,o cheiro inexplicável lhe atordoava a mente, lhe causando enjôo, sentira que era observado, e subitamente toma lhe um susto pelo vôo rasante de uma coruja na escuridão, não era uma e sim várias que o circundaram em um longo crocito. Em meio aos estilhaços, Kanon continuou a caminhar, e subiu uma longa escadaria em ruínas, lá era o salão principal do palácio, havia um trono muito bem ormamentado, as colunas que o decoravam ainda estavam intactas, ao redor destre trono imagem de dragões apoiavam os seus braços, era assustador. E a cosmo energia que Kanon sentira, repentinamente se apagou, aquele lugar estava completamente vazio, as corujas começaram as se assentar nas ruínas formado um círculo, observando o cavaleiro a medida que giravam os seus pescoços curiosas, o encurralando. Os olhos de Kanon examinavam todo o perímetro, não é possível que enfrentara todos os riscos para chegar em um templo abandonado, algo estava errado.

 

Ponte dos Enforcados. Ilha de Thera.

 

 

— É eu tinha dito e você não quis me ouvir, escolher este caminho iria o conduzir a morte, e você fez a sua escolha.- disse Petros numa voz baixa quase que sussurrando aos ouvidos de Aioros.
Ao dizer tais palavras frias, seus dedos lentamente tentaram pousar novamente sobre a armadura nos ombros de Aioros, mas o cavaleiro pressentira que algo estava errado, girou o corpo e agiu como num impulso, sua mão direita puxou a ombreira direita de Petros, girou novamente como se ficasse totalmente de costas para seu adversário, e pela força entre braços em ombros conseguiu lançar Petros para longe a sua frente. E fora ao chão com os cabelos ocultando a face, exibindo apenas um leve sorriso maroto. Entretanto subitamente Petros vai em direção a traiçoeira ponte, livre em meio ao abismo de almas suplicantes, a travessia mais perigosa de suas vidas, o vento era gélido, e o nevoeiro era intenso, mesmo sendo dia, o céu estava fechado por nuvens escuras, o que impossibilitava da luz penetrar naquela paisagem da morte. Petros levita, e consegue se apoiar na corda de sustentação da ponte, ele balançava levemente, de forma mortal. Tudo isso também numa fração de segundos, um movimento rápido para a mente acompanhar, assim como o de Aioros.
— Não há como recuar, não existe saída. A única saída é seguir em frente!— colocou o dedo indicador nos lábios advertindo silêncio - sshiii os Titãs não podem ouvir a voz de um cavaleiro de ouro, eles querem vingança, esses gemidos medonhos ensurdecedores somente cessarão quando todo o santuário sucumbir a vontade dos deuses, e essa Terra se tornar o Elísios!- Ergueu os braços em saudação aos céus obscuros - O que aconteceria se os Titãs, que estão abaixo dos meus pés recebessem sua alma? Eu finalmente deixaria de ser uma sombra da sua constelação, sabe Aioros? Eu odeio esse corpo de mulher, quero me livrar deste corpo o quanto antes, talvez precise matar esta pessoa para que me liberte! Já lutamos em eras passadas, e eu prefiro o meu corpo masculino, me sinto limitado, aqui me paira uma maldição, o meu espírito residir num corpo feminino onde minhas forças estarão todas limitadas, mas mesmo assim poderemos lutar aqui, sem nossas armaduras, e o seu túmulo será erguido pelos Titãs, e sua alma ficará gemendo nesse vale das sombras para sempre, e quem sabe os deus das profundezas admire minha vitória e me dê um novo corpo. - disse todas essas palavras afrontosas Petros, que não era mais o mesmo, estava possuído por uma força que estava além de seu controle, sua voz mudara, estava totalmente diferente, seu olhar era semicerrado e vazio, sua tez estava mais lívida do que nunca.
Aioros fechou os olhos e cerrou os punhos:
— É bem verdade que lutamos em todas a Eras que nos reencarnamos, não pronunciarei o nome de alguém tão execrável e vingativo como você, depreza este corpo, porque ele emana bondade. E foi essa a decisão de Athena quando permitiu que descesse de Australis, e não o Deus que você tanto sonha que o admire. Há muito tempo que deseja me matar mas tem fracassado, por estar no corpo desta mulher.
— O que Aioros, você sempre soube disso?!
— Não, sempre esperei encontrar com você em algum momento de minha vida, e agora é o mais oportuno, aquele momento em que a Deusa se aproxima mais do santuário, é o momento de maior perigo que todos nós enfrentamos.
Petros não queria conversar, sabia que o seu tempo era curto, e o seu corpo limitado, contra atacou Aioros, explodiu em um cosmo lilás, levitando em sua direção criando alucinações. Aioros tentava emanar serenidade, ficou tácito e ereto no início da ponte esperando o contra ataque que vinha como um golpe fantasma imbuído de vozes, o rosto de Petros estava medonho. E o cavaleiro de Athena ergue os braços e tenta conter a força, o empurrando para a ponte novamente.
— Estúpido, me atacar aqui neste lugar, onde pode resultar a morte de nós dois. Onde quer chegar como isso?
De costas na ponte que balançava e suas cordas rangiam ao mesmo tempo, Petros retrucou, contraindo os ombros com um sorriso abafado:
— Está enganado, este corpo não é meu! eu não me reencarnei, sou um espírito, apenas me tornei um hospedeiro, Athena impediu por enquanto de me tornar um decanato, afinal eu fiz um estrago em um de seus cavaleiros em outrora. Mas o senhor das profundezas me vê, ele sabe tudo. Portanto minha missão é assassinar você Aioros. E pelo seu porte você não me lembra nada seu antecessor, se ele estivesse aqui, não mediria esforços para me destruir.
Aioros nem se importou com tais palavras, e caminhou em direção ao seu adversário de forma majestosa, indo ao centro da ponte, lugar perigosíssimo, era o que Petros queria. E levantou num salto rápido, sorrindo com a aproximação de Aioros. Porém Petros ficou paralisado.
— Eu não consigo me mexer, o que está acontecendo! que golpe é este cavaleiro de Athena, não terás coragem de matar esta mulher. - exclamou com aflição.
— Você disse que odiava esse corpo , e agora usa desta sua forma para ganhar vantagem em uma luta estrela inominável?
Fez um silêncio, e Petros possuído pode perceber uma pequena flecha cósmica entre suas pernas, era isso que o impedia de mexer.
— Como conseguiu tal façanha! Eu conheço bem os golpes dele! Será esta uma era de cavaleiros com algum poder que pudesse superar os outros que já se foram! E ele não está nem trajando sua armadura! Ele é veloz, atinge uma velocidade onde não fui capaz de enxergar, na verdade acredito que o subestimei. Foi um erro, que ingenuidade! Estou lidando com o cavaleiro de sagitário! Não poderei o matar pela força devido ao corpo desta mulher, mas irei pela inteligência!— pensou.
Mentalmente forçou as cordas da ponte para que se rompessem, e elas balançavam incessantemente, aos poucos a madeira velha ia se soltando, e Aioros pode sentir que algo abaixo os atraía, assim como sugava suas forças.
— A sua calma me irrita! Mudei de ideia, vamos para o abismo juntos! E o santuário sofrerá sua primeira baixa, ninguém o substituirá o cavaleiro alado, e aqui você não tem asas! O mestre não pode controlar sua armadura até aqui, apenas um deus, e Athena está fora deste plano. Vai ficar com sua amiga para sempre, no Tártaro!— disse sarcasticamente enquanto a ponte desmoronava. Aioros usou de sua rapidez e agarrou em uma das cordas de sustentação, e foi em queda, voando pelo abismo até bater contra as paredes rochosas do lado contrário, sua inteligência fez perceber que Petros o queria encurralar para o início da ponte, se ficasse lá estaria preso nesta dimensão para sempre, a saída apenas se abre para quem atravessa a ponte. Aioros segurava a corda com toda a sua força, e apoiava os pés contra parede rochosa, porém sentira que sombras em forma de braços tentavam o puxar para escuridão, o chamavam pelo nome e agarravam seu corpo, seu cabelo, suas pernas, e isso o deixava exasperado, era pura alucinação. Queimou o cosmo, e gritou com todas as forças, para exorcizar aquelas almas, fez-se um clarão bem forte, como se um sol artificial estivesse iluminando aquele lugar, as almas gemeram apavoradas, e as montanhas passaram a se delinear, de volta a realidade.
Mas onde estava Petros? Será que tinha caído no abismo, Aioros ficara absurdamente preocupado, se isso aconteceu ele tinha falhado por completo, permitindo que um inocente sofresse tamanha crueldade, por uma vingança secular. Agarrou a corda com toda a força, com as duas mãos, e começou a subir até o topo da montanha onde era a sustentação da ponte. Ao olhar para cima, no meio da escuridão ao alto, estava Petros em superfície o olhando, com o rosto encoberto por uma sombra e os olhos vermelhos.
— Como chegou até aí ?! - indagou Aioros.
— Olhe para o céu, com os olhos de um cavaleiro, poderá enxergar a constelação, e verá a Australis brilhando mais forte do que nunca ao lado de Sagitário, isso significa que...
— O que era para ser um trabalho em conjunto se tornou uma rivalidade, essa sempre foi a missão primordial dos decanatos, tanto que nesta era Athena os suprimiu. - interrompeu Aioros.
— Não há parceria quando se há ambição! e Athena não divide seu poder!
— Para se fazer justiça e o bem, não existe hierarquias, você quer o poder para castigar o que não é conveniente para você, se aliando ao deus do submundo. Petros ergueu os braços queimando seu cosmo, ia cortar a corda.
— Chega de conversa! Adeus cavaleiro de Sagitário!— sentenciou a estrela inominável.
Aioros fechou os olhos, apenas confiava na proteção de Athena e lhe rogou uma prece em pensamentos. Naquele instante algo estranho aconteceu, o braço de Petros não chegou até a corda, seu corpo ficou paralisado, mas não era a flecha de sagitário, o espírito do detentor daquele corpo se manifestou, em uma luta interna contra a estrela inominável, e o ia arrastando até o abismo em uma forte asfixia, a estrela ficou furiosa, e Petros decide se jogar no abismo em queda livre, Aioros grita de terror, queima seu cosmo e com uma força inimaginável balança rapidamente sua corda com o impulso dos pés contra a parede rochosa, suas mãos lentamente vão ao encontro de Petros e o segura pelo pulso e o agarra, os dois ficam a mercê da morte, com um braço Aioros se apoiava na corda, e com o outro segurava Petros pelo pulso ainda aturdido, a situação era extremamente delicada. Porém na posição desfavorável que se encontrava se via limitado para se mexer, porém rapidamente admirou a decisão de Petros em lutar contra um ser nefasto, que é a estrela inominável. Rogou a proteção de Athena mais uma vez e confiou em seu destino, feito isso queimou seu cosmo o mais forte que pode, e se jogou com Petros de onde estavam, uma decisão difícil.


UMA HORA DEPOIS, PETROS DESPERTA FITANDO AS NUVENS escuras no céu. Estava em uma pequena saliência rochosa, que o impediram de cair no abismo, mas ali era muito escuro como uma pálida neblina, e a temperatura era fria, os ventos sopravam fortes e sibilavam trazendo uma atmosfera de trevas. Sentia uma forte dor de cabeça devido a pancada da queda, e não acreditava que estava viva. Ao olhar para o lado viu Aioros sentado com as mãos segurando os joelhos exibindo um semblante de seriedade. Parou de o fitar, estava envergonhada, não sabia o que dizer, colocou a vida de um cavaleiro em perigo, embora não se lembrasse de nada, porém pela situação e a onde se encontravam era sabido que atentara contra a vida daquele bom homem.
Encolheu-se no canto repetindo a mesma posição de Aioros, não sabia o que exprimir, porém algo estranho ocorreu, um filete de luz começou a aparecer entre as nuvens escuras, trazendo uma iluminação para aquele lugar fatídico onde se encontravam, não era a estrela inominável, e sim a estrela da esperança.
— Athena ouviu o meu chamado... - Aioros quebra o silêncio.
— Me perdoe senhor.— disse humildemente Petros com uma voz muito baixa- nunca me atreveria a atentar algo contra você, o meu real objetivo nesta ilha era apenas ajudar, mas nunca imaginei que o que prediziam sobre mim fosse real.
Aioros abaixou a cabeça.
— Talvez seja o momento de dizer quem é você realmente. Nunca imaginei que um espírito decanato inimigo vivia dentro de você. Afinal, tive poucos dias para ter essa percepção e de fato não tive. Como conseguiu se ocultar de meu sexto sentido?
— Não sei dizer, não sei nada sobre ele. Eu só quero que Athena me livre da maldição da estrela inominável. Isso aconteceu há muito tempo, desde meu nascimento. Minha família é muito ligada as tradições antigas gregas, e um oráculo fez uma profecia, que quando eu nascesse eu seria alguém muito forte; até aí tudo bem, meus pais acharam que nasceria um menino, e eu poderia me tornar um cavaleiro. Mas não, foi tudo ao contrário, nasci mulher, com uma maldição, que nem mesmo o vidente soube dizer ao certo o que carregava, apenas sugeriu que me abandonasse no bosque da deusa Artemis, disse que meu lugar era como cavaleiro sim, mas no templo da Lua. E no seu bosque ainda bebê fui abandonada, porém a deusa da Lua não me resgatou como o oráculo disse. Passei dias de fome, sede, e frio abandonada naquele bosque, só sobrevivi porque todos os dias uma cosmo energia maravilhosa me alimentava, não sei explicar, parecia uma mãe, me trazia um calor e muito amor. Até que um dia, um senhor muito velho caminhava por aquele bosque, me resgatou, e por todos esses anos ele fora um pai para mim, ele entendia sobre a profecia me revelara tudo isso, e mesmo assim cuidou de mim. Ele me disse que fora um cavaleiro, e me dizia coisas de imensa sabedoria, e foi com ele que aprendi a amar a justiça. Foi assim que vivi em Pyrgos, até o dia em que inevitavelmente tive que o abandonar, mas isso é uma outra história onde sempre me culpo. Sei que ele se fora deste mundo, e eu não pude ao menos despedir dele, sinto o peso da ingratidão de minha parte. É bem verdade, que isto é uma imensa culpa que carrego comigo, sabe senhor Aioros..
— Mas porque você deixou Pyrgos e veio até o santuário? A estrela te manipulava para que fizesse tais escolhas? Decanatos são ambivalentes, são estrelas que podem vir a terra para o bem ou para o mal. - indagou perplexo.
Petros abaixou a cabeça e continuava a revelar sua história:
— Meu mestre era dono de um pequeno comércio em Pyrgos, vendia um pouco de tudo, mas não era ele que cuidava disso e sim seu filho, um homem horrendo, ele me odiava, achava que seu pai me amava mais que ele, e eu apenas era uma criança. Mas também ele odiava o santuário, desconheço suas razões, talvez fosse o único em Pyrgos que não fosse um devoto de Athena. E eu o ajudava neste comércio, me sentia uma escrava pelos trabalhos pesados ao longo dia. Mas pelo menos eu tinha uma casa, poderia estar abandonada pelos vilarejos sofrendo todos os males. Eu tinha o amor do meu mestre, e cuidava dele em sua enfermidade, lavava os seus pés cansados todos os dias, porém eu nunca vi o seu rosto, vivia oculto por faixas, ele me dizia que era a aparência de um longo tempo desgastado por sua enfermidade. Ele era um homem bom, conhecia sobre as ciências da cura, contava-me tantas histórias que às vezes tinha a impressão que ele sempre falava de maneira subjetiva do santuário.
Um dia, nunca me esquecerei daquele dia, um menino entrou em nossa loja, sem dinheiro, pedindo que o ajudasse com remédios para seu pequeno irmão que sofria de uma enfermidade, e ele aos poucos também estava se contaminando, era os anos obscuros da peste, que fora erradicada pelo poder do mestre do santuário, e sua enorme coragem de enfrentar o capricho de algum deus, que não tinha piedade do povo devoto da deusa da justiça que não estava em nossa era. Ele fora o nosso salvador, para sempre seremos gratos a Athena e ao mestre por nos livrar da doença que assolava o nosso povo. Dizem que tudo isso aconteceu porque Pyrgos a adorava, e os seus rivais invejosos queriam que o povo de Athena sofresse, sabia que era a única maneira de atingir o coração da deusa. Eu me compadeci daquele menino, porém aquele homem truculento o maltratou e expulsou de nossa loja como um cão miserável, ele não tinha piedade em seus atos e nem palavras, disse coisas vis sobre o santuário e o mestre, tratou aquela criança de forma indigna, e eu tinha a mesma tenra idade dele! Aquilo de alguma maneira me atingia, eu queria o ajudar, como fui ajudada por Athena no bosque da deusa da Lua, era meu dever.
Esperei que a loja fechasse, e fugi sorrateiramente com o remédio, ele era chamado de 'lágrimas de Athena', seu poder curativo era grandioso, mas tinhamos pouco em nossas reservas, mas fiz o que achei certo, fui atrás daquele menino e seu irmão, eu estava determinada em o ajudar.
Aioros ficou assombrado e levantou-se olhando fixamente para Petros. Os ventos sopravam mais fortes.
— Era uma noite chuvosa, caminhei pelo vilarejo, com uma lamparina na mão, a sua tênue luz iluminava o meu caminho, e uma capa marrom com capuz para proteger da chuva, ia encontrar aquele menino. Mas não foi fácil, a medida que caminhava eu podia ver o sofrimento das pessoas pela rua, definhando pela peste, aquilo era um pesadelo. Corri o quanto pude para me esconder daquelas pessoas, afinal eu estava imune, e eles percebiam isso, e me perseguiam. Cheguei a uma casa abandonada em um estreita rua, e me protegi da chuva, estava cansada, abri a minha saca atada a cintura, e vi o vidro com o remédio, quando olhei aquilo senti esperança. E continuei caminhando. Eu era uma criança, mas as minhas atitudes me faziam se tornar adulta rapidamente, pois não fazia o que as outras crianças faziam. Ter o conhecimento de uma maldição, me possilibitou lutar todos os dias para permanecer no caminho de luz.
Numa estreita ruela escura, havia um bando de meninos adolescentes, se protegiam do frio com capas, mas o olhar era assustador, os lábios estavam escuros, alguns trêmulos. Meus semblantes eram sadios e naquele momento atrai a atenção deles, tentei fugir, correr o mais rápido que pude, mas tropecei e meio as poças de água escuras e cai, eles me arrodearam e longe de mim, o vidro com as lágrimas de Athena rolou ao chão, um deles agachou e tocou o vidro com os dedos definhados, e me questionou o que era aquilo, pedi que me devolvesse, pois poderia compartilhar com eles algumas gotas e, nem quiseram me ouvir, iam partilhar entre eles, eu levantei e furiosa pendurei em seu braço, pela pouca energia, e como era mais velho do que eu, me empurrou para longe, e eu novamente fui lutar, e mais uma vez fui esbofeteada e cai na poça de água, eu só era uma menina, em meio a alguns garotos que me roubavam. Machuquei os joelhos, e a boca, e começei a sentir medo, e não podia sentir, era uma advertência de meu mestre.
E uma voz baixa repetiu umas três vezes para que me devolvessem o que roubaram, era lamentável agir com violência contra uma criança em busca de sua sobrevivência, era indigno. Ele estava encoberto por uma sombra, exibia semblantes cansados, a doença estava avançando cada vez mais, consumindo suas forças. Eu estava ao chão vendo tudo aquilo, e o vi lutar contra aquele grupo, esse menino era tão diferente, eu sabia que estava certa em minha intuição, somente um cavaleiro de Athena poderia agir daquela maneira. E mais uma vez a deusa intervinha na minha vida.
Ele se aproximou de mim devolvendo o vidro, ajoelhou-se até a mim, puxou as minhas mãos sujas de terra, e me devolveu as lágrimas de Athena. Seus olhos eram tão calmos, o meu medo passou.
Ele ia se levantando, aquele jovem menino, mas eu o segurei pelos pulsos o fitando nos olhos e disse, que estava a sua procura. Que a deusa me enviou com esta missão. E andamos pela fina garoa, vagarosamente, um ajudando o outro em apoio, escondemos em um terraço abandonado, a entrada era em forma de arcos e estava encoberta por um vegetação seca, sustentanda por colunas antigas, o teto estava em ruína, salvo por algumas áreas encobertas por ramos de acanto. O menino descansou, enquanto pinguei em seus lábios com muito cuidado as lágrimas de Athena, passei a noite ao seu lado, aguardando o amanhacer, quando a aurora rósea chegasse ao horizonte, o orvalho da manhã traria esperança aos corações e poderia até curar a terra se assim os deuses o quisessem.
O amanhecer despertou sob cânticos de pássaros canoros, algumas flores desabrocharam por dentro daquele terraço, e uma cosmo energia delicadamente começou a derramar sobre aquele lugar, era suave e cálida, dançava entre nós como uma música angélica. Levantei e fui até o arco, e vi que inundava em todos os lugares. Foi um lindo fenômeno, o menino despertou, seus olhos eram cativantes e expressivos, e deixou banhar-se daquela cosmo energia, sua aparência estava incrível, parecia um anjo.
Tempos depois, descobri que aquele fenômeno aconteceu em Pyrgos devido a descida do mestre do santuário até o centro de nossa cidade, ele fez uma prece à deusa, com um cetro de ouro nas mãos apontando para os céus, o seu cosmo elevou-se até as nuvens em um turbilhão dourado, aliando com todas as constelações protetoras de Athena, naquele momento acredito que ele se tornou um Deus, ele era o representante de Athena, e a deusa usou de seu corpo e força, para proteger a terra que ela tanto ama. O mestre do santuário, interviu por nós. É essa é minha história.
Petros estava de joelhos aos pés de Aioros, que disse de cabeça baixa:
— Esse menino era eu! Yaren, como pode carregar este fardo sozinha depois de tudo isso, fui procurar você várias vezes no comércio onde trabalhava com seu tutor, e não obtive nenhuma notícia, porque você desapareceu por todos esses tempos?
Yaren abaixou a cabeça mais ainda, com as suas mãos alvas tocava o chão em lágrimas abundantes:
— Aquele homem me surrou por ter roubado as lágrimas de Athena, achei que não sobreviveria. Seu ódio era muito grande, foi então que tive a difícil escolha de abandonar o meu mestre, e seguir até o santuário, criando uma nova identidade, eu queria ser forte, para poder lutar contra o medo que havia dentro de mim.
O olhar de Aioros pela primeira vez foi de uma profunda tristeza.
— Levante-se, precisamos escalar essa montanha, vamos deixar este lugar.
— Não posso obedecer, meu lugar é aqui, se eu voltar para o santuário trarei mais sofrimento as pessoas.
— Como pode dizer isso depois de tudo que passou! Por toda a esperança que a fez chegar até aqui, a esperança que fez você lutar contra um ser que não faz parte de você! Voltaremos ao santuário, o mestre talvez possa curá-la, o poder dele enquanto Athena não está na terra é além da compreensão de todos os cavaleiros.
Yaren meneou a cabeça negativamente.
— Estamos a beira de um abismo, veja até onde eu trouxe você! Não mereço perdão.
— Ora! Deixe para que Athena decida se é perdoável ou não, além disso, se aquela corda fosse rompida, eu estaria morto agora! - disse Aioros que transmitia força em suas palavras, mas por dentro estava atordoado com tudo que ouvira de Yaren, e de alguma maneira sentira culpado por toda a sua história.

 

 

 

 


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