Prelúdios escrita por DMSJR


Capítulo 5
Tremere: Rogério


Notas iniciais do capítulo

Prelúdio estendido.

Personagem faz parte da minha história "Em busca da memória perdida"

Comportamento: Pedagogo
Natureza: Excêntrico



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Meu nome é Rogério, e essa é a história de como vim a me tornar um vampiro. Essa história é pessoal, e não pretendo que ninguém a leia, estou escrevendo apenas para pôr para fora essas memórias que vêm me perturbando. Vou começar com uma breve introdução à minha vida, seguida da aventura que me levou a ser abraçado.

Eu nasci em 1970, em São Paulo, onde morei durante toda a minha vida. Passei os primeiros anos da minha vida normalmente com a minha família, mas logo no começo de meus estudos percebi que não era normal. Não conseguia interagir bem com as outras crianças, e ficava a maior parte do tempo isolado. Conversava mais com os empregados da escola do que com os outros alunos, e não entendia porque as outras crianças não me acolhiam, estando sempre contra mim. Finalmente consegui fazer um amigo, com quem passava a maior parte do tempo na escola. Só ele me entendia.

Minha infância e juventude passaram dessa forma. Mantinha sempre relações com apenas um colega, enquanto os outros me desprezavam. Entretanto, sempre fui muito bem com relação as notas. Me destacava em todas as matérias, o que ajudava a atrair a antipatia dos meus colegas. Sofria bulling com frequência, e muitas vezes era agredido fisicamente. Na época não entendia o que fazia com que os outros alunos se opusessem a mim. Na adolescência, enquanto os outros alunos estavam indo para festas e enchendo a cara com bebidas, eu permanecia em casa, jogando no computador e lendo livros.

Terminei o ensino médio com sucesso e entrei na faculdade, no curso de biblioteconomia, contra as opiniões dos meus pais, que esperavam que eu prestasse engenharia. Na faculdade minha situação mudou, os alunos eram muito mais respeitosos, e consegui até mesmo fazer amizade com alguns deles. Entretanto, continuava não saindo para festas. Durante a graduação me especializei em documentos antigos. Me formei com as melhores notas da turma, e saí da faculdade com a esperança de conseguir um bom emprego, mas isso não aconteceu. Mesmo com minhas notas excelentes não ia bem nos processos seletivos. Então resolvi prestar um concurso para investigador, no qual passei em primeiro lugar.

Trabalhei por alguns anos como investigador, tendo grande sucesso no trabalho, mas pequeno com os meus colegas. Como investigador solucionei diversos crimes, e obtive o maior índice de aproveitamento da delegacia. Entretanto, insatisfeito com o salário, larguei meu emprego para trabalhar como detetive particular.

Meu principal trabalho como detetive particular era espionar maridos infiéis, algo que não exigia muito de mim, mas os pagamentos eram recompensadores. Até que um dia recebi um caso diferente, que me chamou atenção.

Estava sentado na minha sala, no segundo andar de um restaurante chinês, quando o interfone tocou. Atendi, e se tratava de um cliente em potencial, em busca pelo investigador Rogério. Mandei que ele subisse, e ele logo bateu na porta. Convidei-o para entrar e sentar em uma das cadeiras. Minha sala não era muito arrumada, havia uma escrivaninha cheia de papéis, um arquivo onde mantinha as informações sobre casos resolvidos, janelas estreitas, com vista para o beco atrás do restaurante, e algumas plantas, que minha mãe tinha insistido que eu deixasse a vista, para alegrar o ambiente.

O cliente era um homem com uns cinquenta anos, careca, moderadamente gordo e de altura um pouco acima da média. Vestia calças jeans e camiseta polo. Convidei-o a sentar, e explicar o que o tinha trazido.

— É meu filho, ele desapareceu.

Peguei um bloco de notas para fazer anotações.

— Qual é seu nome?

— Me chamo Oswaldo.

— E como ele se chama?

— Augusto Andrade

— Ele morava com o senhor?

— Não, ele morava sozinho em um apartamento.

— Você já avisou a polícia?

— Avisei, mas eles não fizeram nada. Nem foram ao apartamento dele.

— Isso é bom, então quer dizer que seu apartamento nem foi mexido?

— Não, eu mexi em algumas coisas.

— Você tem a chave do apartamento dele?

— Tenho.

— Você pode me entregar?

— Sim. – e me entregou a chave.

— Quando ele despareceu?

— Faz uma semana hoje.

— Você entrou em contato com seus amigos?

— Sim, pela rede social. Inclusive fiz uma postagem dizendo que estava procurando por ele, e muitas pessoas viram, mas nenhuma tinha informações. Também liguei para os contatos de seu celular, e ninguém sabia dele.

— Então ele deixou o celular?

— Deixou.

— Você tem alguma foto dele?

— Tenho aqui no meu celular, eu te mando por blue-tooth.

— Qual era sua profissão?

— Ele era professor de matemática em uma universidade.

— Me passe o endereço dele e de seu trabalho.

Já sabia tudo o que precisava para começar a investigação, então me despedi do homem e sai do prédio. Hoje o céu estava limpo, e o sol aquecia a rua a ponto de ser possível fritar um ovo nela. Na época não imaginava, mas era uma das últimas vezes em que veria o sol.

Fui até o apartamento de Augusto, que ficava num bairro residencial de classe média, composto principalmente por casas e alguns poucos prédios. Falei com o porteiro, e expliquei que tinha sido mandado pelo pai de Augusto para investigar seu desaparecimento, e que estava com a chave do apartamento. Ele pareceu hesitante, mas me deixou entrar. Ao entrar notei que haviam câmeras no prédio, que me ajudariam muito.

O apartamento de Augusto era muito bem adequado para um homem solteiro. Tinha uma mesa de quatro lugares, um sofá de dois lugares, uma televisão de tela plana sobre um rack, cozinha equipada com eletrodomésticos, uma pequena máquina de lavar. Havia dois quartos, em um dos quais havia uma cama de casal, e no outro uma pequena escrivaninha com um laptop e uma estante com livros. Não havia nada que chamasse atenção aparentemente, até que olhando bem, notei uma mancha hematóide no sofá. Se estivesse trabalhando para a polícia recolheria uma amostra para ser utilizada em teste de DNA, mas não era mais o caso. Revirei as lixeiras da casa, e em uma delas encontrei algo inusitado – bolsas de sangue, daquelas utilizadas para doações, vazias. Difícil imaginar como tais objetos poderiam ter vindo parar na casa de um professor de matemática, e mais ainda para onde tinha ido o sangue contido nas bolsas. Estaria Augusto envolvido em algum tipo de culto satânico? Mais tarde iria perguntar sobre a religião de Augusto para seu pai. Mexi no laptop de Augusto, mas também não encontrei nada de interessante relacionado com seu desparecimento. Olhei até seus e-mails, que indicavam que ele não tinha acessado a conta recentemente por outro computador, e que ele não tinha nenhuma intenção de sair de férias em breve. Pelo jeito ele era um homem muito ocupado. Encontrei no lixo do quarto, próximo ao computador, inúmeras folhas com contas complicadas e gráficos, mas não tentei extrair algum sentido delas.

Não havia mais nada de relevante no quarto, então fui falar com o porteiro.

— Para onde vão as filmagens dessas câmeras de segurança?

— Vão para um DVR que fica lá dentro.

— Posso ter acesso a elas?

— Não, isso só com autorização do síndico.

— Veja bem, só estou investigando para descobrir onde foi parar Augusto, a mando de seu pai. Não tem porque você me impedir de ver as gravações.

— Mas isso não é comigo. Só falando com o síndico.

— Tudo bem, onde posso falar com ele?

— Ele mora aqui. Pode deixar que eu interfono para ele.

Logo chegou na entrada do prédio um homem velho, com uns sessenta anos, vestindo calças jeans e camisa.

— Boa tarde.

— Boa tarde. Você é o síndico?

— Sim, sou eu.

— Então, eu estava precisando ver as gravações das câmeras de segurança. Estou investigando o desaparecimento de Augusto, a mando de seu pai.

— Não, para ver as filmagens só a polícia.

— Mas a polícia não está fazendo nada para investigar seu desaparecimento, a única esperança para encontrá-lo sou eu. Se você se importa com o destino de Augusto, que pode estar correndo risco de vida, você deve me deixar ver as filmagens.

— Tudo bem, vou mostrar para você. Mas você não deve falar pra ninguém, tudo bem?

— Tudo bem, muito obrigado.

Acompanhei o síndico até uma sala no andar térreo do prédio, e ele ligou a tela do DVR. Havia muitas horas de gravações, com pessoas entrando e saindo do prédio o tempo todo, então foi difícil encontrar Augusto em meio a todas as outras pessoas. Depois de duas horas procurando, finalmente encontrei a gravação da última saída de Augusto. Ele saía do prédio junto com um homem vestindo um sobretudo preto e com um símbolo misterioso pendurado no pescoço. Augusto usava calças jeans e uma camisa branca. Ambos estavam notavelmente pálidos. Entretanto, pela baixa qualidade da gravação não dava para reconhecê-los com precisão. Copiei a parte da gravação que interessava e levei num pen-drive. Anotei a hora em que eles tinham saído para falar com o porteiro que tinha aberto o portão para eles.

Agradeci ao síndico pelo acesso as filmagens, e fui falar com o porteiro. Perguntei qual porteiro trabalhava no horário em que Augusto e seu companheiro misterioso tinham saído do prédio, e ele me informou que era Fernando. Peguei o endereço de Fernando e fui para meu carro. Fui até o endereço de Fernando, que morava numa casinha em um bairro de classe baixa. Bati palma e alguém que só poderia ser ele atendeu a porta.

— Oi, você é Fernando?

— Sim, por que?

— Eu fiquei sabendo que você estava trabalhando como porteiro no dia que o Augusto desapareceu.

— Não fui eu não.

— Não foi?

— Não.

— Eu tenho uma gravação do momento em que ele saiu do prédio pela última vez, e é no seu horário.

— Ah tá.

— Foi outro porteiro que estava te cobrindo?

— Não, foi eu mesmo. O que foi?

— Quem o visitante disse que era para você?

— Ele não disse. Era isso que eu não estava querendo dizer. Ele só pediu para eu abrir o portão e deixar ele passar e eu deixei.

— Por que?

— Não sei. Não tem explicação.

— Entendo. Você acha que conseguiria fazer um retrato falado dele?

— Sim.

— Então vou falar com uma pessoa que conheço que faz e marcar um horário com ele. Mais uma pergunta, você viu se o homem carregava alguma coisa quando entrou?

— Ele levava um saco de papel, como um saco de pão.

Eu tinha visto o saco de papel no lixo, junto com as bolsas de sangue.

Liguei para um colega dos tempos de polícia e perguntei para ele quando ele teria tempo livre para fazer um retrato falado, e ele disse que naquele dia de noite estaria livre. Combinamos então de nos encontrarmos na casa de Fernando, as sete horas. Passei o tempo livre na minha sala, esperando por possíveis clientes, mas nenhum apareceu. As sete horas fui até a casa de Fernando, e lá encontrei com Mário, o desenhista. Entramos na casa de Fernando, que era muito simples, e sentamos na mesa da cozinha. Lá Mário pegou seu laptop e então começou a fazer o retrato falado. Meia hora mais tarde ele estava pronto, então copiei para meu pen-drive, paguei Mario, e me despedi dele e de Fernando. Fui até minha sala e imprimi cartazes de procura-se com o rosto de Augusto e do homem que o tinha acompanhado. Levei os cartazes até a universidade de Augusto e colei-os nos murais espalhados pelo campus, principalmente próximo do departamento de matemática.

Alguns dias se passaram, e o único retorno que tinha dos cartazes eram de pessoas que tinham visto Augusto antes de ele desaparecer. Até que recebi uma ligação, de uma moça que era secretária do departamento de matemática, e que dizia ter visto o homem misterioso no departamento de matemática, antes de Augusto sumir. Então quer dizer      que eles viam tendo contato antes de Augusto desaparecer? Será que ele havia sumido propositalmente, e não sido sequestrado? Mas e a mancha de sangue no sofá, o que significaria nesse caso? Estava me fazendo essas perguntas, quando a moça disse algo que praticamente resolveu o caso – o homem misterioso tinha feito um cadastro para entrar no departamento, e tinha deixado um endereço. Seu nome era João Carlos.

Fui imediatamente para o endereço que a moça tinha me passado, que correspondia a um apartamento de alto nível num bairro residencial com alguns comércios, principalmente restaurantes, espalhados. Falei para o porteiro que estava procurando João Carlos, e disse o número do apartamento. Ele disse que ninguém com esse nome morava lá, mas concordou em ligar para ver. Depois de ligar, ele me disse que a dona do apartamento tinha atendido, e dito que se eu quisesse falar com João Carlos deveria ir até lá a noite, próximo das sete horas.

Saí de lá animado por estar próximo de descobrir o destino de Augusto. João Carlos provavelmente sabia para onde ele tinha ido. Só me perguntava se eu estava correndo perigo, sendo que ele podia ser um sequestrador, que não ficaria feliz sabendo que foi descoberto. Por isso, quando voltei lá a noite, levei comigo minha pistola .380. Mal sabia eu que tal arma teria um efeito irrisório sobre João Carlos.

As sete horas, pedi que o porteiro tocasse o interfone, e então a dona do apartamento pediu que eu subisse. Bati na porta do apartamento, e uma mulher com uns vinte e poucos anos, vestida de calças jeans e uma blusa preta abriu a porta.

— Pode entrar.

Quando entrei na sala tomei um susto – me deparei não apenas com João Carlos e Augusto, mas também com Oswaldo.

— Ué, o que está acontecendo aqui? – perguntei.

A mulher trancou a porta e pegou a chave.

— Seja bem-vindo Rogério. – disse João Carlos. – Você deve estar se perguntando o que Oswaldo está fazendo aqui.

— Sim.

— A verdade é que toda sua busca por Augusto não passou de um teste, para decidir se você é apto a se tornar um de nós.

— Um de nós? O que isso quer dizer?

— Você logo vai entender. – João Carlos se aproximou de mim, e não esperei que fosse tarde demais, saquei minha pistola e atirei nele duas vezes no peito e uma na cabeça, o chamado Mozambique drill, projeto para neutralizar qualquer ameaça imediatamente, mas ele continuou se aproximando, me agarrou e me mordeu no pescoço. Assim que ele me mordeu perdi totalmente a vontade de lutar, aquilo era ao mesmo tempo dolorido e muito prazeroso. Subitamente tudo ficou escuro, devido à perda de pressão, e desmaiei.           

Acordei não muito tempo depois, deitado no sofá. Sentia uma sede intensa. Me levantei e olhei em volta. Estavam todos lá, sentados na mesa de jantar.

— O que você fez comigo? – perguntei.

— Ah, vejo que você acordou. Agora posso responder suas perguntas, mas primeiro acredito que você vai querer um pouco disso. – ele se levantou e foi até a geladeira, de onde tirou duas bolsas de sangue. Não entendia porque ele achava que eu ia querer beber sangue, mas assim que ele se aproximou, perdi o controle de meu corpo e agarrei as bolsas de sangue, que bebi avidamente. Mas aquilo era ainda muito pouco para mim, precisava de muito mais. Olhei faminto para Oswaldo, e João disse:

— Nem pense nisso, ele é meu carniçal. Logo te levarei para caçar, mas por enquanto você vai ter que aguentar com o que te dei.

— Tudo bem, então me responda o que você fez comigo.

— É simples, você foi transformado em um vampiro.

Vampiro? Seria isso possível? Não podia negar que tinha sede de sangue. Além disso, agora as dúvidas que tinha sobre o caso se esclareceram. A mancha de sangue no sofá só podia ter sido causada por João bebendo o sangue de Augusto, e as bolsas de sangue tinham sido usadas como sua primeira alimentação.

— E o desaparecimento de Augusto?

— A família de Augusto é minha carniçal de longa data, ou seja, eles bebem meu sangue para não envelhecer e se tornarem mais fortes, e me ajudam no que eu precise. Escolhi o filho deles para se tornar um membro, e você também. Venho acompanhando sua vida desde a graduação, e decidi que agora era hora de te abraçar. Mas você precisava passar por um último teste. Por isso pedi que Oswaldo te procurasse para investigar o desaparecimento de Augusto.

— Entendi. Então você deixou seu endereço com a recepcionista do Departamento de Matemática de propósito, para que eu pudesse te encontrar?

— Sim.

— Tudo bem, agora chega de joguinhos. Você vai me levar pra caçar?

— Sim, venha comigo.


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