Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 5
Capítulo I - Sangue, passeios e café


Notas iniciais do capítulo

Oie, td bem com vcs amores? Desculpa a demora (quase um mês), mas sabem como é: férias rola aquela preguiça básica e a Netflix roubando sua alma... Mas acho q isso n vai mais acontecer já q umas leitoras amorzinho me colocaram em cativeiro ahsuhasu Obrigada a escrever, que fase.

ENFIM. Tenho alguns avisos para dar:
1. Decidi que sou eu quem vai escolher para qual Irmandade cada campista vai. Aqueles leitores que escolheram ´´veterano´´ para o seu campista relaxem, a Irmandade que vcs definiram continua. Esse aviso só serve para os novatos. Por isso aqueles leitores q ainda n responderam ao questionário eu PRECISO q vcs respondam, ok? Ok.
2. A fic é dividida em partes e a história começa efetivamente agora, ou seja, a parte um terá seu início no exato momento q vc começar a ler o capítulo.
3. Eu tenho alguns caps com a música definida e eu preciso saber se vcs se importam q eu coloque os personagens com músicas q vcs n escolheram.
4. Preciso q vcs me mandem uma MP dizendo o q seu personagem acha de cada Líder.

DEDICO ESSE CAPÍTULO À: Maravilhosa da Time Lady que apesar de me manter em cativeiro me recomenda séries ótimas e fez essa capa fantástica para a fic *abraçando*.

Mas chega de enrolação
Boa leitura ^.^



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Parte um: A Ignorância é uma Bênção

Maxine Vause, Max

“Nunca me senti assim antes. Estou onde queria estar´´.

— Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças

 

(Julho – Sábado, manhã)

Acordei com uma porta sendo fechada com força. Gemi baixo e coloquei o travesseiro sobre o rosto. Fiquei assim por alguns minutos até perceber que tudo estava estranhamente silencioso. Bocejando, olhei para o relógio em cima do criado mudo e soltei um palavrão. Eu estava cinco minutos atrasada para o café da manhã — não que eu me importasse muito com isso, sempre odiei essa mania que as pessoas têm de por horário certo pra tudo, mas eu não estava nem um pouco a fim de levar bronca logo de manhã.

Sentei-me e joguei as cobertas para o lado, reparando na cama impecável da minha colega de quarto que obviamente não deveria mais estar no Chalé. Legal da parte dela não me acordar, pensei com ironia. Caminhei até o banheiro, fechando a porta ao passar e comecei a pentear meus cabelos loiros e lisos. Encarei meus olhos grandes e castanhos, minha pele clara e meus lábios rosados e finos no espelho, olhando em seguida o banheiro por ele.

O piso de cerâmica branca estava gelado sob meus pés. O Box de vidro estava embaçado, mostrando que minha colega havia tomado uma chuveirada antes de sair. Coloquei minha escova sobre o granito que circunda a pia branca e fui abrir a pequena janela do banheiro, para que aquele vapor pós-banho sumisse logo. Escovei os dentes e após caçar minha nécessaire no armário embaixo da pia, passei protetor solar no rosto.

Sai do banheiro e fui procurar algo para vestir na minha parte do armário. Enquanto vestia meu short jeans e uma regata de cor neutra que deixa minha tatuagem de beija-flor colorida à mostra na asa esquerda, observei o quarto pela milésima vez.

Da entrada do quarto é possível ver o cômodo inteiro. O piso de madeira, as paredes pintadas de um verde claro quase branco e alguns quadros com imagens da natureza. Na parede esquerda do cômodo, duas camas de solteiro cheias de travesseiros e com uma colcha cada estão separadas por um tapete peludo e um criado mudo claro. Encostada na mesma parede da porta de entrada e ao lado de uma das camas, um guarda roupa de madeira sem portas com diversas divisórias para roupas e sapatos. Aos pés da cama, uma porta que leva ao banheiro e uma escrivaninha com um vaso de flores em cima. De frente a porta de entrada, ou seja, do outro lado do quarto, uma janela grande de porta dupla da acesso a enorme varanda compartilhada.

A varanda possui algumas mesas que durante o decorrer do dia são abastecidas com comidas e bebidas, além de algumas mesinhas com cadeiras espalhadas, sofás e mais pufes.

Coloquei meu all star nos pés e sai do quarto. Passei pela primeira porta do corredor da esquerda e parei no topo da escada, absorvendo o silêncio.

— Que os céus não queiram que eu seja a única atrasada – murmurei enquanto descia a escada rapidamente.

Passei pelo corredor entre a sala de estar e a de TV e abri a porta constatando que um abençoado carrinho estava a minha espera perto das árvores. Corri até ele e dei a partida. Percorri pelo caminho de cascalho e resolvi fazer um caminho alternativo para chegar ao Refeitório, olhando o mapa que tinha levado. Em vez de pegar o caminho da direita e ir pelos estábulos, segui em frente passando pela piscina, pelas quadras e pela Vila das Irmandades. Desacelerei quando estava passando por essa último e dei uma boa olhada para o enorme muro de pedras cinza com arame farpado no topo que circundava a Vila, além das torres de vigilância que estavam vazias. Os portões altos de ferro negro com um campista na entrada cercado de pelo menos três lobos impedia que os campistas sem Irmandade passassem. Parei perto de um dos portões e tentei olhar a Vila por ele, mas um lobo raivoso rosnou e andou na minha direção, me forçando a seguir em frente.

Passando a Vila, peguei o caminho da direita em direção ao sul do Acampamento. Passei pela horta e estacionei perto dos diversos carrinhos que estavam na frente do Refeitório. Olhei para meu relógio de pulso e constatei que estava quarenta minutos atrasada. Subi a escadaria correndo e abri a porta o mais discretamente possível. Interrompendo Elizabeth no meio do seu discurso.

Quando a Líder se calou e ficou me encarando enquanto eu estava parada perto da porta como uma estatua, os campistas a principio estranharam a atitude, mas logo viraram suas cabeças na minha direção e me encararam também. Alguns me olharam com pena enquanto outros apenas me olhavam, mas a grande maioria riu e cochichou com seus amigos.  Fechei a porta, coloquei as mãos para trás e mantive o contato visual com Elizabeth. A garota – que não estava usando a camiseta da sua Irmandade, assim como os demais – ergueu uma sobrancelha e deu um meio sorriso.

— A menos que esteja muito confortável sendo o centro das atenções – ela falou sarcástica – pode ir se sentar com seu Chalé, senhorita Vause.

Apesar do seu tom eu sabia que ela não estava sendo maldosa. Caminhei rapidamente até a mesa das Larvas e me sentei do lado da Evelyn que me deu um sorriso compreensivo. Ergui meu olhar da toalha verde que enfeitava a mesa das Larvas e tive a impressão que 300 pares de olhos me encaravam.

— Se vocês já pararam de admirar a senhorita Vause – Elizabeth falou atraindo a atenção de todos – podem comer.

Os campistas riram e logo o som de vozes e risadas encheu o Refeitório. As mesas estavam cheias de tortas, pães e geleias, frios, bolachas, sucos... Empregados do Acampamento entravam e saiam da cozinha, que reparei ser nos fundos, carregando travessas com ovos, bacon e tomates fritos.

Evelyn que usava uma camiseta branca com a frase I wonder what it feels like to know what the hell is going on e que estava sentada do meu lado direito, começou a conversar com sua colega de quarto, Telma, enquanto esta se servia de um pedaço de um dos bolos. Calíope conversava animadamente com Lua enquanto esta mexia em seu cabelo castanho comprido, não parecendo tão animada assim. Estava prestes a perguntar se a garota estava se sentindo bem quando alguém respirou fundo do meu lado esquerdo.

— Ah, esses malditos hormônios.

Olhei para o garoto de cabelos castanhos, curtos e despenteados. Reparei em seus olhos esverdeados que olhavam todos os campistas como imaginasse o quão prazeroso seria matar um a um. Suas sobrancelhas franzidas mostravam o quanto ele estava odiando estar ali.

— Pare de reclamar pelo menos uma vez na vida Oliver – um garoto de pele negra, brinco na orelha esquerda e com o cabelo negro preso num enorme coque, que estava sentado ao lado esquerdo da Calíope e na frente do tal Oliver falou com um sorriso que deixava a mostra seus caninos pontudos.

Oliver bufou do meu lado. Lembrei-me dos dois imediatamente: eles estavam brigando na frente do Refeitório ontem. Lembrei-me de estar sentada calmamente na mesa das Larvas, sendo uma das últimas, e de estar observando os Líderes implicarem uns com os outros sentados na mesa deles quando gritos começaram a vir do lado de fora, nos alertando que algo estava errado.

— Se está incomodado se retire – Oliver falou sarcástico. – Ah é, me esqueci de que você tem medo da Manson.

— Medo da Manson? – Kenai perguntou enquanto dava uma enorme mordida no seu pão. – Você é que tem medo da Elizabeth, Magricela.

Minha barriga roncou me mandando parar de prestar atenção nas conversas aleias e comer logo. Servi-me de um pedaço de torta e um pouco de suco. Calíope, que estava sentada na minha frente com uma camiseta amarela que deixava sua barriga lisa amostra, sorriu para mim enquanto Lua, que estava do seu lado direito, falava algo sobre uma polêmica envolvendo Katy Perry e uma marcha. Telma que usava uma camiseta rosa claro com uma enorme borboleta bordada estava falando algo sobre besouros para Evelyn quando seus olhos pousaram em mim.

— Maxine do céu – ela gritou atraindo atenção de algumas pessoas. Lua, que estava sentada do lado esquerdo de Telma, colocou a mão no ouvido direito enquanto Calíope pulava alguns centímetros. Me afoguei com o suco enquanto Oliver largava o garfo no seu prato e socava a mesa. Tossi enquanto Lyn dava batidas fortes nas minhas costas.

— Bela tatuagem – Lyn falou rindo de leve.

— Obrigada – falei me acalmando e olhando com os olhos lacrimejando para Telma. – O que foi Tel?

— Por que chegou atrasada? – ela perguntou calmamente comendo um pedaço de sua torta como se nada tivesse acontecido.

Olhei levemente chocada para ela por alguns instantes assim como as outras. Ela ergueu o olhar para nossos rostos como se não estivesse entendo nada. Eu e as meninas trocamos olhares e de repente estávamos todas rindo.

— Esse Acampamento definitivamente está me levando ao limite – Oliver reclamou enquanto esfregava os olhos com força.

— Pare de ser reclamão – Kenai falou enquanto comia algumas fatias de bacon.

— Enfim – falei após alguns minutos – eu não coloquei meu despertador para tocar e acordei atrasada.

— E sua colega de quarto? – Lyn perguntou, jogando sua franja vermelha para o lado.

— Já tinha saído.

— Se você falar quem ela é, quando a acharmos damos uma surra – Cal falou me dando uma piscadela com seus olhos verdes amendoados.

— Não se esqueçam de me chamar – Kenai falou entrando na conversa.

— Ah não – Oliver falou num tom indignado encarando Kenai. – Não me diga que você vai socializar com as hienas.

— Por quê? Está com ciúmes, Magricela? – o garoto perguntou enquanto passava os braços sobre os ombros de Cal, que se desvencilhou com educação.

Antes que Oliver pudesse responder, Elizabeth se levantou e pediu a atenção de todos.

— Aqueles que já terminaram podem sair, com exceção de todos do Chalé das Larvas.

As Irmandades saíram aos poucos, rindo das nossas caras quando passavam na nossa mesa. Na verdade, os Lobos e Búfalos riam com gosto, enquanto os Ursos se dividiam entre rir e sentir pena. As Raposas sorriam encorajadoras ou nos ignoravam completamente enquanto as Corujas apenas nos ignoravam. Olhei para a mesa dos Líderes me perguntando se as Irmandades refletiam as personalidades daqueles que as comandavam. E por que as Larvas tinham que esperar todos os outros saírem. Seria minha culpa?

— O que ela falou no discurso? – sussurrei sem saber por que.

— Preocupada? – Cal perguntou sorrindo.

— Ela falou sobre todas as atividades que o Acampamento oferece e que somos obrigados a escolher pelo menos uma, mas que não a máximo de atividades permitidas para cada campista – Lyn falou enquanto passava doce numa fatia de pão. – Falou que temos o dia de hoje para irmos aos lugares e escolhermos o que vamos fazer e que temos que escrever uma carta e entrega-la ao Sam.

— E falou também que ao contrário dos outros anos, o Acampamento não vai concorrer com outros acampamentos e escolas pelos troféus das regionais e coisas assim – Lua continuou, enquanto limpava sua camiseta regata preta com estampa de margaridas. – Para começar, eu nem sabia que o Acampamento fazia isso e para terminar, isso pareceu deixar todos os outros confusos, inclusive os Líderes.

— O que é uma pena – Kenai falou. – Eu realmente ia gostar de ganhar um troféu.

— Você ganhou a luta de ontem – Lyn falou.

Oliver bufou enquanto Kenai ria com gosto. Sorri e olhei ao redor, constatando que quase todos já tinham saído. Elizabeth se levantou e caminhou até nossa mesa, ficando praticamente atrás da Cal e dos demais, que tiveram que se virar para olhá-la. Da mesa dos Líderes, todos pareciam nos encarar, nos avaliando.

— Muito bem – a Líder das Raposas começou quando os últimos campistas passavam pela porta. – Como eu já disse vocês tem o dia de hoje para decidirem o que vão querer fazer. Apesar de este ano não concorrermos aos prêmios dos concursos, a Taça das Irmandades ainda está em jogo e os esportes contam pontos. Então se inscrevam no que já são bons se quiserem ajudar sua Irmandade. Mas vocês podem se inscrever no que querem aprender, é claro.

Ela passou os olhos pelos campistas até que os pousou em mim. Senti um arrepio descer minha coluna quando suas orbes geladas me encararam.

— Como vocês puderam notar, tivemos alguns atrasos hoje, uns maiores do que outros. Como este é oficialmente o primeiro dia de vocês aqui, não irei puni-los. Mas se alguém se atrasar para as demais refeições ou se os mesmos ousarem repetir a dose... – ela fez uma pausa dramática. – Bom o que resta a dizer é que não serei tão complacente. Estão dispensados.

Mas antes que alguém pudesse mover um músculo para sair, Oliver estava de pé encarando Elizabeth com as sobrancelhas franzidas. A garota o olhou e deu um meio sorriso, meio de deboche meio divertido. Oliver abriu a boca para falar, mas Elizabeth o interrompeu.

— Se você se levantou para reclamar do seu colega de quarto, achando que vou aceitar porque estamos cercados de pessoas, se enganou.

— Não vou reclamar, mas foi uma atitude muito impensada da sua parte – Oliver falou com raiva. – O que te garantia que Kenai e eu não íamos brigar novamente?

Elizabeth sorriu.

— Nada me garantia, aliás, nada me garante Oliver. Mas nunca iria saber se não arriscasse.

— Estava disposta a arriscar ossos quebrados? – ele perguntou com ar superior.

— Seus ossos, você quer dizer – Kenai falou sorrindo.

— Não só estava como estou – Elizabeth falou séria. – Em nenhum momento confiei em você, nas suas atitudes e no seu comportamento quando coloquei os dois juntos. Confiei em Kenai e em sua capacidade de saber, na maioria das vezes, quando é certo parar. Se quer ter direito de vir até mim e questionar minhas decisões Oliver, primeiro aja como um ser humano descente e não use uma plateia contra uma pessoa. Segundo, faça por merecer. Não vou acatar com nenhuma das suas vontades nem com nenhuma dos outros do seu Chalé até que cada um mostre merecer, como todos os outros fizeram. 

Ela encarou Oliver por mais alguns segundos, virou-se e saiu do Refeitório sendo seguida de perto por Sam. Os outros Líderes ou voltaram a comer ou seguiram seu exemplo.

— Eu odeio silêncio constrangedor – Telma exclamou nos assustando.

— Bom – Lua falou encarando Tel, com uma mão no ouvido. – Acho que devemos seguir o conselho da Elizabeth e irmos dar uma volta.

— Isso, sigam o conselho de alguém que não está nem aí pra vocês – Oliver falou entre dentes, com os punhos cerrados e olhando para fora.

— Ah, qual é cara – Kenai falou se levantando – você pediu pra levar uma. Aliás, acho que ela até que foi gentil com você.

Oliver lançou um olhar raivoso para Kenai e voltou a olhar pela janela. Segui seu olhar e reparei que ele encarava a silhueta de Elizabeth que conversava com alguém enquanto acariciava um cavalo negro.

— O que está pensando em fazer? – perguntei a ele.

Ele ficou tanto tempo em silêncio que achei que estava me ignorando, mas por fim falou:

— Isso não é da sua conta.

Então se levantou e caminhou até a porta, com os olhos ainda cravados em Elizabeth. Kenai se despediu rapidamente e correu porta afora, atrás do amigo. Encarei a porta por alguns minutos decidindo o que iria fazer a seguir, quando vi Dylan caminhando com passos decididos até a porta, parecendo procurar alguém.

Levantei-me e corri até uma das janelas olhando para o lado de fora. Jason, Mavis e outro garoto de pele morena e com uma cicatriz que percorre a têmpora até a sobrancelha do lado esquerdo do rosto, conversavam perto da escada. A maioria dos campistas se afastavam do Refeitório. Oliver e Kenai eram um deles. Dylan os encarava do topo da escada com uma expressão indecifrável no rosto, completamente oposta ao seu típico sorriso simpático. Elizabeth e os outros Líderes não estavam mais à vista.

Voltei para o local onde minhas amigas estavam ainda me perguntando o que Oliver iria fazer a seguir e se Kenai de fato iria pará-lo. Estava quase me sentando quando todas se levantaram e Calíope anunciou que começaríamos nossa aventura pelos estábulos, seguindo para o norte e depois leste até dar a volta completa pelo Acampamento, visitando todos os locais possíveis.

Telma saiu saltitando com seus tênis cor de rosa na nossa frente, em direção a um dos carrinhos. Lyn passou um dos braços sobre meus ombros, ficando alguns centímetros mais baixa e sorriu para mim, fazendo perguntas sobre minha família e passado, mas mudando de assunto de forma incrível quando eu as repetia para ela. Calíope sentou-se atrás do volante e buzinou para que nós nos aproximássemos mais rapidamente. Lua sentou no meio do banco de trás e sorriu para mim quando me sentei ao seu lado.

Telma, que estava sentada ao lado da Cal, virou-se para trás e começou a tagarelar muito rapidamente sobre livros de aventura, tropeçando nas palavras às vezes. Lua e Lyn começaram a dar sua opinião sobre o assunto enquanto Cal apenas dirigia, rindo ocasionalmente de alguns comentários. Os cabelos alaranjados de Calíope faziam cocegas no meu rosto se eu me inclinasse para frente. Fiquei alguns minutos em silêncio, absorvendo o lugar. Olhei ao redor vendo pássaros indo e vindo, as folhas se agitando com a brisa, os picos das montanhas cobertos de neve em pleno verão. Olhei para cada uma das garotas sentadas no carrinho, rindo e conversando, e pensei que exatamente naquele horário no dia anterior elas eram completas estranhas. Sorri sentindo uma estranha sensação de paz. Mas como diz aquele ditado: antes da tempestade tem sempre a calmaria.

Estacionamos perto dos estábulos e demos uma passada rápida pelo local, vendo os vários cavalos e conversando com os outros campistas que estavam ali para auxiliar os novatos. Depois seguimos em direção ao norte, rumo às piscinas – uma coberta e aquecida e a outra em temperatura ambiente e descoberta – com vestiários e arquibancadas. Caminhamos até as quadras que ficavam logo ao lado das piscinas. No total, eram cinco quadras cobertas – para vôlei, basquete, tênis, futebol e handebol – o campo de futebol ao céu aberto com uma pista de atletismo ao redor e uma quadra para vôlei de areia. O tiro ao alvo é feito na floresta e o golfe está por todo o Acampamento, Alo nos disse quando Lua perguntou.

— Está dizendo que eu posso estar andando calmamente pelo Acampamento e levar uma bola de golfe na cara? – Telma perguntou visivelmente nervosa.

— Bem, é – Alo disse corando de leve, deixando suas sardas ainda mais destacadas. – Isso raramente acontece, mas é possível. Effy diz que é bom para aprendermos a ficarmos vigilantes sempre. Sinceramente não sei o que ela acha que esse Acampamento é. Até parece que vamos ser atacados!

— Quem atacaria um bando de adolescentes? – perguntei tentando soar compreensiva.

— É o que eu sempre falo pra ela – Alo exclamou em concordância.

Saímos de dentro do chalé repleto de equipamentos, bolas de diversos esportes, além de maquinas de bebidas e salgadinhos, que fica perto das quadras e caminhamos de volta para o carrinho. Apesar de estarmos perto da Vila decidimos não sucumbir à tentação de dar uma olhada e rumamos direto para o Refeitório, afinal de contas, definitivamente não queríamos nos atrasar.

Depois de comermos decidimos terminar de ver o Acampamento antes que ficasse muito tarde. Assim, corremos de volta para o carrinho e fomos em direção ao Lago.

(Tarde)

Considerando o Lago como centro, as três salas ficam ao sul, praticamente na orla da floresta. As salas ficam uma do lado da outra como em uma escadinha. Uma sala é para as lutas, com o chão sendo todo acolchoado e com os equipamentos espalhados pelo ambiente. Na sala seguinte, que é a de dança, praticamente todas as paredes têm espelhos e barras de ferro. Na última sala, a de música, instrumentos e partituras estão espalhados pelo cômodo, só esperando a hora de serem utilizados.

Do lado oeste do lago, um chalé com canoas, artigos para pescaria e instrumentos de mergulho, ocupam o primeiro andar da construção colorida de madeira de dois andares. No andar superior, uma cafeteria com ar rústico e moderno ao mesmo tempo ocupa um dos cantos impregnando tudo com o delicioso aroma de café. Mesas com cadeiras, poltronas e tapetes estão espalhadas de forma organizada pelo ambiente. Estantes com alguns livros e quadros com fotos e pinturas feitas pelos próprios campistas enfeitam as paredes. Duas portas francesas de vidro dão acesso à varanda que circunda todo o segundo andar.

Vários veteranos estavam sentados comendo e bebendo, lendo ou conversando. Das janelas ou da varanda era possível ver vários novatos indo e vindo do tour pelo Acampamento enquanto os demais caminhavam calmamente.

Saindo diretamente da porta principal do primeiro andar, o cais se estende até praticamente o meio do lago. A floresta circunda todo o norte e leste e algumas pedras grandes nessas regiões possibilitam que os campistas sentem na beira do Lago sem se molharem.

Alguns campistas pescavam ou conversavam calmamente ao redor do Lago e de vez em quando era possível ver algum animal na floresta.

— Por Lady Gaga, isso aqui parece mágico – Lua falou enquanto se inclinava sobre a grade que circundava a varanda do Chalé Cais.

Concordei enquanto observava Lyn e Telma vasculharem empolgadas as estantes de livros.

— Se acharmos dois exemplares do mesmo livro, podemos lê-lo ao mesmo tempo e comenta-lo – Telma exclamou animada.

Lua riu e se endireitou, dando as costas à paisagem e encostado a mesma na grade. Porém o sorriso logo sumiu do seu rosto e deu ar a uma carranca quando ela olhou para alguém que estava perto do balcão da cafeteria.

— Aquela garota não é a Dawn Margott? – perguntei reparando na garota alta, com cabelos castanhos ondulados e all star vermelho que nos encarava. – A que foi selecionada pro Urso ontem?

— É – Lua respondeu séria encarando Dawn com a expressão vazia.

— Hã... Tudo bem entre vocês? – perguntei intercalando meu olhar entre as duas.

Mas antes que Ártemis pudesse responder, Calíope apareceu com uma xícara de chá na mão. Ela parou na nossa frente parecendo intrigada e animada ao mesmo tempo.

— Isso tudo não é o máximo? – falou. – Por que será que eles não colocam todas essas instalações no site? Atrairia bem mais campistas.

Dei de ombros ainda olhando para Lua. Ártemis desviou o olhar de Dawn para Calíope parecendo levemente relutante. Percebendo que algo estava errado, Cal olhou sobre o ombro, mas Dawn já havia sumido. Parecendo se lembrar de algo, a garota voltou o rosto em nossa direção, mais uma vez animada.

— Vocês repararam na garota do café? – perguntou tomando um gole de seu chá. Eu e Lua negamos com a cabeça. – Bom, ela é a Sophie, tem quinze anos e está aqui desde os onze. Ela é simpática e bonita e talvez vocês estejam se perguntando por que diabos estou falando dela já que ela não parece ser nada demais, mas tem alguma coisa nela que me intriga.

E então ela começou a tagarelar sobre a Sophie. Olhei para a cafeteria esperando encontrar a garota, mas vi apenas um rapaz servindo duas calouras.

— Ela faz trabalho voluntário aqui e me explicou que logo todos nós estaremos fazendo – Calíope prosseguiu –, mas que por enquanto não é para sair espalhando...

— Como ela é? – Lua perguntou interrompendo.

— Ela tem o cabelo loiro escuro, acho. Olhos azuis, branca, magra e meio baixinha.

— O que ela está usando? – perguntei tentando acha-la.

— Eu não reparei nisso, mas acho que uma blusa verde. Enfim, eu estou falando dela por que...

Arregalei os olhos. Eu não tinha certeza de quem era a tal da Sophie, mas se eu estivesse certa a garota estava caminhando na nossa direção. Dei um cutucão na Calíope que apenas bateu na minha mão e continuou a falar. Comecei chamar a garota, mas Lua apenas me mandou parar de interromper.

— Tudo bem – Calíope falou jogando as mãos para o alto e me encarando. – Qual é o problema Max?

— Acho que sua amiga queria avisar que a pessoa sobre a qual você está falando está bem atrás de você.

Cal arregalou os olhos e se virou, puxando os cabelos da nuca logo em seguida.

— Oi Sophie – ela falou confiante, apesar do nervosismo.

Sophie sorriu enquanto prendia os cabelos longos num rabo de cavalo baixo. Engoli em seco encarando a garota descaradamente.

— Você é a Sophie? Isso seria uma ótima cena clichê de um filme ruim, se isso fosse um filme, claro – Lua falou sarcástica.  –De longe eu podia jurar que você era a...

— Elizabeth – Sophie falou sorrindo meiga e dando de ombros. – Somos primas.

— Não sabia que ela tinha uma prima aqui – falei.

— A ideia é essa – ela falou calmamente e então ao reparar em nossos rostos explicou. – Bom, eu sou a bastarda da família então a ideia é ninguém saber da nossa ligação, mas como somos meio parecidas às coisas dificultam um pouquinho.

— Por que ninguém pode saber? – perguntei curiosa.

— Bom, bastarda quer dizer quem nasceu fora do casamento, mas esse não é exatamente meu caso. Minha mãe fez algumas coisas que prejudicaram a família então ela foi deserdada e consequentemente eu também.

— Mas isso é errado – Calíope exclamou. – Você não fez nada e o que a sua mãe fez não pode ser tão ruim assim.

Sophie deu de ombros.

— Nossa família leva as regras a sério. Elizabeth não sabia da minha existência até pouco tempo atrás, quando eu e minha mãe passamos por problemas financeiros e procuramos meu tio, que é o pai dela, para nos ajudar. Ela achou injusto eu fazer parte da família e não usufruir de nenhum privilégio que isso trás, então convenceu o pai a me colocar no Acampamento. Tio Vicent aceitou depois de nos fazer prometer seguir um monte de regras. Agradeceria se vocês não contassem isso para ninguém. Eu posso colocar Effy em problemas...

— Não se preocupe – falei colocando uma mão sobre os ombros da garota. – Seu segredo está seguro com a gente.

Sophie sorriu parecendo mais calma até ficar agitada novamente.

— Eu não tinha vindo até aqui para isso. Uma amiga de vocês, Evelyn, me pediu para avisá-las que ela foi para a Biblioteca e que vai esperar vocês lá.

Agradecemos e nos despedimos de Sophie pensando na sua história. Entramos no carrinho e Cal deu partida, dirigindo em direção ao sudoeste. Me encostei no banco de trás e fechei os olhos, deixando que o vento bagunçasse meus cabelos loiros.

— O que acham que a mãe dela fez? – Calíope perguntou após algum tempo.

— Pulou a cerca? – Lua falou sarcástica. Deu de ombros diante dos nossos olhares. – Ah, qual é meninas. Ela mesma disse que é uma bastarda e não falou do pai. Acham mesmo que ela está nessa situação por que a mãe queimou o arroz? No mínimo a família é dessas tradicionais que arranjam os casamentos e a mãe dela fugiu com outro.

— Acha que ela mentiu? – perguntei.

— No mínimo, omitiu – Lua respondeu indiferente.

Ficamos em silêncio. Pensei na Lua daquela manhã: meio pra baixo, conversando pouco e rindo menos ainda, parecendo meio distante e como ela havia mudado drasticamente depois que encontramos Sophie. Ou depois que viu Dawn.

— Está assim por causa dela? – perguntei olhando para frente.

Ártemis fechou ainda mais a cara e pisou no próprio pé. Cal fez uma curva para a direita e pisou no acelerador.

— Dela quem? – a ruiva perguntou desviando os olhos rapidamente para a garota sentada ao seu lado.

— Ninguém Amy – Lua respondeu rapidamente.

— Dawn Austen Margott – falei sendo fuzilada por Ártemis logo em seguida. Ergui as mãos em rendição. – Olha tudo bem você não querer falar, mas somos suas amigas e só estamos querendo ajudar. E amigos não mentem.

— Ela está certa Lua – Calíope falou estacionando perto de uma construção grandiosa com a fachada em estilo grego.

Ártemis nos olhou uma última vez antes de sair do carrinho e caminhar com passos duros em direção à escadaria da Biblioteca. Cal suspirou e saiu também, me chamando e dizendo para não esquentar.

— Ártemis é orgulhosa, mas quando ela perceber que estamos certas e que só queremos ajudar vai vir falar com a gente. Pelo menos, assim eu espero.

Assenti e examinei a Biblioteca. Uma enorme escadaria leva até meia dúzia de colunas gregas que enfeitam a fachada. Passando pelas colunas é possível ver um chalé em estilo vitoriano de três andares. As enormes janelas fechadas com as cortinas abertas permitem a visão de mesas e sofás, com abajures de chão e luxuosos lustres de teto. Mais ao longe, inúmeras estantes e prateleiras repletas de livros. As cortinas do terceiro andar estavam quase todas fechadas. A porta de madeira escura da entrada está repleta de desenhos rústicos entalhados na madeira, que remetem a vários livros. Ao lado da porta, uma placa de ouro com a frase gravada Em cada biblioteca existe um único livro que pode responder a pergunta que queima como fogo na mente está pendurada.

Mas antes que eu ou Calíope, ou até mesmo Lua que estava mais a frente, conseguíssemos entrar no local, uma cabeleira mel saiu correndo pela porta sendo seguida de perto por uma bem mais curta tingida de vermelho. Lyn parou ofegante perto da porta e olhou ao redor, nos encontrando paradas.

— O que houve? – perguntei.

Antes que pudéssemos dar mais um passo, Elizabeth Manson passou pela porta levemente descabelada e com os lábios sangrando. Matthew Morningstar a seguia de perto, assim como Mavis Bittencourt que parecia estranhamente brava. Manson parou perto da porta, passou a mão pelo sangue que escorria pelo queixo e olhou ao redor se deparando com nós cinco a encarando, chocadas. 

Telma se encolheu sobre o olhar gelado da Líder e Lyn colocou um braço protetor sobre os ombros da garota. Me aproximei das duas lentamente enquanto Lua ficava parada no lugar. Calíope mordeu o interior da bochecha e fez bico, parecendo absorver a cena. Elizabeth passou os olhos sobre cada uma de nós, parecendo demorar mais em Cal então nos deu as costas e caminhou com passos duros até um cavalo negro que pastava calmamente perto das árvores. Matthew a seguiu, enquanto Mavis voltou para a Biblioteca.

Após alguns minutos de silêncio, nos encaramos.

— Que droga vocês fizeram? – Cal perguntou colocando as mãos na cintura e olhando de Lyn para Telma.

 

Matthew Morningstar, Matt

(Julho –  Sábado, tarde)

Estralei os dedos pela milionésima vez. Cocei meus olhos para afastar o sono e tentei reprimir a vontade de levantar, porque depois de quase três horas sentado, minha bunda estava dolorida. Olhei ao redor da sala de reuniões da Biblioteca, que fica no último andar.

As cortinas pretas estavam completamente fechadas e o ar condicionado estava ligado. A mesa redonda de madeira clara estava cheia de papéis, cadernos, computadores e outras coisas. As seis cadeiras estavam ocupadas: cinco pelos os Líderes das Irmandades e uma pelo Sam, o braço direito da Effy. Como ela é a Líder do Acampamento e têm mais coisas para fazer graças a isso, Sam a ajuda sendo quase como um vice-diretor.

Olhei para o lado direito e observei Elijah Campbell. O garoto de 16 anos com os cabelos castanhos, olhos mel e alto com a típica pulseira no punho direito estava escrevendo algo num caderno, parecendo muito concentrado. Estranhei esse fato, pois Eli geralmente presta a menor atenção nas reuniões, mas ao me inclinar em sua direção pude perceber que ele estava compondo uma música.

Ri pelo nariz e voltei meus olhos para frente, onde Mavis Bittencourt estava sentada mordendo o lábio parecendo estar à milhas daquela sala. Seus olhos verdes estavam com um ar vago e seu cabelo ruivo estava bagunçado. Em vez de anotar os campistas em que estava interessada e por que, como Effy havia pedido, a garota fazia rabiscos aleatórios no caderno sem ao menos olhar. Do meu lugar eu só conseguia ver o cabelo loiro e parte da testa branca de Jason Blood que estava do lado esquerdo de Mavis e direito do Eli e eu poderia jurar que ele estava dormindo atrás do livro.

Olhei para o meu lado esquerdo e do outro lado de Mavis, Sam digitava freneticamente em seu computador. Fiquei com pena do garoto: tendo que juntar todas as cartas, coloca-las no sistema para que Effy visse e só se ela autorizasse ele poderia arrumar os horários das aulas e treinos. Pensei em quantas noites ele devia ficar sem dormir para acertar as competições, A Caçada e deixar tudo ao gosto da Manson.

Olhei para Effy que estava sentada do meu lado esquerdo. De perto era possível ver as olheiras por baixo de seus olhos claros. Seu cabelo comprido caia como uma cascata sobre seus ombros e rosto e ela parecia ainda mais pálida do que o normal. Para minha surpresa, ela encarava a mesa com um olhar vago, a mão apoiando o rosto. Estranhei a atitude e me recordei das reuniões dos outros anos, onde ela falava pelos cotovelos, dizendo as mudanças que aconteceriam naquela temporada e que as Raposas seriam as vencedoras, sempre rindo e brigando com Jason. Lembrei-me do começo daquela reunião, onde ela ignorou todas as nossas perguntas sobre o porquê do Acampamento não participar mais dos torneios, coisa que ela nunca fazia.

— Effy? – chamei, mas ela não pareceu me ouvir. Tive que chamar quatro vezes até que a garota erguesse os olhos para mim, assustada. – O que houve?

— Como assim? – ela perguntou se endireitando na cadeira.

— Você está distraída, diferente... Está tudo bem?

Effy me encarou por alguns minutos, séria. Me senti nervoso sobre seu olhar investigativo, mas então ela inclinou a cabeça para o lado e sorriu.

— Ora Matt, nós dois sabemos que você não é bom em guardar segredos.

 - Certo – falei sorrindo. – Mas a questão é: você falou com alguém? Mavis ou...

Mas antes que eu terminasse ela levantou de supetão, assustando todos que estavam na mesa, menos Jason que continuou dormindo até Mavis lhe dar um cutucão. Effy caminhou pela sala abrindo todas as cortinas, fazendo com que a claridade repentina doesse em nossos olhos. Então se voltou na nossa direção e disse:

— Parem de dormir ou fazer o que estão fazendo, que com certeza não é o que eu pedi, e façam logo a lista dos campistas que vocês querem se prezam a cadeira que ocupam.

— Eu não sabia que teria que aturar reuniões chatas quando me tornei Líder – Jason falou com um sorriso cafajeste.

— Nada acontece como a gente acha que vai acontecer. Principalmente a vida Jason – Effy falou se encaminhando até a porta e a abrindo. – Quando voltar espero que já tenham terminado.

Então saiu, fechando a porta ao passar. Sam começou a digitar ainda mais rapidamente, se é que isso é possível, enquanto Eli voltava sua atenção para o caderno de composições.

— Por que ela pode sair e a gente não? – Mavis falou no meio de um bocejo.

— Quem disse que a gente não pode? – Jason falou se levantando. – Eu não sei vocês, mas cansei de brincar de reunião. Não vim para o Acampamento pra isso.

— Você falou certo Jason – falei pensando nos campistas do Chalé das Larvas que eu gostaria de ter na minha Irmandade. – Estamos brincando de reunião. Não acha isso estranho?

— O que quer dizer com isso? – Mavis perguntou se endireitando na cadeira e se inclinando na minha direção.

Dei uma rápida olhada em Sam. Ele é um bom garoto e extremamente esforçado, mas eu não sabia se podia confiar nele. Ele não faz parte efetivamente do grupo, não é nosso amigo foras das reuniões. Bom, talvez fosse de Effy já que ele é uma Raposa, mas eu preferia não arriscar. Parecendo perceber meu olhar, Mavis se levantou e disse:

— Vamos pegar café Matt?

— Effy vai matar vocês – Eli falou fechando o caderno e ligando o computador.

— Ela mais late do que morde – Jason falou abrindo a porta e esperando Mavis.

— Antigamente talvez sim, mas Matt está certo. Ela está diferente. Lucian acha isso, que ela está com uma fachada cheia de rachaduras. E bem, se o Gonzalez que passa quase o ano inteiro com ela acha isso... Eu não vou me arriscar.

— Isso, seja um covarde – Jason falou dando um sorriso maldoso. – Fique com medo de uma garota que é menor do que você e tem a metade do seu peso.

Eli encarou Jason com raiva e eu estralei os dedos, suspirando. Aqueles dois só não brigavam mais porque o primeiro lugar é da Effy. Revirando os olhos, Mavis deu um soco na barriga de Jason e falou:

— Se as garotinhas já terminaram – deu um sorriso e respirou fundo antes de berrar – Quero café!

Sam pulou de susto e soltou um palavrão, o que fez com que todos nós gargalhássemos. Contrariando o bom sendo e o conselho do Elijah, sai porta afora seguindo Mavis e Jason, que ficavam se cutucando como duas crianças.

O terceiro andar possui apenas uma sala: a de reuniões. O resto do espaço é ocupado por uma pequena cafeteria redonda no centro, por estantes com livros que estavam posicionadas em vários anéis seguindo o padrão da cafeteria, mapas, diários antigos e coisas estranhas que eu nem sei por que o Acampamento tem. Mesas com computadores, sofás e armários de arquivos ficam espalhados pelo ambiente de forma organizada. As enormes janelas com vitral lembram igrejas, mas o piso de madeira escuro, as paredes enfeitadas com mapas e quadros acabam com a semelhança. Uma escadaria e um elevador ficam no canto oposto a sala de reuniões. O terceiro andar tem acesso restrito e apenas Líderes e pessoas autorizadas podem acessa-lo. É preciso ter uma chave para fazer o elevador subir e campistas cuidam da escada.

Estralei os dedos e olhei ao redor vendo se Effy estava à vista. Mavis e Jason pararam perto da pequena cafeteria e conversavam animadamente, falando besteiras enquanto esperavam atendimento, o motivo pelo o qual saímos da sala completamente esquecido. Passei os olhos pelo lugar e vi alguns poucos campistas mexendo nos computadores e lendo. Mas então meu olhar pousou sobre duas garotas que pareciam animadas demais para não serem suspeitas.

Uma tinha o cabelo bem curto pintado de vermelho, estatura mediana e algumas curvas e estava usando uma camiseta branca com uma frase. A outra tinha um cabelo que parecia uma juba mel, sobrancelhas grossas e usava tênis cor de rosa. Olhei para trás e constatei que Mavis e Jason estavam ocupados demais fazendo piadas ruins para se importarem comigo. Caminhei lentamente até onde as meninas estavam – perto de uma estante com livros antigos – olhando ao redor para ver se mais alguém as acompanhava. Eu podia estar dando uma de paranoico e elas podiam ter permissão para estar ali e talvez estivessem animadas porque era a primeira vez que visitavam aquele andar ou porque o estado de animação era constante para elas. Mas provavelmente se esse fosse o caso elas estariam acompanhadas. Eu tinha quase certeza que não as conhecia, o que me fez pensar que eram duas novatas e que definitivamente não tinham permissão para estarem ali.

A garota dos tênis rosa derrubou um livro no chão e eu agradeci mentalmente por Effy não estar por perto para ver aquela cena. A ruiva pegou o livro rapidamente, olhando ao redor para ver se alguém tinha visto e pousou seus olhos mel em mim. Ela passou a mão nervosamente pelo cabelo, jogando a franja para um lado. A garota ao seu lado arregalou os olhos e me encarou.

— Tudo bem com vocês? – perguntei calmamente.

As duas assentiram rapidamente com a cabeça, trocando olhares.

— Então... – a ruiva começou guardando o livro. – Você vem sempre por aqui?

— Algo assim – falei. – E vocês?

— É nossa primeira vez – a outra falou rapidamente, tropeçando nas palavras. – Aqui tem tanta coisa velha, é incrível! Encontrei um livro simplesmente fantástico sobre insetos e achei um livro de desenhos que ensinam umas técnicas bem legais. Aliás, eu sou Telma Miller e ela é Evelyn Brooke.

— Matthew Morningstar, Líder dos Ursos. Vocês tem permissão para estarem aqui? – perguntei cauteloso, encarando-as.

— Aqui... Na Biblioteca? – Evelyn falou olhando para a amiga. – Bom, não sabíamos que precisávamos de permissão, Elizabeth não nos avisou.

— Não, eu quis dizer aqui, no terceiro andar.

— Não, por quê? – Telma falou passando as mãos pelo cabelo.

— Porque é necessário. Como passaram pelo campista que cuida da escada e como abriram a porta que fica no topo?

— Não tinha nenhum campista e a porta estava aberta – Telma falou rapidamente, como se quisesse deixar claro que a culpa não era dela.

— Nenhum campista? – perguntei franzindo a testa e estralando os dedos. – Venham comigo.

As duas garotas se olharam antes de me seguirem. Caminhei até a porta e constatei que essa de fato estava aberta, mas como as garotas poderiam muito bem terem aberto e não fechado, não levei isso muito em conta. Passamos pela porta e estávamos descendo as escadas quando algo me chamou atenção e me fez estancar, fazendo com que uma delas batesse nas minhas costas.

Tudo estava estranhamente silencioso. É claro que uma biblioteca é silenciosa, mas sempre há o barulho de conversas sussurradas, páginas sendo viradas, cadeiras arrastadas e algo caindo vez ou outra. Mas tudo estava silencioso. Pensei rapidamente na sucessão de fatos: Effy sair da sala sem explicações, eu não acha-la no terceiro andar, duas meninas que não tem permissão aparecem alegando que a porta estava aberta e que não havia nenhum campista. Eu muito provavelmente poderia estar sendo paranoico, mas algo bem no fundo me dizia que não. E então eu ouvi.

Uma conversa sussurrada. Passos e barulho de corpos se chocando. Vozes alteradas. Eles estavam longe demais ou em algum lugar fechado demais para que eu conseguisse diferenciar as vozes ou o que diziam. Continuei descendo as escadas lentamente, tentando não assustar as meninas que me seguiam silenciosas.

— Não! – uma voz masculina gritou do andar de baixo, fazendo Evelyn e Telma saltarem de susto.

Desci as escadas correndo sendo seguido por elas. No corredor que dava acesso as escadas do terceiro andar e as escadas do segundo, encontrei Carl Gonzales agachado no chão ao lado de Elizabeth.

Avaliei a estranheza daquela cena: Carl é um garoto de 14 anos bastante alto para sua idade e seu rosto tem a aparência de um garoto uns dois anos mais novo. Seus cabelos castanhos estão sempre muito bem penteados e sua pele é um pouco mais clara do que a do irmão mais velho, Lucian. Mas essa não é a maior diferença entre os irmãos. Enquanto Lucian está sempre bem humorado, tentado fazer os outros rirem e interagindo com as pessoas, Carl fica no seu canto lendo gibis sem falar nada, sem interagir.

Eu sabia que ele tinha uma espécie de amizade com Effy, afinal ela é amiga do seu irmão mais velho e passa boa parte do tempo na casa dele, além de dar livros a Carl. Então não estranhei o fato de ver os dois juntos. Demorei um minuto para processar a cena que via na minha frente. Foi então que eu percebi.

— A blusa dele está com sangue – Evelyn falou num sussurro, ficando incrivelmente pálida, dando às costas a cena.

Ela estava certa. A camiseta com estampa do Zelda de Carl estava suja de sangue. Mas o garoto parecia bem. Até levantar os olhos para seus telespectadores.

— Vocês podem parar de assistir e fazerem algo útil? – falou arrogante.

— Qual o problema Carl? – perguntei me aproximando.

Telma passou o braço sobre os ombros de Evelyn que parecia estar tendo calafrios. Carl se afastou um pouco de Elizabeth que estava deitada no chão, a boca ensanguentada. Ajoelhei-me ao lado da garota, conferindo sua pulsação e pensando o que fazer a seguir.

— Eu estava subindo as escadas quando um cara perguntou se eu tinha permissão para subir e eu falei que tinha. Aí ele perguntou a permissão de quem e eu falei que era da Effy e ele não pareceu saber quem era então eu falei Elizabeth Manson. Effy estava descendo na hora e perguntou qual era o problema e o cara simplesmente deu um soco nela, me jogou no chão e saiu correndo.

— Um campista fez isso? – perguntei chocado olhando o garoto.

— E eu lá vou saber se aquele panaca é campista ou não? Que diferença faz agora? – ele falou irritado.

— Certo, suba e chame Mavis e Jason ou quem você achar.

Mas antes que Carl pudesse se erguer, Effy abriu os olhos e se sentou, passando os olhos gelados de mim para Carl e depois para as meninas mais atrás. Ela pareceu absorver a cena, então limpou o sangue que pingava do seu queixo com sua camiseta azul. Se levantando ela disse:

— Para onde ele foi Carl?

— Ele... Ele desceu as escadas – o garoto respondeu meio chocado.

— E por que essas duas novatas estão aqui Matt?

— Nós estávamos no terceiro andar – Telma respondeu simplesmente.

Effy estreitou os olhos para as duas, fazendo Telma se encolher um pouco. Evelyn olhou para ela e arregalou os olhos ao vê-la suja de sangue. Fiz um sinal discreto para que elas descessem e outro para que Carl subisse e chamasse alguém. Effy passou uma mão pelo rosto, respirou fundo e começou a descer as escadas atrás das garotas.

— Effy? – chamei tendo que praticamente correr atrás dela. – Aonde você vai? Você acabou de levar um soco no queixo, não pode ficar andando por aí.

Me ignorando completamente ela desceu os lances de escada rapidamente, passando por alguns campistas que a olhavam chocados. Ouvi passos atrás de mim e ao olhar para trás constatei que Mavis nos seguia com olhos curiosos. Ela se aproximou de mim e disse:

— O que houve? Carl falou que Effy está ferida...

— Está. E vai não sei para onde fazer sabe sei lá o que.

— Mas ela não pode ficar andando por aí – Mavis falou me encarando como se eu fosse o culpado.

— E você acha que eu não sei – falei caminhando mais rápido. – Mas ela não me escuta.

Começamos a correr atrás da garota que corria na nossa frente. Mavis a chamou algumas vezes atraindo atenção de vários campistas e o olhar raivoso da bibliotecária até que perdeu a paciência e berrou.

— Elizabeth Naomi Manson pare agora.

Effy parou com a mão na maçaneta da porta principal, por onde Evelyn e Telma tinham acabado de passar correndo. Ela se voltou em nossa direção com os olhos completamente raivosos e suja de sangue o que a fazia parecer ainda mais assustadora.

— Você levou um soco no queixo, deve estar tonta pra caramba – Mavis falou observando o roxo no rosto da amiga enquanto se aproximava. – Você não pode sair por aí...

— Eu não posso deixar que um assassino psicopata ou sei lá o que o cretino que me bateu se intitula passear no meio dos campistas no meu Acampamento. Vou achá-lo e ninguém vai me impedir – falou passando pela porta e parando logo em seguida.

Seguimos seu gesto e nos deparamos com Evelyn, Telma e mais três garotas nos olhando assustadas. Evelyn e Telma se abraçavam e uma garota loira, alta e magra se aproximou delas, com ar protetor. Uma ruiva natural com rosto redondo e quadril largo manteve distância enquanto parecia avaliar a situação. A última garota, uma morena baixinha e com os olhos castanhos matinha distância.

Voltei meus olhos para Effy e constatei que esta rumava em direção ao seu cavalo, Fergus. Caminhei atrás dela enquanto Mavis entrava na Biblioteca novamente, bufando. Ouvi as meninas ficarem em silêncio até uma delas falar algo e as todas começarem a falar ao mesmo tempo.

Alcancei Effy quando esta montava em seu corcel. Seus lábios estavam rachados, mas já não sangravam tanto. Ela olhou ao redor e então pousou seus olhos em mim.

— Não se preocupe Matt não vou morrer, pelo menos não hoje. Por favor, volte lá e descubra o que aconteceu com o campista que estava de vigia e faça os outros terminarem aquela droga de relatório. Diga ao Sam para descansar um pouco e se ele negar fale que eu estou mandando.

— Você vai ficar bem? – perguntei dando alguns passos para trás.

Um olhar vago assumiu o raivoso e o sorriso brincalhão e tranquilizador que ela tinha desapareceu. Ela ficou alguns instantes em silêncio olhando o nada quando balançou a cabeça para afastar os pensamentos e falou:

— E tem outro jeito?

Observei ela e Fergus se afastarem em direção ao noroeste. Após alguns minutos, um vulto pequeno e laranja os acompanhava.

(Noite)

Espreguicei-me e olhei ao redor. Os campistas que já tinham terminado de jantar ou caminhavam para seus Chalés ou até o Lago esperando ver alguma coisa interessante antes do toque de recolher. A notícia sobre a Líder ensanguentada já havia se espalhado e as teorias aumentaram ainda mais quando Effy não apareceu para jantar. Mavis estava alegre e animada como sempre, mas quem a conhecia sabia que algo a incomodava. Jason, como sempre, tirava sarro de tudo e estava mais preocupado em observar as campistas do que com a possível morte da amiga. Elijah estava preocupado, mas tentava descontrair tocando seu violão dizendo que de nada adiantaria arrancar os cabelos. Coisa que Lucian parecia estar fazendo.

Lucian ficou extremamente preocupado como o irmão coruja que é quando soube que Carl tinha sido jogado no chão, mas logo se acalmou quando viu que o irmão estava bem. Até o caçula contar toda a história novamente. Lucian numa atitude muito atípica gritou comigo perguntando por que eu não a tinha parado. Mavis gritou de volta o mandando parar de me culpar e de gritar por que de nada adiantaria. Então os dois saíram da minha sala num dos Chalés da Vila deixando Jason, Eli, Carl, Sam e eu completamente chocados. Algum tempo depois, Lucian veio se desculpar no seu bom humor de sempre dizendo que a culpa não era minha e que Effy sabe ser teimosa quando quer. Rimos e conversamos um pouco para tentar afastar o nervosismo.

Mas é claro, não funcionou. Effy sumiu tem quatro horas e apesar de ser bem provável que ela esteja no Acampamento, não temos tanta certeza. Afinal, também era improvável que alguém entrasse no Acampamento. Tínhamos colocado os lobos para procurá-la nas planícies e os ursos na floresta. Mas sabíamos que se ela mandasse, eles não nos contariam onde ela está.

Estralei os dedos afastando os pensamentos. Vi Elijah com o violão nas costas conversando com Dominique Lee Underwood, a novata da Coruja. Ele parecia animado lhe falando algo e a garota ria vez ou outra.

Jason jogava futebol americano por lazer com alguns meninos do Lobo. Mavis acompanhava os campistas do Búfalo que estavam indo para o Chalé, conversando com Telma. Decidindo que era hora de fazer algo útil pela minha Irmandade também, peguei carona num carrinho com membros do Urso e fomos até a Vila conversando sobre bandas de rock no trajeto. Eles me deixaram no Chalé Principal antes de seguirem em direção ao Chalé do Urso.

Entrei no Chalé e encontrei alguns poucos campistas que terminavam suas tarefas antes de poderem ir embora. Subi alguns lances de escada e virei à esquerda num corredor. Entrei na minha sala e enquanto esperava meu computador ligar pensei em todos os novatos que eu gostaria que entrassem na minha Irmandade. Pensei em Dawn Margott e em tudo que ela poderia contribuir para que o Urso vencesse nessa temporada.

Fiz o relatório que a Effy havia pedido colocando todos os possíveis novos membros do Urso além de colocar onde o garoto que deveria estar de vigília no terceiro andar estava e outras coisas. Uma hora e meia depois, quando não era mais possível ouvir qualquer ruído do Chalé fora o teclado do meu computador, eu havia terminado. Imprimi e pensei em deixar em cima da minha mesa para levar para Elizabeth no dia seguinte, mas mudei de decisão na última hora.

Saí da sala e subi as escadas até chegar ao último andar, que fora um pequeno corredor era ocupado completamente pela sala da Líder do Acampamento. Como a luz do corredor estava apagada eu pude ver a iluminação que passava debaixo da porta. Com o coração acelerado e dando passos cautelosos, terminei de subir a escada e caminhei até a porta, abençoando o tapete grosso que abafava meus passos. Coloquei a mão na maçaneta e encostei o ouvido na porta, esperando ouvir algum ruído. Ouvi o som de algo arranhando papel e após alguns minutos, uma coruja piou.

Abri a porta de supetão, assustando a coruja suindara que estava empoleirada na gaiola aberta. As janelas abertas deixavam que a brisa noturna entrasse, balançando as cortinas. Entrei na sala, fechando a porta e olhei ao redor.

— Ninguém te avisou que é feio entrar sem bater Matthew?

Pulei e me virei na direção da voz sarcástica de Elizabeth que sorria para mim de um local que eu não veria da porta. Seus lábios rachados não sangravam mais apesar do grande hematoma roxo perto do queixo. Suas roupas estavam sujas de sangue. Ela tinha alguns hematomas nos joelhos e na parte superior dos braços. Os nós dos dedos da mão direita estavam machucados, sujos de sangue e com pedaços de pele faltando. Ao perceber que eu encarava sua mão, Effy a colocou atrás das costas e caminhou até sua coruja.

— Eu estava escrevendo uma carta para você – falou apontando para o pedaço de papel sobre a mesa de carvalho escuro. – Melpómene já estava preparada para manda-la – falou acariciando a coruja branca que deu uma bicada amorosa nos seus dedos.

— Conseguiu pegar ele? – perguntei colocando o relatório na mesa ao lado de alguns papéis.

Ela assentiu com a cabeça, levando Melpómene até a janela e observando a coruja voar em direção à noite.

— Ele já deve estar bem longe daqui – ela falou ainda da janela.

Aproximei-me e fiquei parado do seu lado observando os campistas que iam e viam pela Vila.

— Você chamou a polícia? – perguntei.

Ela deu de ombros e assentiu. Ficamos alguns minutos em silêncio e me perguntei como uma garota franzina como Effy poderia ter lutado com um garoto e ter saído vencedora. Porque estava claro que havia tido uma luta e apesar dos machucados, ela parecia bem.

— Você estava preocupado ontem no café da manhã – ela falou apoiando o quadril no parapeito da janela. – Por quê?

Hesitei por alguns instantes, sem saber ao certo o que falar. Como Effy mesmo disse ainda naquele dia, eu não sou bom em guardar segredos, mas sei que posso confiar nela. A garota tem alguma coisa que me faz confiar cegamente que ela vai guardar tudo que eu despejar sobre ela e ainda me dar um conselho. Effy sabia mais sobre mim do que a maioria das pessoas que eu conhecia. Mas algo me fazia hesitar, como se eu estivesse prestes a dizer algo bobo.

— É minha mãe. Ela sempre foi meio sentimental, mas as coisas têm sido piores há algum tempo principalmente em relação a mim. De uns meses pra cá ela tem conversado mais, desejado mais minha companhia... Não que não seja ruim, mas sei lá. Ela chorou quando embarquei no trem para cá, o que foi muito estranho. Afinal de contas, são só dois meses e eu faço isso a sete anos. Ela já deveria estar acostumada, não é?

Desviei os olhos dos campistas e observei a garota parada do meu lado. Reparei no olhar de culpa que passou pelo seu rosto, tão rápido que eu poderia jurar que era minha imaginação. Diante do meu olhar, ela se virou novamente para o lado de fora e suspirou fundo.

— Talvez ela esteja assim porque você tem 17 anos. Logo vai fazer faculdade, sair de casa, conhecer uma garota legal e deixar ela de lado. Mães geralmente tem esse complexo de passarinho saindo do ninho ou pelo menos foi isso o que me disseram – sorriu sem humor. – Não se preocupe Matt, tenho certeza que não é nada demais. Sua mãe só deve estar triste diante da perspectiva de você ir para longe.

— É, você provavelmente tem razão – falei desviando o olhar do seu rosto comprido e voltando a olhar os campistas.

Passado algum tempo ela falou num sussurro.

— Estou indo para Califórnia.

— Agora? – perguntei surpreso.

— Amanhã de manhã.

— Você vai deixar o Acampamento no meio da temporada?

Effy baixou a cabeça, o olhar perdido. Seus ombros caíram para frente como se tivesse carregando algo pesado e ela fechou os olhos, colocando os pensamentos em ordem.

— É. Tenho algumas coisas para resolver e meu avô vai fazer 70 anos o que é algo inédito na minha família em que quase todos morrem jovens. Ele diz que está assim por causa da plantação de uva – falou sorrindo de lado. – Quase nunca nos vemos então eu tenho que ir.

— Quanto tempo vai ficar fora? – perguntei me virando completamente em sua direção.

— Medo de ficar no Acampamento sem mim Matthew? – falou sorrindo sarcástica. – Eu não sei.

Ficamos alguns minutos em silêncio, absortos em pensamentos. Não é algo completamente inédito um campista deixar o Acampamento no meio da temporada: isso geralmente acontece com os novatos que querem voltar para casa ou quando algum parente morre. Mas é extremamente raro um veterano ou ainda mais um Líder deixar o Acampamento. Mas cheguei à conclusão que Effy tinha bons motivos para fazê-lo.

— Tudo bem – falei. – Você avisou alguém?

— Avisei você – ela falou sorrindo marota e se afastando da janela.

— Não avisou mais ninguém?

Effy caminhou até a porta e a abriu para então se virar na minha direção com um ar divertido.

— Relaxe Matt, ninguém vai morrer enquanto eu estiver fora – falou me dando uma piscadela. – Mas não avise ninguém que vou sair até amanhã, ok? Agora, você precisa ir porque tenho que me arrumar.

— Certo – falei caminhando em direção à porta com ar meio surpreso. – Boa noite Effy.

— Boa noite – ela falou fechando a porta atrás de mim.

Fiquei algum tempo parado na soleira da porta absorvendo a informação até que decidi ir de uma vez para o Chalé do Urso.

— Como ela espera que eu avise o Acampamento inteiro que ela foi dar uma volta? – resmunguei enquanto descia as escadas e fechava a porta principal. – Como ela espera que eu informe o namorado dela que ela foi pra Califórnia? Se bem que ela com certeza deve ter feito isso porque eu não vou falar droga nenhuma para aquele loiro metido a galã.

Eu sabia que muito provavelmente deveria estar parecendo um louco por murmurar coisas sozinho enquanto caminhava para o Chalé, mas não me importei. Eu estava com minha cabeça cheia de coisas, meu cérebro parecia girar em torno dos pensamentos sem conseguir chegar a conclusões uteis ou lógicas. Estralei os dedos e cumprimentei com acenos de cabeça os campistas que passavam por mim pensando em quanto Mavis ficaria ainda mais brava com a melhor amiga por ela não ter avisado que tinha voltado da caça ao seu agressor só Deus sabe quando e por ela não ter informado que iria para Califórnia.

— Por que eu tinha que ter subido naquela sala? Por que eu não deixei a droga do relatório na minha mesa? É obvio que ela não vai lê-lo agora e muito menos quando estiver tomando banho de sol na Califórnia.

Cheguei ao Chalé e subi os degraus que levam a varanda de entrada, encontrando alguns campistas ali conversando. Passei pela porta principal e subi as escadas até chegar ao meu quarto. Em cima da escrivaninha estavam algumas cartas que eu decidi que só leria amanhã.

— Já tenho coisas demais na cabeça para uma noite – falei enquanto tirava minha camisa xadrez.

Estava quase tirando a calça quando alguém bateu na porta. Xingando quem quer que fosse, coloquei uma camiseta qualquer e abri a porta dando de cara com uma garotinha de 12 anos loira, de olhos azuis e rosto angelical.

— Oi Matt – ela falou animada. – Me pediram pra te chamar, um garoto do Lobo quer falar com você.

— Obrigado Hanna – falei bagunçando seu cabelo ao passar por ela.

Pedindo aos céus para que não fosse Jason com mais problemas, desci os lances de escada mandando um ou outro campista parar de fazer algo errado e desejando estar na minha cama. Mandei todos os campistas para dentro antes de passar pela porta principal e esperar a varanda esvaziar para dar de cara com um Lucian sério.

— Por favor, me diga que você não tem mais problemas – falei.

— Noite ruim? – ele falou sorrindo e caminhando até o sofá da varanda, sentando logo em seguida.

— Não é todo dia que Lucian Gonzalez fica sério.

Ele riu enquanto eu me sentava ao seu lado.

— Não é todo dia que pessoas machucadas se aventuram por aí acreditando que podem salvar o mundo – ele falou.

— Se está preocupada com Effy, pode relaxar. Ela já voltou – falei enquanto encostava a cabeça na parede logo atrás do sofá e fechava os olhos.

— Já? – ele perguntou surpreso. – Mas Mavis acabou de me dizer que não tinha noticias.

— Não, eu acabei de te dizer que ela já voltou – falei sorrindo. – Se não acredita em mim vá lá no Chalé Principal e veja. Se bem que é bem provável que ela te expulse de lá com pontapés.

— Por que?

— Ela está se arrumando para ir para a Califórnia.

— O que?! – Lucian exclamou se levantando.

Abri meus olhos assustado com a reação dele e lembrando que Effy havia me pedido para não contar para ninguém até a manhã seguinte. Boa Matt.

— Droga – falei.

— Ela o que? – Lucian perguntou chocado.

— Está indo para a Califórnia? – falei inseguro desejando desesperadamente estar na minha cama.

— Quando? Por quê? O que exatamente ela te falou Matt?

— Relaxa cara – falei me ajeitando no sofá. – Ela vai amanhã e falou que é o aniversário do avô dela e que é importante ela ir. E também falou que não sabe quando volta.

Lucian colocou as mãos nas costas e começou a andar de um lado para o outro enquanto eu o observava.

— Qual é o problema? – perguntei após alguns minutos.

— O problema é que Effy está agindo estranho e eu não sei por que. O problema é que o avô dela não mora na Califórnia. O problema é que quando ela diz que vai pra Califórnia que é um lugar onde tudo lembra o irmão dela ela volta muito mal. O problema é que quando ela faz isso algo muito ruim está acontecendo.

Apoiei meus cotovelos nos joelhos e minha cabeça nas mãos, ainda o observando ir e vir.

— Cara, relaxa. Se continuar assim vai ficar paranoico igual a mim. Ela provavelmente está tendo problemas com o Dylan ou algo assim. Não espera que ela fale com você sobre isso, né?

— Por que não? – ele falou parecendo uma criança birrenta.

Suspirei enquanto estralava os dedos.

— Você é menino, ela é menina... Tem coisas que não falamos pra ela e vice e versa.

— Você fala tudo pra ela – ele me acusou parando de andar. Ergui as sobrancelhas. – Não, ela não me contou algo, mas eu sei. Effy sabe dos segredos de todo mundo. E se sua teoria fosse certa, então por que Mavis também não sabe de nada?

— Porque, como você disse, Effy sabe dos segredos de todo mundo. E ninguém sabe os dela. Não me olhe assim Lucian – falei diante do seu olhar de eu sei dos segredos dela. — Você acha que sabe de tudo, mas provavelmente conhece uma fração tão pequena que nem faz diferença. Por exemplo, eu nem sabia que ela tinha um irmão! Ela deve contar pequenas informações diferentes para cada um de nós e se juntarmos tudo talvez resulte nela, mas acho improvável.

Lucian ficou subindo e descendo na ponta dos pés, as mãos ainda atrás das costas. Por fim, voltou a se sentar do meu lado.

— É estranho pensar que depois de tantos anos não sei direito quem ela é – falou.

— Eu sei. Quer dizer, ela pode ser qualquer coisa.

— Uma bruxa – Lucian falou sorrindo.

— Um duende.

— Uma sereia.

— Uma fada.

— A vilã.

Assenti com a cabeça, achando que seria muito clichê falar a heroína, mas sabendo que ambos pensávamos nisso. Após alguns minutos de silêncio ele falou:

— Quem era o cara?

— O que? – perguntei confuso.

— O cara que bateu nela. Quem era?

— Ah... – falei passando uma mão na nuca. – Eu não perguntei.

— Por que não? – ele perguntou me encarando surpreso.

— Bom, para ser sincero nem passou pela minha cabeça perguntar e imaginei que todo mundo encheria ela de perguntas, então decidi dar a ela uma folga.

Ficamos em silêncio até que Lucian se levantou e se despediu dizendo que tentaria falar com ela. Fiquei sentado mais alguns minutos sabendo que se Effy quisesse, ela não seria encontrada.

Por fim, me levantei e entrei no Chalé dizendo para os campistas que estavam acordados não irem dormir muito tarde. Subi os lances de escada, entrei no meu quarto trancando a porta ao passar, me despi e após um banho, me deitei sabendo que aquela temporada seria diferente de todas as outras.


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Notas finais do capítulo

Maxine: http://projectshanks.com/wp-content/uploads/2015/10/carlson-young-4.jpg

Matthew: http://www.spnclothesstyle.com/wp-content/uploads/2014/07/sam_jackets_shirts.jpg

Bom, então é isso ^.^ Espero q tenham gostado e devo dizer q a partir de agora as coisas começam a esquentar ahsuhuahs
N esqueçam de comentar pq apesar de os comentários n fazerem mais diferença entra a vida e a morte do personagem, eles me motivam muito e é bom saber o q vcs estão achando ;)
Eu coloquei o mês, o dia da semana e o momento do dia pra vcs n se perderem... O q acharam?

Até.
XOXO,
Tia Mad.